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Plano tangente, diferencial e gradiente

MÓDULO 1 – AULA 9

Aula 9 – Plano tangente, diferencial e


gradiente

Objetivos
• Aprender o conceito de plano tangente ao gráfico de uma função dife-
renciável de duas variáveis.

• Conhecer a notação clássica para a melhor aproximação linear de uma


função diferenciável – a diferencial.

• Aprender o conceito de vetor gradiente como o dual da diferencial.

As duas últimas aulas apresentaram a noção de diferenciabilidade de


uma função de várias variáveis e as suas implicações imediatas. Foram aulas
teoricamente mais densas e, portanto, o caráter um pouco mais simples que
esta aula pretende ter deve ser uma bem-vinda mudança de ritmo.
Antes de prosseguir, no entanto, vamos reconhecer um débito que será
pago na próxima aula de exercı́cios. Veja, na aula anterior, foi provado que
toda função de classe C 1 é diferenciável. Isto é, ser de classe C 1 é uma
condição suficiente para ser diferenciável. Diante disso, você deve conside-
rar a questão da necessidade dessa condição para a diferenciabilidade. Em
outras palavras, essa condição suficiente é também necessária? Muito bem,
adiantando a resposta: não! Há funções diferenciáveis cujas funções deriva-
das parciais não são contı́nuas. Você verá um exemplo na próxima aula de
exercı́cios. Promessa é dı́vida!
Muito bem, com isso fora da pauta, vamos ao primeiro tema desta aula.

Plano tangente
Na definição de diferenciabilidade de uma função f : A ⊂ lR 2 −→ lR ,
no ponto (a, b) ∈ A, subconjunto aberto de lR 2 , a equação
∂f ∂f
f (x, y) = f (a, b) + (a, b) (x − a) + (a, b) (y − b) + E(x, y)
∂x ∂y
desempenha um papel fundamental, pois define o erro E(x, y), que converge
para zero mais rapidamente do que |(x, y) − (a, b)|. Isso quer dizer que a
aplicação afim
∂f ∂f
A(x, y) = f (a, b) + (a, b) (x − a) + (a, b) (y − b),
∂x ∂y

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no caso de f ser diferenciável em (a, b), é aquela que, entre todas as aplicações
afins, dá as melhores aproximações aos valores da função f , em alguma vizi-
nhança do ponto (a, b).
Mas, como sabemos, equações do tipo

z = c + mx + ny

definem planos em lR 3 .
Isso nos motiva a estabelecer o seguinte.

Definição 9.1:
Seja f : A ⊂ lR 2 −→ lR , uma função definida no subconjunto aberto
A de lR 2 , diferenciável no ponto (a, b). Dizemos que o plano definido pela
equação
∂f ∂f
z = f (a, b) + (a, b) (x − a) + (a, b) (y − b)
∂x ∂y
é o plano tangente ao gráfico da função f , no ponto (a, b).

Exemplo 9.1
Vamos calcular a equação do plano tangente ao gráfico de f (x, y) =
x − xy − y 2 no ponto (1, 1, −1).
2

Para isso, calculamos as derivadas parciais:


∂f ∂f
(x, y) = 2x − y, (x, y) = −x − 2y.
∂x ∂y
Substituindo (x, y) por (1, 1), obtemos:
∂f ∂f
(1, 1) = 1, (1, 1) = −3.
∂x ∂y
Assim, a equação procurada é
∂f ∂f
z = f (1, 1) + (1, 1) (x − 1) + (1, 1) (y − 1);
∂x ∂y
z = −1 + (x − 1) − 3(y − 1);
z = x − 3y + 1.

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Exemplo 9.2
Vamos calcular a equação do plano tangente ao gráfico de f (x, y) =
2xy − y 2 que seja paralelo ao plano z = 2x + 4y.

∂f ∂f
Para que os planos z = f (a, b) + (a, b) (x − a) + (a, b) (y − b) e
∂x ∂y
∂f ∂f
z = 2x + 4y sejam paralelos, é preciso que (a, b) = 2 e (a, b) = 4.
∂x ∂y
∂f ∂f
Como (x, y) = 2y e (x, y) = 2x − 2y, temos de achar os valores
∂x ∂y
a e b tais que 2b = 2 e 2a − 2b = 4. Portanto, o ponto que procuramos é
(a, b) = (3, 1), e a equação do plano tangente procurado é

z = f (3, 1) + 2(x − 3) + 4(x − 1);


z = 2x + 4y − 5.

