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CAPITULO VI METAIS E PEDRAS PRECIOSAS INGUEM duvida que, tendo partido em busca das pedras verdes ¢ de prata, Ferndo Dias Pais ajudou a desbravar o caminho para o encon- tro, mais tarde, de minas de ouro, infinitamente mais abundantes e férteis do que todas as outras anteriormente exploradas, Parece inevitivel admi- tit, por outro lado, que o simples trato meneio das pobres faisqueiras do sul terdo tido uma fungo propedéutica nada irrelevante, contribuindo, no obstante seu pouco rendimento, para formar homens aptos a0 reco- nhecimento de maiores tesouros, $6 manifestos durante o dltimo decénio do século XVII. Nesse caso, as lavras de So Paulo, Paraiba, Curitiba ¢, principalmente, de Paranagud apresentam-se como fase preparatéria ¢ necessdria da verdadeira Idade do Quro no Brasil. Primeiras descovertas Isso pode verificar-se particularmente a propésito de do ouro das Gerais = Anténio Rodrigues Arzao, natural de Sio Paulo, “homem sertanejo, conquistador do gentio dos sertdes da Casa da Cas- ca", que a maior parte dos autores antigos ¢ modernos considera, bem ou mal, 6 primeiro bandeirante a revelar o ouro das Gerais, Dele se afirma que, em 1693, tendo ido a prear indios naqueles sertdcs, ¢ vendo “alguns ribeiros com disposigio de ter ouro”, gragas a sua experiéncia nas minas que “se tinham descoberto em Sio Paulo, Curitiba ¢ Paranagua”, fez cer- tos exames com pratos de pau ou estanho, apurando ao todo trés oltavas de ouro. E mais teria aleangado se nao fora a gentio, que o forgou a rom- Per © sertdo com seus homens, rumo 4 Capitania do Espirito Santo, de onde se passou para S40 Paulo, achacado ¢ enfermo. Como, por essas razbes, Ihe fosse impossivel retomar a empresa, cometeu-a a Bartolomeu Bueno de Siqueira, seu concunhado, que logo organizou uma entrada com © fito expresso de descobrir ouro, 0 que de fato conseguiu ¢ nao j4 na Casa da Casca, mas nas barrancas de Itaverava. HISTORIA GERAL DA CIVILIZAGAO BRASILEIRA Esses dados sio corrigidos ou completados com a informagio forneci- da mais tarde a0 Padre Diogo Soares pelo Mestre-de-Campo José Rebélo Perdigio, que, na qualidade de secretirio do Gavernador ¢ Capitio-Geral do Rio de Janeiro, Artur de Si ¢ Meneses, acompanhou este em suas via- gensa Sio Paulo em 1697 ¢ 1700, € 4s Minas Gerais, onde The seria possi- vel obter noticias recentes sobre os primeiros achados de ouro naqueles sertées, Tais achadas, segunda pudera apurar, deveram-se ali a compa- nheiros de Fernao Dias Pais na jornada de Sabarabugu (1674-1681), em particular a um sertanista chamado Duarte Lopes, o qual, fazendo expe- riéncias nas areias de um ribeirio que desigua no Guarapiranga, tirou ouro com sua bateia, ¢ em tal quantidade que, ao chegar em Sioa Paulo, dele fez varias pegas lavradas para sua casa. O bom sucesso de Lopes ¢ de outros que tinham ido & conquista do sertio das esmeraldas fez com que varios paulistas organizassem uma expedigio 4 Casa da Casca, onde, diziam, era muito ¢ precioso © ouro. Foi assim que, no verio de 1684, saiu uma bandeira, encabegada, entre outros, por Manuel de Camargo, seu cunhado Bartolomeu Bueno de Siqueira, seu genro Miguel d’Almeida e Jodo Lopes de Camargo, seu sobrinho. Chegados todas a Iraverava, logo encontraram ali algum ouro, mas, como fosse pouco para sua cobiga, prosseguiu o dito Manuel de Camargo, com seu filho Sebastiso, rumo 4 Casa da Casca, segundo sua primeira intengio, mas antes de chegar a esse misterioso sitio foi morto pelos indios bravios, salvando-se do grupo apenas seu filho ¢ alguns homens do gentio que imediaramente voltaram. Esse informe nao é inconcilidvel, segundo se pode ver, com o anterior, uma ¥ez que Bartolomeu Bueno, um dos cabos da entrada, bem poderia ter recebido a novidade do ouro por duas vias diferentes, isto é, do Arzio e de Duarte Lopes. A primeira versio encontra-se pormenoricadamente exposta num manuscrito do