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Georg Simmel ‘A;imagem do exterior nos confronta com a ambiguidade das coi- sas que tanto podem se interrelacionar por associagio-dissociagéo quanto passar por separadas ou ligadas. As convengGes ininterruptas tanto das substancias como das energias, poem cada objeto em relagio com outro, e constituem um cosmos em todos os detalhes. Mas estes ‘mesmos objetos, por outro lado, permanecem votados a impiedosa exteri- fridade espacial,e como nenhum fragmento de matéria pode ocupar 0 ‘mesmo lugar que outro, no hi real unidade do miltiplo no interior do espago. E a existéncia natural, compreendendo também nogdes que se ‘excluem, parece se subtrair pura e simplesmente a sua aplicagao. 'S6 ao homem ¢ dado, diante da natureza, associar © dissoci- ar segundo 0 modoe a intensidade especial em que um supde saber sobre 0 outro, Extraindo dois objetos naturais do seu lugar para dizer que esto “separados”, nds jos referimos um ao outro na nossa consciéncia, nds os destacamos juntos do que se intercalava entre eles. E inversamente lem bramos daquilo que nos de uma certa maneira comegamos por isolar res- pectivamente; ¢ preciso primeiro que as coisas estejam umas fora das ou- tras para estar em seguida umas com as outras. Seria absurdo, pratica e logicamente voltar a unir 0 que ndo estava separado, ver 0 que, num sen- tido, no permanece separado. A formula segundo a qual se conjugam, has operagdes humanas estas duas atividades - seria 0 estado de unio ou de cisdo que é percebido como naturalmente dado © 0 seu contrario a cada vez como tarefa que nos é fixada? - esta formula entdo, articula todo ‘0 nosso fazer. Num sentido imediato assim como simbélico, corporal ¢ ‘spiritual, a cada instante somos nés que separamos o que esta ligado ou vvoltamos a unir 0 que esta separado, (Os primeiros homens que tragaram um caminho entre dois luga- res, cumpriram uma das maiores tarefas humanas Mesmo quepodendo circular de um lugar para outro, ligando-os por assim dizer subjetivamen- fe, ainda foi necessario que gravassem visivelmente © caminho sobre a terra para que esses lugares pudessem ser ligados de novo,; 0 desejo de jungao passava entdo a ser uma tomada de forma das coisas oferecidas a Politica & Trabatho 12 " ‘essa vontade @ cada vez, sem depender cada vez mais da frequencia ou da variedadedos trajetos recomesados, A construgio de estradas € de certa ‘maneira uma prestagdo especificamente humana; o animal também nao deixa de superar distancias, e sempre do modo mais habil € mais comple- ‘xo, mas ele nao faz ligagdo entre o comego € o fim do percurso, ele nao ‘opera o milagre do caminho: a saber, coagular © movimento por uma es- ‘rutura solida, que parta dele. E com a construgio da ponte que esta prestagéo atinge 0 seu Ponto maximo, Aqui parecem se opor & vontade humana de juntar espa- {G05 nfo s6 a resisténcia passiva da exterioridade espacial mas a resistencia ativa de uma configuragio particular. Superado o obsticulo, a ponte sim- boliza a extensio da nossa esfera volitiva no espago. Para nés, e s6 para nds, as margens do tio no sio apenas exteriores uma a outra, mas “separadas”, e a nogao de separagao estaria despojada de sentido se nao houvéssemos comegado por uni-las, nos nossos pensamentos finalizados, nas nossas necessidades, na nossa imaginagio, Mas a partir desse mo- mento, a forma natural vem esposar essa nogo como por uma intengao Positiva, e a separagdo parecer desde entio intervir entre os elementos tomados em sie por si, a fim de que o espirito, coneiliando, unificando, a ultrapasse cada vez mais. ‘A ponte se tora um valor estético, no somente quando estabele- «ce, nos fatos e para a realizagio dos seus objetivos praticos uma jungao entre termos dissociados, mas também na medida em que a torna imedia- tamente sensivel. Ela oferece ao olhar, ligando as partes da paisagem, 0 ‘mesmo suporte que oferece ao corpo para satisfazer a realidad da praxis. ‘A simples dinamica do movimento, em cuja efetividade vem se esgotar a cada vez 0 “objetivo”da ponte se faz. visualmente duravel, assim como 0 quadro imobiliza a sua maneira 0 processo vital, fisico € psiquico pelo qual. se cumpre a realidade do homem, ¢ que ele comprime numa tinica visio ~ estivel pela sua intemporalidade, como no mostra nem pode mostrar a realidade factual - toda @ agitagao desta realdade que decorre ro tempo. A ponte empresta umn sentido titimo, superior a todo 0 sensi- vel, uma figura particular que no mediatiza nenhuma reflexto abstrata € que recolhe em sia significagdo pratica da ponte, trazida a forma visual, como a obra de arte pode proceder com 0 seu “objeto”. Nao obstante, com relago a esta iltima, a ponte apresenta uma diferenga: ela se inte- gra, com toda a sua faculdade de sintese que ultrapasse a netureza, & ima- gem da propria natureza, Para o olhar, a ponte se encontra nuima relagio bem mais estreita e bem menos fortuita com as margens por ela ligadas, do que por exemplo uma casa com o terreno que a comporta e desapare- Politica & Trabalho 2 2 ce debaixo dela, a0 olhar. Em geral, percebe-se uma ponte numa psisa- sgem como um elemento “pitoresca”: com cle, efetivamente, 2 contingén- tia do dado natural se eleva & unidade, uma unidade totalmente spiritual sem divida, Mas essa unidade, pela sua visiblidade imediata no espago tito possui menos valor estético de que a arte oferece a versio pura quando ela realiza 0 seu ideal insular, a unidade das reaidades simpl ‘mente e naturalmente produzidas. pelo espirito Enquanto. na correlagdo ente divisio ereunigo, a ponte acentua 0 segundo term e supera o distanciamento das suas extremidades ao mes- ‘mo tempo que o torna perceptive! e mensurivel, a porta lustra de maneira mais clara até que ponto separagio e reaproximagdo nada mais io do que dois aspectos do mesmo ato, O primeiro homem que construiu uma caba- na, revelou, como © primeiro que tragou um camino, a capacidade hu- ‘mana especifica diante da natureza, promovendo cortes na continuidade infinita do espago ¢ conferindo-Ihe ums unidade particular conforme a um 56 ¢ nico sentido. Uma porgdo de espago se encontrava assim ligado asi € cindido de todo 0 resto do mundo. A porta, eriando por assim dizer uma junglo entre o espago do homem e tudo © que se encontra fora dee, abole 2 separagdo entre o interior e o exterior. Como ela pode também se abrir, © fecha-la daa impressio de um fechamento, de um isolamento ainda mais forte, face a todo espago la fora, do que a simples parede inarticula- di, Esta ima é muda enquanto que a porta fala. Para © homem & essen- ial, o mais profundo dar-s limites, mas lvremente, quer dizer de mané ra que possa vir a suprimir tis limites e se colocar fora deles. © finito onde estamos todos situados de certo modo esti ligado 20 infinito do ser fisico e metafisico. A porta se tora entio a imagem do ponto fronteitigo onde o homem , em permanencia, se mantém ou pode se manter, A unidade interrompida a qual ligamos um pedago determinado por nés do espago infinito, nos liga por sua vez a este limo: nea o limite se aproxima do ilimitado, nfo através da geometria morta de um fecha- mento estritamenteisolante, mas através da possiblidade de uma troca

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