Reta normal ao gráfico


O espaço tridimensional lR 3 é munido de um produto que o torna
muito especial. Dados v1 , v2 ∈ lR 3 , podemos efetuar o produto vetorial,
v1 × v2 , obtendo um terceiro vetor. Se v1 e v2 são linearmente independentes,
então v1 × v2 é perpendicular ao plano gerado por eles.
v1 × v2

v1
v2

Isso está ligado ao fato de todo plano contido em lR 3 ter uma única
direção ortogonal. Ou seja, dado um plano π ⊂ lR 3 e um ponto (a, b, c) ∈ lR 3 ,
existe uma única reta r, tal que r é perpendicular a π e (a, b, c) ∈ r.
E ainda, se a equação cartesiana do plano tem a forma

α x + β y + γ z = δ,

é fácil obter uma equação paramétrica da reta ortogonal:

r(t) = (α t + a, β t + b, γ t + c).

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Portanto, reescrevendo a equação do plano tangente ao gráfico de f , no


ponto (a, b, f (a, b)) como
∂f ∂f ∂f ∂f
(a, b) x + (a, b) y − z = (a, b) a + (a, b) b − f (a, b),
∂x ∂y ∂x ∂y
obtemos uma equação paramétrica da reta normal ao gráfico de f no ponto
(a, b, f (a, b)):
 ∂f ∂f 
r(t) = (a, b) t + a, (a, b) t + b, −t + f (a, b) .
∂x ∂y

Exemplo 9.3
Vamos calcular uma equação paramétrica da reta normal ao gráfico de
f (x, y) = xy no ponto (−1, −2, 2).
Começamos calculando as derivadas parciais de f :
∂f ∂f
(x, y) = y e (x, y) = x,
∂x ∂y
e substituı́mos (x, y) por (−1, −2):
∂f ∂f
(1, −1) = −2 e (1, −1) = −1.
∂x ∂y
Aqui está uma equação paramétrica da reta normal ao gráfico de z = xy
no ponto (−1, −2, 1):

r(t) = (−2t − 1, −t − 2, 2 − t).

O próximo tema é um clássico da Matemática: a diferencial.

Diferencial
Você deve ter notado que, em diversas situações, usamos a termino-
logia “melhor aproximação linear”, enquanto em outras usamos “a melhor
aproximação afim”. Vamos esclarecer a diferença que há entre uma e outra
terminologia. No fundo, é uma questão de referencial.

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O termo linear é usado para caracterizar um tipo especial de funções:


as transformações lineares. Uma transformação linear de um espaço vetorial
V no espaço vetorial W (digamos, reais) é uma função T : V −→ W , com as
seguintes propriedades: ∀v, w ∈ V, ∀λ ∈ lR ,

• T (v + w) = T (v) + T (w);

• T (λv) = λ T (v).

Ou seja, T preserva as operações que caracterizam V como um espaço


vetorial, na imagem em W .
Em particular, as transformações lineares de lR 2 em lR , também cha-
madas funcionais lineares de lR 2 , têm a forma geral

T (x, y) = α x + β y,

onde α e β são números reais.


Isto é, cada funcional linear de lR 2 é caracterizado unicamente por um
par ordenado (α, β).
O gráfico de um funcional linear de lR 2 é um plano contido em lR 3 que
contém a origem, pois T (0, 0) = 0.
Já uma aplicação afim de lR 2 em lR tem a forma geral

A(x, y) = α x + β y + γ,

onde α, β e γ são números reais.


O gráfico de A é um plano contido em lR 3 que intersecta o eixo Oz na
altura γ.
No caso das aplicações afins, temos um grau de liberdade a mais em
relação aos funcionais lineares, pois temos um número extra γ para determi-
nar a aplicação.
Suponha que f : A ⊂ lR 2 −→ lR seja uma função diferenciável em
(a, b). A aplicação
∂f ∂f
A(x, y) = f (a, b) + (a, b) (x − a) + (a, b) (y − b)
∂x ∂y
é a melhor aproximação afim da função f , numa pequena vizinhança do
ponto (a, b).
Há uma maneira clássica de apresentar este tema, isto é, a noção de
diferencial. A terminologia usada é a de acréscimos. Usando a notação de

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acréscimos, mudaremos a aplicação afim para uma linear, que passará a ser
chamada diferencial.
Coloquemos z = f (x, y). Nesses termos, x e y são as variáveis indepen-
dentes e z é a variável dependente.
Veja: se colocarmos h = x−a e k = y−b, podemos reescrever a equação
que define a aplicação afim A da seguinte maneira:

