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Um Breve Panorama da Evolucao da Tecnologia Musical: Promessas e Riscos para a Diversidade de Express6es Culturais Paulo Assis* A miisica sempre acompanhou a humanidade. Em sitios arqueolégicos datados da era paleolitica, com mais de 40 mil anos, podem ser encontradas rudimentares formas de flauta. A mtisica esta entre as primeiras expresses cultu- rais do homem, surgindo desde antes da agricultura ou da escrita. Ela aparece em todas as sociedades do planeta em diferentes formatos e fungoes sociais, para acompanhar um ritual religioso ou simplesmente para quebrar 0 siléncio de um trabalhador solitario. Recordaremos de forma bastante simplificada algumas das tecnologias de gravacao desenvolvidas nos tiltimos 120 anos e como elas participaram na criagao de novas formas musicais. Veremos também como os avang¢os mais recentes modificam as possibilidades criativas, e como a massifica- ao da mtisica pela indtistria afeta a diversidade. 1 Paulo Assis ¢ engenheiro de dudio e produtor no seu Estiidio Audioclicks, ‘em Sao Paulo, Brasil. Presta consultoria em actistica e equipamentos musi- «ais, e tenta evitar que a tecnologia tome decisoes artisticas por ele. Tem poucos discos de vinil e muitos CDs, mas acaba ouvindo miisica em mp3. 40 * Diversidade de Express6es Culturais na Era Digital Até pouco tempo atras, a audigao de miisica exigia a performance presencial de instrumentistas. Percussionistas acompanhavam exércitos marchando pelo império romano e, nos campos de algodao do sul dos Estados Unidos, tra- balhadores bragais se alternavam em cantos de sofrimento escravo. Ao longo da histéria, guerras de expansao, rotas comerciais e imposicdes religiosas abriram caminhos para trocas culturais de todo tipo, inclusive musicais. Alguns equipamentos autématos como pianolas e cai- xas de mtisica aparecem na histéria, mas sem substituir de fato o musicista como elemento central ~ um profissional contratado para animar um jantar na corte ou uma dona de casa com seu canto solitério. A maneira com a qual a huma- nidade convive com a musica comega a mudar a partir da criagao do ridio e do disco, que possibilitam a distribuicao e a audicao de sons pré-gravados. 1- O Som Analégico A Ocilindro de cera, a goma_laca ¢ 0 radio No final do século XIX sao desenvolvidas algumas tec- nologias rudimentares de registro de audio. Um dos mais populares aparelhos dessa época foi o fondgrafo de ‘Tomas Edison, de 1877. O aparelho possuia um cone actistico com uma agulha na ponta, que riscava um cilindro de cera em movimento. A reprodugao do som se fazia igualmente de forma mecanica, com a agulha vibrando nos sulcos do material ¢ sendo amplificada pelo cone actistico. Outras tecnologias similares aparecem no mesmo periodo, como 05 discos de goma-laca dos gramofones. Surge todo um comércio de cilindros e discos. A qua- lidade de reprodugao desses primeiros modelos é bastante limitada, e a utilizagio recomendada inicialmente é para © registro de monélogos e discursos famosos. A gravacio nesses dispositivos era delicada, exigindo uma performance Diversidade de Expressdes Culturais na Era Digital ¢ 41 proxima ao cone de captacao de som, muitas vezes com resultados questiondveis — as empresas comercializavam seus cilindros propagandeando a qualidade das gravacoes, destacando a dicgao de seus artistas como diferencial (Cum- mings 2013: 16). Logo, cangoes também se fazem presentes nessa midia, nao sem grandes dificuldades técnicas. O cone actistico era pouco sensivel e capaz de captar apenas os sons mais altos. Para equilibrar 0 volume dos diferentes instrumentos era necessario, durante a gravagao, distancid-los em fungao de sua poténcia sonora. Para alterar em tempo real a impor- tancia dos instrumentos ao longo do registro, os mtisicos chegavam a ser colocados em plataformas méveis, sendo arrastados enquanto tocavam — na hora do solo de trom- pete, o cantor sai da frente e da lugar ao sopro, em uma complicada coreografia. A gravacao em cera era definitiva e sem correcoes possiveis (Byrne 2012: 81). Além da simples reproducio, inicialmente alguns apa- relhos vendidos ao ptiblico tinham a capacidade de riscar os cilindros, podendo ser usados também como gravado- res. Porém os fabricantes logo perceberam que seria mui- to mais lucrativo que 0 usuario ouvisse 0 que comprasse deles, e rapidamente 0 foco das propagandas passou a ser consumir miisica ao invés de gravar seus proprios cilindros (Byrne 2012: 84). No comeco do século seguinte, de inventos, baseada na disponibilidade de eletricidade, mudou novamente o cendrio do acesso 4 mtisica. O desen- volvimento da tecnologia de microfones e o conhecimento de ondas eletromagnéticas tornou possivel a popularizacao, na década de 1920, do radio como sistema de distribui- cao de noticias e misicas. Ele podia ser ouvido por quem tivesse um aparelho receptor em sua casa, porém ainda era baseado na performance de instrumentistas em tempo real, dentro do estidio da emissora. A qualidade de som de uma

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