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Educação e Cultura

Midiática
Volume I
Universidade do Estado da Bahia - UNEB

Lourisvaldo Valentim da Silva


Reitor

Maria Nadja Nunes Bittencourt


Diretora da Editora

Conselho Editorial

Delcele Mascarenhas Queiroz


José Cláudio Rocha
Josemar Rodrigues de Souza
Márcia Rios da Silva
Maria Edesina Aguiar
Mônica Moreira de Oliveira Torres
Wilson Roberto de Mattos
Yara Dulce Bandeira Ataíde

Suplentes

Kiyoko Abe Sandes


Liana Gonçalves Pontes Sodré
Lynn Rosalina Gama Alves
Ronalda Barreto Silva
Maria Olívia de Matos Oliveira
Lucila Pesce
(Organizadoras)

Educação e Cultura
Midiática
Volume I

EDUNEB
Salvador
2012
© 2010 Editora da UNEB
Proibida a reprodução total ou parcial por qualquer meio de impressão, em forma idêntica,
resumida ou modificada, em Língua Portuguesa ou qualquer outro idioma.
Depósito Legal na Biblioteca Nacional
Impresso no Brasil em 2012.

Ficha Técnica

Coordenação Editorial
Ricardo Baroud

Coordenação de Design e Capa


Sidney Silva

Projeto Gráfico, Editoração, Normalização e Revisão


Grajaú Gráfica e Encadernadora

Ficha Catalográfica - Sistema de Bibliotecas da UNEB

Educação e cultura midiática / Organizado por Maria Olivia de Matos


Oliveira; Lucila Pesce. – Salvador: EDUNEB, 2012.
218p. v. 1.

ISBN: 978-85-7887-122-2.

Inclui referências.

1. Educação - Inovações tecnológicas. 2. Inovações educacionais. 3.


Tecnologia educacional. I. Oliveira, Olívia de Matos. II. Pesce, Lucila.

CDD: 371.334

Editora da Universidade do Estado da Bahia - EDUNEB


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Prefácio
A cultura midiática e os desafios para a educação

Até perto do final do século XIX, o território da cultura nas sociedades


ocidentais fazia-se compreender na oposição entre cultura erudita e
superior, de um lado, e cultura popular, de outro. Trata-se de uma oposição
decorrente do desenvolvimento da sociedade capitalista e da formação
da burguesia, expressando a dominação desta classe, identificada com a
cultura de elite, sobre a cultura popular de origem camponesa e proletária.
Isso significa que a cultura erudita, própria das classes dominantes não
impedia a existência de sistemas culturais populares, tais como o folclore
rural, enfim, a existência de produtos culturais específicos capazes de dar
expressão a experiências coletivas dotadas de um imaginário social próprio.

De meados do século XIX em diante, como fruto da industrialização,


da explosão demográfica, do êxodo rural e do surgimento do telégrafo, da
fotografia e da presença do jornal, a oposição precedente entre cultura
de elite e popular passou a sofrer fundas alterações. A esse binômio veio
se somar um novo tipo de cultura, a emergente cultura de massas e os
mecanismos de um fenômeno inteiramente distinto, a industrialização da
cultura. Com isso, deixaram de persistir as situações de produção daquilo
que tão redondamente era chamado de cultura erudita versus cultura
popular. Embora os padrões culturais tradicionais tenham continuado
a existir, eles foram se tornando cada vez menos dominantes diante dos
modos de produção cultural que operam de acordo com a lógica da
industrialização da cultura.
O que eram apenas prenúncios da cultura de massas no jornal, no
cinema e na publicidade veio alcançar o seu clímax, em meados do século
XX, nos processos de comunicação radiofônicos e televisivos. Foi nessa
época que se deu a explosão da cultura pop, quando o papel desempenhado
pela dimensão da cultura nas formações sociais foi se tornando cada vez
mais proeminente. Essa proeminência intensificou-se nos anos 1980 com
o advento da cultura das mídias, ou seja, uma cultura na qual emergiram
a máquina xérox, o controle remoto, a TV a cabo, o vídeo cassete e outros
equipamentos que começaram a permitir ao receptor alguma escolha no
tipo de entretenimento ou informação que deseja receber.

Impacto similar, na antiga oposição entre cultura erudita e popular,


que fora provocado pela cultura de massas, esta passou a sofrer frente
ao advento da cultura das mídias, visto que os pequenos dispositivos,
aparentemente inofensivos, introduzidos por esta última, foram minando a
hegemonia da cultura de massas. A segmentação do público, a possibilidade
aberta para que o indivíduo possa escolher informação e entretenimento ao
seu gosto e repertório – que são próprias da cultura das mídias, uma cultura
do disponível – começaram a preparar a sensibilidade do receptor para o
surgimento da revolução digital, das redes planetárias de comunicação
e da cibercultura nos anos 1990. Além de provocar uma inflação ainda
maior no papel desempenhado pela dimensão cultural no todo social, a
cibercultura inaugurou a intensa dinâmica das conexões que torna o acesso
à informação e ao conhecimento um bem ao alcance de uns poucos cliques
no computador.

Ora, o que importa reter nessa sequência acelerada e ininterrupta


de transformações socioculturais é que os diferentes tipos de formações
culturais – popular, erudita, massiva, das mídias e digital – criam ambientes
cognitivos, perceptivos e sensórios que lhes são próprios. Esses ambientes
vão se misturando e coexistindo, pois um novo ambiente não leva os
precedentes ao desaparecimento. É em função disso que a cultura em que
hoje vivemos é complexa, densa, intrincada, híbrida e multifacetada. Não
apresenta mais nada que possa lembrar a mera e simples oposição entre
cultura popular e cultura erudita que era própria da sociedade pré-massa,
do início do século XIX.

As consequências que essas condições culturais cada vez mais


hipercomplexas trazem para a educação não são poucas. O que fica evidente,
na passagem de uma formação cultural para a outra, é o crescimento e
diversificação da produção de informações e o acesso a elas que se amplifica
cada vez mais. Que os processos de aprendizagem não são mais privilégio
da formação escolar parece ser evidência que a cultura digital tornou
incontestável. Os meios de massa – jornal, rádio, televisão – já trazem
notícias, entretenimento e informações para dentro de nossas casas com a
mesma facilidade com que chegam a luz e a água. Os equipamentos típicos
da cultura das mídias – vídeo, TV por assinatura, xerox etc. – permitem que
escolhas individuais se efetuem diante de uma pletora de opções.

Agora, com as mídias digitais, notícias, informações, entretenimento,


jogos, comunicação multilateral, veiculadas em redes fixas e móveis, podem
ser acessadas, em qualquer momento, de qualquer lugar para qualquer
outro lugar. Isso provoca transformações radicais nos modos de se informar,
aprender, conhecer, nas práticas de lazer e de socialização. Não são poucos
os autores que têm defendido a ideia de que a inteligência humana hoje se
encontra expandida em uma inteligência coletiva, de caráter planetário que
palpita e estala em ritmo exponencial.

Embora desde o final do século XIX, tenha havido uma escalada


crescente da penetração das mídias na existência individual e social, no
mundo pré-digital, ainda era possível se perceber uma diferenciação nítida
entre os espaços de vida e das funções que neles são desempenhadas,
tais como o espaço da escola, do trabalho, do lazer, o espaço do lar, dos
encontros sociais. Agora, na cultura digital, espaços e funções tendem a
se misturar. Eles se interpenetram e se complementam inelutavelmente
de modo que tem se tornado cada vez mais difícil separar e discernir as
funções que cabem a cada espaço.

Levando em consideração apenas o que diz respeito à educação, é


preciso levar em conta que os dispositivos digitais, especialmente aqueles
de caráter móvel, estão propiciando novas formas de aprendizagem, ou
seja, aprendizagem ubíqua, a qualquer tempo, de qualquer lugar, que
ocorre ao sabor das circunstâncias no movimento vertente da vida. Diante
disso, como estabelecer distinções precisas entre aprendizagem formal,
planejada, sistematizada, organizada, de um lado, e aprendizagem informal,
contingente, descontínua, caótica e ubíqua, de outro? Como conceber
novas formas de ensino que possibilitem o intercâmbio dessas duas formas?
Como incorporar a informação descontínua e fragmentária que é própria
das redes, no contínuo e cumulativo que é próprio do saber protegido pela
memória? Essas questões são apenas pequenas pontas do imenso iceberg
dos desafios que hoje se apresentam aos educadores. Vem daí o grande
valor dos dois volumes da coletânea que aqui se apresenta, voltada para
uma miríade de reflexões sobre a educação frente à cultura midiática. Por
isso mesmo, aqui o leitor só terá a ganhar, pois a leitura desses livros já é
um passo significativo na direção de um debate que não pode ser adiado.

Lucia Santaella
Sumário

Apresentação 13

Parte I: Cultura Midiática

Mídia, Educação e Cidadania 19


Osvaldo Biz

Comunicação, Multimeios e Educação: programas


educacionais em pauta 47
Adriana Rocha Bruno e Ana Maria Di Grado Hessel

Mundos Virtuais, Games e Simulações em


Educação: alternativas ao design instrucional 69
João Mattar

Processo Educativo e Inclusão Sócio–digital na


EJA: uma proposição 97
Adriana dos Santos Marmori Lima

Parte II: Formação On-line

Formação Online de Educadores: uma proposta


dialógica 121
Lucila Pesce
Formação Docente e Aprendizagens Online:
reflexões sobre curriculo 145
Maria Olivia Matos Oliveira

Sala de Aula Virtual: novos lugares e novas


durações para o ensinar e o aprender na
contemporaneidade 169
Daniel Mill, Nara Dias Brito e Aparecida Ribeiro Silva

A Comunicação na “Era do Príncipe Eletrônico”:


a EAD como desafio político e pedagógico 193
Eliana Romão e César Nunes

Sobre os Autores 213


Apresentação

Caro leitor, o primeiro volume da coletânea que ora apresentamos


reúne pesquisadores de distintas universidades brasileiras e trata de
dois temas instigantes da sociedade contemporânea: cultura midiática e
processos de formação desenvolvidos nos ambientes digitais.

Os artigos que compõem a primeira parte deste livro – Cultura


Midiática – revelam, na polissemia das vozes dos autores, uma unicidade
nas reflexões sobre como a mídia se torna presente em todos os aspectos da
vida cotidiana e como o discurso midiático participa do processo histórico
de construção da identidade dos sujeitos, nas interações sociais, afirmando
ou negando a nossa condição de cidadãos.

No primeiro parte do volume, de acordo com Osvaldo Biz, no seu


texto Mídia, Educação e Cidadania, diante da exposição dos sujeitos aos
meios de comunicação de massa, há necessidade de uma educação crítica
para as mídias, pois “a construção da cidadania envolve a descoberta
de que devemos nos tornar sujeitos da história e não meros objetos de
manipulação”.

Adriana Bruno e Ana Hessel chamam a atenção para a necessidade de


trabalhar temas que integrem a Educação e a Comunicação. E o fazem com
o relato analítico de propostas de programas educacionais, em diferentes
mídias, que vêm sendo desenvolvidas por ambas as pesquisadoras desde
2005.

No contexto da cultura midiática, “Mundos virtuais, games e


simulações são elementos essenciais da cultura midiática”, conforme adverte

13
João Mattar. A partir dessa premissa, o autor explora os usos pedagógicos
de mundos virtuais (em especial, o Second Life), games e simulações,
apresentando o estado da arte do debate teórico e analisando algumas
experiências práticas.

A seu turno, Adriana Marmori Lima reflete sobre o processo


educativo e a inclusão sociodigital na educação de jovens e adultos,
procedendo a uma imersão na trajetória de vida pessoal e profissional dos
educadores. Ao fazê-lo abre “possibilidades de articulação entre o aprender
o mundo das letras e o aprender o mundo digital e a cultura midiática nos
processos de EJA”.

O conjunto das reflexões inerentes aos capítulos que compõem


a primeira parte do livro busca, portanto, discutir a importância de se
conhecer o poder da mídia no cotidiano das pessoas, para a partilha
conjunta de significados e compreensão crítica da contemporaneidade.

Para apresentar a segunda parte do livro – Formação Online –


julgamos pertinente iniciar com a questão formulada por Eliana Romão
e César Nunes: Como é possível a comunicação num contexto em que o
contato presencial não é condição para a relação educativa? Os referidos
autores partem da premissa de que educação é comunicação e buscam,
através do desenvolvimento do texto, saídas alternativas para a superação
do impasse de uma educação a distância para uma educação sem distância.
Consideram a importância do desenvolvimento da autonomia intelectual
dos sujeitos aprendentes, a partir de intervenções pedagógicas que
possibilitem espaços de expressão, participação e criatividade.

Na segunda parte do volume os textos voltam-se para os distintos


aspectos inerentes à formação veiculada nos dispositivos e interfaces
digitais. As reflexões sobre as novas linguagens audiovisuais demandam
dos docentes uma nova visão paradigmática capaz de ressignificar as atuais

14
práticas educacionais, em sintonia com as emergências dos sujeitos que
participam das atuais organizações societárias.

Também são abordadas questões relacionadas à docência, no


contexto da cultura midiática.

Lucila Pesce relata uma pesquisa em desenvolvimento sobre


formação de educadores no e para o contexto digital, cujos princípios e
pressupostos teórico-metodológicos coadunam-se com a perspectiva
dialógica.

Ao discorrer sobre os limites e as possibilidades da formação de


professores em cursos a distância, Maria Olívia Matos Oliveira pontua,
no capítulo de sua autoria, questões relativas ao currículo dos cursos
online, aprofundando reflexões sobre temporalidade e sua relação com as
aprendizagens significativas.

Questões relativas à educação veiculada nos dispositivos e interfaces


digitais, como a fragilidade das interações entre a equipe conceptora e
os tutores, o pouco investimento institucional no processo de formação
continuada de professores para o exercício da mediação a distância e
problemas quanto à adequação dos tempos nas aprendizagens online são
discutidos ao longo das nossas páginas, sobretudo nas linhas assinadas por
Maria Olívia Matos Oliveira e Lucila Pesce. A guisa de inconclusão – em
um campo de trabalho e pesquisa em ebulição, no atual momento histórico
– apontamos ao leitor os questionamentos expressos nas interrogações dos
autores de um dos textos Daniel Mill, Nara Brito e Aparecida Silva: Como
uma sala de aula se configura? Quais os tempos e espaços de uma (sala de)
aula? Que mudanças conceituais as tecnologias digitais trouxeram para a
aula e para a sala de aula?

15
Para compreender as concepções de aula e sala de aula na
contemporaneidade é preciso, antes de tudo, entender aspectos relacionados
à sala de aula presencial, bem como entender algumas atitudes docentes e
da escola, que revelam resistência em reconhecer a inevitável inserção dos
estudantes na cultura digital.

Nessa miríade de reflexões finalizamos a apresentação do primeiro


volume da coletânea por nós organizada. Ao fazê-lo, apontamos mais
dúvidas que certezas, mais interrogativas que afirmativas, porque as questões
pendentes poderão ser esclarecidas ou aprofundadas, na interlocução de
você, leitor, junto a cada um dos autores da presente obra.

Maria Olívia Matos Oliveira

Lucila Pesce

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Parte I

Cultura Midiática
Mídia, Educação e
Cidadania
Osvaldo Biz
(PUC-RGS)

A - MÍDIA

O que se entende por Comunicação

O processo da comunicação inicia com o emissor, que pré-


determina o processo, a mensagem. Mas o elemento que dá sentido
concreto à mensagem é o receptor. Havendo a percepção do sentido entre
o emissor e o receptor, acontece a interpretação correta da mensagem e aí,
sim, é possível falar em comunicação, ou seja, compartilhar, tornar comum
a todos, interagir com as pessoas e com o mundo. As ferramentas utilizadas
para tal fim são as mais variadas.

Como afirma Bowditch e Buono (1992, p. 81), a comunicação


existe quando há troca de informações entre o transmissor e o receptor e
há percepção do significado entre os indivíduos envolvidos. Sem essa ação
recíproca não existe comunicação, apenas difusão do noticiário a partir do
emissor. Trata-se de informação, mas não comunicação. Uma comunicação
excelente é aquela conhecida como simétrica, ou seja, de duas mãos. Temos,
então, os elementos básicos: um emissor, uma mensagem, um receptor e
uma interpretação da mensagem.

A compreensão da importância dos meios de comunicação e


sua influência no cotidiano das pessoas parte da discussão de quatro

19
proposições (GUARESCHI; BIZ, 2009). A primeira afirmativa é a seguinte: a
comunicação, hoje, constrói a realidade. Aqui a palavra realidade significa
o que existe, o que tem valor, o que tem respostas, o que legitima e dá
densidade significativa ao nosso cotidiano. Ou seja, algo passa a existir, ou
não, se as mídias, no caso em foco, rádio, televisão e jornal, comentam ou
mostram imagens.

A segunda afirmativa é complemento da primeira: a mídia não só


afirma o que existe, como decide o que não existe, em vista do seu silêncio.

A terceira afirmativa é que os donos dos veículos de comunicação


controlam a pauta da discussão. Se um fato que aconteceu não for
comunicado ou comentado é sinal de que não existiu. Por consequência,
os ouvintes de rádio, os telespectadores, os leitores de jornal deixaram de
tomar conhecimento de sua existência.

Para Marcondes Filho (2004, p. 7)

[...] apesar do volume imenso de aparelhos postos


à nossa disposição, – televisão, internet, telefone
celular, aparelhos de transmissão de fax, telões etc.
– a vida de cada um ainda é uma caixinha fechada,
um universo oculto, um mundo trancado.

E, por fim, nesses tempos da era da informática, da internet, mas de


modo especial do meio midiático mais popular que é a televisão, ela ocupa
muito do tempo de uma parcela imensa de crianças e jovens, calculada
entre quatro e cinco horas diárias. Normalmente são retratadas como parte
de um nicho do mercado consumidor e não como seres humanos com
direitos específicos.

No Brasil, as crianças recebem mensagens para adquirir brinquedos


e cobram de seus pais a aquisição dos mesmos. No Canadá, por exemplo,

20
antes e durante a apresentação de programas infantis é proibido fazer
publicidade. Tudo isso é bastante complexo. Daí a necessidade de uma visão
abrangente das mensagens que nos chegam através dos veículos eletrônicos,
ou seja, rádio e televisão.

Nosso texto, além de explicar o surgimento do jornal, rádio e televisão


no Brasil, quer oferecer elementos que possam colaborar para uma análise
mais crítica da realidade apresentada, ou seja, como algo acabado, pronto,
invariável, desenraizado do passado. Ora, informações descontextualizadas
privam o leitor de uma compreensão maior dos acontecimentos.

Sabedores de quão poderosa é a mídia em nossa vida cotidiana,


estudá-la significa entender o mundo, utilizando nossa capacidade de
crítica e decifração para compreender sempre mais do que aquilo que
lemos, vemos e ouvimos e compartilhar seus significados (SILVERSTONE,
2002).

Agora, é preciso ter cuidado. O senso de análise não nasce


automaticamente. É uma tarefa diária de aprendizagem. Vai crescendo à
medida que descobrimos a importância do ‘como’ os noticiários dizem as
coisas, em detrimento do que eles afirmam.

Ter uma visão de conjunto, contextualizar as informações, ligar as


partes ao todo poderia ser um meio eficaz para a formação de um espírito
crítico. Uma reflexão sobre mídia é inerente a todas as pessoas que afirmam
e reafirmam sua cidadania, já que mídia está presente em todos os aspectos
de nossa vida cotidiana.

Frente às mídias (jornal, rádio e televisão), podemos ter uma postura


de ingenuidade ou de supervalorização, encarando-as como simples
entretenimento, ocupação das horas de ociosidade, ou uma crença total nas

21
informações. É fundamental, porém, não ignorá-las, bem como é premente
aprofundar um olhar crítico sobre as mesmas.

A falta de contextualização, o realce a acontecimentos menores em


detrimento dos principais que são esvaziados, constitui-se em esquemas
de manipulação pelos proprietários das mídias. Com esse procedimento,
certos noticiosos não geram polêmica, mas pura conformidade ao que é
mostrado. Ora, a moeda mais forte desse milênio é a informação. Quem a
detém possui o poder.

Entender o funcionamento da mídia eletrônica

Para realizar a função de análise crítica é preciso ter algumas


informações. A primeiríssima é saber que a mídia eletrônica – rádio
e televisão – resulta de concessões feitas pelo Governo, por um período
limite, necessitando de renovação quando esgotados os prazos, de 10 anos
para estações de rádio e 15 para os canais de televisão.

O que significa obter uma concessão? Em outras palavras, significa


ter uma licença para usar o que não é seu. Na verdade, o povo é o verdadeiro
dono das frequências dos canais. Mas a exploração é destinada a um
pequeno grupo de empresários. Em vista de uma legislação que não muda,
que já dura 47 anos, sempre as mesmas pessoas são beneficiadas por novas
concessões. De acordo com Comparato (2000, p. 193),

[...] deve-se partir do princípio fundamental de que


a comunicação social, numa sociedade democrática,
é matéria de interesse público, isto é, pertinente ao
povo, não podendo, portanto, admitir nenhuma
forma direta ou indireta de controle particular
sobre os meios de comunicação de massa.

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O que se está exigindo é o cumprimento da Constituição Brasileira
de 1988, que em seu artigo 220, parágrafo 5º, prescreve: “Os meios de
comunicação social não podem direta ou indiretamente ser objeto de
monopólio ou oligopólio”.

Enquanto não chegam as mudanças na legislação, urge criticar e


denunciar os monopólios existentes na comunicação. A mídia eletrônica
contorce-se dentro de um círculo vicioso férreo, que precisa ser rompido,
se quisermos pensar em democracia e cidadania.

Esta intrincada situação da mídia nacional fica bem esclarecida com


a afirmativa de Thompson (1995, p. 327): “A liberdade está ameaçada não
apenas pelo exercício do poder do Estado, mas também pelo crescimento
desenfreado das organizações da mídia no campo privado”.

A pergunta que a descrição deste quadro suscita é a seguinte: onde


fica a pluralidade de informações, o contraditório, a diversidade de opiniões,
o direito de dizer sua palavra, principalmente na linha do telejornalismo,
que constitui a principal fonte de informação?

As notícias repassadas para a maioria dos brasileiros de uma forma


sintética podem ser comparadas como um “fast food”, um “drops”, uma
“cesta básica”. E pior: esta postura pode ser observada na maioria dos canais
abertos.

Daí a necessidade de uma educação para a mídia, para desconstruir


suas mensagens veiculadas pelos meios de comunicação. O mundo é pior
do que a mídia diz naquilo que ela não diz: na desigualdade, na injustiça, na
indiferença do serviço público.

Jornalista não é apenas transmissor, mas verdadeiro construtor de


conteúdos. De uma mesma informação é possível apresentar resultados

23
totalmente diferentes. Depende de quem dá “forma” a essa informação. Ele
deve localizar as contradições, os interesses que os proprietários defendem,
uma vez que sempre há algo para ser descoberto.

E o receptor deve deixar de lado a ideia de ser um mero leitor ou


espectador. É fácil concluir, então, que não existe uma mídia impressa ou
eletrônica independente, neutra, apartidária, em que o leitor é sua razão
de ser, como gostam de lembrar, continuamente, os seus proprietários. De
acordo com Hohenberg (1981, p. 29),

[...] o mero processo de decidir publicar uma


matéria ou suprimi-la é um exercício de opinião do
editor. Se a matéria vai levar uma manchete grande
ou pequena, se será colocada na primeira página,
no meio de anúncios de ‘precisa-se’, é, igualmente,
não o resultado de qualquer processo objetivo,
porém de uma escolha editorial, opinativa.

Editar uma notícia é escolher e, essa escolha já é uma tomada de


posição. O destinatário precisa ter uma visão abrangente das mensagens
que a ele chegam. Só assim há de crescer seu discernimento, o que lhe
possibilitará uma interpretação crítica. A postura crítica do receptor oferece
condições de localizar as contradições, os interesses que os proprietários da
mídia defendem.

Morin (2001) é o autor da Teoria da Complexidade, entendida como


aquilo que é tecido junto, ou seja, existe um elo interdependente entre as
partes e o todo, o todo e as partes. Para este sociólogo francês, compreender
significa ligar os conhecimentos.

Caso contrário, viveremos rodeados por um cipoal de informações


onde não haverá tempo para meditar sobre a primeira notícia, simplesmente
porque já foi substituída por outra. Morin (1986) diz que estamos rodeados

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de sub e super informações. O excesso abafa a informação, dificultando o
discernimento sobre o que está acontecendo.

A caminhada do monopólio da mídia brasileira

Os serviços da radiodifusão são regulamentados através do Código


Nacional de Comunicações, criado em 1962. No mesmo ano é fundada a
Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT), para
defender os interesses dos donos desses veículos.

Este Código sofre alterações a partir do regime militar (1964-1985),


quando, em 1967, a legislação estabelece que nenhuma entidade ou pessoa
pode ter participação em mais de dez emissoras de televisão em todo o
país, das quais cinco, no máximo, devem ser em VHF. Esta legislação abriu
brecha para burlar tal determinação. O registro começou a ser feito em
nome de empresas diferentes e em nome de vários membros da família.

Isso explica por que no Brasil alguns grupos familiares concentram


toda a comunicação do setor de rádio e televisão, que abrange o território
nacional. Família Roberto Marinho: Rede Globo Rio, com início em 26 de
abril de 1965. Possui também: televisão paga, jornal O Globo, estações de
rádio, revistas, agência de notícias, gravadora, televisão a cabo, telefonia
celular, provedores de internet, gráfica.

Família João Saad: Rede Bandeirante de Televisão inicia em 13 de


maio de 1967 e dispõe de estações de rádio. O espólio da Rede Tupi, após

25
sua falência foi distribuída entre a Família Abravanel (Sílvio Santos), que
criou o Sistema Brasileiro de Televisão (SBT), e Adolf Bloch, que inaugurou
a Televisão Manchete, que também entrou em falência. Em 1999, 15 de
novembro, Amilcare Dallevo Júnior fica com a falida Televisão Manchete,
sob novo nome: Rede TV. Edir Macedo, compra a Rede Record, que se
transforma em Rede Nacional, dispondo de estações de rádio e televisão e
mais jornais, revistas, com filiais no exterior.

Nelson Tanure comprou e edita o centenário Jornal do Brasil, a


Gazeta Mercantil (que fechou em 2009), e é dono do canal Jornal do Brasil
de Televisão (JBTV), antiga Central Nacional de Televisão (CNT), do
Paraná, pertencente à família Martinez.

Existem também grupos regionais, repetidores dos grandes canais:


Família Sirotsky, que comanda a Rede Brasil Sul de Comunicações (RBS),
mantendo o controle midiático do Rio Grande do Sul através de repetidoras
de televisão e estações de rádio. Além disso, é proprietária de quatro
jornais diários: Zero Hora (Porto Alegre), O Pioneiro (Caxias do Sul),
Diário Gaúcho (Porto Alegre) e Diário de Santa Maria (Santa Maria). Em
Santa Catarina dispõe de repetidoras da RBS e mais quatro jornais: Diário
Catarinense (Florianópolis), o Estado de Santa Catarina (Blumenau),
A Notícia (Joinvile) e Hora de Santa Catarina (Municípios da Grande
Florianópolis)1.

A Família Daou, com influência no Acre, Amapá, Rondônia, e


Roraima. A Família Jereissati, presente no Ceará, Alagoas, Pernambuco. A
Família Zahran, no Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. A Família Jaime

1 O Ministério Público Federal de Santa Catarina, através de uma ação pública, pede que
o Grupo RBS abra mão de um dos seus quatro jornais diários que circulam no Estado de
Santa Catarina e escolha apenas duas, entre as seis emissoras da RBS TV regional. “Ainda
esse ano podemos ter uma sentença. Porque essa ação tem instrução, ela se prova,” acredita o
Procurador da República Federal de Santa Catarina, Celso Três (REVISTA ADVERSO, Porto
Alegre, n. 162, p. 9, jun. 2009).

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Câmara: Goiás, Distrito Federal e Tocantins. Família Mesquita: Jornal
o Estado de São Paulo e Rádio Eldorado. José Sarney dispõe de canal
de Televisão, estações de rádio AM e FM, além de jornal no Estado do
Maranhão.

Mais algumas Famílias: Rômulo Mairana (Estado do Pará); Albano


Franco (Sergipe); Fernando Collor (Alagoas); Alves (Rio Grande do
Norte); Calisto Lobo (Piauí); Antonio Carlos Magalhães, na Bahia (canal
de televisão, rádio, jornal).

Muitas dessas famílias ocupam posições políticas nos seus Estados e


em Brasília. Em resumo, noventa por cento da mídia brasileira é controlada
por grupos familiares. Esta realidade está em perfeita contradição com o
Artigo 220 da Constituição, parágrafo quinto: “Os meios de comunicação
social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou
oligopólio”.

Há riscos na formação destas corporações?

A formação de redes vai beneficiar o sistema capitalista, uma vez


que será possível vender os bens produzidos em nível nacional. Servirá,
e muito, para alavancar o período do denominado “milagre brasileiro”
(1968-1972), quando há um forte crescimento do Produto Interno Bruto,
sem, em contrapartida, uma distribuição de renda. A elite é a beneficiada.
Além disto, um país todo interligado permite que o regime militar esteja
informado sobre todos os acontecimentos internos. A transmissão da

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Copa do Mundo, em 1970, diretamente do México, serviria como símbolo
máximo da integração nacional.

Haveria algum inconveniente com a presença destas corporações?


A formação deste monopólio e suas redes facilitam a transmissão de uma
mesma imagem, um mesmo e único som e, principalmente, impossibilitam
a multiplicidade de informações. Uma única voz percorre todo o país.
Não há pluralidade e, como consequência, uma limitação no sentido da
democracia, uma vez que é parte inerente dela o direito à informação
correta.

Observa muito bem o sociólogo português Boaventura de Souza


Santos quando escreve:
2

Quem tem poder para difundir notícias, tem poder


para manter segredos e difundir silêncios. Tem
poder para decidir se o seu interesse é mais bem
servido por notícias ou por silêncio. Podemos
concluir, pois, que uma parte do que de importante
ocorre no mundo, ocorre em segredo e em silêncio,
fora do alcance dos cidadãos.

A influência destas corporações é enorme. O ex-ministro das


Comunicações, Sérgio Motta, na Presidência de Fernando Henrique
Cardoso, percebeu esta realidade, em entrevista à revista Veja3: “Não acho
que a estrutura das comunicações que temos no Brasil seja justa, a mais
adequada”.

2 Folha de S. Paulo, São Paulo, 15 mar. 1998. Caderno A, p. 2.


3 Revista Veja, 23 jul. 1997. Páginas Amarelas.

28
A questão da democratização

No Brasil, a entrega de canais de rádio e televisão funciona na base de


concessões. O governo é quem os distribui. No caso do rádio, o período de
concessão é de 10 anos e para um canal de televisão 15 anos. Normalmente,
a permissão é renovada. Para evitar qualquer surpresa, é inevitável que
exista um comprometimento destas famílias com o poder concedente.