∂f ∂f
A(a + h, b + k) − f (a, b) = (a, b) h + (a, b) k.
∂x ∂y

A fórmula do lado direito da igualdade define um funcional linear nas


variáveis h e k, os respectivos acréscimos de x e de y, aplicados em (a, b):

∂f ∂f
T (h, k) = (a, b) h + (a, b) k,
∂x ∂y
 ∂f ∂f 
determinada unicamente pelo par ordenado (a, b),
(a, b) .
∂x ∂y
∂f ∂f
Resumindo, dados os acréscimos h e k, T (h, k) = (a, b) h+ (a, b) k
∂x ∂y
é a melhor aproximação linear ao acréscimo obtido na variável z. Isto é,
T (h, k) é a melhor aproximação ao acréscimo f (a + h, b + k) − f (a, b).
Classicamente, denotam-se os acréscimos em x e em y por dx e dy
(h = dx e k = dy). O acréscimo real, f (a + dx, b + dy) − f (a, b), em z, é
denotado por ∆z, para diferenciá-lo do acréscimento obtido com a diferencial,
denotado por dz.
Assim, representamos a transformação linear T (h, k) por

∂f ∂f
dz = dx + dy,
∂x ∂y

chamada diferencial da função z = f (x, y).


Como
∂f ∂f
E(h, k) = f (a + h, b + k) − f (a, b) − (a, b) h − (a, b) k
∂x ∂y
 ∂f ∂f 
= f (a + h, b + k) − f (a, b) − (a, b) dx + (a, b) dy
∂x ∂y
= ∆z − dz,

denotamos dz  ∆z para indicar que dz é uma aproximação de ∆z. Eles


diferem pelo erro E(h, k) que é tão menor quanto mais h e k estiverem
próximos de zero.

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A(a + dx, b + dy) Esta figura é esquemática.


Erro = |∆z − dz| Note que o domı́nio de f ,
f (a + dx, b + dy)
que está contido em lR 2 , foi
∆z dz representado como um
f (a, b) subconjunto de lR . Dessa
forma, o gráfico de f , que é
uma superfı́cie, está
representado por uma curva,
enquanto o gráfico de A, que
é um plano, está
(a, b) (a + dx, b + dy) representado por uma reta.
A prática de representar
espaços de dimensões
maiores por seus similares de
dimensões menores é comum
em Matemática. Com isso
Veja como usar essa notação no seguinte exemplo. facilita-se a visualização e
espera-se ajudar o
Exemplo 9.4 entendimento.

Vamos calcular a expressão geral para a diferencial da função



f (x, y) = 6 − x2 − y 2

e usá-la para calcular uma aproximação ao valor f (0.99, 1.02).

Para calcular a forma geral da diferencial, precisamos calcular as deri-


vadas parciais de f .

∂f −x ∂f −y
(x, y) =  ; (x, y) =  .
∂x 6 − x2 − y 2 ∂y 6 − x2 − y 2

Assim, se colocarmos z = f (x, y), a diferencial de f é


x y
dz = −  dx −  dy
6 − x2 − y 2 6 − x2 − y 2
−x dx − y dy
dz =  .
6 − x2 − y 2

Agora, vamos usar essa fórmula para avaliar f (0.99, 1.02).


O ponto de referência é, nesse caso, (1, 1). Isto é, a = 1, b = 1,
a + h = 0.99 e b + h = 1.02.
Calculada em (1, 1), a diferencial fica
1 1
dz = − dx − dy.
2 2
Os acréscimos são: dx = 0.99 − 1 = −0.01 e dy = 1.02 − 1 = 0.02.
Portanto,
0.01 − 0.02
dz = = −0.005.
2

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Como f (1, 1) = 2, f (0.99, 1.02)  f (1, 1) + dz = 1.995.


Veja, usando uma máquina de calcular, obtemos uma aproximação mais
acurada do valor f (0.99, 1.02), como 1.994868417. Nada mal para uma apro-
ximação, você não acha?
Chegamos ao último tema da aula.

O vetor gradiente

A palavra dualidade é usada em circunstâncias bem especiais, na Ma-


temática. Em geral, ela indica a existência de uma bijeção entre certos
conjuntos. Mas é mais do que isso.
Por exemplo, podemos dizer que há uma dualidade entre os sólidos de
Platão, estabelecida pela relação entre números de vértices e números de
faces. Veja, na tabela a seguir, o nome, o número de vértices, o número de
arestas e o número de faces desses poliedros regulares.

