CONIOS NOVOSAndrade, Mario de, 1893-1945.
A568co. Contos novos, S.ed. Sao Paulo, Mar-
2ed. tins; Brasilia, INL, 1972.
VI, 166 p.
1. Contos brasileiros 1. Brasil. Institu-
to Nacional do Livro, co-ed. I. Titulo.
CDD: 869.935
CCF /CBL/SP—72—0304 CDU: 869.0(81)—31
istematico:
leira 869.935
leira 869.935
Indices para catélogo
1. Contos : Século 20 Literatura bra
2. Século 20 : Contos Literatura b
MAROdeANDRADE
CONnIOs NOVOS
3.2 edigao
NG
LIVRARIA MARTINS EDITORA S.A.
em convénio com 0.
INSTITUTO NACIONAL DO LIVRO/MEC.
1972150 MARIO DE ANDRADE
si o guarda ia longe. Nem sombra de guarda mais.
Atravessou mais rapido a rua, passou pelo boteeco do
portugués, e agora andava com precaucao, tirando o
molho volumoso de chaves do bdlso. Chegado em
frente duma porta, foi disfargadamente se dirigindo
para a beira da calgada. Parou sdbre a guia, apro-
veitando a sombra da Arvore pra se eseonder. Virou
os olhos para um lado e outro, examinando a alaméda.
Num momento, se dirigiu quase num pulo para a porta,
abriu-a, deslizou pela abertura, fechou a porta atras
de si, dando trés voltas 4 chave.
(Sao Paulo, 12-IV-43 — 15-IV-435
versio nova do final, 21-IV-43.)
Tempo da camisolinha
feitira dos eabelos cortados me féz mal. Nao sei
A que nogao prematura de sordidez dos nossos atos,
ou exatamente, da vida, me veio nessa experiéncia da
minha primeira infancia. O que nao pude esquecer,
e é minha recordagao mais antiga, foi, dentre as brin-
cadeciras que faziam comigo para me desemburrar da
tristeza em que ficara por me terem cortado os cabe-
los, alguém, nfo sei mais quem, uma voz masculina
falando: “Vocé ficou um homem, assim!” Ora eu
tinha trés anos, fui tomado de pavor. Veio um médo
lancinante de ja ter ficado homem naquele tamanhinho,
um médo medonho, e recomecei a chorar.
Meus ecabelos cram muito bonitos, dum negro
quente, acastanhado nos reflexos. Cafam pelos meus
ombros em cachos gordos, com ritmos pesados de mo-
Jas de espiral. Me lembro de uma fotografia minha
désse tempo, que depois destruf por uma espécie de
polidez envergonhada... Era j4 agora bem homem e
aquéles cabelos adorados na infancia, me pareceram
de repente como um engano grave, destrui com rapidez
o retrato. Os tracos nao era felizes, mas na moldura
da cabeleira havia sempre um olhar manso, um rosto
sem marcas, franco, promessa de alma sem maldade.
De um ano depois do corte dos cabelos ou pouco mais,