O que deve ser constatado é que se trata de serviço público. O povo


é dono destes serviços, que são repassados para algumas famílias. A mídia
eletrônica precisa ser democratizada. E isto significa dizer que deveria
existir o “direito de antena”, ou seja, o direito de reclamar, de contra-atacar,
de produzir programas a serem veiculados pelas redes. Aqui deveria estar
presente o poder do Estado, para garantir espaço de transmissão e o acesso
aos meios técnicos de produção.

A moeda mais forte deste milênio é a informação. Segue-se, então:


quem a detém, é possuidor de poder. Por isso mesmo é preciso ampliar o
universo de discussão, ainda mais que a maioria da população permanece
sem o direito de se fazer ouvir. A constatação é de Ramonet (1998, p. 72):

Grupos mais poderosos que os Estados estão


açambarcando o bem mais precioso das
democracias: A informação. Será que vão impor sua
lei no mundo inteiro ou, pelo contrário, abrir uma
nova área de liberdade para os cidadãos?

No artigo 224 do Capítulo V da Constituição, que trata da


Comunicação Social, está escrito: “Para os efeitos do disposto neste capítulo,

29
o Congresso Nacional instituirá como seu órgão auxiliar, o Conselho de
Comunicação Social, na forma da lei”. Passaram-se anos da aprovação da
chamada Constituição Cidadã para que acontecesse a regulamentação
deste Conselho. Em dezembro de 1991 foi aprovada a lei Nº 8.398 que
constituiu o Conselho de Comunicação Social, com 13 integrantes:
quatro representantes dos empresários, quatro dos trabalhadores e cinco
da sociedade civil. Passaram-se mais alguns anos até que os membros do
Conselho fossem empossados. As restrições partiam do próprio governo,
dos políticos e dos proprietários das redes de rádio e televisão. Sem uma
mídia democrática, como podemos falar em soberania popular?

Para o jornalista Daniel Herz (1994, p. 9)4:

O Conselho surge como primeiro espaço


institucional para o debate da comunicação no
Brasil, superando a relação direta e exclusiva
entre o Executivo e o empresariado e criando
uma instituição que pode se voltar para o
equacionamento dos conflitos, busca do consenso
e superação do atraso da sociedade civil sobre as
questões da comunicação.

Nos últimos dois anos (2008 e 2009), não aconteceu nenhuma


reunião desta Comissão. Por que esta focalização nas mídias? Pergunta
Gonnet (2004, p. 51):

Porque elas não refletem a realidade. Elas a


codificam. As mensagens midiáticas não são
neutras. Além de informar sobre o mundo, as
mídias apresentam maneiras de percebê-lo e de
o compreender. Este papel das mídias nos força a

4 Jornal Mundo Jovem, Porto Alegre, ab. 1994, p. 9.

30
revisar a opinião corrente segundo a qual a única
função das mídias é informar ou divertir.

Novas tecnologias e a Comunicação

A Internet comercial completa 15 anos no Brasil com um grande


desafio pela frente. Segundo o Massachusetts Institute of Technology (MIT)
“em 2015 haverá 1 trilhão de aparelhos conectados o tempo todo.” São fatos
marcantes: 1969, nasce a Arpanet, embrião da Internet. Em 1991, o cientista
Tim Berners-Lee cria a World Wide Web (WWW) sistema de documentos
interligados pela Internet que são acessados por meio de navegadores. No
ano de 1995, temos o início da Internet comercial no Brasil. Já em 2010,
a Internet entra na fase das redes sociais, com ferramentas como Twitter,
Facebook, Orkut, blogs, ganhando notoriedade. É a chamada internet
social, de comunidades5. Temos, então, uma nova realidade em termos de
comunicação.

De acordo com Volton6, as técnicas aproximam os homens e a


sociedade, tornando mais visível as diferenças culturais, sociais e religiosas
e, aumentam as dificuldades de inter-compreensão. Afirma: “As máquinas
podem ser on line, os indivíduos e as sociedades não o serão jamais.
Estreitam-se as distâncias geográficas e crescem as distâncias culturais”.

De um lado, as informações estão em toda a parte, de outro, constata-


se que falta muito para acontecer uma intercompreensão. A existência de
milhões de aparelhos de comunicação significa mais comunicação? Fica
sempre a mesma pergunta: O que é comunicação? Qual a visão de sociedade
daqueles que possuem os veículos de comunicação? É preciso, na visão de

5 MONTE, Fabiana. Internet faz 15 anos e enfrenta novos desafios. Jornal Brasil Econômico,
25 maio 2010.
6 Revista Famecos, p. 7-18, dez. 2002. [EXCERTOS]

31
Volton7, “[...] utilizar o espírito crítico no dia-a-dia em relação aos ideais
de comunicação e a realidade das indústrias de comunicação. Não vivemos
com a internet na era das solidões interativas?”.

A comunicação é só técnica? Volton (2003, p. 31) observa que:

[...] qualquer reflexão torna-se suspeita, toda crítica


descabida. Nesse contexto desprovido de debate e
de controvérsia, a menor manifestação de ceticismo
é identificada com o medo de mudanças e de
progresso. Isso explica a defasagem considerável que
se estabeleceu há meio século entre a extraordinária
rapidez das mudanças relativas à comunicação e o
inexpressivo número de reflexões e análises, outras
que não apologias.

Vive-se uma era de graus de persuasão e manipulação, alguns mais


visíveis, outros mascarados. De acordo com Roiz (1992, p. 6) “[...] é possível
afirmar que o elemento persuasivo está colado ao discurso como a pele ao
corpo. É muito difícil rastrearmos as organizações discursivas que escapem
à persuasão”. De fato, as campanhas de persuasão são mais aceitas entre
indivíduos que já comungam com as ideias apresentadas ou que estão
predispostos para os temas apresentados.

Na manipulação, alerta Berrio (1983, p. 78)

[...] que existe a vontade expressa de mover-se no


terreno da ambiguidade ou da mentira porque se
perseguem determinados objetivos, eticamente
condenáveis, aos que se subordinam e também,
naturalmente, o auditório, o qual se converte em
objeto em lugar de sujeito.

7 Ibidem

32
Muitas das crianças são submetidas ao mundo adulto, metralhadas
por questões que não fazem parte do universo infantil. De acordo com a
psicóloga Rosely Sayão8
[...] crianças não são pequenos adultos. Várias
consequências de tantos estímulos levam a perda
precoce da infância: depressão, medo da violência e
consequente dificuldade para conseguir autonomia
compatível com a idade, dificuldade de aprender,
acúmulo de informações que não se transformam
em conhecimento, e, claro, a erotização precoce que
provoca super excitação à abeira do incontrolável.

A Internet é uma resposta às novas formas de acumulação de


capital. É uma evolução em vista das necessidades econômicas do sistema
capitalista. Mas o que a maioria da população sem dinheiro, sem cultura,
sem propriedade vai fazer com a Internet? Estamos, de novo, frente à
economia política com características burguesas, ou seja, a uma nova
exclusão, agora, digital. Para Schwarts (2000, p. 2)

[...] o maior risco, com a disseminação de redes de


informação e comunicação, é o de se observar apenas
a reprodução dos padrões de embotamento político
e de passividade intelectual que predominaram na
era do rádio e da televisão. A exclusão digital não
é de ficar sem computador ou telefone celular. É
continuarmos incapazes de pensar, de criar e de
organizar novas formas, mais justas e dinâmicas
de produção e distribuição de riqueza simbólica e
material.

Conclusão

8 Folha de S.Paulo, São Paulo, 31 mar. 2005. Folha Equilíbrio, p. 21.

33
Frente à mídia, podemos ter uma postura de ingenuidade, de
supervalorização, encarando-a como simples entretenimento e ocupação
na ociosidade. No entanto, a posição mais inteligente e, na verdade, um
imperativo, é desenvolver um senso crítico, conscientes de que a mídia e a
Internet servem como matérias de discussão, uma vez que elas refletem o
poder dominante, a realidade social, econômica e política do país e, por isso
mesmo, é preciso modificar o modo como as encaramos. Ainda mais que
no caso da televisão, ela representa para uma imensa maioria da população
a única fonte de informação.

B - EDUCAÇÃO

O Papel do Professor

Ao longo da história da educação, assim como também nas


revoluções industriais (FRANCHI, 1995), mudou a função do professor.
Na história clássica e medieval, a classe dominante estudava nas escolas
paroquiais e monacais. Os pobres se educavam trabalhando. O professor
era o produtor de conhecimentos, e como tal falava a seus discípulos.

Quando surgem as Universidades, o professor torna-se mediador


entre os produtores de conhecimento, locados nas Universidades, e a
grande massa de aprendizes. Conteúdos e instrumentos são selecionados
pelas Universidades e repassados. Só que esses ensinamentos não podem
ser absorvidos cegamente.

Hoje, em vista das velozes mudanças no campo do saber, o professor


deve buscar incessantemente a atualização, o aprender a aprender. O que
hoje é a última palavra das pesquisas pode estar superado logo mais adiante.

34
No que diz respeito à Educação, entendida como um processo
permanente, ela não pode parar no ensino, ou seja, na pura instrução. Nesta
função, os meios de comunicação estão muitos anos luz à nossa frente. A
informação está disponível em toda a parte.

A aprendizagem, sintetizada em receber a informação e memorizá-


la, também nada representa em termos de mudança. Infelizmente, em
muitos lugares é a escola que temos. Trata-se de um processo alienante. A
contribuição mais importante que podemos oferecer aos nossos alunos é
ensinar a pensar.

Um processo educativo envolve a produção do conhecimento, que


não é uma necessidade só dos cursos de pós-graduação. É um meio essencial,
para avançar, intervir, e melhor agir. De acordo com Barthes (1996, p. 47),
“[...] há uma idade em que se ensina o que se sabe; mas vem em seguida
outra, em que se ensina o que não se sabe: isso se chama pesquisa”.

Em contraposição a uma educação alienante, devemos trabalhar pela


libertação (PADIM et al., 1987), que deve ser criadora, antecipando o novo
tipo de sociedade que queremos, aprofundando a consciência da dignidade
do ser humano, aberta ao diálogo, e respeitando as peculiaridades locais e
nacionais. Diz Guareschi et al. (2000, p. 79):

[...] nossa concepção de ser humano é que ele é uma


pessoa = relação, isto é, ele não é nem um indivíduo,
alguém que é um e não tem nada a ver com os
outros, como o compreende a filosofia liberal;
nem é uma peça de uma máquina, alguém que não
passa de um número, de uma parte de um todo,
onde o que realmente ‘vale’ é o todo, a instituição,
a organização do Estado, o partido. O ser humano,
como o compreendemos, é o resultado dos milhões
de relações que o vão construindo, e através das
quais ele vai continuamente se transformando.

35
O conteúdo deve ser considerado um meio e não um fim. Professor e
aluno devem se exercitar em descobrir o que está oculto nos livros, jornais,
revistas, ou seja, as marcas, as pegadas, os traços deixados, e ler também as
entrelinhas, o texto pelo contexto. Os alunos precisam saber como aquilo
que estudam tem a ver com o que vivem. Brand (2001, p. 5)9 afirma que

[...] a escola precisa organizar-se em torno de


poucos, mas significativos eixos temáticos, em
torno dos quais giram as atenções na busca de
conteúdos necessários. Eixos que não podem estar
alheios num projeto político pedagógico da escola
hoje: o cotidiano, educação para uma cidadania
efetiva, a construção de uma prática dialógica e a
afirmação incondicional da dignidade humana. [...]
A escola necessária é a escola da e para a vida.

A questão está em priorizar a educação em vez da instrução, a vida


em relação ao mercado, embora, muitas vezes, pais e alunos pressionem
pelo mercado, mais do que pela vida. É importante a educação para
conseguir emprego hoje; questiona-se se é condição suficiente. No dizer de
Demo (1997, p. 90),

[...] o problema está em encontrar um termo médio


entre a expectativa de mercado, inevitável para as
pessoas ganharem a vida, e a competência humana,
que deve poder se opor ao mercado, privilegiando o
objetivo e a ética da cidadania sobre a produtividade
econômica.

9 BRAND, Táurio. Boletim da Associação Católica. Rio Grande do Sul: AECRS, 2001.

36
A escola deve fugir daquela qualidade apregoada pelo neoliberalismo
que visa à preparação da mão-de-obra para o mercado e a proclamação de
sua excelência, visando sempre à satisfação do cliente.

O Pedagógico e o Político

A competência de um professor na sala de aula não se mede somente


pelo domínio que tem sobre sua matéria. Há o lado da formação política, do
seu engajamento e de seus alunos na luta pela superação das injustiças, que
são intrínsecas ao capitalismo.

Trata-se, então, de tornar o pedagógico mais político, sem medo


do outro discurso que defende a neutralidade da escola, para que tudo
permaneça como está. Ao problematizar o conhecimento, o professor torna-
se junto com seus alunos mais crítico, tornando o político mais pedagógico.

Paulo Freire insistia que o primeiro livro a ser lido é o da realidade.


Para este educador, “ler mundo” e “ler palavra”, implicava em “reescrever o
mundo”. Em outras palavras transformá-lo. No plano social, Gadotti (1991,
p. 70) afirma que:

[...] é ato pedagógico desvelar as contradições


existentes, evidenciá-las com vistas à sua superação.
O educador, nesse sentido, não é o que cria as
contradições e os conflitos. Ele apenas os revela, isto
é, tira os homens da inconsciência. Educar passa a
ser essencialmente conscientizar. Conscientizar
sobre o nada? Não. Sobre a realidade social e
individual do educando. Formar a consciência
crítica de si mesmo e da sociedade.

37
A educação deve girar ao redor de alguns eixos. Um deles, de acordo
com Candau et al. (1995), é o cotidiano, significando o desenvolvimento da
pedagogia do espanto e da indignação e não da resignação.

O sociólogo português, Boaventura de Souza Santos reforça este


aspecto, ao afirmar em palestra, promovida pela Secretaria Municipal de
Educação de Porto Alegre: “Assistimos ao sofrimento humano e sequer
perdemos o sono. É necessário recuperar a capacidade de espanto e
indignação dos indivíduos, levando para as salas de aula imagens que
despertem paixão e emoção”10.

O professor e geógrafo Milton Santos, de renome internacional, em


conferência na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), segue
na mesma linha ao insistir que não é a inteligência que empurra os homens,
mas a emoção.

É obrigação de o professor possibilitar ao menos uma reflexão sobre


o que está acontecendo no processo social global. Ainda no cotidiano
poderia ser incluída a pedagogia da admiração e da mística pela vida,
justiça e liberdade. De acordo com Assmann (1998, p. 23), “[...] somente
educadores entusiasmados com seu papel na sociedade conseguem uma
opinião pública favorável aos seus reclamos”.

Vamos restaurar, então, a nossa autoestima. Enquanto nos


considerarmos heróis ou sacerdotes, a sociedade nunca se interessará por
nós. Somos profissionais. Cobramos reconhecimento, respeito e salário.

Um segundo eixo diz respeito a promover a educação para a


cidadania, voltada para organização e radicalização dos movimentos
populares contra qualquer tipo de subordinação e exploração. A maior
parte do nosso povo vive nas trevas, não conhece seus direitos e nem sabe

10 Jornal Zero Hora, Porto Alegre, 2 jul. 1996. p. 51.

38
onde buscá-los. A população não sabe o que está acontecendo e nem ao
menos sabe que não sabe, de acordo com o linguista norte-americano
Noam Chomsky.

Ao proferir sua aula inaugural da cadeira de Semiologia Literária,


no Colégio de França, a 7 de janeiro de 1977, Barthes (1996, p. 46) afirmou,
entre outras tantas pérolas: “[...] se quero viver, devo esquecer que meu
corpo é histórico, devo lançar-me na ilusão de que sou contemporâneo dos
jovens corpos presentes e não de meu próprio corpo passado. Em síntese:
periodicamente devo renascer, fazer-me mais jovem do que sou”.

A questão não é tanto saber o que estamos fazendo. A pergunta mais


importante diz respeito àquilo que não fizemos. Deste modo, construiremos
uma proposta, sem a qual não existe um processo educativo.

Segundo Gonnet (2004, p. 41), “[...] desde o dia em que os professores,


jornalistas e pais se perguntaram por que não se utiliza o noticiário e suas
imagens para interessar às crianças, a problemática das mídias na educação
estava colocada. Ora, esta questão é tão velha quanto às próprias mídias”.

Althusser (1985, p. 80) elogia os professores, “que, em condições


assustadoras de trabalho, se voltam contra a ideologia, contra o sistema, com
as poucas armas que podem encontrar na história e no saber que ‘ensinam’.
São uma espécie de heróis”. É que estes heróis não separam educação da
sociedade, da economia, das mudanças tecnológicas, no interior das quais
ela se desenvolve.

39
C - A CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA

No Novo Dicionário do Aurélio: CIDADÃO é entendido como o


“indivíduo no gozo dos direitos civis e políticos de um Estado ou no seu
desempenho para com este”. CIDADANIA: qualidade ou estado de cidadão.

A construção da cidadania passa pela discussão do papel exercido


pelos Meios de Comunicação Social. Daí sua importância em conhecê-los
e discuti-los.

Quem pode tirar o Brasil das dificuldades de todo gênero em que


se encontra não é o governo, é a cidadania. E cidadania é, antes de tudo, o
exercício de crítica permanente, de exigência crescente. Só esse cerco é que
submete os governos às aspirações de um país11.

A cidadania é um processo de luta e conquista. Precisamos então


aprender a falar, a reclamar, exigir nossos direitos. Duas palavras do
historiador Capistrano de Abreu resumem bem nossa postura de brasileiro:
“Povo Capado, Sangrado”, e Ribeiro (1994) no seu livro ‘A Identidade do
Brasileiro’ acrescenta: e “Festeiro”. Ainda vivenciamos a cultura do silêncio.

A construção da cidadania passa pela discussão do papel exercido


pelos meios de comunicação social. Agora, se o professor nem cidadão é
(também em vista dos salários) como fica a construção da cidadania?

O exercício da cidadania depende da informação, por isso, ela


precisa ser correta, honesta; momento importante para que a mídia, em vez
de “vender” um candidato, trabalhe em favor da cidadania, auxiliando na
educação política da sociedade.

A participação política decorre fundamentalmente de três elementos


(BIZ; PEDROSO, 1978, p. 13): 1) Primeiro a percepção da importância dos
11 Folha de S.Paulo, 31 dez. 1998. Caderno 1, p. 8.

40
fenômenos políticos pelos cidadãos; 2) O interesse em conhecê-los e discuti-
los, e 3) A vontade de interferir na sociedade, isto é, para que as decisões
políticas reflitam os interesses da maioria da população. Esta participação
pode ser de intensidade, frequência e abrangências variáveis. Qualquer que
seja sua natureza ou forma contribui para a democracia.

Formas de Participação Política: Associação de Moradores, Escola


(alunos, pais, professores, funcionários), Sindicatos, Partidos Políticos,
Defesa dos Direitos Humanos, Defesa do Consumidor, Defesa do Meio
Ambiente, Defesa de Minorias Étnicas e Religiosas.

Afora estas formas de participação, a Constituição12 atual fornece


aos cidadãos e às entidades da sociedade civil um conjunto de instrumentos
jurídicos para que eles possam, diretamente, fazer cumprir os preceitos
constitucionais: Mandado de Segurança Coletivo; Mandado de Injunção,
“Habeas Data”, Ação Popular, Iniciativa Popular.

Independentemente do nível de participação de cada indivíduo,


o fato de estar engajado numa agremiação, lutando por uma causa que
ultrapasse o seu interesse individual (embora o inclua), reduz a passividade,
elimina a apatia geral da sociedade.

Indivíduos lutando por seus direitos são indivíduos que os


conhecem seus direitos e também seus deveres. Portanto, não são passíveis
de manipulação, ou dominação. Indivíduos conscientes e participantes
sentem-se como parte da sociedade – verdadeiros cidadãos que ajudam
a definir as regras da sociedade e lutam para que elas sejam cumpridas e
aperfeiçoadas.

Enfim, tornam-se capazes de controlar os governantes e não serem


controlados pelos mesmos. Alertamos, entretanto, que a construção de uma

12 Constituição de 1988, Título II, Capítulo I, Item LXX ao LXXIII e Artigo 61, § 2.

41
sociedade verdadeiramente democrática inclui dupla dimensão: a política
– que diz respeito à participação nas decisões – e as socioeconômicas – que
dizem respeito à participação na riqueza gerada pelo trabalho de todos. Se
a síntese entre estas duas dimensões não se completar, usufruir do processo
democrático será apenas privilégio de poucos.

Para Pedro Demo (1992, p. 17), “[...] cidadania é um processo


histórico de conquista popular, através do qual a sociedade adquire
progressivamente condições de tornar-se sujeito histórico, consciente e
organizado, com capacidade de conceber e efetivar projeto próprio”.

A construção da cidadania propiciará a todos a descoberta da


importância de se tornar sujeito da história e não objeto de manipulação.
Isso significa dizer que o conceito de cidadania extrapola, e muito, aquela
ideia de votar no dia das eleições, pagar os impostos devidos. Essa visão é
de uma pobreza extrema.

Ao longo da história, a população conseguiu uma série de direitos:


eles resultaram das lutas de séculos, de muitas pessoas que nos antecederam.
Não dependeram de concessões por parte do Estado.

1689 - Carta dos Direitos, promulgada pelo Parlamento Inglês.


Direito à vida. liberdade, propriedade e justiça.

1776 - Independência dos Estados Unidos da América. Acrescenta à


Carta Inglesa, o direito à felicidade.

1789 - Revolução Francesa. Declaração dos Direitos do Homem e do


Cidadão. Resistência à opressão, liberdade de imprensa, liberdade religiosa.

1948 - O.N.U. Declaração Universal dos Direitos do Homem. Direito


à vida, liberdade (pensamento, opinião, expressão, reunião, associação,
participação política), à segurança, ao trabalho, repouso, lazer.

42
1976 - Declaração Universal dos Povos (Argel). Direito de:

• governar independentemente,

• ser respeitado em sua identidade nacional e cultural,

• participar do progresso científico e tecnológico,

• não imposição de uma cultura estrangeira.

Para Silverstone (2003, p. 58),

A cidadania no século XXI requer um grau de


conhecimento que até agora poucos de nós têm.
Requer do indivíduo que saiba ler os produtos da
mídia e que seja capaz de questionar suas estratégias.
Isso envolveria capacidades que vão além do que foi
considerado alfabetização em massa na época da
mídia impressa.

Para ser cidadão não basta ter certidão de nascimento, pagar


impostos, obedecer leis, votar. Faz parte da cidadania exigir direitos e
assumir deveres. Descobrir a relevância da cidadania, não aguardando a
concessão de políticos e governantes.

Trata-se de uma exigência crescente. Deste modo não há mais espaço


para salvadores da pátria, ou seja, a crença de que a libertação depende
somente dos detentores do poder.

Ser cidadão significa preparar-se para revelar as contradições


existentes na sociedade; acostumar-se ao exercício da crítica permanente.
Ser cidadão é ter a história em suas mãos.

Comunicação, Educação, Cidadania não são realidades excludentes


para aqueles que, em especial, se dedicam ao magistério. Elas devem ser

43
cotidianamente construídas, uma vez que são dinâmicas e necessitam de
contínuos aperfeiçoamentos. Faz parte dessa construção o permanente
questionamento, de forma a atingir milhões de brasileiros que ainda vivem
nas trevas em relação a essas três realidades.

Esse nosso Brasil, como o vemos hoje, em que poucos tomam parte
da riqueza, foi feito por um grupo de homens. Não é, portanto, uma ordem
que não pode ser mudada. Ao contrário, professores e alunos deverão
investigar, indagar, procurar as causas dessas injustiças, que os impedem
de serem cidadãos.

Nesse momento estarão, alunos e professores, desenvolvendo a


consciência crítica que os levará a alterar o projeto que beneficia poucos
brasileiros. Essa é a função primordial da educação. A missão primeira do
professor não é tanto repassar informações. Outros meios podem fazer esta
tarefa com mais desenvoltura e rapidez.

Sua missão como professor-educador é trabalhar no sentido de


ajudar o alunado a compreender o mundo que nos rodeia; em suma: a
desenvolver o espírito crítico. E, nessa missão, continuamos insubstituíveis.
Esse é o nosso grande valor. E não há projeto, vindo de cima, que nos inibirá.

Conclusão

O exercício da cidadania é feito em conjunto com outras pessoas.


Não adianta só denunciar, reclamar. O exercício da cidadania é amplo. É
preciso associar-se aos grupos que lutam em defesa da conservação do
Planeta para mudar os rumos de uma sociedade predadora, consumista.
A cidadania Global ou Planetária está ligada à ecologia, à sobrevivência do
nosso Planeta Terra e, por uma dedução muito simples, à continuação da
existência de bilhões de seres humanos, da própria flora e fauna.

44
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46
Comunicação, Multimeios
e Educação: programas
educacionais em pauta
Adriana Rocha Bruno
(UFJF)

Ana Maria Di Grado Hessel


(PUC-SP)

Introdução

A ação docente do educador, em tempos de cibercultura e cultura


das mídias, tem contribuído de forma singular para uma articulação entre
as áreas do conhecimento. Nesse sentido, professores da área de educação
são integrados a cursos diversos como corresponsáveis pelas discussões e
ampliação dos campos de atuação para as profissões emergentes.

Neste cenário, o presente texto apresenta as experiências de duas


educadoras e pesquisadoras da pedagogia que têm em seu percurso a
atuação em áreas multidisciplinares, tais como a Educação online e, no
caso específico, o curso de Comunicação e Multimeios da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

Estas ações materializam a integração de áreas do conhecimento para


a formação do homem contemporâneo. Para além da integração de mídias,

47
tão presente no contexto social atual, há se que articular ações de docência e
pesquisa que oxigenem e de fato promovam o imbricamento de profissionais
e de campos de conhecimento, respeitando suas especificidades.

Para Marques de Melo (2003) o campo da comunicação compreende


cinco áreas: Artes, Humanidades (incluindo a interface com a Pedagogia),
Tecnologias, Ciências Sociais e Conhecimento Midialógico. A associação
de áreas e o hibridismo marcante do século XXI exigem a dinamicidade que
as mídias possibilitam. Coexistem a cultura de massa e a cultura de mídias
e, neste cenário, há que se formarem profissionais plurais. Singulares em
espaços de multiplicidades, no sentido deleuziano (BRUNO, 2010).

No primeiro semestre de 2005, iniciamos um trabalho como


docentes junto aos alunos do curso de Comunicação e Multimeios da
PUCSP, na disciplina Novas Tecnologias e Educação (NTE). Desenvolvida
em quatro semestres, buscava estudar o contexto imbricado das áreas da
comunicação e educação e todos os seus desdobramentos, tais como as
abordagens cognitivas, os processos de conhecimento que justificam o uso
de tecnologias, a análise das mídias na ação de difusora do conhecimento,
o debate sobre os limites e possibilidades para a atuação do profissional
nas áreas de comunicação social e da educação etc. Em síntese, a disciplina
oferecia elementos para a compreensão das múltiplas possibilidades da
transmissão do saber e da cultura que são veiculadas através de instâncias
de comunicação e não se reduzem às instituições educacionais.

A partir de 2006, o curso passou por uma significativa reforma


curricular. A consolidação da identidade do profissional da área de
comunicação e multimeios foi amplamente debatida por todo corpo
docente e discente do curso, culminando com uma proposta de
reorientação curricular. Essa reformulação resultou na proposição de duas
disciplinas assumidas pelos departamentos da Faculdade de Educação da

48
PUCSP, ofertadas em dois semestres da nova matriz curricular, a qual foi
introduzida em 2009: Metodologia de pesquisa para TCC e Tecnologias
para a Aprendizagem.

A proposta do curso voltou-se para a formação de um profissional


cujo diferencial está na competência de integração de mídias. Não há
intenção de formar o especialista, mas o profissional que possua visão
sistêmica e integrada de áreas e que desenvolva olhar crítico e criativos para
a sociedade contemporânea. Não se trata de incorporar uma disciplina a
um público específico, tendo em vista a ampla área de atuação que esses
temas envolvem, mas promover aos futuros profissionais de Comunicação
e Multimeios as possibilidades para uma formação contextualizada e
coerente com os avanços tecnológicos, com a formação humanística e com
os campos emergentes no mercado.

Tem-se em vista a formação de um profissional


pronto para atuar (criar, produzir, dirigir) em
novos meios comunicacionais e culturais e, por
conseguinte, vinculado à expansão da tecnologia e
dos meios de comunicação. (LEOTTE et al., 2006,
p. 33).

Este texto tem por objetivo relatar e discutir as experiências


docentes e discentes por ocasião do desenvolvimento dos programas das
disciplinas “Novas Tecnologias e Educação” (NTE) e “Tecnologias para a
aprendizagem”, no curso de Comunicação e Multimeios da PUCSP.

49
Flexibilização Curricular

O mote que reza que “é preciso articular teoria e prática” se apresenta


cotidianamente nos discursos, textos e documentos educacionais. Mas o
que vem a ser isso?

De origem grega, a palavra teoria (theórein) significa observar,


assistir ou especular. É compreendida também como um olhar privilegiado
próximo a Deus, ou seja, um olhar superior.

A palavra prática (praktiké), também origina-se do grego práxis e


significa agir, negociar, fazer algo em favor de si mesmo. Designa, desde
Platão, além da  ação imanente pela qual o sujeito o indivíduo vivencia o
padrão rotineiro do ethos, também a possibilidade de  transformá-lo, em
virtude da finalidade de um bem-agir ou um bem-fazer (SODRÉ, 2000).

Integrar estes dois aspectos no ethos educativo tem sido o grande


desafio de todos os educadores e projetos pedagógicos.

Na realidade, associamos a teoria com o saber (conhecer) e a prática


com o fazer. Valorizamos em demasia o conhecimento, em forma de
conteúdo e de informações e intencionamos que ele se evidencie na prática
do aluno. Percebemos a prática como uma demonstração de que o aluno
sabe o conteúdo, pois conseguiu colocá-lo em ação. Neste sentido, grande
parte das aulas oferecidas nos cursos de graduação ainda está baseada em
dois dos quatro pilares propostos por Delors (1999): aprender a conhecer
(com ênfase no saber) e aprender a fazer. Os demais pilares (aprender a
viver junto e aprender a ser) são colocados em segundo plano, como algo
menor, sem importância.

Revela-se, assim, um modelo curricular engessado e pautado na


rigidez do conteudismo e da racionalidade técnico-científica instrumental.

50
Este modelo estimula o acúmulo de informações, a fragmentação dos
conhecimentos e das práticas educativas e a cisão do espaço e tempo
pedagógicos e do próprio indivíduo, criando o império do individualismo e
da centralização do saber no professor.

O modelo curricular educacional subjacente às práticas docentes


dessa natureza torna-se inconsistente, visto que as práticas educacionais
e a articulação teórico-prática, tão desejada por todos, prescindem da
integração desses quatro pilares.

