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Da Construção de Capacidade Avaliatória - Algumas Reflexões - Rogerio Silva PDF
Da Construção de Capacidade Avaliatória - Algumas Reflexões - Rogerio Silva PDF
Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.13, n.48, p. 361-374, jul./set. 2005
362 Daniel Braga Brandão, Rogério Renato Silva e Cássia Maria Carraco Palos
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no Brasil. Ao mesmo tempo em que muito se Ainda que já reunamos um bom volume de
fala em avaliação, alguns fatores seguem de- literatura a respeito do tema, sobretudo nos
terminando um certo grau de dificuldade para campos da saúde e da educação, ainda são
que as organizações a incorporem em sua estritas e superficiais os espaços de forma-
prática cotidiana. Dentre esses fatores, quere- ção. Tanto a universidade quanto as organi-
mos destacar e analisar brevemente os de na- zações da sociedade civil que atuam no pre-
tureza econômica, os da natureza da forma- paro de gestores e consultores ainda inves-
ção de gestores, educadores e consultores e tem pouco em conteúdos em avaliação.
os de natureza organizacional.
Quanto aos fatores organizacionais, é
No que se refere ao aspecto econômi- possível identificar que gestores e educado-
co, os recursos alocados para avaliações res convivem com uma polaridade entre fa-
entre as organizações da sociedade civil zer e refletir que muitas vezes inviabiliza o
ainda são restritos. Rubricas destinadas a investimento em avaliação. A organização
estudos avaliatórios ainda são difíceis de do trabalho, o ativismo, as demandas cons-
negociar e, muitas vezes, entre destinar re- tantes e a permanente escassez de tempo
cursos para realizar ações ou para avaliar são alguns dos fatores que impedem que
ações, não há dúvidas a respeito do cami- um processo de reflexão sobre a prática se
nho seguido. À natureza de programação enraíze em muitas organizações, mantendo
e prioridade do investimento deste aspecto, a avaliação em um lugar inviável, ainda que
soma-se alguma dificuldade das organiza- sempre reconhecido como importante.
ções em fazer prognósticos dos custos de
uma avaliação. Pode até existir disposição A partir destes desafios é que procura-
de se investir neste processo, mas existe di- mos organizar algumas idéias, reunir al-
ficuldade e ausência de parâmetros para gumas experiências, e compartilhar com os
definir quanto investir. Mesmo quando os interessados nossas reflexões. Queremos
parâmetros recomendados por escolas mais também destacar três experiências que muito
estruturadas são utilizados, como as reco- contribuíram para o nascimento deste en-
mendações da escola americana em desti- saio. Em primeiro lugar nossa participação
nar 6 a 10% do orçamento global de um no ciclo de “Seminários de Aprofundamento
projeto para avaliação, não parece haver Profissional para o Consultor em Processos
qualquer sentido em estabelecer uma rela- de Desenvolvimento”, ministrados por Jac-
ção cartesiana entre tal diretriz e a realida- ques Uljeé (Núcleo Maturi). Em segundo,
de brasileira. Somente o acúmulo de expe- a coordenação que fizemos do Seminário
riências em processos de avaliação e, so- Construindo Capacidade Avaliatória em
bretudo, a utilização de seus resultados, Iniciativas Sociais, promovido em parceria
poderão dar às organizações condições de com a Ashoka Empreendedores Sociais. Em
julgar a relevância de se destinar recursos terceiro, nossa participação como facilita-
financeiros a essa finalidade. dores na avaliação da quinta edição do
Programa de Apoio a Projetos de Atendi-
Outra questão desafiadora encontra-se na mento a Crianças e Jovens de 7 a 14 anos
formação de gestores, educadores e consul- na Grande São Paulo, de Vitae Apoio à
tores para atuarem no campo da avaliação. Cultura, Educação e Promoção Social.