cédice Costa Matoso, pertencente 4 colegio Félix Pacheco da Biblioteca Municipal de Sio Paulo ¢ dela se valeriam, entre outros, o poeta Chiudio Manuel da Costa, José Joaquim da Rocha ou quem quer que fosse o andnimo da “Memdria da Capitania de Minas Gerais", de 1781, ¢ Diogo Pereira Ribeira de Vasconcelos, o velho." T= Menara Hissdriea da Capirania de Minas Gerais” € 0 titulo da cépia manuscrita existente na Bibhoteca Nacional do Rio de Janeiro, imprevsa na Revista do Arquivo Publica Mineiro, I, pp. 425 e segs. A arribuiglo de autoria a José Joaquim da Rocha funda- sc numa nota de Monsenbor Pizarro © Araiyo cm suas Memérias Mistéricas da Rio de Janeiro. t. VIN, pte. Il (Rio de Janeiro, 1822), p. 120, onde serrata de uma “Historia ‘Corpgrihiea da Capitania de Minas Gerais" dedicada ao Governador D. Radrigo Jost de METAIS E PEORAS PRECIOSAS 291 Antonil, na Cultura e Opuléncia do Brasil, impressa primeiramente em 1711 (mas logo em seguida confiscada e destruida a edigio), oferece uma Versdo $6 aparentemente discrepante dessas a reypeito do primeira ouro descoberto nos sertdes de Minas Gerais, Segundo ela, 0 verdadeiro descobridor desse ouro foi “um mulato que tinha estado nas minas de Paranagud ¢ Curitiba”, Este, acrescenta, tendo ido Aqueles sitios 4 procu- ra de indios ¢ chegando, nessa demanda ao serro de Tripul, desceu abaixo com uma gamela para tirar dgua do ribeiro que depois se chamaria de Ouro Preto. Ao meter a gamela na ribanceira, com esse intuito, rogou-a pela beirada do rio ¢ viu que havia nele granetes cor de ago. Em Taubaré, para onde foram levados, venderam-se desses granetes a meia pataca a citava ¢, feito o exame deles no Rio de Janeiro, apurou-se que se tratava de ouro, ¢ finissimo. Na narrativa do jesuita luquense ndo aparece a data precisa do acha- do, Diz-se apenas que ocorreu quando Artur de Sa e Meneses governava o Rio de Janeiro, ¢ isso quer dizer que se teria dado depois de junho de 1697, més ¢ ano em que o dito capitiio-general assumiu seu cargo, Antes disso registraram-se pelo menos duas bandeiras de que hi noticia e resul- taram no descobrimento de ouro; em 1693 a de Arzio, a Casa da Casca,e a de Bartolomeu Bueno de Siqueira ¢ outros, em 1694, a Itaverava. Perrencem todas, de fato, a série de cxpedigdes que durante o ultimo decé- nio do século XVII prepararam a grande fase das exploragdes auriferas nas Minas Gerais. E tendo-se em conta ja lembrado relato do Mestre: de-Campo Rebelo Perdigao, nao fica de todo exclufda a possibilidade de descobrimentos mais diretamente vinculados grande jomada de Fernao Meneses por aquele escritar. Um texto mais perfeito ¢ aparentemente definitivo existe hoje no Ministério das Relagdes Exceriores, praveniente do arquivo do Bario do Rio Branco, sob o titulo de *Geographia Histérica da Capitania de Minas Gerais". Desse cédice foi tira. do certo nimero de cdpias forogrdficas, em 1933, por iniciativa do Ministro Aftinio de Melo Franco sugestio do historiador Luis Camilo de Oliveira Netox uma delas serviu, de preferéncia, 4s versdes impressas, na claboragio do presente capitulo Igualmente andnima ¢ a "Breve Descrigdo Geogrifica, Fisica ¢ Politica da Capitania de Minas Gerais”, redigida em 1896 ¢ atribulda com razdes plauslveis a0 velho Diogo Percira Ribeiro de Vasconcelos. Acha-se publicada, sob o titulo de “Memérias sobre a Capitania de Minas Gerais”, na Revista do Arguivo Priblico Mineiro, VI, pp. 757 ¢ segs., juntamente com outro escrito do mesmo autor, com o titulo de “Minas ¢ Quintos de Ouro”, Deste diti- ‘mo, que Capistrano de Abreu considerava a melhor descrigio de nosso regime triburdsio colonial, hé ourre MS mais completo ¢ correto na Colegio Lamego da Faculdade de Filosofia, Ciéneias ¢ Letras da Universidade de Sio Paulo, catalogado sob n® 104 inti- tulado "Sobre a artecadagio dos Quinios do Brasil”, Dele fex-se uso na confcocio deste capitulo.

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