Historicamente o currículo não tem sido concebido em sua


dimensão complexa. Em verdade, o currículo não é neutro e possui papel
social: 1) na produção de sujeitos dotados de classe, raça e gênero; 2) na
expressão, representação ou reflexo de interesses sociais determinados, e 3)
na produção de identidades e subjetividades sociais (GOODSON, 1995).

A construção de um currículo voltado para uma classificação


social discriminatória pode incorrer no erro de favorecer uma classe em
detrimento da outra e, ainda criar a ilusão de solucionar problemas, ser
democrático etc. Portanto, a concepção de currículo adotada no universo
educacional vai promover a inclusão ou a exclusão social, perpetuando,
neste segundo caso, o ‘guarda-chuva hegemônico’ (APPLE, 2000) que finge
nos abrigar, mas nos sufoca, legitimando a política das desigualdades.

Um dos modelos mais usuais adotados pelas instituições


educacionais ainda tem suas bases no que Goodson (1995) definiu como
‘pré-ativo’. Tal modelo compreende o conhecimento como algo externo ao
indivíduo, dado pela sociedade, e que deve ser por todos incorporado.

Hoje, sabemos que o currículo deve ser concebido numa linha


emancipatória, a qual significa participação, autonomia, responsabilidade
coletiva, criatividade, organização, planejamento e dialogicidade.

51
O conhecimento emancipatório é, portanto, aquele capaz de
reconhecer a igualdade na diferença do outro, integrando, desse modo, os
pilares ‘aprender a viver junto e aprender a ser’ aos outros dois, ‘aprender
a conhecer e aprender a fazer’, privilegiados pelos sistemas educacionais.

Diante deste cenário impõe-se a necessidade prática de um currículo


flexível, que evidencie as transformações pelas quais todos estão vivendo.

Compreendendo a importância da articulação e da integração destes


conhecimentos para a qualidade do Curso de Comunicação de Multimeios,
a disciplina NTE assumiu o compromisso de integrar os pressupostos
da emancipação, com o propósito de colaborar para a construção de um
currículo flexível.

Por sua proposta flexível, é uma disciplina em constante construção.


Sabemos que é pelo processo recursivo de construção-desconstrução-
reconstrução, no sentido espiralado, que o currículo flexível e emancipatório
se mantém sólido em seus propósitos de coerência, não-engessamento e
interdisciplinaridade.

Neste contexto, cabe-nos a clareza do significado da palavra


interdisciplinar e o que este conceito envolve.

Interdisciplinaridade vem de Inter (entre) e disciplinas (regras), ou


seja, o que está entre as regras. Devemos compreender que a “Inter” contém
a disciplina e, portanto, tem origem na disciplinaridade, uma vez que propõe
outra forma de trabalhar com as disciplinas, respeitando as especificidades
de cada área do conhecimento, integrando-as, desfragmentando-as e
buscando uma dimensão complementar a isto, no sentido de descobrir
elementos que estejam além destas regras.

A concepção de interdisciplinaridade remete-nos ao fio tênue que


permeia o nosso conhecimento e consequentemente o nosso ser. Por isso,

52
ser interdisciplinar é diferente de estar ou fazer um trabalho e nomeá-lo
de interdisciplinar. Tornar-se interdisciplinar é mudar posturas, quebrar
paradigmas, é permitir-se e perceber-se complexo, “inacabado” como
diria Paulo Freire, em construção contínua, pela articulação entre o tempo
cronológico (Chrónos) e o tempo cairológico (Kairós – tempo vivido).

Tecnologias para a aprendizagem: construção de uma área


de estudo e pesquisa

As disciplinas organizam os saberes no campo do conhecimento


humano e viabilizam o funcionamento estrutural de um curso de forma
vertical e horizontal. Entretanto compreendemos que esse conhecimento
não é fragmentado nem estático.

O currículo pode ser organizado não só em torno de


disciplinas, como costuma ser feito, mas de núcleos
que ultrapassam os limites das disciplinas, centrados
em temas, problemas, tópicos, instituições, períodos
históricos, espaços geográficos, grupos humanos,
idéias etc. (SANTOMÉ, 1998, p. 25).

O excerto de Santomé (1998) explicita claramente o que queremos


dizer, elencando as possibilidades de um projeto curricular flexível, numa
abordagem interdisciplinar. Acrescentaríamos aos itens destacados o
trabalho por projeto, foco central da nossa proposta de disciplina.

Embora o conhecimento tenha como característica a


hipertextualidade, as disciplinas são tratadas de forma linear em grande parte
dos cursos de graduação. O Curso de Comunicação e Multimeios se propõe
a transcender essa estrutura e romper com a concepção funcionalista, por

53
meio de um currículo interdisciplinar, pautado não apenas no diálogo entre
as disciplinas, mas na possibilidade do avanço de nossas práticas no sentido
de uma transversalidade, interpenetração e transformação dos saberes.

A dimensão sistêmica é garantida pela dinâmica não-linear oferecida


no curso, que concebe dois eixos integrados e complementares (vertical e
horizontalmente), que viabilizam o imbricamento das demais dimensões
previstas no curso e também nas disciplinas da área de educação.

Tal estrutura tem em vista uma educação de qualidade, que apresente


uma aproximação da realidade socioeducacional da comunidade e ofereça,
ao futuro profissional, as oportunidades de vivenciar situações motivadoras
através de projetos interdisciplinares. O uso de cases ou de cenários que
reproduzam e viabilizem experiências teórico-práticas, na resolução coletiva
de problemas, são estratégias utilizadas para desenvolver o pensamento
crítico e potencializar o interesse pela pesquisa, para despertar um novo
olhar sobre a avaliação do processo ensino-aprendizagem, bem como para
orientar a escolha e a uso de diferentes mídias.

Uma estrutura curricular espiralada compreende a tessitura entre a


teoria e a prática, o contexto, a diversidade e a plasticidade. Estamos numa
área em constante mutação, uma vez que emergem com muita rapidez novas
mídias. O novo que se apresenta deve ser incorporado ao curso, de modo
a garantir fluidez e atualização constantes na formação do profissional da
Comunicação.

As transformações decorrentes desse processo de reestruturação do


curso e das áreas que o compõem caracterizam a identidade do curso e o
sentido educacional dos saberes do profissional que se deseja formar:

• abertura ao novo;

• produção de conhecimento e de serviços;

54
• captação, criação e inovação de produtos;

• visão e práticas interdisciplinares;

• gestão de projetos e processos;

• desenvolvimento de pesquisa;

• formação de profissionais multidisciplinares.

O nome da disciplina “Tecnologias para a aprendizagem” espelha


tais mudanças, e os trabalhos agora se voltam para o uso e a produção de
mídias destinadas a segmentos educativos, bem como estudos sobre os
fundamentos epistemológicos e abordagens do processo educacional em
ambientes de aprendizagem contemporâneos.

O profissional da área de Comunicação e Multimeios deve ter,


como explicitado no Projeto Pedagógico para o Curso de Comunicação e
Multimeios proposto pela reorganização curricular em 2006, uma formação
sistêmica e baseada num contexto sócio-tecnológico em que as mudanças
são rápidas e profundas.

A flexibilidade foi o diferencial proposto para o Curso, de modo


a atender às demandas sociais emergentes. Desse modo, a disciplina da
área educacional, Tecnologias para a aprendizagem, propõe-se a trabalhar
temas que integrem a Educação e a Comunicação para uma sociedade
multimidiática. Os temas desenvolvidos nessa disciplina apresentam-se
como fundamentais para a formação do profissional da área de Comunicação
e Multimeios, por promover a reflexão sobre áreas nobres de atuação para
esses profissionais, como a Educação a Distância e o desenvolvimento de
Programas Educacionais, áreas de estudo e pesquisa, bem como de atuação
da educação.

55
Composta por múltiplas áreas do conhecimento, a disciplina em
questão desenvolve estudos teórico-práticos sobre design instrucional,
objetos de aprendizagem, análise, desenvolvimento e produção de
programas educacionais e de ambientes de aprendizagem online (Educação
a Distância), cujo escopo de estudo e atuação são abarcados pelo campo da
educação e podem ser trabalhados por profissionais dessa área.

Não se trata de incorporar uma disciplina a um público específico,


tendo em vista a ampla área de atuação que esses temas envolvem,
mas promover aos futuros profissionais de Comunicação e Multimeios
possibilidades para uma formação contextualizada e coerente com os
avanços tecnológicos, com a formação humanística e com os campos
emergentes no mercado.

O projeto “programas educacionais”: docência e pesquisa


como campos de estudo e produção

As mudanças socioeconômicas e culturais decorrentes do mundo


atual, associadas à plasticidade social e à aprendizagem (BRUNO, 2010)
na área de multimeios, suscita uma ampliação do universo cultural e
profissional para todos os envolvidos neste processo.

Diante desse cenário, a disciplina Tecnologias para a aprendizagem


tem realizado, desde o ano de 2005 (ainda NTE) propostas que articulam
teoria e prática, como é o caso do “Projeto: Programas educacionais”, foco
principal do presente texto.

A resistência dos alunos do curso em relação às disciplinas da


área da Educação anunciavam que aquele ano de 2005 não seria fácil. A
coordenação do curso já havia “preparado” a professora que acabara de

56
assumir a disciplina de NTE sobre tal situação, na esperança de que algo
pudesse ser feito de modo a atenuar os possíveis conflitos. De fato, estudos
e abordagens educacionais pouco ou nada significavam para aqueles alunos
que se viam imersos num cenário multimidiático, fértil em ações voltadas
para o cinema, produção de vídeos, trabalho com web, arte e tecnologia,
leituras e produções imagéticas, dentre outros atrativos que o curso
apresentava.

Os primeiros contatos, entre a docente da área educacional e os alunos


do curso, se pautaram na busca de uma nova identidade para a disciplina
e identificação do contexto dos alunos, seus desejos, suas possibilidades e
habilidades. Como inserir os estudos da área da educação neste cenário,
de modo a envolver os alunos e ressignificar os conhecimentos das áreas
envolvidas?

Deste estudo, surgiu o projeto de trabalharmos com o


desenvolvimento de Programas educacionais, por meio das mídias
disponíveis, com vistas ao processo de convergência. A convergência de
mídias no contexto educacional e nos processos de formação deve ser
compreendida como possibilidade de relação e de aprendizagem. Quando
pensamos nas relações estabelecidas no âmbito educacional, devemos
também refletir que são relações intersubjetivas, que imbricam pontos
da interpessoalidade e da interprofissionalidade e isso significa que o
investimento na formação de todos os envolvidos neste processo deve se
dar de forma contínua, ao longo do processo.

A busca pela comunicação indica tentativas de construir


comunidades, estabelecer relações, socializar informações e, nesse
sentido, as tecnologias e as mídias contribuem para a criação de redes
interdependentes (PALLOF; PRATT, 2002). Isto quer dizer que a
necessidade de conexão com o outro motiva a criação de vínculos, de

57
contato, e influencia no desenvolvimento de ações interativas que, por sua
vez, alimentam a necessidade de comunicação. À luz destas premissas, o
projeto de Programas educacionais foi colaborativamente se constituindo.

Alem disso, cabe elucidar que este projeto assumiu o desafio


de desenvolver um olhar crítico sobre a produção de simulacros
potencializados pelas mídias, como a TV e mais recentemente a Internet,
tais como apontados por Chauí (2006).

Na prática, em sala de aula, os alunos se dividiram em grupos para


o planejamento e desenvolvimento de um projeto piloto. O público alvo
poderia contemplar qualquer faixa etária, qualquer mídia (web, vídeo, rádio,
material impresso etc) e qualquer tema, desde que o foco, educativo ou
educacional, fosse atendido. Os alunos acolheram prontamente a proposta
e passamos a trabalhar, durante as aulas, conteúdos que subsidiassem
o desenvolvimento do projeto. Mais do que uma atividade para uma
disciplina, os alunos compreenderam que estavam construindo portfólios
para sua vida profissional e, quanto mais se dedicassem, melhores seriam
os resultados e a veiculação deste trabalho para o seu futuro. Estudos sobre
a aprendizagem de crianças, jovens e adultos foram trabalhados com o
objetivo de colher minimamente elementos que ajudassem na proposta de
atividades, linguagens e as mídias, estudo de cores, interesse, brincadeiras,
abordagem temática etc. Os estudos de Belloni (2001), Chauí (2006),
Demo (2001), Napolitano (2003), Pfromm Netto (1999), dentre outros,
fomentaram estas discussões. Também foram realizadas análises de alguns
programas educacionais realizados para TV, vídeos educacionais, games,
jogos etc.

Após este período de estudos, cada grupo foi orientado a apresentar


um Projeto escrito sobre o Programa a ser desenvolvido. A elaboração
do projeto foi realizada no decorrer de duas aulas, nas quais cada grupo

58
discutia as ideias com os membros e com a professora. A palavra de
ordem foi “transgredir”. Isso porque as análises de programas educativos
evidenciaram a carência existente em grande parte destes, especialmente
no que diz respeito à utilização de abordagens e linguagens mais dinâmicas,
hipertextuais e interativas.

Questões emergiram neste processo coletivo de estudo e produção,


tais como: Será que criança gosta de ouvir rádio? Por que não temos
programas de rádio infantil? Hoje em dia, crianças e jovens escutam
histórias sem que a imagem esteja associada? Como pensar num programa
de rádio, interativo para crianças? Como desenvolver esquetes educativos
sem “dar lição de moral”? Programa de culinária é educativo? Como dar
feedbacks em jogos educativos na web? Podemos fazer um vídeo sobre como
fazer vídeo? Jogo de tabuleiro educativo só pode ter “matéria” de escola?

Estas perguntas ilustram parte do processo de construção do projeto


e resultaram em discussões que foram essenciais para o desenvolvimento
dos protótipos dos Programas Educativos.

Os projetos escritos foram apreciados pelos colegas e pela professora


com o objetivo de contribuir para a melhoria de cada proposta. Os
alunos, mais experientes em relação na área da comunicação e das mídias
trabalhadas na disciplina, teciam considerações e apresentavam sugestões
do ponto de vista da comunicação, e a professora fazia a análise do ponto
de vista educacional.

Por fim, cada grupo se organizou para o desenvolvimento do produto,


ou seja, um projeto piloto. Foi agendada uma data para apresentação dos
protótipos e o resultado foi muito satisfatório.

Durante os três primeiros anos foram realizados programas nas


seguintes mídias: 13 em vídeos/DVD; 12 via rádio/podcast; oito para web;

59
três como material impresso e seis tipos jogos de tabuleiro. Para efeito de
ilustração, elencamos alguns destes projetos:

a. Videos-documentários, como por exemplo, reciclagem


de lixo urbano – documentado em 8 min e 34’, a partir de
visitas a aterros sanitários; entrevistas com catadores de
lixo recicláveis que encontram nesta atividade o sustento
de suas famílias; visitas a espaços como a Oficina Escola
Cooparte (São Paulo) que conta com vinte moradores de
rua que desenvolvem obras de arte a partir de material
reciclável; cooperativas em condomínios; além de dados
sobre os processos de reciclagem no Brasil e na cidade
de São Paulo e com proposições para a melhoria das
condições de vida nas cidades com a reciclagem.

b. Esquetes de áudio como sobre Campanha de consciência


ambiental, que trouxe quatro quadros, nonsense, com
situações inusitadas que transgridem os formatos
“tradicionais” de desenvolver campanhas publicitárias,
com temas como chuva ácida.

c. Programa de rádio para o público infantil, como o


“viajando na maionese”, que trazia em sua programação
a ‘contação’ de histórias infantis com a participação
(via e-mail ou telefone) dos ouvintes mirins para a
sua finalização; além de brincadeiras, dicas, música e
curiosidades.

d. Jogos na Web, como a viagem planetária de um


extraterrestre que, perdido em nosso planeta precisa da
ajuda das crianças para consertar sua nave construída
com materiais recicláveis.

60
Alguns dos protótipos foram concebidos por meio de links com os
trabalhos de conclusão de curso dos alunos e, nestes casos, as aulas de NTE
auxiliaram tanto no desenvolvimento dos produtos para tais trabalhos,
quanto na análise destes.

Ao longo dos anos, os projetos foram incorporando melhorias


estéticas e funcionais. Houve a demanda de grupos de alunos para
o desenvolvimento de jogos de tabuleiro. A cada nova turma, eram
apresentados os trabalhos desenvolvidos pelos colegas de turmas anteriores.
O desejo de superação surgiu como fator decisivo para a criação de bons
programas.

Em 2009, a disciplina NTE incorporou algumas inovações, com a


introdução dos estudos das midias emergentes na web 2.0. O uso de materiais
pedagógicos destinados a segmentos educativos, em especial aos ambientes
virtuais de aprendizagem, surgiu como uma nova demanda de produção no
mercado de design educacional. A dinâmica interativa das redes sociais na
web 2.0, no tocante à distribuição, produção e consumo de conhecimento
propicia a disseminação dos materiais hipermediáticos. Ao tratar sobre
a cibercultura, Lévy (1999), anuncia uma mutação contemporânea da
relação com o saber e ressalta que, devido à velocidade de aparição e de
renovação dos saberes e do saber-fazer, trabalhar significa cada vez mais
aprender, transmitir saberes e produzir conhecimento. A construção de
novos modelos do espaço dos conhecimentos surge naturalmente na web
2,0. Ao invés de uma representação em escalas lineares e paralelas, em
pirâmides estruturadas por níveis, organizadas pela noção de pré-requisitos
e convergindo para saberes superiores, estamos privilegiando a imagem de
espaços de conhecimento emergentes, abertos, contínuos, em fluxos não
lineares, reorganizando-se em função dos objetivos ou dos contextos, nos
quais cada indivíduo ocupa uma posição singular e evolutiva.

61
Na implementação do novo currículo no curso de Comunicação
e Multimeios, a disciplina denominada Tecnologias para a aprendizagem
passou a focar a produção de vídeos educativos para a web, que pudessem
ser divulgados no site distributivo de serviços Youtube1.

Habitar a “rede” (Web) nos faz retomar Lévy (1999). Se para este
autor o ciberespaço é o “espaço de comunicação aberto pela interconexão
mundial dos computadores e das memórias dos computadores” (Ibid., p. 92)
e o virtual multiplica as oportunidades de atualização do real, os espaços de
navegação na web se apresentam como possibilidades de caçada ou pilhagem.
A primeira (caçada) nos coloca nos trilhos rápidos, rumo ao procurado. A
segunda (pilhagem), assim como Alice (do país das maravilhas), nos indica
que quando não sabemos qual rumo tomar, a procura (ou o caminho), a
busca pode se apresentar por meio de descaminhos.

Em todos os casos, a navegação pode se dar por meios (mídias)


diversas, como nos apresenta o autor, e que já são conhecidas por
muitos de nós. As redes, neste ciberespaço e na cibercultura se enlaçam
em configurações não mais lineares, mas plurais – todos/todos. É essa a
dinâmica desejada para o desenvolvimento do Projeto e do curso.

Os objetivos do curso adequaram-se à reorientação curricular e


passaram a destacar: a utilização e desenvolvimento das mídias como
instrumentos de acesso, transformação e produção do conhecimento; o
reconhecimento do potencial das mídias e dos materiais educativos no
processo de aprendizagem; a análise e produção de materiais educativos
fundamentados no conhecimento sobre educação e comunicação.

Uma dinâmica teórico/prática imprimiu uma tônica estratégica para


a disciplina, desenvolvida por meio de estudos de referenciais teóricos e de
atividades de criação dos vídeos educativos.
1 <www.youtube.com>.

62
Os temas abordados em aula priorizaram o conhecimento sobre
as modalidades de vídeo, diferenciando-se segundo os objetivos de uso.
Os textos de Ferrés (1996), Moran (2002) e Hessel (2004), nos auxiliaram
na definição e planejamento de alguns tipos de vídeo, os quais foram
sintetizados nas seguintes categorias: Vídeo sensibilização - utilizado para
introduzir ou finalizar um tema, para provocar a reflexão sobre uma questão
etc, assumindo um motivador ou conclusivo; Vídeo simulação - empregado
para auxiliar na compreensão de  temas densos ou abstratos, bem como
para apresentar situações que não podem ser vivenciadas ou visualizadas;
Vídeo documentário - apropriado para abordar um tema em detalhes,
transmitir informações e fatos contextualizados, pois amplia a visão da
realidade e permite a reflexão; Vídeo entrevista - adequado para apresentar
pensamentos, trajetórias e trabalhos de pessoas, bem como para apresentar
as diferentes posições sobre um assunto em evidência; Vídeo ilustração -
empregado para exemplificar um fato, uma situação, um conceito, uma
rotina, uma habilidade ou até mesmo uma sequência de procedimentos;
Vídeo interativo - utilizado em circunstâncias nas quais o espectador pode
opinar sobre a sequência do vídeo, pode participar na construção do enredo
ao escolher um roteiro alternativo; Vídeo avaliação, também denominado
de vídeo-espelho - apropriado para captar a ação de pessoas ou grupos de
pessoas, a qual será analisada e avaliada pelos próprios figurantes.

A produção dos vídeos teve início com uma fase de planejamento.


Os alunos se reuniram em grupos e definiram os temas. Um briefing2 foi
desenvolvido para cada vídeo, o que permitiu aos alunos experimentarem

2 O briefing é um conjunto de informações, uma coleta de dados passadas em uma


reunião para o desenvolvimento de um trabalho, documento, sendo muito utilizadas em
Administração, Relações Públicas e na Publicidade. O briefing deve criar um roteiro de ação
para criar a solução que o cliente procura, é como mapear o problema, e com estas pistas, ter
idéias para criar soluções. (Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Briefing>. Acesso
em: 8 maio 2010).

63
a dinâmica do processo de especificação do produto e validação do mesmo,
junto a um cliente fictício.

A primeira providência exigiu uma pesquisa cuidadosa, ou seja, um


levantamento das informações relevantes, tais como a escolha do conteúdo,
as demandas de aprendizagem, a profundidade do tema, a abordagem,
a linguagem. O público alvo foi considerado no tocante à faixa etária, à
escolaridade, ao interesse cultural e à procedência cultural. Esses elementos
foram considerados na definição dos objetivos de cada produto, os quais
atenderam à determinada necessidade cognitiva, à valoração de alguma
atitude ou ao desenvolvimento de certas habilidades. Outras especificações
complementaram o plano, tais como a duração do vídeo, a definição das
técnicas e dos processos de trabalho, escolha de software de produção e
edição etc. Foram estabelecidos um cronograma e a distribuição de tarefas.
Por fim, o roteiro foi preparado, com a descrição da sequência das ações do
vídeo, as imagens, a trilha sonora etc.

Os planos foram divulgados entre os alunos da classe através de


um fórum criado para tal função, na plataforma Moodle da PUCSP. Tal
estratégia motivou a turma para uma ação colaborativa e integrada de troca
de ideias e materiais. Todo o processo de planejamento ficou registrado
cumulativamente, refletindo o caráter reconstrutivo da produção de um
material midiático.

Um canal3 do Youtube foi criado para reunir os vídeos produzidos


pelos alunos. Além de divulgar os trabalhos na web, o site de serviço
de publicação e distribuição de vídeos proporciona a possibilidade
de compartilhamento com usuários em diferentes espaços e distintos

3 A URL do canal criado no ano de 2009: <http://www.youtube.com/ntepuc2009>; A URL do


canal criado no ano de 2010: <http://www.youtube.com/ntepuc2010>.

64
tempos, pois nessa rede interativa todos assumem papeis de produtores e
consumidores de conhecimento.

À etapa de produção seguiu-se uma etapa de avaliação. Cada grupo


preparou um registro dos percursos de produção, dando ênfase aos aspectos
mais significativos do processo. Tais observações foram postadas em fórum
com o fim de facilitar a divulgação e promover um debate avaliativo.

Os depoimentos dos alunos revelaram situações e desafios que


surgiram durante a produção dos vídeos. Em sua maioria, esses relatos
tratam do processo criativo, das providências para alcançar um resultado
harmônico, no que dia respeito à congruência e à complementaridade da
imagem, som e texto. Em algumas circunstâncias, os alunos tiveram que
lidar com aspectos técnicos tais como: a reorganização do tempo em função
dos contratempos; autorizações e direitos autorais; com a escolha e uso de
novos softwares de edição de imagens. Alguns grupos reconheceram que
fizeram novas aprendizagens ao pesquisarem os conteúdos e materiais. A
escolha de assuntos de natureza social e educacional contribuiu para uma
ampliação de consciência sobre a vida em sociedade, bem como para uma
reflexão sobre as responsabilidades cidadãs.

Ao final do semestre, o melhor vídeo foi eleito. Reservamos


uma aula para a avaliação final das produções. Todos os vídeos foram
executados e pontuados segundo o critério de criatividade nos aspectos
tema, roteiro, trilha sonora e imagens. Ao longo dos meses posteriores,
pudemos acompanhar os acessos do público em geral, através dos registros
quantificados, no site Youtube. Tal resposta nos estimulou a dar continuidade
a este trabalho, nos anos seguintes.

65
Considerações

Em virtude do crescente fluxo hipermediático na web, ativado


pela expansão das redes sociais, o mercado de produção de materiais
educativos tende a absorver profissionais oriundos das áreas de tecnologia
e comunicação.

Nesse sentido, a disciplina NTE reorganizou-se na dimensão


curricular com vistas a proporcionar aos formandos da graduação em
Comunicação e Multimeios, o conhecimento do potencial das diversas
mídias como instrumentos de acesso, transformação e produção de
conhecimento.

A produção de materiais pedagógicos e programas educacionais,


vivenciados pelos alunos da área de comunicação, revelou aos mesmos,
um campo de trabalho no qual os conhecimentos sobre o fazer, são
interdisciplinares. Ao lado de aspectos técnicos estão os aspectos
pedagógicos. Os materiais da mídia estão, prioritariamente, a serviço da
sociedade de consumo, mas também têm um importante papel na formação
ética e conscientização dos seres humanos. Estes aspectos foram trabalhados
pelas professoras das disciplinas da área da educação, denominadas Novas
Tecnologias e Educação/ Tecnologias para Aprendizagem.

O processo criativo dos produtos midiáticos foi pontuado por muitos


momentos reflexivos, nos quais professores e alunos experimentaram um
acréscimo de conhecimentos e saberes, ao mesmo tempo, específicos e
contextualizados. O movimento interdisciplinar redundou em significativos
avanços da prática docente e discente.

Se somos parte de uma rede cibercultural é preciso que


compreendamos que é este movimento é que nos faz universal e não

66
totalizante (LÉVY, 1999). Podemos entender que as redes, que são
rizomáticas, são universais por sua plasticidade, sua dinamicidade, sua
fluidez (BRUNO, 2010). Não são totalizantes pois não são fixas, lineares e
determinadas. Suas conexões se fazem, desfazem, refazem. Se recriam, se
transformam e contornam, reformam, deformam. Assim somos nós. Assim
são os nós. Assim são as redes constituídas neste curso: vivas.

Referências

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Ferreira. São Paulo: Cortez, 2000.

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2010.

68
Mundos Virtuais, Games e
Simulações em Educação:
alternativas ao design
instrucional

João Mattar
(U. Anhembi-Morumbi)

INTRODUÇÃO

Mundos virtuais, games e simulações são hoje marcas registradas


da cultura das mídias e da cibercultura. Nos últimos anos, seu uso em
educação tem crescido intensamente, nas mais diversas áreas. Para muitos
autores, os três conceitos se confundem. Aldrich (2010), entretanto, em
diversos posts em seu blog, diferencia-os em relação ao seu uso educacional.

Enquanto os mundos virtuais seriam ambientes sociais mais amplos


e livres para exploração e interação, os games seriam mais estruturados.
As simulações educacionais, por sua vez, seriam processos rigorosos, ainda
mais estruturados, que visam desenvolver habilidades específicas a serem
transferidas ao mundo real. Ou seja, estariam voltadas para objetivos
educacionais mais definidos, visando à aplicação do aprendizado. A

69
gradação entre mundos virtuais, games e simulações educacionais passaria,
portanto, pelo seu nível de estruturação e pela precisão dos objetivos de
aprendizagem.

Apesar de ser possível apontar essas e outras diferenças conceituais,


Aldrich acrescenta que mundos virtuais, games e simulações são conceitos
aninhados, melhor compreendidos como partes discretas de um contínuo,
do que como sinônimos ou conceitos totalmente distintos. Todos os games
ocorrem em algum tipo de mundo virtual, muitas vezes em um ambiente
online multiusuário, e todas as simulações educacionais podem ser
compreendidas como games bastante rigorosos.

Acessar um mundo virtual não significa necessariamente jogar,


assim como jogar um game não garante a transferência do aprendizado,
que seria para Aldrich o objetivo principal das simulações educacionais. Se
você parte de um mundo virtual para chegar a uma simulação educacional,
terá que desenhá-la rigorosamente. Da mesma maneira, um serious game
como SimCity não é por si só uma simulação educacional: não se espera que
você seja um prefeito melhor apenas por jogá-lo.

Aldrich explora ainda, especificamente, as relações entre serious


games e simulações educacionais. Embora ambos estejam muito próximos
em qualquer taxonomia, ainda assim seria possível apontar diferenças.
Serious games são experiências leves, fáceis e divertidas que constroem algum
nível de compreensão, enquanto simulações educacionais desenvolvem
habilidades e capacidades de uma maneira rigorosa. De um lado, os serious
games são geralmente mais independentes e inclusive se disseminam de
maneira viral, enquanto as simulações educacionais, de outro lado, em geral
exigem um instrutor e fazem parte de um currículo pré-definido.

A diferença entre simulações educacionais e serious games poderia


ser bem resumida por cada um de seus ‘exemplos originais’. O melhor
exemplo de uma simulação educacional seriam os simuladores de voo, que
conseguem lidar ao mesmo tempo com atividades simples, como pequenos
ajustes, e incrivelmente complicadas, como pousos de emergência.

Um serious game típico seria o altamente divertido SimCity. Mesmo


tendo sido concebido como um game, encontrou espaço em muitos
currículos acadêmicos. É simples de usar, embora apresente elementos
incrivelmente complicados e interessantes. Seus jogadores têm insights
sobre planejamento urbano e se tornam orgulhosos de suas cidades.

Para completar, um exemplo paradigmático de mundo virtual seria


o Second Life, que será abordado na próxima seção.

Analisando a questão por outra perspectiva, o mesmo Aldrich


(2005) explora as semelhanças e diferenças básicas entre elementos de
games, simulação e pedagogia. Avaliar a combinação entre esses elementos
em mundos virtuais, games e simulações seria mais útil do que tentar
responder às questões: “Qual é a diferença entre games e mundos virtuais?”,
“Qual é a diferença entre um game e uma simulação?” e “Qual é a diferença
entre simulações e mundos virtuais?”.