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cebemos que estes princípios se colocam bedoria, do bom senso, da arte e, so-
como um escapulário que nos inspiram em bretudo, da educação (DEMO, 1988).
tempos de luz e nos orientam em períodos Felicidade é um processo que contém
de sombra. Os princípios são os seguintes: dimensões mágicas, lúdicas, religiosas,
a. O princípio da “aprendizagem” místicas e se constrói na cultura e na
anuncia a avaliação como promo- história, não simplesmente como supe-
tora de oportunidades, espaços e ração dos problemas materiais, mas
movimentos para que os sujeitos e também como expressão sensível de de-
as organizações aprendam. Avaliar senvolvimento. Nas palavras de Demo
pode se constituir em um processo (1988, p. 27), a felicidade está “no cli-
altamente educativo e transformador ma que pinta, na atmosfera que envol-
da vida social. Para isso é preciso ve, na influência que impregna, na so-
criar objetivos e condições de apren- lidariedade que inspira” os processos e
dizagem. Aprenderemos com nossos as relações sociais.
acertos e erros se avaliarmos critica-
mente o que fazemos. Sem avalia- Da construção de
ção não há desenvolvimento.
b. Os princípios do “respeito” e da “au- capacidade avaliatória:
tonomia” anunciam que o caminho cinco dimensões
a seguir em um processo de constru-
Os processos de construção de capaci-
ção de capacidade avaliatória deve
dade avaliatória com os quais nos envolve-
estar orientado pelo contexto cultural,
mos e que revisamos para produzir este en-
político e estrutural da organização.
saio foram capazes de revelar cinco dimen-
Como os sujeitos, as organizações
sões a respeito das quais queremos falar
vivem seus momentos históricos as
agora. Ainda que interligadas, conectadas,
entradas forçadas podem mais des-
dependentes umas das outras, orgânicas,
truir do que construir capacidades. O
fazemos aqui uma divisão que, acreditamos,
processo de construção de capacida-
nos ajuda a explicitar a compreensão que
de avaliatória precisa ser endógeno.
tivemos do tema. São elas a dimensão do
c. Os princípios da “participação” e da
“poder”, da “motivação”, da “identidade”,
“colaboração” se estruturam na cren-
das “competências” e dos “recursos”.
ça de que o processo de construção
de conhecimento e de produção de
Quando discutíamos e procurávamos
conhecimento é individual e social,
articular essas cinco dimensões na forma
ganhando sinergia nesta polaridade.
de uma figura que representasse sua liga-
Ainda que venhamos a escolher ca-
ção, chegamos ao pentagrama como uma
minhos mais complexos e longos, não
figura simbólica formada por cinco linhas.
se alcançarão práticas justas, orga-
nizações socialmente responsáveis e
Em nossas reflexões e experimentos, nos
condições sociais equânimes por ca-
vimos compreendendo o pentagrama como
minhos que não sejam democráticos.
uma espécie de tradução geométrica do ser
d. O princípio da “felicidade” surge sensí-
humano, ao mesmo tempo em que percebe-
vel e naturalmente nas esteiras da sa-
mos cada dimensão que construímos relaci-
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onada a distintas partes do corpo. Nos veio cabeça pensante, a identidade á esquerda
a imagem de Leonardo da Vinci superposta do peito, a motivação na força da mão, as
ao pentagrama, cujo sentido foi, ao menos competências e recursos, sustentando – fisi-
para nós, expressão importante da centrali- camente – o processo. Esperamos que nosso
dade do sujeito nesta discussão. O poder na esforço criativo provoque reflexões.
Poder
Motivação Identidade
Competências Recursos
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ção, conforme observam Guba e Lincoln Um outro elemento que queremos exa-
(1988) ao escreverem a respeito da Avaliação minar na dimensão do poder diz respeito à
da Quarta Geração. Negociam-se expectati- relação entre organizações financiadas e
vas na forma de perguntas e de desejos. Ne- organizações financiadoras. Muitas vezes,
gociam-se pressupostos e conceitos na forma a demanda por avaliações surge no seio
de indicadores e critérios de julgamento. Ne- de organizações financiadoras, que deli-
gociam-se compreensões da realidade por mitam suas necessidades avaliatórias e de-
meio da escolha de métodos de investigação. finem as perguntas de avaliação que que-
Negocia-se força e espaço por meio dos com- rem responder. Por sua vez, a fonte de in-
promissos políticos assumidos externa e inter- formações para responder a essas pergun-
namente com o grupo que avalia. tas costuma ser, na maioria dos casos, as
organizações financiadas, bem como as
A construção de um ethos político, no populações com as quais trabalha.
