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2 este breve relato, gostaris de Ty Spesena a logon de medina INC indigena ¢ de aegumentar que sua medicina ainda tem um pa- pel importante na questdo de sadde dos Fadios Examinarei a questao da eficdcia das terapias nativas, bem como os medi- tamentos tanto como a terapias simbé- ficas Ligados ao restaurar o sentido de ‘bemestar. Explorarei o processo de tra tamento para refutar os preconceitos de que 0 indio esté gulado pela supersti Gio e de que incapaz de observar os Seneficios empiricos da_medicina Gientifica. A resistencia & medicina oct Gental, como seré analisado aqui, resul- {fa mais das falhas nos servigos ofereci dos pelos brancos. Finalmente, quero abrir uma discus: so sobre a complementariedade dos dois sistemas médicos para considerar a possbilidade de criar um programa de Fadde que incorpore os beneficios de mbes ‘tradigdes. Embora 2 discussfo Soja em termos gerais, é bascada em mi- fnhas e outras pesquisas sobre etnome- dicina e a.utilizagdo indigena da medic na ocidental. Seré itil manter uma Gistinggo analitica entre a teoria da Goenga e:0s servigos de sade (FORS- TER e ANDERSON 197837). A teo- vi de doenca abrange as manciras carac- feristieas em que os membros de uma cealtura peroebem, definem e explicam Sade e doenga. Os servigos de saitde se Teferem 3s manciras de como 2 socieds- de se organiza para cuidar dos doentes. Os servigos so ligados & organizagio so- cial ¢ 0 comy ito em cAsos e5pe- tificos da doenga, utilizando a famflia Os virios especialistas médicos, ¢as tera pias conbecidas. A teoria da doenga ex: Plica 0 que esta passando, 0 “porque” Fa doenga € indica o tratamento ideal. Embora 0 comportamento ¢ as cren- gas estojam relacionados, nem sempre Go completamente congruentes, como vamos ver 20. examinarmos 0 processo de tratamento. ATEORIA DA DOENCA ‘As idéias ¢ teorias da doenga com: poem parte da cultura geral do grupo. A Experiencia de doenca, como qualquer Sutra experiéncia, nunca é um aconteci- mento isolado, mas é ligado com 0 to- {al de crengas e costumes que compéem ‘2 cultura. Assim como o sistema cult tal, a teoria da doenga é de uma natu: feza Igico-conccitual (GEERTZ 1978). ‘Nas sociedades indigenas, teorias sobre Goengas sfo. embutidas na_religigo. Doenga € uma vivéncia de sofrimento fe possibilidade de morte. Nos casos 2 sause EM DESATE Faneiho 1985 saude indigena: a logica do processo de tratamento + Amedi ESTHER JEAN LANGDON \digena ea ocidental no so antagénicas. Esther Langdon abre a discusso sobre a viabilidade de um programa de satide que incorpore os dois sistemas. quando a vida esté em risco, explana: Gées sobre 2 doenca sfo procuradss no Corpo de ideias religiosas que explicam a ordem do mundo, o destino do homem. Os nativos querem saber o “porque” do soffimento © suas crengas sobre calisa- (qo mitica explicam este porque. Tais Sgusas misticas podem incluir ataques dos espititos, eiticari, perda da alma, a iquebra de um tabu etc, Estas causas exi- gem o que nossa cultura define como féenicas “magicas” para recuperar 2 side. Assim, um xamé ou pajé € solict fado para realizar 0 rito, com 0 fim de ‘divinhar a causa mistica e contrariar Ou ‘neutralizar esta causa através dos meios simbélicos. Desde o surgimento da antropologia ‘como disciplina, tem sido uma das suas reoeupagoes explicar porque 2 “ma ia” figura na explicagZo ¢ tratamento 1961; LEVISTRAUSS, 1962). Nao ha tempo suficiente para explorar aqui esta jdéia, mas é importante dar conta que 2 doenga no é uma experiéncia fisica fapenas, mas que também envolve fatores ‘ucolézicos e sociais. Terapias indigenas Gemonstram-se eficazes no tratamento destes aspectos. ‘Porém, a pesquisa de tals terapias mé- cas tem sido Util para pesquisa médica comparativa (KLEINMAN, et al. 1978), bem como para os fins especificos da antropologia. Nao obstante, por causa a natureza exética da magia, o enfoque de