‘Elementos de games’ oferecem interações familiares e divertidas,


aumentando o prazer da experiência educacional. É possível conceber
diversos usos de elementos de games em ambientes e conteúdos educacionais,
como: misturar escalas; colocar o conteúdo em músicas; oferecer respostas
exageradas para tornar a experiência mais divertida; utilizar gêneros de
jogos estabelecidos; forçar o usuário a passar de fases; provocar a imersão
em uma atmosfera interessante; possibilitar que o aprendiz molde seu
personagem; criar papéis de heróis ou modelos; estimular a competição
entre alunos; produzir conflito; apresentar um mistério ou um quebra-
cabeça para ser resolvido etc.

71
Já os “elementos de simulação” representam objetos ou situações,
envolvem interações entre os usuários, estimulam a prática e possibilitam
transferência do aprendizado e de habilidades para o mundo real. É
importante que o contexto da simulação esteja alinhado com o contexto
da situação real que pretende simular, e tecnologias mais atuais permitem
inclusive misturar elementos da realidade nas próprias simulações. O PEO
STRI - Program Executive Office for Simulation, Training & Instrumentation,
por exemplo, é um centro de aquisição de excelência do Departamento de
Defesa norte-americano que fornece soluções em simulações, treinamento
e testes.

Seu novo Game After Ambush deve integrar dados do mundo real
disponíveis nos sistemas de comando de batalha, permitindo dessa maneira
que os treinadores modifiquem o jogo dinamicamente ao editarem terrenos,
modificarem cenários e mexerem em estradas, muros, clima e personagens
coadjuvantes. Essa evolução possibilitará, por exemplo, simular guerras
irregulares, preparando assim melhor os soldados para o combate.

Elementos pedagógicos, por fim, estão baseados na teoria do design


instrucional, que exploraremos especificamente na terceira seção deste
capítulo. Incluem objetivos de aprendizagem, os motivos para construir
conteúdos instrucionais e a decisão sobre o que ensinar. Devem acompanhar
os elementos de games e simulação para garantir que o tempo do aluno seja
utilizado produtivamente.

Assim, a combinação adequada entre elementos de games, simulação


e pedagógicos deve servir não apenas para orientar a produção de mundos
virtuais, games e simulações educacionais, mas também de currículos,
cursos e disciplinas, objetos e ambientes de aprendizagem.

Partindo desses conceitos, o restante deste capítulo explora, num


primeiro momento, o uso de mundos virtuais (em especial o Second Life)

72
em educação, abordando em seguida o uso de games em educação e suas
relações com o design instrucional. Em ambos os casos, são apresentados
exemplos de simulações educacionais.

MUNDOS VIRTUAIS: O USO DO SECOND LIFE EM


EDUCAÇÃO

Apesar do desconhecimento e da descrença de muitos educadores,


mundos virtuais continuam sendo integrados ao currículo por diversas
instituições de ensino. Isso pode ser percebido por pelo menos três
perspectivas distintas: (a) a crescente produção de pesquisas e trabalhos
acadêmicos; (b) a utilização cada vez mais comum de mundos virtuais como
plataformas em eventos acadêmicos; (c) cursos que adotaram mundos
virtuais como ambientes virtuais de aprendizagem. Exploramos a seguir
essas perspectivas com exemplos da utilização do Second Life em educação.

Em primeiro lugar, uma breve revisão de alguns trabalhos acadêmicos


defendidos recentemente no Brasil, relacionando especificamente Second
Life e aprendizagem.

A pesquisa de Gomes (2008), que utiliza como referencial teórico


a análise do discurso, compara o ambiente virtual da Unisul Virtual com
o Second Life em dois cursos, analisando as atuações dos autores, tutores e
alunos. A autora conclui que o Second Life é um ambiente mais adequado
para a oferta de cursos abertos e a realização de atividades síncronas,
cooperação e autoria, possibilitando novas formas de fazer pedagógico,
produção e compartilhamento do conhecimento.

O trabalho de Gecelka (2009), cuja defesa foi realizada no próprio


Second Life e aberta ao público, analisou o planejamento, o desenvolvimento,
a execução e os resultados de um curso oferecido na ilha do Sebrae. O autor

73
conclui que, no Second Life, o professor pode visualizar o aprendizado
dos alunos em um ambiente virtual lúdico, rompendo assim com uma
característica marcante da educação a distância: o fato de o professor não
poder acompanhar visualmente a aprendizagem. A avaliação de um dos
alunos, ao final do curso, reforça algumas características do Second Life
como ambiente virtual de aprendizagem:

Gostei muito das aulas, foram 100% interativas,


pude aprender muito sobre o SL [...] percebi que
o método de ensino via SL é tão eficaz quanto um
presencial, pois disponibiliza para o aluno imagens
em slide ao vivo, áudio do professor, interatividade
síncrona e assíncrona com os colegas e o professor.
(GECELKA, 2009, p. 50).

Corrêa (2009) analisa como interações sociais cada vez mais


complexas são permeadas pelo físico e pelo virtual. A pesquisa mostra
como os processos de interação e comunicação, mediados por tecnologias
hipermidiáticas como o Second Life, possibilitam novas formas de
construção do conhecimento.

A pesquisa de Fernandes (2010) explora o uso do Second Life no


ensino de ciências e biologia. A interação com os recursos nativos do próprio
mundo virtual permite estruturar uma nova forma de pensar, um pensar
hipertextual. Segundo o autor, a interface tridimensional do Second Life
proporciona novos modos interação e comunicação. A navegação torna-se
imersão: navegar não é mais preciso quando se pode caminhar, correr, voar
e até mesmo teletransportar-se por caminhos construídos pelos próprios
usuários. O Second Life possibilitaria assim novos modos de contato com
a informação, que se encontra agora na forma de objetos multimeios e nas
relações entre os usuários.

74
A investigação de Pires (2010) conclui que, ao contrário da
telepresença, um mero deslocamento da voz e/ou da imagem, a criação de
identidades digitais virtuais no Second Life faz com que o usuário se sinta
envolvido em uma experiência imersiva e interativa mais rica, propiciada
pela sensação de ser o avatar e pertencer ao ambiente. No Second Life, o
estar junto virtual síncrono, e a possibilidade de expressar a corporalidade
e criar identidades digitais virtuais por meio de avatares, aumentam o
sentimento de presença e de pertencimento, contribuindo para a superação
do paradigma da distância e da falta de presença física na educação online.
A defesa da dissertação foi realizada no Second Life e aberta ao público.

Por fim, a pesquisa em andamento de Silva (2010) analisa como o


design de interação pode ser aplicado para tornar eficiente a integração entre
LMSs baseados na Web e mundos virtuais 3D, nos quais as interfaces são
desenvolvidas de forma emergente pelos usuários, e não necessariamente
por designers. Para realizar a análise, são examinados projetos como o
TIDIA-Ae, que utiliza o Sakai, e o Sloodle, que integra o Moodle ao Second
Life.

Esta lista, provavelmente incompleta, mostra como o Second Life


tem sido objeto, em nosso país, de pesquisas acadêmicas que exploram seu
uso como ambiente de aprendizagem. Suas conclusões apontam diversas
vantagens no uso de mundos virtuais em relação aos ambientes virtuais de
aprendizagem tradicionais.

Vários eventos têm também utilizado o Second Life como plataforma


virtual. Dentre eles, podem ser mencionados: Second Life Best Practices in
Education (2007, 1.200 participantes, realizado integralmente no Second Life);
Rock the Academy: Radical Teaching, Unbounded Learning (2008, realizado
integralmente no Second Life); 7º SENAED – Seminário Nacional ABED de
Educação a Distância (2009, mais de 2.000 participantes); Virtual Worlds

75
Best Practices in Education (2009 e 2010, ao redor de 6.000 participantes na
última versão, realizado integralmente no Second Life); Slactions (realizado
integralmente no Second Life); III Simpósio Virtual de EaD (realizado pelo
Portal Educação em 2009, com o número impressionante de mais de 8.000
participantes); e Seminário Webcurrículo, promovido pela PUC-SP.

Além disso, o Second Life tem sido utilizado em diversas disciplinas


e integrado ao currículo em inúmeros cursos, que não seria possível aqui
elencar. O Grupo de Pesquisa Educação Digital - GP e-du Unisinos/CNPq,
por exemplo, liderado por Schlemmer (2010), desenvolveu um projeto de
formação docente para 13 instituições da RICESU – Rede de Instituições
Católicas de Ensino Superior, utilizando o Second Life. Os resultados do
projeto indicam que os participantes, representados por seus avatares,
puderam experimentar a telepresença e a presença digital virtual, o que
lhes permitiu realizar ações e utilizar diferentes formas de comunicação
(linguagem oral, textual, gestual e gráfica) na interação com os demais
avatares, ampliando e tornando mais intensos os sentimentos de presença,
proximidade, imersão e realidade. Schlemmer conclui que os processos
de formação, capacitação e ação pedagógica em rede tornam-se mais
significativos do ponto de vista da aprendizagem, pois os participantes
configuram juntos um ECODI - Espaço de Convivência Digital Virtual.

Gostaríamos de ressaltar ainda duas experiências internacionais de


integração do Second Life ao currículo de maneira continuada.

O Departamento de Tecnologia Educacional (Edtech) da Boise State


University possui uma ilha no Second Life com inúmeros espaços voltados
para educadores, como o Center for Virtual Educators (que distribui
gratuitamente objetos para uso educacional), Amphitheater and Hollodeck
Classroom (sala que pode mudar de ambiente com um simples clique),
Sandbox (onde os usuários podem praticar a construção de objetos), espaços

76
para aulas, workshops e atividades etc. Várias das disciplinas a distância
oferecidas regularmente por seus cursos de mestrado em tecnologia
educacional utilizam o espaço para atividades síncronas semanais: Teaching
and Learning in Virtual Worlds (que capacita o aluno ao uso educacional
de mundos virtuais), Educational Games & Simulations (que explora o uso
de games e simulações em educação), Teaching Mathematics in Virtual
Worlds (que explora o uso de mundos virtuais no ensino de matemática)
e Educational Design and Building in Virtual Worlds (voltada à construção
de objetos e ambientes em mundos virtuais). Ou seja, o programa de
mestrado da Boise State University incorporou decisivamente o Second Life
ao currículo, o que deve se intensificar nos próximos semestres.

Num projeto ainda mais radical, o Texas State Technical College


oferece quatro Certificados em Mídia Digital e Narrowcasting, além de um
programa mais geral que envolve história, política, filosofia e matemática,
todos inteiramente ministrados no Second Life. Os programas do vTSTC
duram de 2 a 4 semestres e incluem diversas disciplinas. Em maio de 2009,
Julie Shann foi a primeira aluna a se formar em um programa inteiramente
ministrado em um mundo virtual.

Essas e muitas outras pesquisas e experiências servem para comprovar


que o Second Life pode ser utilizado com sucesso em substituição a ambientes
de aprendizagem como Blackboard, Moodle e Sakai. Mundos virtuais como
o Second Life são autossuficientes como ambientes de aprendizagem, ou seja,
podem ser utilizados como apoio à educação presencial, ou mesmo como
plataformas para educação a distância, sem a necessidade do suporte dos
ambientes virtuais de aprendizagem tradicionais. Eles possuem ferramentas
que permitem a combinação entre elementos de games, simulação e
pedagogia de maneira que os professores sejam capazes de projetar, elaborar
e adequar esses elementos durante o próprio andamento dos cursos, além
da participação dos próprios alunos no co-design do processo de ensino

77
e aprendizagem. Permitem, portanto, que os professores, assim como os
próprios alunos, tornem-se autores, questionando assim a necessidade de
divisão de trabalho entre conteudistas, designers instrucionais e tutores,
comum em diversos projetos de educação a distância.

As experiências pedagógicas que têm sido realizadas em mundos


virtuais, mais especificamente no Second Life, chamam ainda a atenção
para a importância do “espaço” de aprendizagem, que a literatura sobre
interação em educação a distância em geral não aborda (MATTAR, 2009).
O grau de envolvimento e imersão dos alunos com o conteúdo dos cursos,
os colegas e o próprio professor, em um ambiente de realidade virtual 3D
como o Second Life, não parece ser facilmente reproduzível nos ambientes
de aprendizagem tradicionais. Isso facilita a introdução de elementos de
games e simulação nas atividades educacionais.

Além da importância do ambiente em três dimensões, o exercício de


criação de uma identidade virtual no Second Life, por meio da construção
de um avatar, desempenha também papel essencial no processo de
aprendizagem. Segundo Pires (2010, p. 210):

As evidências resultantes desta investigação mostram


que a possibilidade de criação de identidades
digitais virtuais por meio de avatares, aumenta o
sentimento de “presença” e de “pertencimento” dos
sujeitos envolvidos em processos de ensinar e de
aprender em Metaversos, por meio da telepresença
e da presença digital virtual, o que contribui com
a superação do paradigma vinculado à “falta de
presença física” na Educação Online.

A integração de mundos virtuais ao currículo de forma sustentada,


entretanto, pressupõe a continuidade de pesquisas sobre seu uso em
educação, além de processos de formação docente como o desenvolvido

78
pela Unisinos, já que há uma longa cura de aprendizado para que o professor
seja capaz de utilizar e integrar essas novas ferramentas ao processo de
ensino e aprendizagem.

GAMES E EDUCAÇÃO

O aprendizado através de games (game-based learning) tem diversas


características que o distingue do aprendizado tradicional, mesmo em
educação a distância (MATTAR, 2010).

Portnow e Floyd (2008), por exemplo, desenvolvem o conceito de


aprendizado tangencial, que não é o que você aprende ao ser ensinado, mas
ao ser exposto a objetos, conteúdos e ambientes em um contexto no qual
esteja envolvido. Há uma separação ainda muito marcante entre games
para educação e games para diversão, principalmente porque vários games
educacionais produzidos até agora são muito monótonos e enfadonhos,
quando comparados aos games comerciais. Para superar essa dicotomia, os
autores propõem a ideia de permitir e facilitar o aprendizado com games,
em vez de ensinar. Sem sermos forçados, e estando envolvidos com o game,
teríamos mais probabilidade de aprender. Portanto, a ideia de aprendizado
tangencial considera que uma parte da sua audiência se autoeducará, caso
você facilite sua introdução a assuntos que possam lhe interessar, em um
contexto excitante e envolvente. E esse aprendizado poderá ainda contar
com a atuação do professor, como um guia que auxilie o jogador a refletir
sobre sua experiência e acrescente elementos de apoio à aprendizagem,
após o jogo.

Outra questão que separa os games do aprendizado tradicional é a


forma de lidar com o erro. Nos games, o custo do fracasso é normalmente
diminuído – quando os jogadores fracassam, podem, por exemplo,

79
recomeçar de seu último jogo salvo. Além disso, o fracasso é em geral
encarado como uma maneira de aprender e, numa próxima oportunidade,
tentar obter sucesso. Essas características do fracasso nos games permitem
que os jogadores arrisquem-se e experimentem hipóteses que seriam
muito difíceis de testar em situações em que o custo do fracasso é maior,
como na vida real, ou onde nenhum aprendizado deriva do fracasso, como
ocorre muitas vezes na educação formal. Esse design do fracasso seria um
importante elemento de game a ser inserido nas experiências educacionais.

Além disso, nos games os próprios jogadores podem determinar como


aprendem, estando livres para descobrir e criar arranjos de aprendizado.
Assim, além de compreender como as características dos próprios games
suportam o aprendizado, podemos também avaliar a maneira pela qual os
jogadores assumem papéis ativos de aprendizagem nos games.

Muitos games são desenhados com objetivos determinados, embora


deixem os jogadores livres para atingir esses objetivos da maneira que
preferirem. Entretanto, games podem também permitir que os jogadores
tracem seus próprios objetivos. Além disso, a reflexão e a interpretação são
também encorajadas nos games: é possível, por exemplo, estudar um jogo
com o recurso do replay e, por consequência, refletir sobre a experiência.
Isso tudo desempenha, obviamente, um papel primordial no processo de
aprendizagem.

Para Lehto (2009), o que define um game é a necessidade de


participação – se a interatividade é removida, ele deixa de ser um
game. Games são de alguma maneira ‘escritos’ pelo jogador, não
simplesmente lidos. Um game é um sistema dinâmico explorável, mas que,
simultaneamente, é também construído pelas escolhas livres do jogador. O
usuário está, portanto, ao mesmo tempo percebendo o que ocorre ao seu
redor e participando da construção do ambiente que percebe.

80
Enquanto o cinema está baseado na estética da narração audiovisual
(e podemos aqui pensar na educação tradicional, baseada em aulas e
leituras de livros-texto), os games estão baseados na estética do espaço
de experiências. Um game pressupõe interação (com os colegas) e/
ou interatividade (com os próprios elementos do game), ou seja, a sua
exploração não pode se constituir numa visita guiada, pré-planejada ou
pré-enlatada, mas deve incluir a possibilidade de construção do caminho
pelo próprio usuário, liberdade, inclusive certo grau de incerteza, que
garantam a sua imersão. Essa interação e interatividade colocariam os
games um passo além do cinema e de outras formas estáticas de experiência
estética. Jogar um game é diferente de testemunhar uma história ou um
filme contemplativamente.

Para Lehto (2009), se é possível falar de uma narrativa textual


e de uma imersão cinemática, com os games é necessário falar de uma
interação lúdica. A estrutura dos games (desafios, fronteiras, regras) seria
uma mera desculpa, uma ilusão necessária para penetrarmos no reino da
interatividade. É possível então falar de uma imersão interativa, de uma
estrutura que é preenchida pelos próprios atos do jogador, que é estruturada,
portanto, não apenas por elementos de games, mas também de simulação,
como apresentados por Aldrich.

Para Juul (2001), enquanto as narrativas estão baseadas numa


sequência de eventos no passado, games são construídos pela influência
que o jogador tem sobre os eventos no presente. Daí a ideia de uma ficção
interativa, que você ‘lê’, da qual participa e que ao mesmo tempo cria. Num
game, o ‘leitor’ é parte integrante do significado do jogo. Um game delega
ao seu leitor um tipo de liberdade que o leitor de um texto tradicional não
possui. O leitor de um game assume a posição de um autor, já que suas ações
determinam a construção do texto. Mais do que simplesmente interpretar, o
leitor de um game tem de fazer um esforço para progredir na história.

81
Murray (1998) explora a atuação do interator (interactor) em
histórias digitais, alertando, entretanto, que seria um equívoco considerá-
lo o autor da história. Seria necessário distinguir entre desempenhar um
papel criativo em um ambiente autorado e ser autor do próprio ambiente.
Os interatores só podem agir dentro das possibilidades que foram
estabelecidas pela escrita e pela programação. Podem construir cidades
simuladas, experimentar estratégias de combate, traçar um caminho único
através de uma teia labiríntica ou mesmo impedir um assassinato, mas,
ao menos que o mundo imaginário não seja mais do que uma fantasia de
avatares vazios, todo o desempenho possível do interator teria sido criado
com antecedência pelo autor original.

O autor de mídias eletrônicas escreve tanto o texto quando as regras


pelas quais o texto deve aparecer. Escreve as regras para o envolvimento do
interator, ou seja, as condições pelas quais as coisas acontecerão, em resposta
às ações do participante. Estabelece as propriedades dos objetos e objetos
potenciais no mundo virtual, e as fórmulas pelas quais eles se relacionarão
uns com os outros. O autor cria não apenas um conjunto de cenas, mas um
mundo de possibilidades narrativas. Por analogia, poderíamos conceber
uma nova função para o designer educacional, que criaria um universo
de possibilidades a serem exploradas pelo aluno, ao invés de um percurso
linear a ser obrigatoriamente seguido.

Na narrativa eletrônica, o autor é o coreógrafo que fornece o ritmo,


o contexto e o conjunto de passos que serão dados. O interator, por sua
vez, seja um navegador, protagonista, explorador ou construtor, faria uso
desse repertório de passos e ritmos possíveis para improvisar uma dança
particular entre muitas danças que o autor tornou possíveis. Poderíamos
dizer que o interator é o autor de uma performance particular no sistema
de história eletrônico, ou o arquiteto de uma parte particular do mundo

82
virtual, mas é importante distinguir essa autoria derivativa da autoria
originária do próprio sistema.

O livro de Murray foi publicado originalmente em 1997, sendo


então possível argumentar que nos games de hoje, o jogador estaria bem
mais próximo da posição de autor descrita por Juul e Lehto, cujos textos são
posteriores, inclusive pelas possibilidades de modificar a própria estrutura
do sistema, com o recurso dos mods, que proporcionam a criação de games
inteiramente novos e distintos dos originais. Além disso, é interessante
apontar que um mundo virtual como o Second Life se aproxima bastante
da ideia de ‘fantasia de avatares vazios’ de que fala Murray, já que tudo é
construído pelos participantes, e o próprio avatar pode ser totalmente
construído pelo usuário. O que, por analogia, nos transportaria para uma
visão da educação em que os objetos e objetivos de aprendizagem, o ambiente
e o próprio design fossem desenvolvidos colaborativamente durante o
processo de ensino e aprendizagem, e não impostos com antecedência por
um designer instrucional, que teria empacotado o conteúdo elaborado por
um especialista. As regras para a aprendizagem não estariam, portanto,
claramente traçadas antes do início do aprendizado, ou seja, o design
continuaria durante a experiência educacional.

Segundo Johnson (2006), a maioria dos videogames difere de jogos


tradicionais, como xadrez ou Monopoly, pela maneira como restringem
a informação sobre as regras subjacentes do sistema. Quando você joga
xadrez sem ser um iniciante, as regras do jogo não possuem ambiguidades;
você sabe exatamente os movimentos permitidos por cada peça e os
procedimentos que permitem a captura de uma peça por outra. A pergunta
que o provoca, quando você está frente ao tabuleiro, não é: ‘Quais são as
regras aqui?’ mas ‘Que tipo de estratégia eu devo utilizar para tirar melhor
proveito dessas regras?’

83
No mundo dos videogames, ao contrário, as regras raramente estão
estabelecidas em sua totalidade antes que você comece a jogar. Você recebe
poucas instruções básicas sobre como manipular objetos ou personagens
na tela, além de um senso de algum tipo de objetivo imediato. Mas muitas
das regras – a identidade do seu objetivo final e as técnicas disponíveis
para atingi-lo, por exemplo – tornam-se aparentes apenas pela exploração
do mundo. Ou seja, você literalmente aprende jogando; precisa descobrir
sozinho o que deve fazer; deve explorar as profundezas da lógica do jogo
para compreendê-lo, e, como em muitas expedições exploratórias, como
nas visitas às ilhas do Second Life, obtém os resultados por tentativa e
erro, tropeçando nas coisas e seguindo intuições. Em todos os outros
empreendimentos que utilizam a linguagem dos jogos – poker, basquete
e gamão, por exemplo – qualquer ambiguidade nas regras e nos objetivos
seria uma falha fatal. Em videogames, ao contrário, a ambiguidade nas
regras é uma parte essencial da experiência. Muitos jogos carregam histórias
misteriosas embutidas, com perguntas como ‘quem o matou’, ‘quem roubou
aquilo’ etc., mas o verdadeiro mistério que move o jogador no mundo do
jogo é um mistério mais autorreferencial: ‘como este jogo é jogado?’. Na
maioria dos games, portanto, a chave para o sucesso não está em aprender
a manipular joysticks, mas em decifrar suas regras.

Algumas dessas regras você descobre lendo manuais, mas outras só


descobre jogando. No entanto, o computador faz mais do que mostrar ao
jogador regras: ele constrói todo um mundo, o que Johnson (2006) chama
de física do mundo virtual. E a exploração da física desse mundo envolve
os mesmos passos da metodologia científica: exploração, hipóteses, teste,
reformulação das hipóteses e assim por diante. Ou seja, quando os gamers
interagem com os games, estão aprendendo os procedimentos básicos do
método científico.

84
Essa ambiguidade das regras, portanto, seria outro importante
elemento de games a ser injetado nos materiais e nas experiências
educacionais, ao contrário do que propõem as matrizes exatas do
design instrucional, em que os objetivos de aprendizagem encontram-se
milimetricamente definidos e fatiados.

‘Elementos de simulação’ e pedagogia nos games

Shaffer (2008) desenvolve o conceito de games epistêmicos (epistemic


games): mundos virtuais criados a partir de práticas profissionais e que
estimulam o pensamento inovador. Eles ajudariam os jogadores a aprender
a pensar, por exemplo, como engenheiros, planejadores urbanos, jornalistas,
arquitetos e outros profissionais inovadores. Com os games epistêmicos, os
jovens não precisariam esperar o ensino superior ou o mundo do trabalho
para começar sua educação para a inovação.

Estruturas epistêmicas (epistemic frames), por sua vez, são definidas


como conjuntos de habilidades, conhecimentos, identidades, valores e
epistemologia pelas quais profissionais enxergam o mundo de determinada
perspectiva e pensam de maneira inovadora. A epistemografia envolveria
o olhar para os tipos de ações e de reflexões-em-ação que desenvolvem a
estrutura epistêmica de uma profissão.

A principal mudança gerada com o uso de games epistêmicos


seria pararmos de pensar que o objetivo da escola é simplesmente ensinar
matemática, ciências ou estudos sociais. Games permitem criar mundos
virtuais em que podemos pensar de maneiras diferentes. Para Shaffer (2008),
eles representam uma mudança no mesmo nível das mudanças geradas com
a linguagem, a escrita e a imprensa. Desenvolvem uma maneira profissional
e prática de ver, pensar e atuar sobre problemas importantes, suportada
pela reflexão com a ajuda dos colegas. Tornam possível nos movermos para

85
além de disciplinas derivadas do conhecimento medieval e ensinadas em
escolas programadas para a revolução industrial. Ou seja, os ‘elementos de
simulação’ nos games permitem ensinar no futuro, preparar o aluno para
uma atividade na prática, ao invés da pura teoria.

Bogost (2007), por sua vez, analisa os videogames como mídias


expressivas e persuasivas, que representam como os mundos real e
imaginário trabalham, convidando os jogadores a interagir com esses
sistemas e elaborar juízos de valor. Além de suportar posições sociais e
culturais existentes, games podem também ser disruptivos e modificar
posições, gerando mudanças sociais de longa duração.

Bogost (2007) utiliza como referencial a retórica, desde a Grécia


Antiga, analisando sua função nos games. Ele define a retórica procedimental
como a arte da persuasão através de representações e interações baseadas
em regras, em vez de palavras faladas e escritas, imagens fixas ou em
movimento. Para o autor, os videogames teriam poderes retóricos e
persuasivos únicos, distintos de outros softwares.

A procedimentalidade refere-se a uma maneira de criar, explicar


e compreender processos que definem como as coisas funcionam – os
métodos, técnicas e lógica que guiam a operação de sistemas, sejam eles
mecânicos (como motores) ou organizacionais (como escolas). Já a retórica
refere-se à expressão efetiva e persuasiva. A retórica procedimental,
combinando os dois conceitos, seria a prática de utilizar processos
persuasivamente. Mais especificamente, a prática de persuadir através de
processos em geral, e processos computacionais em particular.

Além da retórica verbal, que abrange os campos da fala e da escrita,


Bogost explora o emergente campo de estudos da retórica visual, que
envolve a análise de como fotos, desenhos, gráficos, tabelas e imagens em
movimento são utilizados para influenciar as atitudes, as opiniões e os

86
desejos das pessoas. A retórica visual costuma ser estudada de diversas
maneiras: do ponto de vista social, da criação de comunidades de prática
ao redor de novas mídias; da interatividade no sentido de comunicação
mediada por computadores; ou ainda da maneira como computadores
modificam práticas sociais (cartas, por exemplo, viraram e-mails).

A retórica digital, por sua vez, abordaria o papel da procedimentalidade,


a propriedade de representação específica dos computadores. Enquanto
a retórica verbal é a prática de utilizar a oratória persuasivamente, e a
retórica visual é a prática de utilizar imagens persuasivamente, a retórica
procedimental seria a prática de utilizar processos persuasivamente. Games
persuasivos seriam, por consequência, aqueles que constroem argumentos
sobre como os sistemas funcionam no mundo real, levando o jogador a
modificar sua opinião fora do jogo.

Bogost está interessado na retórica procedimental como uma prática


crítica, não como reprodução de práticas estabelecidas:

[...] jogadores de videogames desenvolvem uma


alfabetização procedimental pela interação com
modelos abstratos de processos específicos, reais
ou imaginários, apresentados nos games que eles
jogam. Os videogames ensinam perspectivas
tendenciosas sobre como as coisas funcionam. E
a maneira como eles ensinam essas perspectivas é
através da retórica procedimental, que os jogadores
‘leem’ pelo envolvimento direto e crítico. (BOGOST,
2007, p. 260).

[...] os videogames para treinamento tornam-


se educacionais quando deixam de reforçar um
processo como um conjunto de regras arbitrárias
a serviço da organização, e começam a apresentar
uma retórica procedimental do modelo de negócios
no qual o empregado foi solicitado a trabalhar.

87
Quando o empregado tem uma perspectiva desse
modelo de negócio, pode interrogá-lo como um
sistema de valor, em vez de uma condição arbitrária
de emprego. (BOGOST, 2007, p. 282).

Bogost, portanto, propõe o uso dos videogames em nome de uma


educação revolucionária, algo que talvez tenhamos dificuldade em enxergar,
guiados que somos pela visão dos jogos comerciais triviais e violentos,
submetidos ao regime cultural dominante. Propõe, assim, que elementos
pedagógicos sejam inseridos em games de uma maneira específica, distinta
da maneira como são sugeridos pelo design instrucional clássico.

Um exemplo interessante do uso de ‘elementos de simulação’


como recursos persuasivos é a recriação da prisão de Guantánamo no
Second Life por Nonny de la Peña, aluna de mestrado da USC (University
of Southern California). Assim que você aceita o desafio, seu avatar se torna
um prisioneiro, começa a ser espancado e é jogado em um helicóptero com
o rosto vendado. Na prisão, você pede a assistência de um advogado – mas
logo descobre que não tem esse direito. Aliás, rapidamente aprende que
não tem direito a nada. Ou seja, a simulação é utilizada para sensibilizar
politicamente o usuário, de uma maneira provavelmente mais poderosa
do que um texto seria capaz. Seria esse o futuro do discurso político?
(SANCTON, 2008).

Outro exemplo é o Virtual Worlds Story Project (<http://www.tvwsp.


com/>), desenvolvido por Marty Snowpaw e Jenaia Morane, que oferece
viagens interativas, imersivas e educacionais no Second Life. Vivendo
histórias como a de Uncle D, um personagem que morreu de AIDs, o
usuário acaba criando sua própria narrativa e ao mesmo tempo sendo
influenciado por ela. Apropriando-se dos objetos e interagindo com os

88
ambientes projetados pelos designers, o usuário assume o papel de autor de
uma história que, magicamente, exercerá poder persuasivo sobre si próprio.

Outro exemplo interessante é o Virtual Hallucinations, projeto


desenvolvido no Second Life pela Universidade da California em Davis,
em que seu avatar entra em um ambiente e passa a se sentir como um
esquizofrênico: tem visões, ouve vozes e assim por diante. Neste caso, trata-
se da simulação de uma experiência puramente interna, que torna possível
visualizar alucinações.