qual o porquê e o como avaliar são defini-
dos de maneira colaborativa, tem grande Se este percurso de orientação exter-
repercussão metodológica no processo de na é seguido na avaliação, é comum que
avaliação. Quando operamos com a cren- os resultados alcançados sejam apresen-
ça de que a avaliação ganha sentido e re- tados ao financiador e sirvam, primaria-
levância à medida que envolve diferentes mente, para suas reflexões e decisões,
atores que atuam de maneira autônoma cabendo à organização financiada um
para orientar o processo, é preciso estar lugar de objeto, e não sujeito, da ação
preparado para lidar com as implicações avaliatória. Quando falamos em múlti-
concretas que as decisões do grupo trazem plos atores e na necessidade de que o
para o ato de investigação da realidade. processo de construção de capacidade
O acolhimento destas implicações pode tra- avaliatória resignifique relações de po-
zer legitimidade e crença no processo. der, imaginamos que a relação entre as
organizações financiadas e financiado-
A discussão de poder que fazemos ras também é objeto desta mudança.
aqui quer marcar o princípio de que cons-
truir capacidade avaliatória é um processo Por fim, não podemos deixar de apontar
coletivo. Por ser coletivo, transforma-se para a necessidade de que a relação entre
em um caminho de pavimentação da au- organizações e avaliadores externos seja
tonomia dos sujeitos e das organizações. também profundamente revisada em um pro-
Nas palavras de Freire (1997, p. 35), cesso de construção de capacidade avalia-
“ninguém é autônomo primeiro para de- tória. Mais do que em qualquer outro tipo
pois decidir. A autonomia vai se constru- de trabalho no campo da avaliação, aqui
indo na experiência das várias decisões os avaliadores não são unicamente especi-
que vão sendo tomadas” no processo de alistas em avaliação, não são referências ou
trabalho. O caminho de construção de autoridades em determinadas áreas de co-
capacidade avaliatória será gerador de nhecimento, mas sim são atores que aju-
aprendizagem e autonomia à medida que dam os sujeitos e as organizações a estabe-
criar condições para lidar com a dimen- lecer sua dinâmica de trabalho e a fazer suas
são do poder de forma consciente. escolhas e descobertas.
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Viabilidade: assegurar que uma avaliação será feita de maneira realista, prudente, diplomática e moderada (SANDERS, 1994).
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GESTOR
INVESTIGADOR
ANÁLISE DO
CONTEXTO
PRECISÃO
* tempo * abordagens
* recursos $ * técnicas
* equipe * descrição
* comunicação * análise
* viabilidade * julgamento
* propriedade * sensibilidade
REFLEXÃO
* criatividade
APRENDIZAGEM * compreensão
DESENVOLVIMENTO
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Precisão: assegurar que uma avaliação irá revelar e produzir informações tecnicamente adequadas sobre os aspectos que
determinam o mérito e a relevância do programa avaliado (SANDERS, 1994).
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para que cultura avaliatória não se enrai- liatórias. No estímulo à reflexão, na reorde-
zasse nos sujeitos e nas organizações. nação da prática e na abertura para novas
percepções e sentimentos é que as cinco di-
Da síntese das dimensões mensões ganham vida. Para auxiliar este
As dimensões apresentadas assumem seu processo, propõe-se uma configuração di-
sentido de existência ao se fazerem úteis no dática das dimensões discutidas ao longo
apoio ao desenvolvimento de iniciativas ava- deste ensaio, apresentada no quadro 1.
3 As perguntas entre parênteses foram sugeridas por Cláudia Mara de Melo Tavares, durante a oficina “Iniciativas Inovadoras em
Avaliação de Projetos e Programas Sociais”, por ocasião do V Congresso Nacional da Rede Unida, Londrina, PR, maio de 2003.
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Referências
CHIANCA, T. C.; MARINO, E.; SCHIESARI, L. M. C. Desenvolvendo a cultura de
avaliação em organizações a sociedade civil. São Paulo: Instituto Fonte, Global; 2001.
GUBA, E.; LINCOLN, Y. The fourth evaluation generation. Thousand Oaks, Calif.: Sage
Publications, 1988.
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STAKE, R. E. The art of case study research. Thousand Oaks, Calif.: Sage Publications,
1995.
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