Você está na página 1de 97
carat Woy CIP-Brasil. Catalogacao-na-Fonte Cimara Brasileira do Livro, SP Chomsky, Noam, 1928 Reflexoes sobre a linguagem / Noam Chomsky: tradugao de Carlos Vogt... (et al.). — Sao Paulo: Cultrix, 1980, 1. Linguagem 2. Lingdistica I. Ticulo. CDD-410 -400 Indives pratt catdlogo sistematico? NOAM CHOMSKY REFLEXOES SOBRE A LINGUAGEM Tradugio de CaRLos VoGr, CLAUDIA TEREZA GUIMARAES DE LEMOS, Maria BERNADETE ABAURRE CNERRE, CLARICE SABOIA MADUREIRA, VERA LUCIA MAIA DE OLIVEIRA (do Departamento de Linguistica do Instiuto de Estudos da Linguagem da UNICAMP, $P) SBD-FFLCH-USP. wa o EDITORA CULTRIX PRINIRA PARTE CONFERENCIAS DE WHIDDEN ‘CAPITULO | SOBRE A CAPACIDADE COGNITIVA. Bscas reflexdes sobre 0 estudo da linguagem sero na sua maior parte rio tGenicas e terdo am cariter até cesto ponte especulativo e pessoal, Nao ‘von tentar apresentar tum resumo do estégio atval do conkecimento nas ‘areas do estudo da linguagem com as quais tenho tido algum conrato, nem diseutir em profundidede as pexquisas em andamiento. O que pretend & antes de tudo, considerar a natureza dz questo e finalidade do empreendi Imento, indagar — e possivelmente explicar — por que resultados obtides ‘pelos trabalhos lingiisticos téenicos podem interessar aos que Ao se sen tem especialmente atraidos por questbes tais como a relagto emice a form flo de sentengas interrogativas ¢ a andfora, 08 principios de ordenacto de Tepras em fonclogia, a zelaglo entre entonasio € escopo de nesacdo, € ou tros problemas do género. Apresentarci as linhas gerais do quadro que me parece apropriado para que, dentro dele, se demonstee o interesse intelec- tual mais amplo dos estudes sobre a linguagem, e examinarel as possibilida- des de elaborar uma eapécie de teria sobre a ratureza humana a partir de tal modelo. Por que estudar « linguagem? Ha muitas respostas possiveis e, a0 foc Vizar algumas delts, no pretendo, € caro, deprecise outras ou questionar sua lgitimidade. Algumas. pessoas, por exemplo, podem simplesmente achar os elementos da linguagem fascinantes em si mesmos e querer deseo ‘rie sua ordem € cembinas20, sua origem na historia ou no individuo, ou fos mados de sua utilizasao no pensament, a ciéncia ou 1 arte, o0 no in: tercurso social normal, Uma das raz0es para estudhs a linguagem € part nim, pessoulmente, « mais premente delas ~~ & a possibilidade instigante de {er 2 linguagem como “um espelho do esprito"’, como di a express era Gicional Com isto no quero apenas dizer que 08 conceitos expresso ¢ Gistingdes desenvolvidas no uso normal da linguagem nes revelam of sce los do pensemento ¢ a univesso do ‘*senso comum"” construides pela me 9 “TO te humana, Mais inirigame ainda, pelo menos para mim, € 3 possibilidade de descobrit, através do estudo da linguagem, priacipios abstratos que go vemnam su estrutura e uso, principios que sic universais por necessidade biol6gica © mio por simples acidente historien, e que decorzem de caracters ticas mentais da especie. Uma lingua humana @ um sistema de nocdvel ‘complexidade. Chegar a conhecer uma lingus humana seria tum feito inte lectual extraordinirio para uma criatura nao especidicamente dotada para realizar esta tarefa, Una criantca normal adqaire esse conhecimento expon dose relativamente pouco ¢ sem treinamento especifico. Fla consegue, en to, quase sem esiorso, fazer uso de uma estrutura intrincada de reyras es pecificas e principios rexuladores para transmitir seus pensamentos ¢ senti- ‘mentos 205 outros, provocando nestes idéias novas, peroepgOes e juizos sit tis, Para a mente consciente, ndo especialmente dotada pare tal finalidade, reconstruir e compreender © que a crienga realivou intuitivamente ¢ com esforco minimo € ainds um objetivo distance. A linguagem €, assim,0 es pelho do espitito, num sentido profundo ¢ significtivo. Bla é umn produto dda inteligencia humana, wana criacao cenovada em cada individuo através de ‘operagies que ultrapassam o alcance da vontade ou da consciéncia Estudando as propriedades das linguas naturais, sua esteutura, organiza lo e uso, podemos esperancasamente chegar a entender um pouco 2s ca Tacteristcss especifcas de intligencia humana, Podemos talvez aprender a- ‘guma coisa a respeito da natureza humana: alguma coisa significaiva, se & Nerdade que a capacidade cognitiva do homem & 0 trago verchdeiramente istintivo e a mais