Em todos esses casos, independente de sua classificação como games,


mundos virtuais ou simulações, elementos pedagógicos são combinados
criativamente com “elementos de simulação” e de games. Essas experiências
têm o objetivo de alterar a perspectiva do usuário sobre determinados
temas, atuando diretamente no nível emocional e produzindo novas
atitudes. Pode-se, assim, dizer que elas são utilizadas para persuadir,
educando eticamente.

Design instrucional e design de games

O excesso de sobriedade dos modelos tradicionais de design


instrucional não combina com as características das novas gerações para
as quais eles, supostamente, deveriam estar facilitando a aprendizagem.
Um comentário feito por um game designer, em um debate conduzido por
Marc Prensky durante uma edição da Game Developers Conference, reforça
essa ideia: “Assim que você acrescenta um designer instrucional em uma
equipe [de game design], a primeira coisa que ele faz é arrancar a diversão”
(PRENSKY, 2006, p. 83).

Como já procuramos mostrar em diversos momentos, esses modelos


de design instrucional precisam ser superados porque são inadequados para

89
redesenhar a educação na cultura midiática. Akilli (2007), por exemplo,
defende que esses modelos surgiram antes dos games e das ferramentas de
simulação, e, portanto, não precisam simplesmente ser atualizados, mas
totalmente refeitos. Emendas ou remendas não resolvem o problema.

Para Prensky (2007), o ISD - Instructional System Design, base para


as várias versões de design instrucional, não é criativo; ao contrário, está
cheio de ‘estes são os objetivos de aprendizagem’, ‘neste módulo você vai
aprender a…’ etc., ou seja, recheado somente de elementos pedagógicos de
que fala Aldrich. Isso pode ser lógico para o designer instrucional, mas essa
racionalidade não garante o aprendizado do aluno, principalmente quando
o estilo da nova geração é menos lógico que o das anteriores. Faltam ao ISD
tanto elementos de games quanto de simulação.

Para Gordon e Zemke (2000), o ISD é lento, sem graça e orientado


a processos, mais do que a pessoas ou a aprendizado. Encoraja uma
preocupação cega com os meios em detrimento dos fins, e sua ambição por
um programa perfeito de instrução pode levar à perda de foco no problema
real e no resultado. É um sistema de administração de projeto ultracuidadoso
e burocrático, excessivamente preocupado em obedecer às regras e que
precisa ser superado. O processo tende a criar programas enfadonhos
e cookie-cutter (sem originalidade, uma referência à uniformidade que
resulta da utilização de ferramentas para cortar massas de biscoito em um
formato específico).

Esse excesso de rigidez bloqueia a criatividade. Koster (2004), por


exemplo, sugere um importante insight para designers de games: quanto
mais formalmente construído um game, mais limitado ele será – e, por
consequência, mais enfadonho e incapaz de prender a atenção do jogador.
Podemos estar criando aprendizes incapazes quando lhes oferecemos
instrução mastigada, num esforço para atingir resultados homogêneos. Se

90
há uma frase que não descreve o estilo-ISD de programas de treinamento,
é ‘flexível e fácil de modificar’, ao contrário dos exemplos de games,
simulações e mundos virtuais que exploramos neste capítulo. Falta ao ISD
conceber o aluno como autor de seu caminho, projetar mods na instrução,
elaborar ambientes de aprendizagem que possam ser modificados durante
o processo de aprendizagem, e assim por diante.

Zemke e Allsion (2002), continuando as críticas, afirmam que o ISD


pode fazer sentido no papel, mas na prática é um processo pesado e lento
que pode levar à ‘paralisia da análise’. Em vez de uma abordagem flexível
para suportar resultados de aprendizagem desejados, o ISD sistemático
tornou-se simplesmente um checklist para administração de projetos,
restrito a elementos pedagógicos.

Para outros críticos, o ISD é uma abordagem rígida e ultrapassada


que não contempla as novas teorias de ensino e aprendizagem, nem os
novos desenvolvimentos tecnológicos, nem as características da cultura
midiática. A abordagem de design linear não está centrada no aprendiz,
fazendo sentido para os burocratas preparam os cursos, não para os alunos.

CONCLUSÃO

Como alternativa ao design instrucional clássico, temos disponíveis


hoje ferramentas como mundos virtuais, games e simulações que permitem
exercitar uma educação criativa e inovadora, mais em sintonia com a
cultura midiática. Procuramos neste capítulo indicar algumas delas, além
de fundamentar teoricamente o seu uso. Essas ferramentas são o habitat
dos nossos novos alunos, permitindo assim que possamos travar com eles
uma comunicação mais adequada, além de exercitar uma interação que, nas

91
ferramentas tradicionais de ensino, inclusive nos LMSs ou AVAs, não temos
mais conseguido estimular.

Entretanto, como sabemos, a questão não se resume apenas a


novas ferramentas, mas principalmente ao uso pedagógico que fazemos
delas. Utilizar games, mundos virtuais ou simulações em educação é uma
tendência que parece inevitável, mas tão ou mais importante seria injetar
nessas ferramentas uma combinação adequada de elementos de games,
simulação e pedagogia.

Tanto para o domínio técnico dessas ferramentas quanto para o


uso adequado desses elementos, é imprescindível desenvolver programas
de formação continuada para que os professores sejam capazes de integrá-
los ao processo de ensino e aprendizagem. Programas que não se resumam
a simples treinamentos, mas que envolvam experimentação e pesquisa, e
tenham continuidade. Treinamento é uma palavra que nos remete a linhas
de montagem e a um modelo industrial de educação, com o qual o design
instrucional clássico está identificado. Da mesma maneira que observamos
a necessidade de utilizar games, simulações e mundos virtuais na educação
de nossos novos alunos, envolvidos pela cultura midiática, observamos a
necessidade de inserir elementos de games, simulações e mundos virtuais
nos programas de formação profissional para professores.

De qualquer maneira, além dos modelos e das ferramentas


utilizadas, é necessário garantir tempo e oferecer suporte para os educadores
aprenderem. Caso contrário, programas de formação continuada para a
utilização de games, mundos virtuais e simulações em educação não terão
sucesso.

92
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95
Processo Educativo e
Inclusão Sócio-digital na
EJA: uma proposição
Adriana dos Santos Marmori Lima
(UNEB)

Introdução

Durante séculos a humanidade tem delegado à escola a


responsabilidade de ensinar. Desde os códigos escritos da língua, números
e regras matemáticas, biografias de pessoas ilustres perpassando pelos
estudos sobre os fenômenos da natureza e sobre as próprias relações do
homem com a técnica, ou as técnicas.

Atualmente, é comum ouvir de alguns pais de estudantes “a escola


não é mais como antigamente”, ou comentários aflitos de professores:
“não sei mais o que fazer com meus alunos, pois não querem nada”. Esse
descontentamento nos mostra que a mudança da sociedade é visível e ao
não se ter clareza para onde iremos o melhor mesmo tem sido recorrer
ao saudosismo do passado como na fala dos pais ou depositar as nossas
angústias nos estudantes como na fala dos professores.

Mas, e os estudantes, o que pensam e dizem? Estes, mesmo que


não expressem oralmente a ação do “querer nada”, não aprenderem ou não

97
corresponderem às expectativas da escola e da família, vêm demonstrando
claramente suas críticas à educação atual.

A tríade escola-vida-conhecimento, em plena era contemporânea,


continua caminhando em sentidos opostos: “a vida na escola e a escola da
vida” (CECCON et al., 1982, p. 2). No primeiro mundo, as informações ou
blocos de conhecimentos são interiorizados por meio da leitura ou ensino
pelo professor para serem devolvidos através das provas de conhecimentos ao
final de semestres ou unidades letivas. No segundo mundo, o conhecimento
é aprendido na convivência com/no meio, através da própria utilização das
diversas linguagens (verbais, não verbais, sinestésica...) que possibilitam a
realização de diferentes leituras e que servem aparentemente apenas para as
relações diárias com outras pessoas e objetos.

Corroborando essa discussão Alves (1991), reitera que a escola toma


como base as respostas prontas, construídas em um tempo e espaço que não
mais se encaixa neste momento, ao invés de possibilitar aos estudantes de
hoje viverem e pensarem dentro da escola sobre um currículo vivo que não
ignora as regras, os códigos, mas percebe-os como parte integrante de um
contexto cultural maior.

Nesse caso, educar o homem é diferente de dar doses de


conhecimentos conforme a idade e a série e ir aumentando as doses com o
sonho de prepará-lo para o vestibular, para ingresso na universidade, mas é
possibilitar a construção de um saber cultural, coletivo e socializável.

Os meios tecnológicos de comunicação influenciam estudantes


a partir de um apelo multissensorial que os atraem e os levam a “querer
tudo”, enquanto a escola continua insistindo que os mesmos estudantes
“não querem nada”. Se, são sujeitos ávidos por conhecerem o mundo, por
que mais precisamente as instituições de ensino não aproveitam o desejo
de conhecer, mesmo que seja apenas uma alucinação temporal e desafia-

98
os constantemente a pensarem, construírem perguntas que os levem as
respostas?

É nesse movimento continuo de busca, imersos no mundo


contemporâneo que não nos cabe insistir em educar o homem fazendo-o
“decorar” letras, sílabas, palavras, fragmentos de livros para aprender a
ler. Pois na “sociedade informática” (SCHAFF, 2007, p. 16), textos lineares
inflexíveis para leitura apenas sequenciais estão com os dias contados.

O momento exige: primeiro, nos percebermos diante de redes de


informações que ultrapassam sobremaneira os muros da escola; segundo,
que os “hipertextos” com sua capilaridade plástica de manuseio e de viagem
a outros e outros textos no mundo virtual, nos possibilitam enxergar a
dinamicidade das coisas, a percebermos uma infinidade de autores, visões
e posições sobre uma pluralidade de temas e de contextos. E, portanto
descobrirmos que é hora de fazer leituras dinâmicas e críticas da realidade.

A grande rede de informações não se esgota no computador


conectado à internet, está presente em todos os lugares, em casas, ruas, na
escola, em outros estados e países. Disponível via rádio, TV, jornais, livros,
celulares e internet. Enfim, um mundo composto por leitores ou produtores
de hipertextos. Leitores pela capacidade de interpretarem as realidades e
produtores por serem responsáveis por transformar essa realidade em
novos textos e contextos.

É possível inverter o curso da história da educação brasileira e, ao


invés de andar seguindo os passos deixados na areia, nos manuais dos
alfabetizadores, nos ditados de palavras, nas cópias, na decoreba de regras,
das leituras em coro, difundir o saber cultural e construir novos saberes
considerando o desejo de conhecer dos estudantes?

99
Construir saberes fomentados pelos meios tecnológicos de
comunicação e informação, coerentes com o processo de desterritorialização,
transformando esses “saberes” em currículo vivo, nos remete a outra
questão: não estaríamos preparando melhor os homens e mulheres para
viverem nessa e para essa sociedade?

O que vem a ser mais importante numa sociedade capitalista cheia


de desigualdades sociais: os acúmulos de conteúdos desconectados da
vida ou a capacidade de pensar criticamente sobre esses conteúdos e de
reconstruí-los coletivamente?

O cidadão que é preparado para pensar reconhece o momento de


acumular conhecimentos para fazer um vestibular e concorrer igualmente a
uma vaga na universidade ou em concursos. Um dos objetivos precípuos da
escola, não deveria ser o de apenas formar cidadãos vazios, que acumulam
informações como robôs, pois homens são dotados de pensamento. Desse
modo, Lévy (1995, p. 130) afirma: “[...] nossa memória não parece em
nada com um equipamento de armazenamento e recuperação fiel das
informações”. Daí a importância do aprender a pensar e não a acumular
dados desconexos da realidade.

O uso dos instrumentos tecnológicos de comunicação e informação,


principalmente do computador, por ser considerado atualmente um dos
equipamentos mais eficientes que marcou a história da civilização, também
pode marcar consideravelmente a discussão sobre as políticas públicas de
inclusão a partir do contexto educacional.

Repensando a EJA no Contexto Socio-digital

Nessa perspectiva das mídias na educação, ao processo de Educação


de Jovens e Adultos, não basta apenas garantir a execução de políticas
públicas que forneçam aulas de “ler e escrever” os códigos escritos. É
preciso rever a formulação de tais políticas para que os Jovens e Adultos,
já excluídos socialmente do processo educativo por idade e condição
financeira, não sejam excluídos também da nova ‘condição humana’1, de
apreender e de ter acesso a todas as produções de saberes e a todas as formas
de comunicação do/no mundo.

A construção do alfabeto, a descoberta da escrita, e a criação


da imprensa trouxeram mudanças significativas de paradigmas sobre a
aprendizagem humana e sobre os processos de alfabetização nos contextos
educativos, modificando sobremaneira as relações entre as pessoas.
Portanto, as novas formas de comunicação, com o advento das tecnologias
também transformam as formas de ensinar e aprender.

Mesmo após significativas contribuições de Piaget advindos dos


estudos sobre a gênese do conhecimento humano; de Emilia Ferreiro,
com seus estudos linguísticos e de Vygotsky (1984), em seu livro
intitulado A Formação Social da Mente no qual descreve os processos de
aprendizagem por instrumentos de mediação, muitos alfabetizadores ainda
não conseguiram perceber que a aprendizagem é autoconstruída pelos
aprendizes nas suas interações e no curso das suas necessidades de serem
entendidos e de entenderem o mundo.

Diante de uma diversidade textual contemporânea, presente nos


programas de TV, jornais, revistas, outdoors, filmes, receituários e músicas,
enfim, da mídia, os sujeitos são capazes de construir suas hipóteses sobre a
escrita, de realizar suas leituras e, motivados, de aprofundar o pensamento,
constituindo-se leitores e escritores, capazes de utilizar a base alfabética e
todos os demais códigos que produzem sentido.

1 Schaff (2007, p. 18) no livro A Sociedade Informática esclarece que diante das velozes
e profundas mudanças de ordem econômica, social, cultural e política, o indivíduo vê
transfigurar-se a sua  “condição” como “homo autocreator”.

101
Dessa forma, os Programas voltados para Alfabetização de Jovens
e Adultos, poderão dispor de outras formas de intervenção que desafiem
as elaborações mentais dos sujeitos e os façam avançar no processo de
construção da lecto-escrita. Para tanto vale lançar mão dos diversos
ambientes de aprendizagem, da pluralidade textual e dos equipamentos
disponíveis como o computador, para que estes aprendizes ao mesmo
tempo em que se constituem cidadãos incluídos no mundo letrado, sejam
também incluídos no mundo digital.

A hipertextualidade oferecida pelas mídias é infinita e não só pode


substituir as cartilhas e os métodos tradicionais utilizados para alfabetizar
como poderá oportunizar aos usuários a fazerem relações durante o
processo de aprendizagem até então não realizadas como, por exemplo,
perceber a escrita enquanto forma de comunicação, para além do simples
registro dos livros a fim de ser absorvida e tomada como verdade absoluta;
perceber a leitura como uma elaboração humana, alterável, móvel visto
que nenhuma ideia é totalmente definitiva assim como a evolução natural
do homem e do mundo e ainda o mais importante, perceber-se capaz e
autônomo para pensar e criar.

Nesse universo de criação, de liberdade de expressão, de


interatividade com os diferentes textos, a cibercultura2 conforme afirma
Silva (2003, p. 53) “[...] põe em questão o esquema clássico da informação”,
uma vez que tanto o emissor quanto o receptor manipulam nesse novo
espaço os sentidos e conteúdos da mensagem, é preciso uma reorganização
das relações nessa grande rede.

Ainda sobre hipertextualidade, Castells (2004, p. 174) defende a


ideia de uma convergência entre internet e multimídia por considerar as

2 Cibercultura é a atualidade sociotécnica informacional e comunicacional definida pela


codificação digital (bits), isto é, pela digitalização, que garante o caráter plástico, hipertextual,
interativo e tratável em tempo real da mensagem (SILVA, 2003, p. 53).

102
transformações da Internet que se converteu em “[...] uma ferramenta
organizativa da empresa e um meio de comunicação [...], constituindo-se,
além disso, numa alavanca de transformação social”. Pensamento que se
complementa com a afirmação de Pretto e Silveira (2008, p. 36) sobre a
internet ao ressaltar que “[...] essa possibilidade fantástica ocorre devido à
inexistência de um órgão central que decida o que pode e o que não pode
ser criado”.

Ramal (2003, p. 251) diz que, aplicada ao contexto escolar, a


hipertextualidade funciona como “[...] ambiente de construção de
novas identidades docentes”, e que a “[...] materialidade digital gera uma
velocidade nunca imaginada na produção e na circulação de informações,
materialidade essa construída para a interatividade”.

Sendo, pois, a internet uma “alavanca de transformação social”


encontra eco na educação, mais precisamente na escola, onde seus atores,
professores e estudantes, diante das mudanças advindas dos usos das TICs,
buscam uma posição e outras posturas, onde relações diferenciadas poderão
ser assumidas, conforme afirma Silva (2003, p. 56):

O professor para além do apresentador de


conhecimentos pode tornar-se o provocador do
conhecimento [...] formulador de problemas,
proponente de situações, arquiteto de percursos,
mobilizador de inteligências múltiplas e coletivas
na construção de conhecimentos. O aprendiz
experimenta a criação do conhecimento quando
participa interferindo, agregando e modificando.
[...] deixa o lugar de recepção passiva de onde ouve
e olha, copia e presta contas para se envolver com
a proposição do professor e/ou de outro aprendiz.

103
Uma educação pautada na liberdade para construir conhecimentos,
na autonomia dos sujeitos, na utilização das múltiplas possibilidades de
atuação para solucionar problemas, na interatividade, pode ser um dos
caminhos para a garantia da inclusão sociodigital dos indivíduos no mundo.

A educação que inclui sociodigitalmente requer uma mudança


de paradigma, uma organização que garanta de fato a operacionalização
dessas ideias. Nesse sentido, Silva (2003, p. 56) ao aprofundar o conceito de
interatividade, propõe que um curso, para ser de fato interativo, deve buscar
a garantia de três aspectos essenciais: “[...] a participação colaborativa, a
bidirecionalidade e dialógica e, conexões em teias abertas”.

Pensando esse formato para o curso de formação de alfabetizadores,


os três aspectos poderiam ser tomados como base para o planejamento
do curso, para sua execução e avaliação, transformados em princípios,
teríamos as seguintes orientações.

Primeira, quanto à participação colaborativa: “[...] participar não é


apenas responder sim ou não, prestar contas ou escolher uma opção dada,
mas significa intervenção na mensagem como co-criação da emissão e
da recepção” (SILVA, 2003, p. 56.). Os alfabetizadores como co-criadores
poderiam intervir na definição dos conteúdos do curso, apontando suas
dificuldades pedagógicas para alfabetizar, seus conceitos de alfabetização,
relatando suas formas de ensinar.

Segunda orientação, ou seja, quanto à bidirecionalidade dialógica:


“[...] a comunicação é produção conjunta da emissão e da recepção, os dois
pólos codificam e decodificam” (SILVA, 2003, p. 56). De forma articulada,
os coordenadores, professores formadores, professores alfabetizadores e
alfabetizandos, numa comunicação multidirecional realizariam as trocas
de saberes em rede, a fim de fortalecer suas ações no desenvolvimento dos

104
seus papéis, na perspectiva de que suas funções possam convergir para um
objetivo a inclusão social dos sujeitos através do processo de letramento.

A terceira orientação ou princípio poderia ser assim enunciado:


“[...] a comunicação supõe múltiplas redes articulatórias de conexões e
liberdades de trocas, associações e significações” (SILVA, 2003, p. 56). A
Alfabetização de Jovens e Adultos neste sentido, deve ser compreendida
como um processo de letramento, onde, os mais importantes nesse contexto
não são: o método, o conteúdo ou o material a ser utilizado para alfabetizar,
mas sim, a conquista da autonomia do cidadão que empoderado, percebe-
se capaz de construir saberes e de utilizar esses saberes na sua vida cotidiana
e na busca da transformação sua realidade.

Portanto, um curso de formação de alfabetizadores, pautado nos


princípios acima descritos vem reiterar que a educação se dá em todos os
lugares e, sob a influência das mais variadas tecnologias de informação
e comunicação sejam elas: sociais, culturais e digitais, na qual a leitura é
compreendida como ato individual e coletivo de interpretação e a escrita
como forma de expressão livre do pensamento para ser socializada
ou simplesmente guardada. Nesse contexto, o papel do alfabetizador
alterna-se, hora como desafiador e mediador, hora como observador das
construções dos alfabetizandos, mas, sempre como leitor e escritor que tem
o compromisso de incluí-los sociodigitalmente no mundo contemporâneo.

A sociedade atual está marcada por um processo civilizatório de


mudanças e, como escreve Freire (1996, p. 99):

Nem somos, mulheres e homens, seres simplesmen-


te determinados nem tampouco livres de condicio-
namentos genéticos, culturais, sociais, históricos,
de classe, de gênero, que nos marcam e a que nos
achamos referidos.

105
Para compreender melhor como alfabetizadores e alfabetizandos
percebem-se os principais atores do processo formativo em EJA, e enquanto
membros efetivos de uma sociedade desigual e excludente, é que trilhamos
metodologicamente um estudo de caso, para verificarmos no interior de
uma política pública de alfabetização de Jovens e Adultos na Bahia, como se
efetiva tal política e quais as relações desta com as TICs e a inclusão digital.

Percorrendo a Trilha Metodológica da Pesquisa

A origem da pesquisa deu-se a partir da análise crítica do Programa


TOPA — Todos pela Alfabetização — quanto às questões relacionadas às
estratégias ou ações implementadas; às políticas de formação do professor
alfabetizador e a própria gestão do Programa no âmbito da Universidade do
Estado da Bahia (UNEB).

Essa investigação teve como principal objetivo identificar


possibilidades e limites do Programa Topa enquanto política pública do
Estado da Bahia, verificando como acontece a formação de professores
alfabetizadores e de que forma estes têm conduzido o processo educativo
dos sujeitos jovens e adultos no contexto das tecnologias de informação e
comunicação.

Buscou-se como opção metodológica a abordagem qualitativa na


perspectiva de compreender as possibilidades de articulação entre os atos
de ler e escrever e a inclusão sociodigital dos alfabetizandos. Tal abordagem
não tem a pretensão de alcançar a verdade, apenas tenta compreender
a lógica que permeia, na realidade, as práticas desses alfabetizadores
(MINAYO, 2004).

A análise qualitativa ancorou-se na escolha do universo amostral


com critérios distintos da metodologia quantitativa (representatividade

106
estatística). Por esse motivo, procurou-se privilegiar a escolha de sujeitos que
pudessem elucidar a problemática levantada, ajudando-a a compreender
melhor o objeto em estudo.

Os sujeitos desta investigação, foram escolhidos pela facilidade


de acesso aos alfabetizadores, pela necessidade de verificar através da
opinião dos mesmos qual a efetiva contribuição do programa TOPA em
sua formação docente e, principalmente porque boa parte do processo
de alfabetização e inclusão dos alfabetizandos traduz-se pelo trabalho
pedagógico desenvolvido.

Os sujeitos da pesquisa foram os 116 alfabetizadores de 20 turmas


do Programa Topa, entrevistados através do preenchimento de questionário
contendo questões objetivas e subjetivas, ou seja, abertas e fechadas aplicadas
nos municípios de: Capim Grosso, Contendas do Sincorá, Juazeiro, Santo
Sé, Rio Real,Valença,Juazeiro, Casanova, Santa Maria da Vitória, Sta Rita de
Cássia, Barreiras, Riachão das Neves, São Desidério, Brejolândia, Cotegipe,
Baianópolis e Formosa do Rio Preto.

Tratamento e Análise dos Dados

Para responder as indagações sobre os limites e as possibilidades


do Programa TOPA, sobre quem são os alfabetizadores do programa
e como estes compreendem sua relevância para a inclusão sociodigital
dos alfabetizandos, e sobre quais as estratégias ou ações que estão sendo
implementadas para melhorá-lo, foi aplicado um questionário com questões
fechadas organizadas em dois grandes blocos: um para traçar o perfil dos
alfabetizadores e outro para coletar as opiniões dos mesmos acerca do
Programa TOPA.

107
No grupo 01, foram organizadas questões para caracterizar o perfil
dos sujeitos a saber: idade, sexo, nível de escolaridade, tempo de experiência
na alfabetização e na docência, os cursos que participou e os equipamentos
de tecnologias de comunicaçao que utilizam diariamente.

No grupo 02, foram organizadas questões referentes à opinião dos


entrevistados acerca do Programa TOPA. Essas questões foram reagrupadas
em cinco subgrupos:

• Subgrupo 1 - As perguntas3 foram elaboradas para verificar


como os sujeitos percebem o programa no que tange à formação
de alfabetizadores para inclusão sociodigital dos alfabetizadores;

• Subgrupo 2 - As perguntas induzem à verificação do papel da


Universidade na formação docente, na articulação institucional
e na interação com a comunidade externa;

• Subgrupo 3 - As perguntas foram pensadas para esclarecimentos


acerca do processo de formação de professores quanto aos
conteúdos trabalhados no curso para a inserção do método
Paulo Freire, contemplando a articulação entre teoria e prática,
metodologia dinâmica e criativa do trabalho do alfabetizador,
objetivo esse relacionado com a leitura e escrita;

• Subgrupo 4 - As questões desse subgrupo referem-se à visão


sistêmica do programa no que concerne à sua gestão e avaliação;

• Subgrupo 5 - uma questão apenas foi inserida para repensar o


lugar das tecnologias de comunicação e informação na formação

3 As perguntas relacionadas com o Subgrupo 1 são as de nos 01, 02, 04, 05, 11, 12 e 13; as
relacionadas com o Subgrupo 02 são as de nos 03, 06, 07 e 10. As referentes aos Subgrupos 03
e 04 são, respectivamente, 08, 09, 15, 17 e 18 e 14 e 16. O Subgrupo 05 ficou com a questão
08.

108
do alfabetizador enquanto docente que pode contribuir também
para a inclusão sociocultural e digital dos sujeitos.

Vale destacar que os instrumentos foram aplicados com o auxílio


dos professores formadores do programa que ministraram o curso de 60
horas presenciais, para os docentes alfabetizadores.

A escolha pela aplicação de questionário4 enquanto instrumento


de coleta de dados deu-se pela necessidade de organização de questões
objetivas que pudessem traduzir a realidade do TOPA e obter respostas que
pudessem melhor expressar o perfil dos pesquisados e as opiniões acerca do
referido programa.

Para tabulação dos dados dos grupos 1 e 2, foi utilizado o Sistema


SPSS , um software estatístico com interface de fácil manuseio, muito
utilizado atualmente para organização de dados de pesquisa em ciências
humanas por oferecer a possibilidade de gerenciamento, cruzamento
e avaliação dos dados, otimizando a visualização geral e detalhada das
respostas.

Posteriormente, foram utilizados os relatórios de atividades,


documentos do arquivo do Núcleo de Educação de Jovens e Adultos, como
instrumentos para análise com o objetivo de contextualizar a fala dos
sujeitos: docentes coordenadores de núcleos/formadores e alfabetizadores.

O material coletado foi organizado em dois grupos: o primeiro


com as falas dos professores formadores sobre suas trajetórias de vida
e profissional na área de EJA e alfabetização, avaliação do curso de
formação de alfabetizadores, avaliação do programa TOPA e o segundo
4 O referido questionário utilizou a escala Likert de 1 a 7, num continum de respostas
variáveis de ‘discordo totalmente’ iniciando do numero 1 com intervalo de 2 a 6, a ‘concordo
totalmente’ finalizando com o numero 7.

109
grupo, voltado para as falas dos professores alfabetizadores, sobre as
dificuldades encontradas para alfabetizar, avaliação do curso de formação
de alfabetizadores e avaliação do programa TOPA.

A contextualização da fala dos sujeitos tanto nos questionários do


grupo II que trata das opiniões dos mesmos sobre o Programa TOPA, como
nos relatórios acima mencionados, implicou na necessidade de se utilizar a
análise de conteúdo de Bardin (2009, p.11), tendo em vista que essa técnica
representa um esforço de interpretação que:

Oscila entre o rigor da objetividade e a fecundidade


da subjetividade. Absolve e cauciona o investigador
por esta atração pelo escondido, o latente, o não
aparente, o potencial do inédito (do não – dito)
retido por qualquer mensagem.

A leitura dessa técnica não se restringe apenas à uma leitura “ao pé


da letra” mas, levar em consideração as mensagens de forma mais ampla: o
emissor, seu conteúdo e os efeitos/sentidos da mensagem.

Foram definidas três etapas fundamentais: 1. Análise prévia do


material (pré-análise com base nos questionários aplicados e nos relatos dos
professores formadores (PF) e professores alfabetizadores (PA); 2. Análise
do material realizando uma exploração flutuante sobre os depoimentos e
3. inferências para interpretação das falas a partir das categorias de análise.
Nesse sentido, no grupo II definiram-se as seguintes categorias :1. formação
de alfabetizadores; 2. articulação universidade X comunidade 3. gestão e
avaliação do programa; 4. Alfabetização e letramento e 5 inclusão sócio-
digital/contribuições das TIC.

110
Resultados

O caminho trilhado para chegar aos resultados do estudo sobre o


Programa TOPA/UNEB e a formação de professores alfabetizadores quanto
às possibilidades de inserção das TIC na alfabetização de jovens e adultos
na Bahia, representou um caminho ao mesmo tempo prazeroso e árduo,
desafiador e instigante, comprometido e técnico.

O prazer foi encontrado no resgate histórico da vida profissional de


professores alfabetizadores e formadores, em sua maioria mulheres que,
com garra e coragem, educam outros homens e mulheres na certeza de que
através da educação se constrói um mundo melhor.

Essa imersão nas falas dos sujeitos levou-me a concluir que nossas
vidas são entrelaçadas por saberes do cotidiano agregados aos saberes
das ciências e aos saberes tecnológicos, que imprimem nossas marcas em
tudo que pensamos ou produzimos. Aos poucos, vamos tecendo redes de
relacionamentos e de conhecimentos e, nesse emaranhado, nos constituímos
como sujeitos históricos, políticos, comunicativos e, portanto críticos –
reflexivos e capazes de ensinar e aprender. A pesquisa constituiu-se em
um trabalho árduo, no debruçar-me sobre os livros, no resgatar saberes
dos inúmeros teóricos há tempos já lidos e nos atuais, para ressignificar
conceitos e teorizar práticas. Nesse garimpo, o olhar construído sobre
políticas públicas, formação de professores, alfabetização e letramento e
também sobre as TICs como instrumentos para a inclusão sociodigital dos
sujeitos, foi alterado significativamente.

