ga-se até que ponto um trabalhador com alta qualificagao
e alta remuneragio pode ser considerado membro do
proletariado, No plano inferior, indaga-se até que ponto
o desempregado pode ser considerado membro do pro-
letariado. Nos dois planos, a resposta s6 pode ser: até o
limite em que a diferenca entre essas camadas € 0 traba-
Jhador simples empregado, determinada ou anulada pelo
processo real de producao, é de tal ordem que ela se
transforme em contradicio. O gerente que é assalariado,
mas participa ativamente da gestio da empresa, da sua
politica de cortes e contratacées, da formulagao do seu
organograma, da sua politica salarial, etc., e que submete
todas essas decisées ao prinefpio da maximizagao do lu-
cro, esse individuo, nao por suas disposigées subjetivas,
mas pelo lugar que ocupa no processo de produgao,
como funciondrio do capital, ainda que nao proprietario
dele, pertence a classe burguesa. Correlativamente, o de-
sempregado cuja forca de trabalho nao € mais util ao
capital, ou seja, cujas habilidades tornaram-se uma mer-
cadoria sem valor, esse pobre diabo, por nao ter o que
vender, nem a si mesmo, nao pertence ao proletariado.
O exército industrial de reserva, nao obstante, pela ex-
pectativa de seus membros de ainda poderem vender sua
forca de trabalho na fase expansiva do ciclo dos negécios,
compoe a classe dos trabalhadores assalariados. Resumi-
damente, portanto, a teoria marxista de classe colocava
sob a rubrica de proletariado a massa de trabalhadores
que vendia sua forga de trabalho diretamente ao capital
— industrial, comercial ou financeiro — ¢ 0 exército in-dustrial de reserva; e colocava sob a rubrica de burguesia
os capitalistas, a alta geréncia e os proprietarios fundiarios.
Tudo andava conforme o previsto, até que um fend-
meno da maior importdncia, que apenas se delineava no
século passado, tomou conta do cendrio, particularmen-
te apos a Segunda Grande Guerra: a transformagio da
ciéncia em fator de produgao. E certo que Marx foi o
primeiro economista a declarar que “a burguesia s6 po-
deria existir com a condigao de revolucionar incessante-
mente os instrumentos de produgéo”. Na década de
1850, Marx foi muito mais além, ao ter afirmado que,
a medida que a grande industria se desenvolvesse, ainda
que a posicao do trabalho social na forma da oposigao
entre capital e trabalho permanecesse o tiltimo desen-
volvimento da relagio valor, a criagdo da riqueza efetiva
néo guardaria mais relacdo com o tempo de trabalho
imediato que custa a sua produgao, mas dependeria cada
vez mais da situagio geral da ciéncia, do progresso da
tecnologia e da utilizagao da ciéncia na producao. No
século XIX, nenhum outro economista, classico ou neo-
classico, insistiu tanto na idéia de que o progresso tec-
nolégico era inerente 4 légica de autovalorizagao do ca-
pital, ou melhor, era, aums6 tempo, premissac resultado
da reprodugdo capitalista. E a superioridade da aborda-
gem de Marx era tamanha que esse critico empedernido
do capitalismo foi aquele que projetou com maior pre-
cisdo o que seriam as “conquistas materiais” desse modo
de produgio: o aperfeigoamento dos instrumentos de
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trabalho, o constante progresso dos meios de comunica-
gdo e transporte, o surgimento dos grandes centros ur-
banos e o esvaziamento do campo, a supressio da dis-
persao dos meios de producao, concentrados ¢ centrali-
zados em grandes corporagées, tudo foi visto e, de certa
forma, antevisto por Marx, que poderia ser considerado
um visiondrio, nao fosse o rigor do método que lhe per-
mitiu tais descobertas. Décadas se passaram até que fi-
nalmente um economista conservador se sentisse
obrigade a reconhecer 0 dbvio, mesmo que adotando; é
claro, premissas diferentes das de Marx.
Contudo, como’ nao poderia deixar de ser, foi esse
mesmo economista que, na década de 1940, observon
uma mudanga na produgao que viria a jogar um papel-
chave na contemporaneidade. O processo de autovalo-
rizacao do capital acaba por endogeneizar 0 processo de
produgdo da prépria ciéncia e tecnologia, a partir da
criag4o nas empresas capitalistas dos Departamentos de
Pesquisa e Desenvolvimento, Essa modificagao, que pode
ser enfocada exclusivamente a partir de uma perspectiva
interna a légica do capital, contou, para seu pleno de-
senvolyimento, com fatores externos a ela, mas dela de-
tivados. A adogao de polfticas keynesianas anticfclicas,
que, contra o senso comum, permitiram o desentrave
completo do processo de concentragio ¢ centralizagao
do capital, o acirramento das disputas interestatais por
matérias-primas e pelo capital financeiro que engordou
os orgamentos de pesquisa cientifica dos programas mi-
litar e depois espacial, beneficiados ainda mais pelo pos-