admirivel das caractesisticas da espécie. Alem disso, nao 6 absurde pensar que o estudo desta faculdade especitica do omen, a capa: cidade de falar e de entender uma lingua humana, possa constituir um mo- delo sugestivo para a pesquisa em outros dominios da competéncia e da aio humana, menos acessiveis & investigacdo direca ‘As questtes que pretendo examinar sio clissicas. Nos pontos mais im portantes ndo ultrapassamos, neste dominio, @ antiguidade classica na for- imulagdo clara dos problemas, om nas respostas as questdes que imeédiata mente se levantam. Desde Piatdo até os tempas stuais, grandes filésofos mustrararse perplexos ¢ intrigados diante da pergunta que Bertsand Rus- sell, ean tim de seus tikimos trabalhos, assim formulou: “De gue modo os eres humanes, cujos cantatas com o mundo so breves, pessoais e limita hs, conseguem upesar de tudo chegar a saher tanto quanto sabem?""(Rus. sell, 1948, p. 5.). De que modo conseguimos adquirie sistemas de conheci: mente tae elabociles, dacs toss experincia pobre e fraymentaria? Os cé- tices dogmaticos poeriam responder que io dispomes de tal tipo de co- abecimento, Suis objegies slo ieelevantes para a presente discussie. A mesma questo se cnloca. cosno questde cientifica, se perguntarmas de gue modo os sens huuanes. + partir de experiencias tio limitades e pessoais, 10 ‘mostrum tanta convergéncia nos complexos « altamente estruturados sist ras de crenga, sistemas esses que regulam suas ages ¢ inercdmbios, bern como sua interpretacao da experiencia. Na ttadicdo clissica, muias foram 4s respostas oferevidas, Poder-se-ia argumeatar, a0 modo de Aristbtelcs, que © mundo se estnutura de determi- nada maneira e que o espirito humano & capaz de perceber essa estrutura, partindo dos casos individnais pura chegar a especie, a0 genero e depois a uma generalizaglo mais ampla, alcangando, assim, o conhecimento dos uni- versais a partir da percepedo dos cisos particulares. Uma “base de conheci- mento preexistente’” seria pre-requisite para 4 aprendizayem, Devernos ter ‘ama capacidade inata para atingir estigies desenvolvides de conhecimento, ‘mus tis capacidades “ito sfo inatas numa forma determinada, nem se de- senvolvem a partir de outros estgios superiores de conhecimento, mas a partir da percepyao dos sentidos"”. Dado um conjunto elaborado de pressu: postos metafsicos, & possivel imaginar que uma mente “*constitaida de mo do a poder realizar esse processo”” de “‘inducio™ seria capaz de adquiris tum sistema elaborado de conhecimento. ‘Mais fecunca e @ ahordagern que procura assentar 0 essencial da explice go nfo na estrutura de crundo, mas ma estrutura do espirito. O gue pademos conrecer vria determinad pelos “*modos de concepgao do enter mento’; entio, aquilo que conhecemes, ov aquile em que acrecitames, depencleriam das experiénciss especificas cue estimulam zlguma pant do sister Cegnitivolateate een nceso espe. Na epoca modema, sobretudo pela influencia do pensamento cartesiano, & pergunta ““o que posers conhecer?” colacourse novamente ao centro 485 indagagées, Para Leibniz. e Cadworh, 4 doutrina de Platio, segundo a qual no adquirimos novos conhecimentos, € sim recuperamos © que ja era conhecido, parecie plassivel, coatanto que *depurada’ da iddia etrada de uma existéncia anterior"*.? Cudworth defen- dexs longemente 2 idea de que o espitito tem unt “poder cognitive inato”” que fornece os principios eas concepedes constitutives de nosso conhecimento, quande devidamente estimulado pelos sentidos. “Mas as coisas sensiveis em si (como, por exemplo, x luz e as cores) alo. sdo conbecidas e entendidas, nem através da paicio ou da fantasia dos sentidas, nem atraués de algo meramente exterior e fortuito, mas através de idtias i eligveis producides pelo préprio espirito, isto &, pot algo gue the & natural «interior. Portanta, 0 conhecimento “*consiste em despertar e estinnular ccapacidades ativas inerentes ac espirito”’, que “‘exerce sua prépria atividade interior sobre”? os objecos apresentados pelos sentidos, chegando assim a ‘conhecer ou a compreender, (.. a apreender algo através de alguns racio- ‘inios abstratos, da razdo livre ¢ universal...” O olho percebe, mas o espiri to pode comparar, analisar, ver relagées de causa ¢ efeito, simetrias, etc, pproduzindo uma iia abrangente do todo com suas partes, relagoes ¢ pro) ”

Você também pode gostar