Ressalto que é preciso compreender as políticas públicas como


decisões que não resultam apenas da vontade ou das demandas sociais do
povo, mas, que tais políticas dependem das relações de poder estabelecidas
pela economia, por grupos políticos ou por classes sociais, e, ainda,

111
que estas encontrarem-se fortemente ancoradas no contexto histórico,
conforme defende Boneti (2006). Para efetivamente intervir nas políticas
públicas, os principais sujeitos poderiam participar efetivamente se fossem
considerados “protagônicos”, conforme a abordagem de Brandão (2008).
E se tal protagonismo fosse sustentado por uma participação dos sujeitos
como co-criadores conforme afirma Silva (2003).

Nessa lógica, pesquisar o Programa TOPA foi desafiador, uma vez


que ao adentrar os meandros das políticas públicas desenvolvidas pela
SEC-BA em parceria com as Universidades públicas, tive que manter uma
postura impessoal de pesquisadora, para realizar um olhar como membro
externo do objeto pesquisado, devido a minha condição de Pró-Reitora de
Extensão que, cotidianamente, encontra-se às voltas com os documentos,
relatórios e negociações junto à SEC para implementação do Programa. Daí
a responsabilidade de encontrar subsídios nos documentos oficiais e nos
registros das falas dos sujeitos para ter o respaldo necessário no percurso
metodológico.

O Programa se caracteriza pela busca do “desenvolvimento da


leitura e escrita daqueles que estiveram excluídos do mundo letrado” com
o objetivo de “diminuir os índices quantitativos de analfabetismo e de
despertar a necessidade de escolarização dos sujeitos” (BAHIA, 2007, p. 2).
Com tal objetivo amplo e complexo, foi instigante poder situar o Programa
TOPA no contexto histórico em que foi elaborado, implementado e,
principalmente, verificar quais as forças sociais e políticas que o conduzem.

Dessa forma, inicialmente pautando-me nas técnicas de pesquisa


quantitativa, busquei a utilização dos instrumentos de coleta de informações
como aplicação de questionários. Em seguida busquei aprimorar o
aprofundamento da questão através da pesquisa qualitativa realizando um
estudo de caso a partir da utilização dos relatos dos sujeitos da pesquisa

112
(professores alfabetizadores e professores formadores) e análise dos
documentos disponibilizados pelo Núcleo de Educação de Jovens e Adultos
– NEJA da Pró-Reitoria de Extensão - PROEX da Universidade do Estado
da Bahia (UNEB, 2008); registros e documentos por meio dos quais pude
tecer algumas conclusões comprometidas com os resultados alcançados
quanto ao perfil dos alfabetizadores, à gestão do programa e ao processo de
formação dos professores alfabetizadores.

Quanto ao perfil dos alfabetizadores, entrevistados, na amostra de


116 docentes, observou-se que são em sua maioria mulheres, concluintes
do ensino médio (65%), com menos de três anos em classe, embora com
experiência em alfabetização (61,21%) e com pouca vivência em cursos de
formação na área das novas tecnologias (30,17%). Dados que nos leva a
afirmar que é necessário um maior investimento nesses profissionais para
que estes possam cumprir adequadamente com o seu papel de preparar
outros sujeitos para o mundo letrado.

Quanto à gestão do programa, podemos concluir que a forma de


organização encontrada pela UNEB para atender a demanda do Programa
TOPA em todo o Estado da Bahia pressupõe a definição de papéis e
a articulação entre os diversos atores (coordenadores, supervisores,
formadores, monitores), a fim de cumprir com os objetivos de formar
alfabetizadores, acompanhar e avaliar as ações do programa e que o sucesso
dessa gestão está intimamente vinculado ao engajamento das pessoas que
compõem a equipe e o desenvolvimento coerente de suas funções.

Quanto ao processo de formação de alfabetizadores, concluímos


diante do perfil dos sujeitos (professores alfabetizadores) que a carga horária
estabelecida pelo MEC por meio do Programa Brasil Alfabetizado com uma
carga horária de 60 horas para formação inicial e continuada, é insuficiente,
pois, o aprofundamento dos conteúdos propostos pelo Programa TOPA,

113
que toma como base os conceitos de Freire (1996), Ferreiro e Teberosky
(1985) e Soares (1998) de Alfabetização e Letramento, requerem uma
postura de estudo contínuo e uma imersão teórica profunda e detalhada
com vistas à construção de uma metodologia para alfabetizar mais próxima
das demandas educacionais do contexto em que os alfabetizandos estão
inseridos.

Mesmo diante dos relatos dos alfabetizadores a respeito das


deficiências de infraestrutura do Programa, como a falta de material
didático, de óculos para jovens e adultos, dentre outras demandas, há que
se considerar também as dificuldades de transpor para a prática diária dos
conhecimentos difundidos nos cursos de formação.

Os resultados apontaram, ainda, para uma inclusão sociodigital


dos alfabetizandos e para a necessidade de implementar ações que voltem-
se também para o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação
no contexto da alfabetização. Os alfabetizadores consideram importante
a evolução da sociedade contemporânea e a necessidade de incluir os
alfabetizandos também na era digital.

Acredito que é na crise paradigmática provocada pela produção


de novos instrumentos tecnológicos que se buscam caminhos para a
educação enquanto um processo eminentemente de comunicação. E que
tal comunicação deve respeitar a nova estrutura de rede onde os diversos
pontos de convergência são inicio e fim das trocas de saberes. Nesse
contexto da cibercultura, professores, estudantes, outros atores sociais, são
mediados pelas informações disponíveis e, ao tratá-las, transformam seus
saberes, transformam seus textos, transformam, enfim, o próprio mundo.

Face ao exposto, acredito na potencialidade do docente como sujeito


que articula o conhecimento da experiência e o conhecimento teórico e que
encoraja também os estudantes em seu processo educativo a articularem

114
seus conhecimentos de vida com os conhecimentos científicos produzidos
pela humanidade.

Defendo a ideia de que a inclusão sócio-digital dos cidadãos, aqui


entendida como a democratização do acesso dos homens e mulheres
aos bens materiais e imateriais produzidos ao longo da história da
sociedade, incluindo-se neste campo os bens das tecnologias digitais, não
necessariamente se dá pela implementação de políticas públicas elaboradas
em gabinetes ou por grupos isolados, mas sim pelo processo educativo
escolar e extramuros.

Para incluir sociodigitalmente os homens, a universidade e a escola


desempenham papéis fundamentais por representarem um dos lócus de
produção e socialização dos saberes e por disporem de espaço e tempo
organizados para tal inclusão, mas, principalmente, por estarem inseridos
nas discussões como propositoras e executoras dessa nova “política”.

A universidade, mais especificamente, possui, ainda, outra


responsabilidade, a de integrar as pesquisas realizadas ao ensino de
graduação e a extensão, tripé acadêmico que deve garantir a excelência
acadêmica e, consequentemente, dar retorno à sociedade quanto ao
atendimento de suas demandas.

Penso que os índices de analfabetismos na Bahia, retratados nessa


pesquisa, encontram no percurso da história da educação brasileira as
respostas para sua justificativa, embora seja necessário considerar que
as alternativas até então encontradas para minimizar esse quadro de
desigualdade e exclusão social não atendem a proporção esperada, ou
seja, a de um dia podermos conviver com uma sociedade eminentemente
letrada, na perspectiva do letramento defendida por Souza (2001), ou seja,
com pessoas que possam utilizar sua condição humana para interagir com
diferentes portadores e gêneros textuais em suas práticas sociais, enfim,

115
que possam, parafraseando Freire (1987), articular a leitura dos diferentes
mundos com a leitura e escrita das palavras.

E o diálogo continua, porque é necessário a realização de novas


pesquisas que apontem para aprimoramento do conceito de inclusão
sociodigital e para a verificação dos resultados do processo de alfabetização
na vida e no trabalho dos sujeitos jovens e adultos.

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Político Pedagógico. Salvador, 2007.

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informática. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1995.

116
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VYGOTSKY, Lev. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984.

117
Parte II

Formação Online
Formação Online de
Educadores: uma proposta
dialógica1
 

Lucila Pesce
(UNIFESP)
 
Introdução
 
Para pensarmos na formação online de educadores é necessário
pensarmos nos desenhos didáticos de cursos online. Em concordância com
Marco Silva (2008), sinalizamos que, grosso modo, os desenhos didáticos de
cursos online tendem a abarcar três dimensões: conteúdos de aprendizagem,
propostas de atividades e atuação nas interfaces. Este entendimento do
pesquisador invita-nos a considerar que pensar nos desenhos didáticos de
cursos online implica, necessariamente, pensar na relação dialética entre
três elementos: fundamentos, organização e docência.

Em relação aos fundamentos do desenho didático de cursos online, é


basilar que voltemos nosso olhar para as vertentes curriculares tradicionais
(TYLER, 1974) e críticas – estas últimas sob enfoque culturalista
(MOREIRA, 1999; SILVA, 2000) – reconhecendo-se as distintas vertentes
críticas, tais como a reprodutivista (ALTHUSSER, 1983; BOURDIEU;

1 O presente texto foi escrito para a mesa redonda “Docência online: pressupostos, interfaces
e mediações”, do II Simpósio Mídia-Educação (UNEB, 2009). Seu conteúdo pauta-se na
discussão de dois outros artigos publicados em Pesce (2008a,b).

121
PASSERON, 1975) e a neomarxista (APPLE, 2002; GIROUX, 1997). O
estudo das concepções curriculares adquire sentido, em relação ao nosso
objeto de investigação, na reflexão de como elas se materializam nos
desenhos didáticos de cursos online.

No tocante à organização, uma questão que se impõe aos desenhos


didáticos dos cursos online são os limites e as possibilidades do meio digital.
Ao considerarmos que tais circunstâncias situam-se como instâncias
primordiais aos meios de objetivação do desenho didático de um curso
online, é capital que levemos em consideração recursos interativos como
wikipedia, blog, webconference, fórum, chat, portfólios, dentre outros.

No contexto da organização, em concordância com Corazza (1997)


– para quem o planejamento de ensino situa-se como estratégia de política
cultural – entendemos (assim como LIBÂNEO, 1994; TURRA, 2005) que o
planejamento enraíza-se em uma dada concepção curricular. Com Arnold
(2003) e Palloff e Pratt (2002), anunciamos que o planejamento de cursos
online, além de se ancorar em uma dada concepção curricular, abarca um
trabalho coletivo que se erige no imbricar de distintas áreas, tais como
educação, comunicação, tecnologia da informação (TI) e áreas específicas
ao conteúdo veiculado no curso.

Na docência online, as principais implicações dos desenhos didáticos


costumam centrar-se nas ações de tutoria e avaliação. Pensar na natureza
singular da docência online e na sua relação com o desenho didático implica
abordar temas como as especificidades do meio, notadamente as formas de
comunicação, a partir de três determinantes circunstanciais: as interações
nos ambientes de rede, a temporalidade inerente à aprendizagem em tais
ambientes e os processos de acompanhamento e avaliação da aprendizagem.

Como podemos observar, pensar nos princípios que balizam os


desenhos didáticos de cursos online é pensar na orquestração harmoniosa
dos aludidos elementos. Contudo, não pretendemos nos debruçar
sobre o conjunto dos elementos que perpassam a complexidade dos
desenhos didáticos de cursos online. Faremos um recorte específico nos
desdobramentos dos desenhos didáticos dos cursos online sobre os processos
de formação online de educadores. Para tanto, é imperiosos desvelar os
três conceitos que balizam a nossa proposta dialógica: agir comunicativo
habermasiano, interação dialógica freireana e dialogia bakhtiniana.

 
Agir comunicativo habermasiano
 
Herdeiro da Escola de Frankfurt, Habermas (2002, 2003) busca
uma alternativa aos impasses das sociedades contemporâneas, mediante a
elaboração da Teoria da Ação Comunicativa, a qual se baseia no conceito de
razão comunicativa e se ergue em meio a distintas fontes teóricas. Propõe-
se a contribuir para a reconstrução do projeto social fundamentado no
cultivo da razão comunicativa, tendo em vista a fecundidade da linguagem
para a autorreflexão e para o entendimento mútuo.

O filósofo situa a razão comunicativa como opositora da razão


instrumental (calcada no sujeito egologicamente constituído), na medida
em que se efetiva na materialidade histórica do contexto social e se manifesta
nas relações cotidianas, mediante o agir comunicativo. Diferencia os tipos
de ação social em dois níveis paradoxais. De um lado, o agir estratégico,
orientado pela lógica instrumental e voltado ao sucesso e aos fins de
controle e dominação. De outro, o agir comunicativo fundamentado na
intersubjetividade do entendimento linguístico e voltado à emancipação
humana.

Para o estudioso, a razão instrumental faz com que a linguagem habite


a periferia do mundo do sistema, cedendo espaço para a ação instrumental.

123
Em meio a tal expansão, a razão comunicativa acaba por se restringir ao
mundo da vida: o pano de fundo das manifestações culturais. Habermas
consolida a ideia de que as sociedades modernas se encontram em estado
de mal-estar, pela distorcida relação entre sistema e mundo da vida. A
partir de tal constatação, aponta que as sociedades modernas necessitam
descolonizar o mundo da vida (Lebenswelt) da razão instrumental, a qual
se ergue em meio à penetração controladora de mecanismos de integração
sistêmica (como o dinheiro e o poder) nas instituições culturais.

Em contraposição à instrumentalização das ações sociais, no agir


comunicativo, a comunicação intersubjetiva contribui com a produção de
uma vida social solidária, dialógica, ética e emancipada. Nesse contexto, a
linguagem situa-se como medium regulador do entendimento mútuo e se
consubstancia como forma de ação social, para além da mera representação
de mundo. Enquanto ação social, o agir comunicativo busca sua criticidade
em meio a procedimentos argumentativos. Nesse movimento, reveste-se da
capacidade de problematizar as sociedades contemporâneas, situando-se
como elemento fundante no processo de emancipação humana.

O filósofo destaca que o processo comunicativo é coordenado


pela linguagem, em especial pelos atos de fala. Na perspectiva do agir
comunicativo, a busca de consenso parte de uma base argumentativa da
comunidade comunicacional. Somente nesse contexto intersubjetivo e
provisório é que o consenso pode ser concebido.

Outro aspecto que se revela ao estudioso é o papel das Tecnologias


da Informação e Comunicação (TIC) nos atuais processos de organização
societária. No texto O Caos da Esfera Pública, Habermas (2006), ao discutir
o papel do intelectual nas sociedades contemporâneas, sinaliza a forma como
este sujeito social tem se relacionado com as TIC. Ao fazê-lo, percebe as
contradições inerentes a tal instrumental. Por um lado, a ampliação da esfera

124
pública midiática, a condensação das redes de comunicação e o aumento
do igualitarismo. Por outro, a descentralização dos acessos à informação
e a fragmentação dos nexos de comunicação. Como consequência, outra
tensão: em um turno, a subversão positiva em regimes totalitários; em
outro, o enfraquecimento das conquistas das esferas públicas tradicionais,
em meio ao anonimato e à dispersão de informações.

Ancorado na perspectiva praxiológica e nas relações


intersubjetivas mediatizadas pela linguagem, o agir comunicativo oferece
amplas oportunidades para avaliar o modus operandi das sociedades
contemporâneas, podendo vir a lhe auferir maior emancipação.

A incursão de Habermas aos estudos linguísticos para a elaboração


da Teoria da Ação Comunicativa evidencia sua positividade, ao buscar
brechas para uma nova forma de organização social, mais solidária e
emancipadora, embasada no entendimento mútuo. Habermas entende
que a razão comunicativa ainda sobrevive nas práticas cotidianas. Ergue-
se em meio à lógica pragmática argumentativa, expressa pela compreensão
descentralizada do mundo. Em tal movimento, a contribuição fecunda
para que o mundo da vida seja descolonizado pelo sistema. Ao considerar
essa perspectiva evolutiva, Habermas concebe a possibilidade de o agir
estratégico ceder espaço para o agir comunicativo, no evolutivo processo de
descentração das sociedades contemporâneas.

O projeto crítico e emancipado de Habermas para a superação


das patologias das atuais sociedades capitalistas prevê a descolonização
do mundo da vida, privilegiando-o sobre o mundo do sistema. A crítica
habermasiana à racionalidade instrumental fundamentada no agir
comunicativo situa-se como rico manancial às discussões educacionais. A
positividade da teoria habermasiana supõe a reconstelação de novos modelos
socioculturais, embasados em um conceito amplo de racionalidade, que

125
parte do paradigma da consciência e prossegue em direção ao paradigma
da comunicação.

 
Dialogia bakhtiniana
 
Bakhtin adentra o terreno das investigações de caráter pragmático,
notadamente no tocante à filosofia da linguagem compromissada com
suas angústias políticas e éticas. Ao fazê-lo, expande suas preocupações
linguísticas e volta-se à linguagem como prática social. Desse modo aufere
valor à enunciação, à interação verbal dos sujeitos sociais, ao contexto
de produção dos discursos, enfim, às questões linguísticas atinentes ao
cotidiano, pano de fundo da constituição da consciência humana.

No livro Marxismo e Filosofia da Linguagem (BAKHTIN, 1997a)


sobressaem-se dois temas: o papel dos signos no pensamento humano e o
papel da elocução na linguagem, de modo a anunciar o papel da linguagem
enquanto instância constituinte dos sujeitos sociais. Bakhtin sinaliza a
linguagem como campo eminentemente ideológico; daí sua relevância à
formação da consciência humana. A constatação de que os seres humanos
são historicamente datados embasa o entendimento bakhtiniano de que
eles se constituem mutuamente, por meio da linguagem e dos históricos
processos de interação social, nos quais se engendram negociações de
sentido.

Para Bakhtin, a consciência dos sujeitos sociais e a construção dos


significados que a ensejam erguem-se em meio à alternância do diálogo.
A palavra consubstancia-se como produto da interação entre locutor e
ouvinte, os quais alteram seus papéis, no inconcluso diálogo da vida. Para
o linguista, a palavra é o locus no qual a força social encontra sua maior
expressão.
Preocupado com a relevância do contexto histórico-cultural à
formação dos processos mentais, Bakhtin debruça-se sobre o conceito de
dialogia (1997b). Ao fazê-lo, preconiza o diálogo entre os homens como
objetivo a ser atingido, em face do contexto de incomunicabilidade presente
em nossa época. Postula que a competência linguística dos sujeitos ergue-se
em meio às ações recíprocas de uns sobre outros, diretamente ou mediado
por objetos ou signos. O linguista concebe dialogia como um profícuo
cenário de contradições entre distintas vozes, no qual se explicita o contexto
ideológico dos falantes. Ao fazê-lo, releva o valor da linguagem à elaboração
e explicitação do contexto ideológico.

Ao esclarecer que o conhecimento é construído na interação do


sujeito com o objeto e do sujeito com outros sujeitos, Bakhtin avança para a
concepção de sujeito interativo. Denuncia a característica sócio-ideológica
da língua existente na dialética relação entre os sistemas da língua e seus
enunciadores e conjuga as funções linguísticas de reprodução e reconstrução
de mundo. Tal condição situa as preocupações de Bakhtin no contexto das
relações sociais, em que os falantes assumem-se como sujeitos sociais.

Ancorado em uma concepção materialista-histórica, Bakhtin


esclarece que o sujeito é individual e socialmente constituído. O sujeito
bakhtiniano é um ser corporificado no cotidiano, na enunciação, na
dialogia. Sujeito social e culturalmente situado em sua concretude histórica.

O conceito bakhtiniano de dialogia (BAKHTIN, 1997b) percebe


o quanto o individual e o social engendram-se mutuamente, a ponto
de a cultura tornar-se parte de natureza intrínseca do ser humano. Na
visão dialógica, a diversidade ocorrente na complexidade da existência
humana também é outro ponto de atenção da abordagem bakhtiniana,
a qual percebe a unidade do mundo nas múltiplas vozes e nos múltiplos
significados que participam do diálogo da vida. A palavra é concebida como
elemento fundante na convivência com o outro, manifestada e edificada
pela linguagem. Na acepção bakhtiniana, a interação verbal está sempre
eivada do locus social no qual se realiza, sendo constitutiva dos sujeitos e
da linguagem por eles veiculada. A consciência dos sujeitos ergue-se em
meio aos signos internalizados, os quais são cunhados pelo trabalho social,
histórico e ideológico. Nessa dialética relação, a dialogia ergue-se como
elemento fundante da constituição mútua dos sujeitos sociais.

Cada fala insere-se na infinita cadeia de enunciados, respondendo,


pelas contra-palavras, questões anteriores e prevendo interpretações. Tal
dinâmica aponta o inacabamento da linguagem, justamente por ser utilizada
pelos sujeitos, os quais se constituem nos processos linguísticos históricos
e interativos. A dialogia bakhtiniana foca sua atenção na dimensão
reconstrutora da linguagem; dimensão esta que vive nas interações de seus
enunciadores.

O estudioso releva o valor da elocução ao desenvolvimento do sujeito


social, nela incluindo a veiculação ideológica. Para Bakhtin, o enunciado não
é determinado pela língua, como sistema puramente linguístico, mas pelas
interações dos enunciadores. Nessa perspectiva, o fluxo da interação verbal
é de fundamental importância à dimensão sócio-ideológica da linguagem.
Para o estudioso, só há sentido no estudo da língua, se concebida no fluxo
de comunicação verbal.

A constituição social do sujeito o compreende na sua relação com o


outro, diretamente ou mediada pelos signos. Dialogia, polifonia e polissemia
são elementos fundantes na teoria bakhtiniana, a qual situa a interação
verbal como locus primeiro da produção de linguagem e ideologia. Bakhtin
defende uma interação horizontal, em oposição à interação diretiva de um
sujeito sobre o outro.
Uma breve incursão junto ao conceito bakhtiniano de dialogia
permite que desvelemos a positividade de suas proposições, em face das
esferas constituintes dos sujeitos sociais. A dimensão dialógica bakhtiniana
exprime o caráter inovador da sua racionalidade. A fecundidade da
sua teoria linguística releva-se socialmente, na medida em que fornece
elementos para situarmos a linguagem no bojo das ações compromissadas
com a constituição de seres humanos. Em tais ações, a solidariedade,
a conscientização, a emancipação, enfim, a humanização. Em linha
semelhante, apresenta-se o conceito de interação dialógica freireana.

 
Interação dialógica freireana
 
A visão dialética de Freire, tendo como premissa a utopia inerente a
todo e qualquer projeto social emancipador, parte da concretude histórica
dos excluídos, dos desumanizados pela dinâmica societária do capitalismo
tardio, para problematizar o mundo em que estão inseridos. De que
modo? Mediante o estabelecimento de uma relação dialógica, crítica,
transformadora, aberta à alteridade e ao novo.

Freire elabora seu discurso calcado na transcendente natureza


humana, a qual se expressa, em devir, em sua inconclusão, à busca de
constante superação. A ciência de que a constituição humana ergue-se
em meio à sua historicidade, na qual são engendradas circunstâncias
socioculturais, é elemento fundante na cosmovisão freireana. Em tais
circunstâncias, a relevância auferida ao diálogo. A atitude praxiológica de
proporcionar aos sujeitos sociais, sobretudo aos oprimidos, uma tomada
de consciência mediante interações dialógicas mobilizadoras de constante
reflexão sobre a realidade concreta que os entorna consubstancia-se como o

129
bojo da proposta educacional freireana. O diálogo freireano situa-se como
instrumento capital à conscientização e emancipação.

Freire contrapõe-se a todo e qualquer projeto societário que


se oponha à humanização e que, ao contrário, trabalhe em favor da
coisificação do homem. Nessa denúncia é que o autor cunha, no livro
Pedagogia do Oprimido, o termo “educação bancária”, como metáfora de
uma vertente educacional alienante (FREIRE, 2002). Ao refutar a educação
bancária, Freire propõe a educação libertadora como contribuinte aos
projetos educacional e social emancipadores, nos quais os aprendizes
compreendem o mundo como realidade em transformação, em processo.
Ao fazê-lo, salienta a importância de a intervenção pedagógica ocorrer em
contexto dialógico, a partir do tema gerador emergente do mundo vivido
do educando.

Freire destaca a dialética relação da educação, como toda e qualquer


instância social desenvolvida no seio do sistema capitalista: reproduz
o modus vivendi ou o reconstrói, a depender do enfoque que se dê. Ao
distinguir a dialética relação de emancipação e subordinação que os seres
humanos podem estabelecer com as TIC (FREIRE, 1997), de modo a
humanizá-los ou a coisificá-los, o estudioso vai à contramão do fetiche a
elas auferido. Nesse movimento, ressalta a tensão e o valor relativo deste
instrumental à humanização. No movimento de denúncia e superação,
Freire situa a linguagem e as relações dialógicas por meio dela estabelecidas,
como instrumento capital à constituição dos sujeitos sociais realizadores
das circunstâncias históricas que os entornam.

A relevância auferida à linguagem como instrumento primordial


à constituição dos sujeitos sociais e ao movimento dialógico à edificação
legítima de relações sociais evidencia-se no conjunto de sua obra. Todavia,
é no livro ‘Extensão ou Comunicação?’ que o conceito de interação

130
dialógica é cunhado, com o firme intento de pensar a dialogia no contexto
educacional (FREIRE, 1983). Ao fazê-lo, anuncia que o processo de
constituição mútua dos sujeitos sociais em formação ocorre em meio à
interação dialógica, em três instâncias: investigação temática, tematização
do conhecimento articulada à realidade vivida e problematização
do conhecimento. Na investigação temática, Freire esclarece que o
conhecimento da visão de mundo do sujeito social em formação implica
o levantamento de temas geradores de estudo. Tais temas advêm de uma
metodologia dialógico-problematizadora, na qual, o formador, mediante
interação dialógica, forma-se juntamente com o formando. Sobre a
tematização do conhecimento articulada à realidade vivida, Freire alerta
que a problematização deve ocorrer no campo da comunicação, em torno
de situações reais vividas pelos sujeitos em formação. Com isso, evidencia
o quanto a intervenção pedagógica deve ocorrer em meio à concretude
histórica do mundo vivido dos sujeitos sociais em formação. Problematizar,
no entendimento freireano, é trabalhar no pólo educacional reconstrutor; é
refutar a hegemonia educacional reprodutora do modus vivendi.

A positividade de Habermas, Bakhtin e Freire frente à fecundidade da


linguagem para se repensar os atuais processos societários consubstancia-se
como elemento fundante, na proposição de desenhos didáticos dialógicos
de cursos online, em virtude dos seus desdobramentos sobre os processos
de formação online dos educadores.

 
Desenhos didáticos dialógicos de cursos online
 
De modo geral os cursos online costumam habitar dois universos:
acadêmico e corporativo. Os cursos corporativos voltam-se ao
aprimoramento profissional imediato e se dividem em dois grandes grupos,

131
com primazia do primeiro sobre o segundo. Os ancorados na concepção de
treinamento costumam trabalhar com a vertente educacional instrucional,
embasada na transmissão de informação e se voltam ao aprimoramento
profissional dos trabalhadores que lidam no plano operacional. Em geral,
costumam ser cursos auto-instrucionais, que não prevêem interação e o
sistema de avaliação tende a assumir a concepção somativa. A seu turno,
os cursos ancorados na concepção de formação costumam trabalhar com a
vertente educacional interacionista, embasada na construção sócio-histórica
do conhecimento. Em geral, tais cursos apostam no uso de estratégias
metodológicas que mobilizem as interações do grupo, tais como cenários,
situações-problema e desenvolvimento de projetos. Seu desenho didático
tende a incorporar instrumentais que propiciem ações colaborativas, como
chats, fóruns de discussão e webconference, dentre outros. Tais cursos
prevêem ações de tutoria e se voltam para os princípios da avaliação
formativa, a qual, por assumir um caráter processual e autorregulador,
costuma fazer uso de instrumentos como portfólio, diário de bordo e
memorial reflexivo. Geralmente, os cursos balizados na concepção de
formação encontram um campo fértil no universo acadêmico. Quando
fazem parte do setor corporativo, costumam voltar-se à formação dos
trabalhadores que operam no plano simbólico e, como tal, necessitam lidar
com situações complexas que lhes demandam muita iniciativa, criatividade,
criticidade e rapidez na tomada de decisão, dentre outras habilidades.

Tomando como base os cursos online voltados à esfera da formação


e tendo como ponto de partida o intertexto teórico acima elaborado,
propomos que os desenhos didáticos de tais cursos sejam pensados sob
enfoque dialógico (PESCE, 2008a).

Desenhos didáticos elaborados sob enfoque dialógico recusam


a perspectiva monológica, de caráter pragmático e impositivo, afeita
à dimensão funcionalista, ancorada no pólo gnosiológico, que gera

132
conformismo, bem como relacionamentos e processos de formação
aligeirados e planificados. Ao contrário, defendem a formação em meio
ao caráter relacional, afeito à dimensão culturalista, ancorado no pólo
ontológico, em diálogo com o gnosiológico. Desenhos didáticos de cursos
online voltados à emancipação buscam uma estrutura que propicie a leitura
crítica das circunstâncias micro e macro-estruturais dos sujeitos sociais em
formação; voltam-se à aproximação destes sujeitos, na mobilização de ações
conjuntas de enfrentamento aos desafios que se lhes apresentam.

Desenhos didáticos dialógicos concebem a linguagem como prática


social. Elaborar desenhos didáticos dialógicos é equacionar ações de
formação que partam do senso comum e levem o sujeito social à consciência
emancipada, sem, contudo, solapar seu tempo vivencial.

No entendimento habermasiano, os desenhos didáticos dialógicos


refutam ações de formação pautadas no agir estratégico, em meio à lógica
instrumental, voltada aos fins de controle e dominação. Ao contrário,
buscam no agir comunicativo as bases de uma formação emancipadora:
compromissada com a descolonização do mundo da vida, pelo sistema,
através da relação dialógica que se erige em meio ao argumento livre de
coação.

Amparados na acepção freireana, desenhos didáticos dialógicos


pautam suas ações no seguinte movimento metodológico: investigação
temática, tematização e problematização. Na investigação temática, a
abertura à alteridade, na superação do senso comum, no diálogo profícuo
com formadores teoricamente consistentes e atentos à inscrição histórica
dos sujeitos sociais em formação. Desenhos didáticos que refutam a
operacionalidade técnica travestida no acento ao pólo gnosiológico.
Que resistem à implementação de princípios como eficiência, eficácia
e produtividade, travestidos no desenvolvimento de competências e

133
habilidades. Que dizem não ao atendimento massivo, que torna os cursos
online economicamente viáveis. Como desdobramentos positivos, a
constituição mútua dos sujeitos sociais envolvidos e a saudável orquestração
das temporalidades cronológica e vivencial que constituem a formação.
A investigação temática descarta a possibilidade de réplica dos materiais
didáticos, sem minucioso estudo prévio. Na tematização do conhecimento,
o firme intuito em uma intervenção pedagógica consistente, que amplie o
repertório conceitual dos sujeitos sociais, sem, contudo, deixar de responder
a concretude histórica do seu mundo da vida, mediante um diálogo profícuo
do gnosiológico com o ontológico.