Nome vértices arestas faces


Tetraedro 4 6 4
Hexaedro (cubo) 8 12 6
Octaedro 6 12 8
Dodecaedro 20 30 12
Icosaedro 12 30 20

Note que o nome do poliedro tem o prefixo grego que indica o número
de faces. Assim, por exemplo, o hexaedro é o sólido regular que tem seis
faces, todas quadradas. É o nosso popular cubo.
O hexaedro, ou cubo, é dual ao octaedro. Isso porque o cubo tem seis
faces e oito vértices (f = 6, v = 8), enquanto o octaedro tem oito faces e seis
vértices (f = 8, v = 6).
O dodecaedro é dual ao icosaedro. Assim, não é surpresa que, conhe-
cendo o dodecaedro, os gregos acabaram descobrindo o seu dual, o icosaedro.
Veja: se no centro de cada face do dodecaedro marcarmos um ponto, e li-
garmos todos esses pontos, obteremos um icosaedro inscrito no dodecaedro
original, e vice-versa.
Resta a pergunta: quem é o dual do tetraedro, o mais simples dos
sólidos regulares? Ora, sem mais delongas, o tetraedro é auto-dual, pois é o
único sólido regular a ter o mesmo número de faces e de vértices.

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Depois disso tudo, voltamos à nossa aula.


Há uma bijeção entre o espaço dos funcionais lineares de lR 2 e o próprio
lR 2 , que associa o funcional definido por T (x, y) = α x + β y ao par
ordenado (α, β).
Isso é um outro exemplo de uma dualidade. Na verdade, o espaço dos
A palavra gradiente provém
funcionais lineares de lR 2 é um espaço vetorial e é chamado espaço dual. do latim gradientis,
particı́pio de gradi, que
 ∂f ∂f  significa caminhar, assim
Isso nos faz olhar para o vetor (x, y), (x, y) , como o dual da como a palavra grau provém
∂x ∂y de gradus, que significa
∂f ∂f passo, medida, hierarquia,
diferencial dz = (x, y) dx + (x, y) dy, num ponto genérico (x, y) do intensidade.
∂x ∂y
A palavra gradiente
domı́nio de f , e nomeá-lo gradiente de f . Usamos a notação significa, na linguagem
comum, a medida da
 ∂f ∂f  declividade de um terreno.
∇f (x, y) = (x, y), (x, y) . Significa, também, a medida
∂x ∂y da variação de determinada
caracterı́stica de um meio,
tal como pressão ou
Esse vetor desempenhará um papel importante de agora em diante.
temperatura, de um ponto
Com isso, chegamos ao fim desta aula. A seguir, uma lista com alguns para outro desse meio.
Como tal, nada mais é do
exercı́cios para você praticar o que acabou de aprender. que uma taxa de variação.
O sı́mbolo ∇, usado para
representar esse vetor, é
chamado nabla.
Exercı́cios

Exercı́cio 1
Calcule a equação do plano tangente e uma equação paramétrica da
reta normal ao gráfico de f no ponto indicado.

(a) f (x, y) = x2 − 2y (1, 0, 1);

(b) f (x, y) = ln (x2 + y 2 ) (1, −1, ln 2);

(c) f (x, y) = sen xy (π, 1/2, 1);


2y
(d) f (x, y) = ex (1, 0, 1);

(e) f (x, y) = xy − y 3 (1, 1, 0).

Exercı́cio 2
Determine o plano tangente ao gráfico de f (x, y) = x2 + 3xy + y 2, que
é paralelo ao plano z = 10x + 5y + 15.

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Exercı́cio 3
Calcule a diferencial (forma geral) das seguintes funções:

(a) z = 2xy − x2 + y 2 ; (b) z = 1 − x2 − y 2;

x−y
(c) z = exy − 1; (d) z = ;
x+y

(e) w = xy + xz + yz; (f) w = ln (1 + x2 + y 2 + z 2 ).

Exercı́cio 4
Use uma diferencial para calcular uma aproximação ao número
√ √
17 + 3 26.

Exercı́cio 5
Use a diferencial para calcular uma aproximação de f (2.997, 4.008),

onde f (x, y) = x2 + y 2 .

Exercı́cio 6
Sabendo que o vetor gradiente de f (x, y), no ponto (1, 2), é ∇f (1, 2) =
(1, −1) e que f (1, 2) = 3, calcule o plano tangente ao gráfico de f no ponto
(1, 2, f (1, 2)).

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