tais praticas tem resultado no desco- ‘nheeimento relativo dos modos naturais para explicar e tratar doencas. Os in- Uigenas recanhecem que hé dupla causa (das doengas: as misticas que explicam o “porque” e as naturais que seguem mais nitidamente nossa propria tredigio. In- ‘luem causis impessoais como excess de calor ou frio, stress, regime inade- quado, debilidade fisica etc. Em geral, stas teorias sobre causagdo natural sfo modelos de equilibrio semelhantes 20s {da medicina antiga da Grécia e da China fe nio da etiologia especifica da medici- na cientifica atual. ‘Na logica indigena, ambas 25 foreas, ‘misticas ¢ naturais, atuam sobre 0 in- dividvo, e © tratamento tem que se dirk ft a ambos. Assim, as plantas e outros Femédios sfo fundamentais no trata- mento dos sintomas das doengas. Du- ante milhares de anos os indigenas tém ‘explorado sistematicamente seu ambien fe natural para descobrir e produzit remédios para curar sintomas fisicos. ‘Ainda que nfo disponham de uma meto- dologia cientifica, altamente precisa € sofisticada, como a da medicina erudita, ‘operam com principios de uma ciéncia de senso comum, baseado na observa: ‘qdo empitica de causa e efeito. ‘(0 PROCESSO DE TRATAMENTO © processo de_terapia demonstra claramente a duslidade de causagf0. Quando o indio acorda sentindo-se mal, diegnostica sua doenga baseado nos Entomas.que apresentar. Se # doenga Saiide erm Debate — janziro de 88 lemonstra ceausagao. ntindo-se sseado 00S a doenga veiro de 88 nfo for séria, escothe um remédio & be | de ervas conhecido por ele ¢ outros da sua familia. Se sarar, 0 ca80 ¢ 2 PreO~, tmpapéo terminam. Porém, se ndo obti- ver alivio, 0 indio costuma consultar fora da familia, selecionando © Expecialsta tradicional mais apropriado, ‘egondo seus sintomas e diagnésticos preliminares. Assim também 0 speci Hista diagnostica a doenga segundo os sintomas e o tratamento é baseado na experiéncia de um caso similar ocorrido ro passado. No comego a preocupagio é primeiramente com 0 alivio dos sinto- nas. A eficicia das ervas ¢ outros medi- camentos € observada ¢ avaliada. Quan do o tratamento falha, a doenga é re- classficada e 0 tratamento € julgado ine- fieaz para tal doenga. Quando a doengs tomarse séris, nfo responder a varios ‘medicamentos OU apresentar sintomas desconhecidos ou incomuns, a procura da causa mistica comega. O especislista em tals causas, 0 pajé ou xamd, serd con- Satide om Debate — janeiro de 88 sultado para descobrir a causa mistica (a feausa que explica porque a doenga n£0 esponde a0. tratamento normal) © para fconduzir 0 tito necessério para anular festa causa. Em tais casos o$ indios acre- ditam que. os sintomas s6 desaparecem depois que a causa mistica estiver neu- tralizada. (© processo aqui descrito 6 simplifi- cado por necessidade e excep0es podem ser apontadas. Todavia, representa uma Sintese das minhas observagSes © das conclusées da maioria das pesquisas que investigam 0 processo de tratemento em clturas indigenas. Além disso, 2 maio- fia destes estudos tem concluido que a ‘medicina nativa, com sua preocupaé0 de causalidade dupla, tende a ser mais “holista” que a _medicina cientifica. Considers vérios fatores de stress, ori- ginados nas telag6es sociais, trabalho, ambiente cultural etc., ¢ que sf0 excluf- dos do tratamento caracterstico da me dicina modema (DUBOS, 1971; GROS- SINGER, 1980). Ademais, sistemas in- igenas de terapia podem ser mais efi- cazes 20 recuperar o sentido total de demestar obtido através dos rites. A SITUAGAO DEPOIS DO CONTATO ‘As consideragSes sobre o tratamento indigena ea questio de eficécia foram descritas no contexto da situaggo antes do contato com brancos; ou soja, antes das complicagées de sade, decorrentes deste contato. A maioria das pesquisas demonstram que as populagées indige- ‘nas sfo mais saudaveis ¢ sofrem de me- nos doengas fatais do que o homem da sociedade industrilizada (DUBOS, 1971). © contato