Na problematização do conhecimento, desenhos didáticos de


formação erguidos em meio à estratégia metodológica que não se restrinja
à perspectiva internalista, que desconsidera os determinantes contextuais
mais amplos em que se insere o trabalho dos sujeitos sociais em formação.
Na problematização, o trabalho com os fundamentos da educação percebe
os conteúdos de formação como instrumentos de conscientização e
emancipação. Por isso a importância de se superar o neopragmatismo
imperante, com acento quase que exclusivo nas questões metodológicas
e avançar para indicadores basilares, como a íntima relação entre leitura
da palavra e leitura de mundo. A problematização compromissada com a
formação como prática social tem como meta a formação emancipadora
do sujeito social em formação, pelo compromisso com a constituição da
sua identidade, no seio da sua concretude histórica. Daí a problematização
consubstanciar-se como estratégia primordial à elaboração dos desenhos
didáticos dialógicos dos cursos online.

Desenhos didáticos dialógicos preocupam-se com a adequada


equação das temporalidades inerentes aos processos de formação, para que
o tempo vivencial dos sujeitos sociais em formação não seja solapado. Para
que as ações de formação contribuam com a superação do senso comum,

134
é necessária a contratação de formadores cujo repertório conceitual e cuja
vivência profissional os situem como educadores aptos a problematizar
a realidade dos sujeitos sociais em formação, a partir da tematização
teoricamente consistente e relacionada à sua concretude histórica, porque
advinda da investigação temática. Para tanto, as equipes de formação
devem ter um currículo diferenciado, o que implica outro patamar de
remuneração e rigorosa política de seleção, que leve em conta a qualificação
profissional do candidato, sua trajetória profissional e seu repertório teórico.
Os formadores, por também serem chamados a pensar o desenho didático
dos programas de formação desde a sua concepção, não mais procedem a
intervenções pedagógicas artificiais, porque desenvolvidas a partir de um
script de autoria alheia e têm autonomia sobre a temporalidade inerente à
relação pedagógica constituinte dos processos de formação.

Desenhos didáticos dialógicos buscam engendrar nova sensibilidade


às relações, em recusa a vínculos pedagógicos aligeirados e planificados e
em favor da aproximação dos sujeitos sociais envolvidos nos processos
de formação. Nesse movimento, tentam privilegiar: a) a tematização do
conhecimento intimamente imbricada à concretude histórica dos sujeitos
sociais; b) ações de formação com autonomia sobre o tempo de formação e,
por isso, atentas ao momento mais adequado para intervir; c) a ampliação
da alteridade, mediante imersão nas circunstâncias históricas dos sujeitos
sociais, em diálogo com o sólido repertório conceitual dos formadores;
d) a condução dos formadores para o centro do processo educativo e não
somente para as periféricas ações de tutoria e avaliação.

Para verificar em que medida tais indicadores têm se materializado


nos desenhos didáticos de cursos online de formação de educadores,
coordenamos uma pesquisa, que se encontra em desenvolvimento no
Programa de Pós-Graduação em Tecnologias da Inteligência e Design
Digital da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (TIDD - PUC/SP).

135
 O enfoque dialógico da pesquisa em desenvolvimento no TIDD
 
Conforme apontado em estudos anteriores (PESCE, 2008b), a
pesquisa em desenvolvimento – Formação Docente e Cidadania: Utilização
Dos Ambientes Virtuais de Aprendizagem sob Enfoque Dialógico – parte
da ideia anunciada no Projeto Internacional Red Internacional de Ecologia de
los Saberes (TORRE; MORAES, 2008), de que a formação docente precisa
de uma renovação conceitual, estratégica e atitudinal. O supracitado Projeto
Internacional é sediado na Universidade de Barcelona e, até agora, abarca
pesquisadores vinculados a programas de pós-graduação de quatorze
países.

A pesquisa vincula-se ao oitavo item do decálogo do referido projeto


internacional: Proyección en las Reformas Educativas: Formar Ciudadanos en
la Sociedad del Conocimiento, o qual considera que a sociedade da informação
e do conhecimento está regida pelo predomínio das comunicações e que
a aquisição de conhecimentos deve ocorrer intimamente articulada ao
desenvolvimento de valores e atitudes  pertinentes à formação de cidadãos
éticos e felizes.

Com base nos anunciados princípios da Red Internacional de


Ecologia de los Saberes, a pesquisa tem como objetivo geral contribuir com
o desenvolvimento e implantação de ações online de formação docente
voltadas ao humanismo e à emancipação do profissional da educação básica.

Do objetivo geral decorrem os seguintes objetivos específicos:

• Aprofundar os estudos sobre a perspectiva dialógica de


formação de educadores;

136
• Investigar sobre o sentido e o significado da experiência de
formação de educadores em ambientes digitais de aprendizagem,
em distintos segmentos: educação básica, ensino superior, pós-
graduação e gestão escolar;

• Discutir os resultados, à luz da abordagem dialógica de


formação de educadores:

• Levantar propostas de ação, relativas aos novos rumos dos


programas de formação docente, nos ambientes virtuais de
aprendizagem.

A pesquisa levanta a seguinte problemática: qual a contribuição da


perspectiva dialógica para o desenvolvimento e implantação de ações de
formação docente desenvolvidas nos ambientes virtuais de aprendizagem,
sob enfoque humanista e emancipatório?

No tocante à justificativa, do ponto de vista social, o grande


contingente de educadores brasileiros, aliado às recomendações legais
relativas ao aprimoramento docente, tem demandado políticas públicas
voltadas à implantação de programas de educação continuada desses
profissionais da educação.

Com o advento das atuais tecnologias de informação e comunicação,


muitos desses programas têm percebido a contribuição dos ambientes
virtuais de aprendizagem, o que justifica o aumento significativo do número
de programas de formação de educadores que têm se valido do instrumental
telemático. Entretanto, é preciso destacar: se a intenção é que a formação
de educadores situe-se em contexto emancipador, urge uma investigação
sobre as abordagens educacionais e os procedimentos metodológicos que
sustentam as propostas de tais programas de formação.

137
No Brasil, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de
Professores de Educação Básica, em Nível Superior, Curso de Licenciatura,
de Graduação Plena (BRASIL, 2001a,b, 2002) e as Diretrizes Curriculares
Nacionais para o Curso de Pedagogia (BRASIL, 2005) enfocam a relevância
de uma formação docente que abarque a utilização crítica das tecnologias
da informação e comunicação. Nesse sentido, vale ressaltar que o êxito de
qualquer programa de formação de educadores desenvolvido nos ambientes
virtuais de aprendizagem e que se pretenda inovador depende de distintos
aspectos, em especial do desenho didático, do trabalho integrado de uma
equipe multidisciplinar e da figura do mediador.

Sabe-se que as atuais políticas educacionais brasileiras anunciam


a necessidade premente de investir em programas de formação docente
e percebem os ambientes virtuais de aprendizagem como estratégia
contribuinte a tal intento. Por outro lado, uma análise crítica de tal
proposição ancora-se na percepção da necessidade de formar o trabalhador
em consonância com as demandas do ideário neoliberal, de modo a inserir
o Brasil de modo dependente no cenário mundial competitivo. Isso requer
uma profunda modificação no modus operandi da educação brasileira. Daí
a razão pela qual tem havido, por parte do Estado brasileiro, a preocupação
em promover ações de formação de educadores por vezes pautadas em
uma racionalidade instrumental, como quer Habermas (2003). Este
cenário perverso vai de encontro à concepção educacional emancipatória
e humanista defendida pela Red Internacional de Ecologia de los Saberes e
pela presente pesquisa.

Em consonância com as atuais recomendações legais, o estudo


situa a dimensão tecnológica como um dos aspectos da formação humanista
e emancipatória de educadores. Entretanto, adverte que essa vertente de
formação pode ocorrer, a depender do enfoque que se dê à utilização deste
novo instrumental.

138
Atento às circunstâncias históricas do profissional da educação,
a pesquisa Formação Docente e Cidadania: Utilização dos Ambientes
Virtuais de Aprendizagem sob Enfoque Dialógico, no que se refere ao
marco teórico, busca no intertexto dos três anunciados conceitos –
dialogismo bakhtiniano, agir comunicativo habermasiano e interação
dialógica freireana – a construção coletiva de novas formas de sentir, pensar
e atuar do docente em formação, nos ambientes virtuais de aprendizagem.
Em meio às especificidades cosmovisivas de cada um dos três teóricos
em discussão neste intertexto, podemos encontrar diversas ideias que se
coadunam, frente à visão de homem, de sociedade e do papel da linguagem
na constituição da consciência humana e na emancipação social.

Quanto ao método urge observar que a pesquisa não é neutra,


objetiva, tampouco isenta de valores subjetivos. Daí a consciência de que
as concepções epistemológicas, interpretativas e subjetivas do pesquisador
engendram-se à sua análise (CHIZZOTTI, 1998). Em outros termos, as
concepções metodológicas e ontológicas relativistas moldam a cosmovisão
do pesquisador.

Partindo dessa premissa, o presente projeto de pesquisa prevê como


procedimentos investigativos o desenvolvimento de:

• pesquisa bibliográfica sobre formação online de educadores, 


pautada no intertexto dos três conceitos dialógicos anunciados;

• pesquisas de campo sobre o sentido e o significado da


aprendizagem em ambientes virtuais, nos programas de
formação de educadores. Cada uma das pesquisas de campo
deverá ser desenvolvida por alunos da PUC/SP, em nível de
dissertação de mestrado do Programa de Pós-graduação em
Tecnologias da Inteligência e Design Digital;

139
• pesquisa documental erguida em meio à análise comparativa
dos resultados de análise das pesquisas de campo presentes nas
dissertações em tela.

No tocante aos métodos e técnicas de investigação, a opção por


entrevistas semiestruturadas e pela gravação objetiva deixar os sujeitos
de pesquisa o mais à vontade possível, para que as representações sociais
possam emergir (GUARESCHI; JOVCHELOVITCH, 1998).

Nas pesquisas de campo, as entrevistas semi-estruturadas são


aplicadas aos sujeitos de pesquisa deste projeto (educadores em formação),
os quais deverão comentar a experiência de aprendizagem no ambiente
virtual, apontando avanços alcançados e desafios a serem vencidos.

Em relação à seleção dos sujeitos de pesquisa, ressalta-se que, de


acordo com Jodelet (apud GUARESCHI; JOVCHELOVITCH, 1998, p.
120), as respostas individuais dos sujeitos de pesquisa devem ser percebidas
como “manifestações de tendências do grupo de pertença ou de filiação na
qual os indivíduos participam”.

No momento presente, a primeira parte, referente à pesquisa


bibliográfica, encontra-se em curso. A segunda etapa da pesquisa, que
abarca as pesquisas de campo, já conta com investigações de duas alunas
do Programa de Tecnologia da Inteligência e Design Digital da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo. A primeira pesquisa, já defendida,
volta-se à formação de professores do Ensino Superior e a segunda, com
defesa prevista para março de 2010, volta-se à formação de gestores
escolares.

140
Considerações finais
 
O intertexto de três conceitos – agir comunicativo habermasiano,
dialogia bakhtiniana, interação dialógica freireana – respalda-nos na defesa
de desenhos didáticos dialógicos de cursos online, que se pautem: a) na
seleção de formadores altamente qualificados e atuantes nas capilaridades,
o que significa a superação do conceito tecnicista de formação em cadeia,
que cinde conceptores e tutores; b) em interações genuínas entre formando
e formador, em recusa a interações artificiais, erguidas em meio a um script
de autoria alheia; c) na condução autônoma da temporalidade constituinte
dos processos de formação; d) na proporção adequada do número de
formandos por formador, de modo a não comprometer a relação pedagógica
inerente a esse processo.

As proposições iniciais aqui alinhavadas situam-se como esboço


primeiro, para pensarmos os desenhos didáticos de cursos online erguidos
em meio à vertente dialógica e se revelam nos princípios e pressupostos
da pesquisa em desenvolvimento no Programa de Pós-Graduação em
Tecnologias da Inteligência e Design Digital da Pontifícia Universidade
Católica de são Paulo – Formação docente e cidadania: utilização dos
ambientes virtuais de aprendizagem sob enfoque dialógico.

Acreditando que o desenho didático de cursos online tem


desdobramentos diretos sobre a qualidade dos processos de formação
online de educadores, convidamos você, leitor, a aprofundar conosco o
diálogo na área, com vistas à elaboração de propostas coletivas de ação, no
atual momento histórico.

141
Referências

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ARNOLD, S. B. T. Planejamento em educação à distância. In: GIUSTA, A. da S. &


FRANCO, I. M. (org.). Educação à distância: uma articulação entre a teoria e a
prática. Belo Horizonte: PUC Minas Virtual, 2003.

BAKHTIN, M. (VOLOCHINOV). Marxismo e filosofia da linguagem. 8. ed.


Trad. M. Lahud e Y. F. Vieira. São Paulo: Hucitec, 1997a.

______. Estética da criação verbal. 2. ed., Trad. M. E. G. Pereira. São Paulo:


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BRASIL. Parecer CNE/CP 27/2001. Dá nova redação ao item 3.6, alínea “c”, do
Parecer CNE nº. 09/2001, que dispõe sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais
para a formação de Professores de Educação Básica, em nível superior, curso de
licenciatura, de graduação plena. Diário Oficial [da] República Federativa do
Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 2 out. 2001b.

BRASIL. Resolução CNE/CP 01/2002. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais


para a formação de professores de Educação Básica, em nível superior, curso de
licenciatura, de graduação plena. Diário Oficial [da] República Federativa do
Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 4 fev. 2002.

BRASIL. Parecer CNE/CP 05/2005. Dispõe sobre as Diretrizes Curriculares


Nacionais para o Curso de Pedagogia. Diário Oficial da União, Brasília, 13 dez.
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142
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144
Formação Docente e
Aprendizagens Online:
reflexões sobre currículo

Maria Olivia de Matos Oliveira


(UNEB)

Pedagogia Crítica e Currículo

O avanço da tecnologia, a velocidade e o fluxo de informações


têm gerado mudanças significativas na dinâmica das sociedades atuais.
O novo contexto socioeconômico e cultural emergente traz profundas
transformações nas funções tradicionais do Estado e  (re)configura um
novo modelo de sociedade e de educação que, se por um lado, apresenta
avanços científicos e tecnológicos, por outro, gera desigualdades cada vez
mais profundas. Santos (2001, p. 31) explica que “[...] a globalização1 traz
a cognoscibilidade do planeta, possibilitando que os sujeitos conheçam
de forma extensiva o mundo e aproveitem todas as possibilidades de se
recolocarem como sujeitos no universo”. No entanto, também relaciona um

1 Santos (2001, p. 28) no seu livro “Por uma outra globalização. Do pensamento único à
consciência universal” relata quatro fatores que contribuem para explicar a globalização
atual: unicidade da técnica; convergência dos momentos; cognoscibilidade do planeta e
existência de um motor único na história.

145
fator perverso que explica a globalização: a existência de um motor único
na história, representado pela mais valia globalizada (SANTOS, 2001, p.
24). Essa “mais valia” atua como alavanca do capitalismo, onde a produção
acontece entre os grandes conglomerados econômicos, que sobrevivem
graças a uma concorrência extremamente agressiva. Nessa forma de
capitalismo, o Estado fortalece suas conexões com grupos econômicos,
não assumindo a defesa dos cidadãos e, por isso, assiste-se à emergência
de mobilizações frequentes da sociedade civil. Os movimentos populares,
comunitários ou acadêmicos representam rachas nas estruturas de poder e
provocam práticas alternativas de resistência.

Apesar da Constituição de 1988 consagrar o ideal da universalização


das políticas públicas sociais, o Brasil ainda não conseguiu implantar um
estado justo e igualitário, pois as políticas, sobretudo as voltadas para
a educação, se mostram ineficientes para dar conta das necessidades e
expectativas da população, em termos de qualidade de ensino.

Entre as décadas de 1970 e 1980, no Brasil, a ideologia neoliberal,


incorporada pelo Estado nas diretrizes curriculares norteadoras dos
programas oficiais, adota uma posição universalista de currículo
hegemônico, que desrespeita a diversidade e autonomia dos professores
e das escolas. Nos anos 1990, período emblemático no campo político e
do currículo com o término da ditadura militar, a circulação da literatura
internacional e a reestruturação produtiva do país, a introdução das
Tecnologias da Informação e Comunicação - TIC geram, de um lado,
reformas ligadas ao desenvolvimento econômico, e, de outro, reformas
oriundas de esquerda, comprometidas com a defesa de um currículo mais
acolhedor e diversificado e com qualidade para a educação pública. As
políticas públicas do atual governo já começam a chamar a atenção para a
questão da diversidade cultural e para o questionamento do currículo e das
suas lógicas até então vigentes.

146
Os estudos teóricos da pedagogia crítica assinalam como as escolas
devem ser convertidas em espaços de maior igualdade social e de maior
oposição às estruturas de poder, defendendo uma forma de currículo que
enfatize o histórico, o cultural e as vozes de todos os sujeitos envolvidos.
Um dos mais legítimos representantes dessa concepção, Giroux (2005), ao
se posicionar sobre a questão, diz que é necessário que as experiências e
os saberes não escolares sejam compreendidos e valorizados, abandonando
marcos de referência da cultura dominante.

Nessa perspectiva, a concepção de currículo aqui exposta é a de


que o currículo vai além de um conjunto de conhecimentos organizados
e sistematizados, envolve também uma reflexão coletiva nas instituições
escolares sobre as experiências do mundo da vida, da cultura popular
ainda não devidamente incorporadas às práticas pedagógicas. “O currículo
oficial ao lado do real mesclam-se no espaço escolar, num processo social
de conflitos e lutas, que envolve controle, poder, interesses, conhecimentos
científicos, crenças, visões sociais e resistências” (MATOS OLIVEIRA,
2007, p. 29).

Nesse sentido, poderíamos dizer que o currículo escolar representa


todo um conjunto de experiências propostas pela escola, aceitas ou
negadas pelos alunos. De acordo com MacLaren (1991), as salas de aula
são espaços para se compreender como se problematizam as experiências
e as necessidades dos estudantes socialmente construídas e às vezes
contraditórias.

Santomé (2005) também reconhece a necessidade de inserir, no


currículo das escolas, as culturas negadas1, sob pena de se cair em falsas

1 Dentre as culturas negadas, Santomé cita: às vozes silenciadas do terceiro mundo,


as culturas infantis juvenis e da terceira idade; as etnias minoritárias e dos sem poder;
ao mundo feminino, rural e litorâneo; às sexualidades lésbica e homossexual; à classe
trabalhadora e ao mundo das pessoas pobres e de pessoas com deficiências físicas.

147
propostas de currículo turístico, desconectado de situações da vida
cotidiana, nas quais os problemas raciais e sociais são psicologizados. O
citado autor ainda afirma que o professor é fruto de modelos de socialização
profissional em que não lhe exigem a seleção de conteúdos culturais nos
currículos, porque esses são definidos pelas editoras de livros didáticos,
aparecendo como os únicos possíveis e pensáveis (SANTOMÉ, 2005, p.
160-161).

Hoje, o campo curricular não vem dando respostas satisfatórias


quer pela complexidade do espaço escolar, quer pelas contradições entre o
anunciado nas orientações curriculares emanadas da legislação educacional
e o realizado nas salas de aula. A cultura centralizadora, burocrática e pouco
flexível dos sistemas de educação não observa que os professores precisam
antes, discutir os projetos nas escolas, para depois, incorporá-los às suas
práticas, a partir das singularidades de cada situação.

Por outro lado, a sociedade tecnológica que substituiu a sociedade


industrial expõe a convivência cada vez mais presente da comunicação
oral e escrita com a comunicação eletrônica, modificando relações entre
instituições e pessoas e introduzindo novas formas no ensinar e no aprender,
assim como práticas sociais mais compartilhadas.

A passagem da cultura impressa para uma cultura baseada no meio


áudio visual, nas mídias e na cultura digital gera subjetividades inteiramente
diferentes com as quais a escola e os professores não estão conseguindo
lidar. De maneira geral, o temor de muitos professores, com relação às
tecnologias, é a de que possam ser superadas, no plano cognitivo, pelos
recursos instrumentais da informática (ASSMANN, 2000, p. 8).

Pimenta e Anastasiou (2005) e Cunha (2006) levantam a necessidade


de uma mudança de postura de alunos e professores diante da ciência e do
conhecimento, para reconhecer as possibilidades educacionais e políticas

148
a serem construídas pelos estudantes oriundos das camadas populares.
Mostra a importância do conhecimento do aluno, enquanto sujeito de
aprendizagem e a importância da escola reconstruir a imagem dos jovens
da era digital de forma inteiramente diferente e negociada com essa nova
geração.

Pelo exposto concluímos que, as novas tecnologias não podem


substituir o professor, mas criam necessidades de definir novas estruturas
e novas práticas de escolarização. Segundo Green e Bigun (2005, p. 228),
“[...] estamos diante de subjetividades construídas a partir de relações
sociais e práticas tecnologicamente mediadas” e, por isso, os educadores
devem delinear espaços dialógicos de interação e de construção coletiva do
conhecimento, utilizando as TIC de forma crítica.

Saberes Docentes e Formação Universitária: impasses e


possibilidades

As profundas mudanças que caracterizam a sociedade atual revelam


que nenhuma reforma educacional resolve a crise em que estamos imersos,
sem a adequada formação dos professores. O cenário atual está mudando
rapidamente e essas mudanças exercem impacto sobre o professor que,
despreparado para enfrentar tantas exigências e pressões, encontra-se
desestabilizado e vivendo inúmeras contradições postas pela sociedade
contemporânea. Charlot (2008) descreve o professor como o profissional
das contradições que tenta superar a distância entre o excesso de discursos
sobre a educação e a pobreza das práticas pedagógicas. O autor argumenta
que as contradições relativas à escola são contradições sociais que, mesmo
não estando necessariamente dentro da escola, desestabilizam a função
docente. Tais contradições estão refletidas na valorização do professor no
texto da lei e no discurso político, porém são desmentidas, a todo momento,

149
pela realidade dos baixos salários docentes, desconfiança e desprestígio
social do professor (CHARLOT, 2008, p. 31). Nesse sentido, o horizonte
social no qual a subjetividade dos docentes é constituída, está marcada por
uma visão ideológica que o desprofissionaliza e enfraquece o exercício da
docência.

Nas últimas décadas, para fazer frente aos recorrentes problemas


enfrentados pelos professores, surgem abordagens enfatizando a formação
reflexiva do professor, sugerindo que o mesmo seja um profundo
questionador do seu fazer pedagógico. O exercício da reflexão exige um
repensar contínuo das ações pedagógicas e atribuição de significados às
ações docentes, num processo de revisão contínua da prática pedagógica.

A reflexão envolve responsabilidades partilhadas, discussões e


atividades em grupo, sendo um ato solidário, jamais solitário. SHÖN (1992)
questiona o processo de formação universitária, pois esse distancia a teoria
da prática, uma vez que fornece ao aluno inicialmente a teoria e, só no
final do curso, a vivência da prática através do estágio. Segundo o citado
autor, a reflexão da ação exige que o professor fale sobre suas experiências,
no coletivo da escola para repensá-la e reconstruí-la de forma criativa, no
cotidiano.

Partilhando a mesma opinião de Shön (1992), Tardif (2002) faz


críticas ao modelo universitário de formação docente, propondo uma
epistemologia da prática profissional do professor que seria o estudo do
conjunto de saberes mobilizados pelos profissionais em seu espaço de
trabalho cotidiano, para desempenhar suas tarefas. Na visão de Tardif (2002),
mudanças deveriam acontecer no rumo das pesquisas na universidade,
pois existem problemas epistemológicos no modelo universitário de
formação. O autor aponta dois problemas: a) modelo centrado na lógica
disciplinar e b) prática equivocada de tratar os professores como espíritos

150
virgens destituídos de crenças ou expectativas. A solução para os problemas
mencionados, segundo Tardif, está numa nova postura da universidade,
no sentido de incorporar mudanças curriculares que tenham a efetiva
participação do professor. Essas mudanças não visam necessariamente
esvaziar a lógica disciplinar dos programas de formação, mas executar “um
trabalho profundo sobre os filtros cognitivos sociais e afetivos através dos
quais os professores recebem e processam essas informações” (TARDIF,
2002, p. 273).

De maneira geral, Tardif (2002) tem enfatizado nos seus trabalhos a


necessidade de tratar os professores como atores que possuem um saber e
um saber fazer e devem ser considerados como sujeitos do conhecimento.
Nesse sentido, enquanto sujeitos de sua prática, os professores da escola
básica devem partilhar com os pesquisadores universitários todas as
experiências e, portanto, estar no centro das pesquisas realizadas na escola.

Por conseguinte, o hábito da prática reflexiva, quando incorporado


às ações do profissional docente, torna-se o motor de articulação entre a
teoria e a prática. A prática não pode ser individualista ou solitária, mas
coletiva, para o enfrentamento responsável da crise em que a escola está
mergulhada.

O Ensinar e o Aprender na Sociedade Tecnológica

A educação online2 tem enfrentado interpretações divergentes por


parte de muitos educadores desde pequenas resistências até a mais profunda
rejeição.

2 O termo educação online é, neste artigo, utilizado para identificar a 5ª geração da


EaD, assim denominada por Moore (2007), para caracterizar a educação que utiliza o
computador, a internet e outras ferramentas online, características deste momento histórico.

151
As críticas à Educação a Distância crescem na medida em que
aumentam significativamente os cursos nessa modalidade de ensino.
Inúmeras análises realizadas no nosso país mostram o caráter instrumental
de que a EAD se reveste, baseando-se em critérios técnicos de adequação
e organização dos meios aos fins, próprios da racionalidade científica.
Esta modalidade de educação tem sido, no Brasil, cada vez mais assumida
pelas universidades particulares, recebendo críticas dos acadêmicos que
a classificam como produto típico das políticas públicas nesse contexto
neoliberal em que estamos mergulhados.

Por outro lado, a Educação a Distância, rompendo com as limitações


do ambiente físico e (des)construindo a idéia da presença física do professor,
não tem conseguido retirar o aluno do isolacionismo, gerando índices de
evasão crescentes.3

As reflexões de Habermas (1987) são pertinentes para se entender


o isolacionismo gerado pela falta de diálogo nas sociedades industriais
em que os problemas não residem no desenvolvimento científico ou
tecnológico, mas no abandono da razão comunicativa que contém em si as
possibilidades de diálogo sobre questões vitais para os indivíduos. O referido
teórico posiciona-se radicalmente contra a penetração da racionalidade
instrumental na esfera pública4 na qual deve predominar a racionalidade
comunicativa. (GONÇALVES, 1999).

Neste cenário, dialogar é uma condição fundamental para interagir


e fazer valer a comunicação e, quando a aprendizagem acontece numa

3 Dados do INEP (2006) mostram uma evasão média de alunos de cursos a distância no
Ensino Superior de 30,9% de vários tipos de universidades (INEP, 2006 apud TOCZEC et al.,
2008).
4 Thompson (2009, p. 155) argumenta que há limitações na tese de Habermas porque a
esfera pública, tal qual o autor a apresenta não pode ser reativada nas novas bases por ele
propostas, porque a natureza da comunicação de massa e as condições em que ela se dá, na
contemporaneidade, não é a mesma.

152
parceria co-instituinte e co-estruturante, na qual a máquina representa um
novo patamar, alguma coisa muda no processo de aprender. Muda porque os
meios de comunicação e as novas tecnologias não criam apenas máquinas,
mas são estruturadores de nossos modos de organizar e configurar as
linguagens, ampliando “o potencial cognitivo do ser humano (cérebro/
mente) e possibilitando mixagens cognitivas complexas e cooperativas”
(ASSMANN, 2000, p. 9). Muda porque exige novas formas de investigação
e trilhas metodológicas diferentes a serem seguidas pelos pesquisadores
online. Finalmente, muda porque exige um professor com a cabeça mais
aberta e flexível, disposto a construir novas relações de aprendizagem
através da internet.

Bakthin (1988) também mostra o papel da linguagem e do diálogo


como um objetivo a ser atingido face a incomunicabilidade da nossa era.
Enfatiza o fenômeno social da interação verbal que se realiza através da
enunciação, mas que não é uma enunciação monológica isolada (BAKTHIN,
1988, p. 117). No diálogo, o sujeito bakthiniano perde o papel de centro
e é substituído por vozes sociais que fazem dele um sujeito histórico e
contextualizado. A concepção e os conceitos apresentados por Bakhtin
(1988) permitem entender que, na produção dos discursos, os lugares que
as pessoas ocupam interferem no significado produzido.

Freire (1988) também vê o diálogo, a abertura respeitosa aos outros,


como objetivo da reflexão crítica e da aventura docente. “Seria impossível
saber-se inacabado e não se abrir ao mundo e aos outros à procura de
explicação, de respostas a múltiplas perguntas” (FREIRE, 1988, p. 86).

No intertexto das concepções de Habermas, Bakthin e Freire e


dos teóricos da pedagogia crítica, buscamos respaldo para refletir sobre a
necessidade de uma formação adequada nos cursos em EAD, chamando

153
a atenção para a necessidade de interações mais autênticas entre a equipe
docente formadora (autor, formador e tutor) e os discentes.

Acreditamos que as instituições formadoras têm o papel de viabilizar


a interlocução e comunicação dos sujeitos da ação educativa e a autonomia
do estudante no processo de construção de sua aprendizagem. Para tal, é
necessária uma reflexão coletiva para possibilitar a adoção de posturas que
superem as tradicionais e considerem a educação online como um sistema
aberto, interconectado a outras práticas sociais.

Pelo exposto, há necessidade de se pensar uma nova proposta nos


programas de formação de professores em ambientes virtuais, assegurada
por um desenho didático que favoreça a dialogia e que proporcione um
tempo adequado para aprendizagens significativas. Tudo isso demanda
espaços mais abertos, onde adultos formandos tenham não apenas acesso às
informações, mas uma participação autônoma na produção e apropriação
dos valores que as tecnologias agregam.

Formação Online e Tempos de Aprendizagem

“Todos estão matriculados na escola da vida, onde o


mestre é o tempo”. Cora Coralina (1989)5

5 Cora Coralina, pseudônimo de Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas Brandão, mulher
simples de Goiás, nasceu em 1898 e faleceu em 1985, produziu uma obra poética, muito
admirada por Carlos Drummond de Andrade. Foi a primeira mulher a ganhar o Prêmio
Juca Pato, em 1983, com o livro Vintém de Cobre – Meias Confissões de Aninha. Sua filha,
Vicência Brêtas Tahan é autora do livro biográfico Cora Coragem Cora Poesia, lançado em
1986. Para falar do tempo, iniciamos com a significativa frase da famosa poetiza: “Todos
estão matriculados na escola da vida, onde o mestre é o tempo”. Disponível em: <http://www.
pensador.info/cora_coralina_frases/>. Acesso em: 16 dez. 2009

154
Autores como Tardif e Raymond (2000) colocam que os saberes
ligados ao trabalho são temporais, pois são construídos e dominados
progressivamente durante um período de aprendizagem variável, de acordo
com cada ocupação. Essas são competências e aptidões constitutivas da
dimensão laboral, adquiridas no próprio ambiente de trabalho e não no
ambiente formal da escola.