com os brancos, porém, altera 0 quadro epidemiol6eico, ‘mo seu quadro social e econémico. Estas alterag6es repercutem de modo negativo na satde. No contato sfo introduzidas ‘no grupo novas doengas, que sfo incuré- 13 vee pelas terapias nativas. ass também ocorrem surtos epidémicos que provocam a redueio dristica da popu: fagzo.e, conseqiientemente, 2 sus de- sorganizagdo social (RIBEIRO, 1982). Paralelamente, seu regime alimentar sofre mudanga ¢ a ménutrigao se mani- festa. Se antes do contato os nativos ti- ham uma variedade de produtos dis poniveis & sua subsisténcia, ao contatar om os brencos, sfo inseridos né pro- dugdo e mercado agricola, via de regra, de monocultura, Sua alimentaggo, antes vyariada, agora é restrta 20. produto cultivado na regifo e o nivel nutricional da populacio fice empobrecido, Bomado as novas doengas, as epide- rmias eA desnutrigg0, coloca-se o stress Social, devido a desorganizacfo cultural Todas estas mudangss s0ciais,cultu: ais, nutricionais ¢ econdmicas tomam Ineficazes muitos tratamentos das novas doengas que afligem a populagdo e 2 me- ddicina cientifica perde a eficicia devido aos problemas crOnicos de mé nutricfo, ‘pobreza e stress social. 1 processo de tratsmento em situs: Ses de contato geralmente segue 0 m0- Selo aqui descxto. O indio, 20 acordar, sente-se mal, e comega a procurar trata- mento primeiro com a famifia € logo re- corre eos especialistas. Na tentativa de fratar sintomas, medicinas e especia- Iistas da medicina cientifice podem for- mar parte dos servigos de saiide procura- dos. Os indios utilizam estes bem como Seus proprios remédios ¢ especialistas. __ 0 contato com o branco Introduz novas doencas, incuraveis pela terapia nativa. _ Seu método ¢ pragmitico ~ 0 de utilizar ‘9 que funciona. S6 mos casos difioeis {gor eles continuam a procurar primeira Rente seus prprios especialistas para turer a causa mistica, Mas em seus ¢% forgos de curar os sintomas, seguem uti lizando as terapias de ambos, dos bran- ‘cos dos indios. ‘Duss qualificagSes tm que set con- sideradas quanto a0 uso da medicina Sientifice. Primeizo, a utilizaggo das te fapias de medicina cientifica nfo impli ce na aceitago e, nem tampouco, 20 Conhecimento da. teoria cientifica da ‘causagZo (ERASMUS, 1952). Mais coma monte, eles seguem percebendo ¢ inter- pretando as doengas segundo sua pré- ria cultura, enquanto empregam a8 te- Tapias cintificas para sarar os sintomas. ‘Aiparte mais resistente de sua medicina “4 sontra na causzgs0 mistica, nfo da natural (LANGDON ¢ MACLENNAN, 1973, 1979). Segundo, os indios esta0 ainda inerédulos para ‘adotar ou pro var medidas de medicina preventiva Cientifia, tal como vacinas, porque é mais dificil observar a eficicis de tais métodos Tim outras palavras, estou argumen- tando que a medicina indigena nfo apre~ genta em si obstéculos para acitar as te Tapiss ou medicamentos da medicina ientifica, Isto ndo quer dizer que nfo exista obstéculo algum, nem que 6 sem fe fécil entender 0 porqué da resistEn- Gia ostensiva. aos servigos oferecidos. Embora, na maioria dos casos, esta re- sisténcis nfo proceda des diferengas em relagdo as teorias das doengas nem de dima ignordncia ov uma falta de objetiv dade empitica da parte dos indios. A maioria dos obsticulos se ligam dentro do sistema de servigos de saiide, em vez do sistema de teoria da doenga. SERVICO DE SAUDE ‘A primeira considerapdo a ser levan- tada envolve a qualidade dos servigos postos & disposigfo do indio e até que onto os servigos dirigem-se aos proble- mas de sade da comunidade. Freaiien- temente estes servgos sfo inadequados: faltam especialistas treinados ou interes- sados, equipamentos e medicamentos ( tema servigos adequados se toma sais complicado quando 0s problemas gerais de satide e nutrigso da populagéo indigena sf0 tomados em conta. Um pa- ciente-com parasita, com uma hist6ria

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