Pesquisas realizadas ao longo dos anos com os professores mostram


que

[...] os saberes profissionais dos professores parecem


ser, portanto, plurais, compósitos, heterogêneos,
pois trazem à tona, no próprio exercício do trabalho,
conhecimentos e manifestações do saber-fazer e
do saber-ser bastante diversificados, provenientes
de fontes variadas, as quais podem supor que
sejam também de natureza diferente (TARDIF;
RAYMOND, 2000, p. 213).

Nessa tipologia multidimensional de saberes, os autores procuram


“associar a questão da natureza e da diversidade dos saberes do professor à
de suas fontes, enfatizando sua proveniência social” (TARDIF; RAYMOND,
2000, p. 214). Os referidos autores apresentam um quadro no qual encontram
“[...] fontes de saberes provenientes da história de vida individual, da
sociedade, da instituição escolar, dos programas e livros didáticos, dos outros
atores educativos, dos lugares de formação etc.” (TARDIF; RAYMOND,
2000, p. 214). Esses diferentes saberes se inscrevem numa dimensão
temporal ao longo da carreira docente. Os autores mostram ainda que a
inscrição no tempo é significativa para a compreensão da genealogia dos
saberes docentes e revelam que a memorização de experiências educativas
é marcante para a construção do eu profissional docente. Um outro aspecto

155
importante citado pelos autores são os saberes docentes que são sociais e
adquiridos em tempos distintos: tempo da infância, da escola, da formação
profissional, do ingresso na profissão, da carreira (TARDIF; RAYMOND,
2000, p. 236).

O tempo não é um dado objetivo representado por horas de trabalho,


nem apenas um meio no qual estão imersos os trabalhadores da educação,
mas, como dizem com muita propriedade os citados autores, uma referência
na aquisição de conhecimentos e domínio laboral:

A própria noção de experiência, que está no


cerne do eu profissional dos professores e de sua
representação do saber ensinar remete ao tempo,
concebido como um processo de aquisição de
um certo domínio do trabalho e de um certo
conhecimento de si mesmo. (TARDIF; RAYMOND,
2000, p. 239).

Outra referência quanto à questão do tempo escolar é a de Moura


(2009) que reflexiona criticamente sobre a cultura escolar, colocando que
esta prima pela homogeneidade do tempo, do espaço, das normas, tornando-
se pouco acessível a mudanças. A repetição, a ênfase na individualidade, o
caráter pouco interativo das atividades escolares cria resistências escolares
que se traduzem no abandono, na evasão e, evidentemente, no insucesso
escolar. O aluno resiste de forma implícita ou explícita aos objetivos, ao
tradicionalismo da organização escolar e aos modos de socialização da
cultura escolar (MOURA, 2009, p. 7).

Pelo exposto, o tempo da escola é curto, centralizado na ação do


professor que não oportuniza momentos de reflexão crítica, desconsiderando
os sujeitos aprendentes, e nesse sentido pode funcionar como opressor, que
gera resistências.

156
A perspectiva marxista de Piazze (2007) mostra que a vida do
indivíduo gira em torno do binômio: trabalho e tempo livre, ou seja, um
tempo destinado à produção e outro tempo destinado a si mesmo ou às
suas preocupações mais íntimas, porém frisa que os seus momentos de
lazer ou de diversão são também programados pela indústria da cultura,
sendo o sujeito uma mera engrenagem do sistema capitalista e o tempo
um aliado desse sistema (PIAZZE, 2007, p. 1). Essa redução do indivíduo
a uma simples peça de engrenagem do sistema capitalista foi muito bem
problematizada por Chaplin na película Tempos Modernos.

Pereira (2004) também enfatiza a condição de trabalho produzida


pelo avanço capitalista na primeira década do século XX, relativizando
a percepção individual do tempo que reorganiza o espaço e fragmenta a
organização espacial de produção. Apresenta duas categorias distintas
de temporalidade: o tempo cósmico, mensurável pela ciência e o tempo
fenomenológico, tempo do interior da consciência, inseparável da vivência
(PEREIRA, 2004, p. 6).

As concepções filosóficas sobre o tempo também divergem. Os


gregos concebem o tempo como a ordem mensurável do movimento e
essa concepção cíclica do mundo forneceram as bases para a mecânica
de Newton. Santo Agostinho reduz a concepção do tempo à consciência e
desconhece, pelo menos filosoficamente, a existência de um tempo objetivo.
O tempo em sua teoria não é um “ente” independente do homem e objetivo,
mas, pelo contrário, existe tão somente dentro de nossa consciência.

A noção mais antiga de tempo na filosofia remonta aos gregos.


Chrónos refere-se ao tempo cronológico ou sequencial. É medido pelo
relógio e calendário; é ordenado, rítmico e previsível. O kairos é o tempo da
sensibilidade e das verdadeiras aprendizagens, que na literatura corresponde

157
ao tempo psicológico. Numa comparação entre as duas palavras enquanto
chronos é de natureza quantitativa, o kairos é qualitativo.

Já na pós-modernidade, o tempo é efêmero e desordenando


numa sequência de eventos simultâneos (CASTELLS, 1999, p. 490).
Com o advento das tecnologias digitais uma nova visão paradigmática
emerge na educação e surgem novos formas de gerenciar o tempo bem
como novas temporalidades. Castells (1996 apud SANTAELLA, 2010, p.
111) diz que, nas sociedades em rede, o espaço organiza o tempo e passa
a representar uma figura central nos estudos de mobilidade, fazendo
emergir certos constrangimentos impostos a mobilidade dos cidadãos, fato
indissoluvelmente ligado a natureza expansiva do mundo capitalista. Por
outro lado, o tempo linear, segundo Nowotny (apud SANTAELLA, 2010,
p. 111) vem sendo substituído pela “ilusão de simultaneidade” e por “series
temporais superpostas”.

O grande desafio para a educação e os educadores, portanto, é


o de administrar todas as questões referentes a uma nova concepção de
temporalidades, na qual o que importa não é o sentido cronológico do
tempo, mas fundamentalmente o relacional e o comunicativo.

Além das inúmeras atribuições para administrar os processos


formativos online existe ainda o problema provocado pela presença
de uma cultura resultante da incorporação das novas tecnologias na
qual o tempo tem uma dimensão contraditória: flexível, com excesso de
informações e, muitas vezes, difícil de ser administrado. Para enfrentar esse
desafio são necessárias estratégias pedagógicas diferentes e relações mais
compartilhadas e solidárias, para dar voz aos sujeitos aprendentes como
explicita Nóvoa (1988, p. 26), “[...] a troca de experiências e a partilha de
saberes consolidam espaços de formação mútua, nos quais cada professor

158
é chamado a desempenhar, simultaneamente, o papel de formador e de
formando”.

Pesce (2008) apresenta uma cronologia histórica do tempo, a


saber: tempo dos deuses; tempo dos corpos; tempo das máquinas e, na
contemporaneidade, o tempo dos códigos. Adverte que se perdeu a
dimensão kairológica do tempo, para se ficar à mercê do tempo cronológico
e isso tem implicações na constituição das identidades dos sujeitos, pois
solapa a noção histórica do tempo e ameaça o tempo como possibilidade
pessoal e social. A referida autora mostra ainda a necessidade dos cursos
de formação online de professores levarem em conta o equilíbrio entre o
tempo cronológico e o kairós:

[...] para que as distâncias sejam geográficas e não


simbólicas, os programas de formação docente
online devem buscar um tempo de aprendizagem
mais equilibrado na conjugação harmoniosa entre
chrónos e kairós. (PESCE, 2008, p. 33).

Corroborando com a autora supracitada, transcrevemos alguns


depoimentos dos sujeitos do nosso estudo, que serão delineados nas
próximas páginas e que revelam a necessidade de reflexão sobre a
temporalidade e a importância de se estabelecer diferenças entre o tempo
do relógio (chrónos) e o da sensibilidade ou psicológico (kairós), porque as
verdadeiras aprendizagens não são apenas produzidas pela mera passagem
do tempo.

159
O Percurso Metodológico da Pesquisa: a Escuta das Vozes
Docentes

Os sujeitos do presente estudo foram 66 professores selecionados


que atuam nos diversos campi da Universidade do Estado da Bahia,
integrantes de dez grupos do Curso de Especialização em EaD do Projeto
UNEB, em parceria com a Universidade Aberta do Brasil (UAB) em uma
das disciplinas do curso intitulada: Metodologia do Ensino Superior. Nessa
disciplina, oportunizamos momentos de reflexão sobre o cenário atual em
que se insere a prática profissional docente, discutimos os saberes que os
professores mobilizam nas situações específicas de ensino, questões relativas
ao desenho didático dos cursos – interações e tempo de aprendizagem, este
último aspecto, objeto do presente artigo.

A nossa vivência como professora, autora e formadora em cursos a


distância e, sobretudo, a experiência interinstitucional intitulada: “Formação
de professores para a Docência online” vivida no espaço virtual do ambiente
Moodle6 e os enriquecedores debates sobre essa problemática encabeçados
pela impecável equipe da PUC/SP7, me instigaram a aprofundar, com os
alunos do Curso de especialização em EAD, os seguintes questionamentos:
Os cursos de formação docente online estão equacionando bem os tempos
de aprendizagem? Há tempo suficiente para os participantes construírem
aprendizagens significativas? Quais as interferências no processo de
constituição das identidades docentes advindas do meio digital?

6 Nesse espaço, desenvolvemos o projeto interinstitucional intitulado: Formação de


Professores para a Docência Online, coordenado pelo professor Marco Silva, no qual
utilizamos o ambiente Moodle. Foram vários pesquisadores representando vários programas
de pós-graduação do Brasil e exterior, discutindo temáticas importantes relacionadas à
docência na cibercultura. Disponível em: <www.saladeaulainterativa.pro.br/moodle/>.
7 Destaco os professores que compõem a equipe do PPGE/PUC/SP, em especial, as
professoras doutoras Lucia Santaella e Lucila Pesce de Oliveira.

160
Os depoimentos dos sujeitos oriundos de grupos de vários campus
da Universidade do Estado da Bahia que participaram do curso foram
longos, bem fundamentados, com a incorporação de imagens e vídeos aos
textos discutidos na interface: Fórum e levantaram discussões sobre tempo
de aprendizagens nos cursos online.

Seguem-se as vozes de dois sujeitos da pesquisa que assim definiram


o tempo como referência para aprendizagens significativas:

[...]Portanto, as aprendizagens significativas acontecem no Kairós, tempo que não


pode ser medido pelo tempo (Chrónos) permanência nos ambientes virtuais mas
pela qualidade das interações  e pelas possibilidades ilimitadas de construção de
conhecimento [...] (PE-G10.)

O excesso de textos e tarefas no ambiente virtual que impedem o


aluno, dentro do tempo previsto, de obter uma aprendizagem significativa
foi outro aspecto abordado pelos sujeitos da pesquisa. Os sujeitos mostram
ainda o tempo como fator de referência e defendem a flexibilidade de
horários nos cursos online para viabilizar maiores possibilidades de
administrar o tempo e as atividades propostas.

[...] nós, professores, podemos controlar o tempo disponível com nossos alunos e
acrescento que cabe ao professor apresentar as tarefas em etapas acessíveis, para
evitar o excesso de informações. [...] Então, cabe ao professor ajudar os alunos a
gerenciar seu próprio tempo online e desenvolver disciplina suficiente para realizar
as tarefas [...] (LMN-ESPG4).

[...] o tempo é um elemento organizador de nossas ações; não podemos perdê-


lo como referência. É natural que, no processo de transição e estabelecimento de

161
um novo paradigma (como a relatividade do tempo), os equívocos e incertezas
ocorram na ação educativa. O amadurecimento de aprendizagens é consequencia
de discussões, de reflexões e de trocas que podem ou não ser contempladas, com
base nos tempos disponíveis e bem aproveitados. (PBRESP-G5).

Os depoimentos também mostram a dificuldade de se administrar


o tempo nos cursos online, enfatizando a falta de tempo dos docentes para
acompanhar as atividades propostas como se pode observar a seguir.

[...] É verdade também que enfrentamos a falta de tempo daqueles que se propõem
a nos orientar [...]. (HLCD-ESP-G4).

[...] Dessa maneira, o tempo do relógio sendo escasso, como administrá-lo de modo
a ser investido para a formação? Chega a ser utópico acreditar que um professor
que trabalhe 60h, conforme o nosso colega relatou, tenha a mesma motivação, vigor
físico e disponibilidade para estar em cursos de formação. Junte-se a isso o fator
sociocultural: o da mulher, que além de ser profissional, necessita assumir o papel
de dona de casa, esposa e mãe. [...] (ASCO-ESP-G5).

Um dos sujeitos da pesquisa assinalou a necessidade de uma


reflexão coletiva para o enfrentamento das questões nos cursos a distância
e a necessidade de evitar a superficialidade dos cursos, atentando para os
ganhos formativos produzidos.

[...] a pretensa eficiência quantitativa de muitos cursos, respaldada em critérios


de eficácia, geralmente mostra uma falsa impressão de aprendizagem e sucesso
formativo, escondendo uma perda significativa de qualidade, justamente pelo
atropelamento do kairós (tempo vivencial, da sensibilidade e das verdadeiras

162
aprendizagens) ante a “ditadura” do chrónos (tempo opressor, objetivo, linear e
hegemônico por essência), que obriga os sujeitos a cumprir programas e prazos em
busca de resultados não condizentes com o real intuito da educação, a qual vai além
do abarrotamento de conteúdos curriculares rumo à formação crítico-reflexiva,
comprometida com a ética e a cidadania, acima de tudo. (PL-G2).

Como nos encontramos no espaço virtual, com novas configurações,


optamos por adotar uma postura etnográfica que possibilitasse a interação
necessária entre os sujeitos da pesquisa, viabilizando a construção conjunta
de sentidos e de resultados (HINE, 2000). Adotamos a etnografia como
opção metodológica para analisar os depoimentos extraídos da interface:
Fórum Virtual.

Esclarecemos que, como estamos analisando escritas produzidas


em ambientes mediados pelo computador e pela internet, um aspecto
importante a ser considerado é a refletividade, em que pesquisador e
pesquisados devem crescer por meio da pesquisa e se auto‐analisarem.
Além disso, a adoção da uma postura etnográfica permite a confluência da
subjetividade com a objetividade, articulando as distintas vozes docentes e
discentes. Justificamos tal esforço metodológico para compensar a falta do
contato mais direto entre pesquisador e sujeitos da investigação, fato comum,
quando estamos em ambientes virtuais, mediados pelo computador.

Ao discutir a questão do tempo, a percepção construída dessa


pesquisadora também foi modificando, a partir da interação comunicativa
com os sujeitos do estudo. Esclarecemos que os Fóruns deixaram outros
questionamentos referentes à docência online, que serão discutidos
posteriormente, não se constituindo em objeto do presente artigo.

O percurso metodológico do presente estudo ainda não concluído,


já atingiu uma primeira etapa caracterizada pela leitura crítica das escritas
digitais colhidas no Fórum bem como, por uma leitura flutuante dessas, para

163
uma primeira análise de conteúdo. Pelo exposto, espera-se que a presente
pesquisa possa contribuir para revelar outros espaços de investigação e
possibilidades de formação que desloquem o eixo da docência tradicional
para um espaço-tempo de escuta dos formadores da universidade com
os professores da educação básica, levando-os a exercerem uma reflexão
crítica sobre a sua própria formação, nos espaços online de aprendizagem.

Conclusões, ainda que Parciais

Discutimos, neste artigo que as tecnologias apontam para um


novo tipo de sociedade, predisposta à interações mais democráticas, mas
também sinalizam outras formas de desigualdades e divisão social.

Enfatizamos o posicionamento dos críticos dos estudos culturais


da Pedagogia que defendem uma concepção de currículo que leve em
consideração as vozes dos sujeitos excluídos.

Analisamos como a Educação online pode dar suporte à inovação


pedagógica e desafiar a educação tradicional, se estiver disposta a repensar
seus modelos de formação docente e de gestão educacional.

Chamamos a atenção para a questão da temporalidade nos processos


formativos à distância e aprofundamos a questão dos cursos online
atentarem para a singularidade nos ambientes virtuais e para a necessidade
de se formar professores competentes e comprometidos, capazes de mediar
a aprendizagem dos alunos nesses espaços.

Como discutimos ao longo do texto e dos depoimentos aqui


registrados, ainda persistem dúvidas e incertezas no que diz respeito ao
tempo utilizado pelas instituições de ensino a distância e alguns sujeitos
questionam a forma como o tempo tem sido utilizado nos desenhos

164
didáticos dos cursos online. Nesse particular, destacamos o tempo
construtor de aprendizagens significativas, que não pode ser medido pelo
relógio, o Kairós, que envolve dialogia e interrelações mais afetivas entre
formadores e formandos em ambientes virtuais. São aprendizagens que
“[...] tocam o coração das pessoas”8, como nos ensina Cora Coralina com
sua sensibilidade e sabedoria exemplares, aprendidas ao longo da sua vida
e das suas ricas experiências.

As intervenções dos sujeitos também revelam descontentamento e


a necessidade de uma atitude crítica para o enfrentamento dessas questões.

Pelo exposto, fica evidente que precisamos estar preparados para


enfrentar esses desafios, abertos e flexíveis para as mudanças paradigmáticas
na educação. Concordamos com Hine (2004) quando diz que, quando se
trata de pesquisa, em que se utiliza o ambiente virtual, o agente de mudanças
não é a tecnologia, mas os sentidos que se constroem em torno dela. Não
estamos lidando apenas com novas tecnologias, mas com novos conceitos,
o que está no centro da questão, a essência substantiva do nosso problema,
é a qualidade da educação, seja ela presencial ou à distância.

O desafio que está sendo posto vai muito além, exigindo mudanças
paradigmáticas que se constroem no coletivo das instituições, superando
as visões lineares que ainda perduram, procurando formar uma equipe
interdisciplinar que tenha como ponto de partida a consideração pelo perfil
e expectativas da clientela envolvida, uma gestão de sistema eficaz, um
projeto pedagógico e um desenho didático que acolham verdadeiramente
uma educação sem distância.

8 Disponível em: <http://www.congonhas.mg.gov.br/arquivos/cora_coralina_1014204010.


pdf>.

165
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168
Sala de Aula Virtual: novos
lugares e novas durações
para o ensinar e aprender
na contemporaneidade
Daniel Mill
(UFSCar)

Aparecida Ribeiro da Silva


(UFSCar)

Nara Brito
(UFSCar)

Introdução

O que é uma aula? Como uma sala de aula se configura? O que


a caracteriza? Quais os tempos e espaços de uma (sala de) aula? Que
mudanças conceituais as tecnologias digitais trouxeram para a aula e para
a sala de aula? Para compreender as concepções de aula e sala de aula na
contemporaneidade é preciso antes entender aspectos relacionados à sala
de aula presencial.

Assim, o objetivo deste texto é discutir e buscar compreender a aula


e a sala de aula virtual como espaços e tempos diferenciados, tendo como
referência a compreensão vigente de sala de aula presencial e o atual estágio

169
de desenvolvimento das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação
(TDIC). A influência dessas TDIC na educação (especialmente na educação
a distância) trouxe diferentes entendimentos sobre espaços e tempos
educacionais.

Entendemos que essas análises e discussões são fundamentais para


compreender a educação na contemporaneidade. A sala de aula virtual está
no bojo das transformações mais profundas pelas quais passou a educação
ultimamente e, por isso, merecem ser estudadas.

A sala de aula presencial: definições e considerações


preliminares

A sala de aula tem papel central no espaço escolar, pois é nele que
as relações educacionais e a formação dos alunos acontecem de modo
privilegiado. O espaço da sala de aula é composto de inúmeros elementos
e sua identificação ou compreensão está na base de análise da educação
na atualidade, especialmente na educação a distância (EaD). Discutiremos
a seguir noções sobre aula e seus espaços e tempos, caracterizando-as em
seus entendidos como lugar e duração de ensinar e aprender.

Entendendo uma aula

Para compreender adequadamente uma concepção de sala de aula,


é preciso antes entender o que é uma aula. Em seu livro, Veiga (2008) nos
apresenta uma concepção de gênese, dimensões, princípios e práticas da
aula. De forma simplificada e numa concepção tradicional, podemos dizer
que uma aula é um fato social que ocorre na relação ensino-aprendizagem
num espaço e tempo determinado, envolvendo docente e educando. Com as

170
mudanças tecnológicas mais recentes, essa noção de aula sofreu mudanças
também. Assim, questiona-se: o que é uma aula? O que a caracteriza e qual
sua relação efetiva com os tempos e espaços da sala de aula?

Como princípio, uma aula se instala num espaço e tempo


determinado para o ensino-aprendizagem, em que as intencionalidades
docente e discente devem vigorar. Tradicionalmente, a sala de aula é o lócus
privilegiado para a realização da aula, pois foi planejada e construída para
essa finalidade. Além disso, a organização de tempos e espaços destaca-
se como elemento fundamental na constituição da aula. “[...] A aula se
realiza em um espaço e em um tempo demarcados, mas apresenta uma
composição de unidades, que pressupõe uma estruturação entre objetivo,
finalidade, conteúdo, método e técnica de ensino, tecnologia e avaliação”
(ARAÚJO, 2008, p. 59).

Tendo como referência noções de espaço/lugar e tempo/duração


de uma aula, o docente planeja a aula e as atividades que desenvolverá
com os alunos de acordo com a sua concepção dos processos de ensino
e aprendizagem. O desenvolvimento do pensamento, da cognição e da
racionalidade humana é explicado diferentemente por diversos autores e
teorias, que embasam as relações de ensino e aprendizagem entre alunos
e professores e vão configurar o desenvolvimento do trabalho pedagógico.
A intencionalidade docente é influenciada, portanto, por essas teorias e
estudiosos da educação.

[...] o que orienta a organização dos espaços-


tempos de aula é a intencionalidade do trabalho
pedagógico: a forma como são selecionados
os objetivos educativos, os conteúdos, os
métodos, o processo de avaliação, como
a relação professor-aluno é conduzida e a
compreensão de que essas opções teórico-

171
metodológicas não se caracterizam pela
neutralidade, ao contrário, expressam
concepções de sociedade, educação e homem
(SILVA, 2008, p. 38).

A forma como os professores organizam as relações de ensino-


aprendizagem e os conhecimentos no tempo e espaço disponíveis é norteada
pelos seus referenciais epistemológicos. Em cada linha teórica, a aula se
configura de determinada maneira e, também por isso, uma aula nunca
é neutra, pois carrega uma concepção e uma maneira de compreender os
processos envolvidos no ensinar e aprender. Assim, uma aula é a organização
didático-pedagógica de uma determinada fatia de conhecimento,
prevista para se desenvolver num lugar e durante um intervalo de tempo
predeterminados, numa discussão entre sujeitos (educador e educandos)
socialmente e historicamente estabelecidos, objetivando o desenvolvimento
cognitivo especialmente dos estudantes do grupo. Como dissemos, por
ser planejada pedagogicamente para um determinado fim (intenção de
ensinar) e por atender a um determinado grupo de interessados (desejo
de aprender), uma aula pressupõe intencionalidade docente e interesse
discente na construção do conhecimento.

Sobre sala de aula como lugar privilegiado para a


formação

O espaço planejado e privilegiado para que a aula aconteça é a sala


de aula, que geralmente compõe parte de uma instituição educacional
igualmente planejada e construída. O espaço escolar é arquitetado para
fins educacionais. A arquitetura escolar prevê a construção de espaços
como bibliotecas, secretarias, sala de aula, sala de professores, banheiros,
espaço para recreio etc.. Entretanto, por princípio, é no espaço da sala de
aula que acontece o processo da ação educativa. É nesse espaço da sala
de aula que alunos e professores se reúnem para compartilhar o ensino e
a aprendizagem. Dessa forma, o espaço da sala de aula é um importante
e privilegiado espaço para a formação do estudante (e do professor,
indiretamente). Apesar dessa importância, ainda há aspectos da sala de aula
por compreender, especialmente no contexto multimidiático e cibercultural
atual. Como ocorre o processo de ensino e aprendizagem nos espaços de
uma sala de aula na contemporaneidade? Qual o lugar da aula atualmente?

O tempo de uma aula é cronometrado em minutos, mais


especificamente, em hora/aula. É nessa duração da hora/aula que o docente
desenvolve o processo de formação dos alunos, no espaço da sala de aula.
Frago e Escolano (2001, p. 27) explica que “[...] a espacialidade precisa ser
parte integrante da arquitetura escolar, de forma que se observa tanto na
separação das salas de aula como na disposição regular das carteiras”. Essas
coisas, segundo Frago e Escolano, facilitam também a rotina das tarefas
e economia do tempo. Sendo assim, é importante que ao projetarem o
espaço de uma sala de aula, seja pensado no tempo compartilhado entre
o professor e os alunos na relação de ensino e aprendizagem. Bernard
(apud BUFFA; PINTO, 2002, p. 19) afirma que, “[...] geralmente, as escolas
são muito pequenas, sem espaço suficiente para a circulação dos alunos;
são mal iluminadas, mal ventiladas e mal aquecidas. Os móveis não são
ajustados aos alunos, nem dispostos de forma a lhes proporcionar conforto
e a fácil supervisão do mestre”.

Portanto, para possibilitar formação adequada aos alunos, a


arquitetura escolar deve levar em consideração o espaço da sala de aula,
com destaque para as dimensões de conforto: espaço disponível, a claridade
e iluminação, ventilação, temperatura ambiente, organização dos alunos/
mobiliário e o manejo da turma pelo docente. É essencial que o ambiente de
estudos da sala de aula configure-se como um espaço agradável, confortável

173
e que proporcione boas condições de discussão entre os participantes e
desenvolva cognitivamente os educandos. Além disso o docente leva em
consideração que “[...] a aula possui alguns componentes, e entre eles está
o tempo, que é o processo de duração de uma aula, cronometrada pelo
relógio, em 40’ a 50’, que se configura em uma hora-aula” (ARAUJO, 2008,
p. 61). É nessa hora/aula, espaço/lugar que o professor/docente discute
com os alunos/discentes, sobre os conteúdos no processo de ensino e
aprendizagem. Num plano geral e como fundamento da construção
do conhecimento em sala de aula, pode-se concluir que o momento de
convivência em sala de aula precisa ser uma duração relacional rica e fértil,
o que exige boas condições para a sala ambiente da aula.

Além disso, mesmo em condições adequadas a configuração de uma


sala de aula pode ser fator limitante para o desenvolvimento do educando.
Segundo Kenski (2007), a arquitetura da sala de aula tradicional limita o
potencial de discussão de uma aula, levando-nos à conclusão de que são
espaço-tempo finitos e de difícil gerenciamento. Embora longa, a citação
abaixo traduz a afirmação da autora.

Se as arquiteturas das escolas e os espaços das


salas de aula nos falam de uma educação em que
se privilegia o ensino, os tempos das escolas vão
reforçar essa minha tese, porque o tempo nas salas
de 50 ou mais alunos é determinado, curto e finito.
Um tempo curto demais para que todos possam
falar, dizer o que pensam. Um tempo em que não
há como debruçar-se sobre a informação, refletir e
posiciona-se criticamente, apresentar suas reflexões
para os que freqüentam a mesma sala de aula. Um
tempo que precisa ser gerenciado pelo professor
para poder transmitir a informação, encaminhar
exercícios, corrigir, tirar dúvidas, avaliar. Um
tempo pequeno demais para o professor e todo o
‘programa’ da disciplina que precisa cumprir. Um

174
tempo que, assim como o espaço, aposta na função
de ensinar e na ação do professor e desconsidera o
aluno e suas formas de aprender (KENSKI, 2007, p.
108).

Por outro lado, podem haver modelos alternativos, pois nem sempre
os tempos e espaço da (sala de) aula foram definidos e organizados em
função da arquitetura escolar. Essa relação altera-se tanto em função da
época histórica quanto com relação à sociedade considerada. Segundo Silva
(2008, p. 17), “[...] na Europa medieval não existia um espaço construído
e destinado a ser uma sala de aula. Na verdade, os filhos de aristocratas
que viviam no campo se organizavam em grupos e remuneravam os
professores”. Para essa autora, a duração de uma aula não estava circunscrita
no espaço de uma sala de aula. Após a Idade Média, “[...] as relações de
aprendizagem dos nobres passaram a ser nas aulas particulares, interagindo
com um professor, conhecido como interceptor” (XAVIER; FERNANDES,
2008, p. 228). Somente após a Revolução Industrial que o espaço de ensino-
aprendizagem começa a tomar a configuração do que conhecemos hoje
como uma sala de aula.

Caracterizando aula como duração e a sala de aula


como lugar de aprendizagem

Sabemos que o surgimento da sala de aula (como a conhecemos


hoje) é relativamente recente, mas ganhou importância central na análise
do ensino-aprendizagem. Embora sala de aula pareça um termo simples
e claro, trata-se de uma expressão bastante complexa até mesmo para
educadores. Nem todos sabem o que é uma sala de aula e quais suas
principais características. Quais as particularidades de uma sala de aula em

175
relação a outros espaços arquitetônicos? Quais as principais características
físicas/arquitetônicas e/ou pedagógicas que determinam uma sala de aula?

Segundo Mill e Fidalgo (2006, p. 25), os espaços são percebidos de


maneira simbólica. Afirmam que cada espaço e lugar são compreendidos
a partir de sua função e, dessa maneira, a sala de aula é percebida como
esse espaço de ensino-aprendizagem por ter determinadas características
e por ser planejada e desenvolvida com o objetivo pedagógico. É essa
característica que diferenciará o espaço da sala de aula de outros espaços.

A sala de aula é composta por vários elementos e não apenas por


docentes e alunos. Conforme Dussel e Caruso (2003, p. 36), há também
“[...] mobiliário, instrumentos didáticos, as questões da arquitetura escolar,
tudo faz parte da sala de aula”. Assim, o espaço da sala de aula é percebido
pelas suas características, em relação à sua arquitetura e à disposição dos
objetos em seu interior. Por questões contextuais, é necessário um olhar
histórico para a sala de aula buscando entendimento das transformações e
decisões que a configuraram como ela é hoje. Por ser um espaço construído
socialmente, Dussel e Caruso (2003, p. 36) sugerem que a sala de aula seja
analisada como construção histórica dos seres humanos.

Os aspectos arquitetônicos, de configuração e organização dos


objetos e pessoas fazem parte do que constitui a sala de aula como espaço
destinado à relação pedagógica entre discentes e docentes. Segundo Frago
e Escolano (2001, p. 74), o espaço escolar educa e, por esse motivo, ele deve
ser pensado e construído com essa intenção educacional, pois o espaço
nada tem de neutro. Dessa forma, educação e arquitetura estão ou estiveram
intimamente inter-relacionadas.

O papel do professor na configuração de um espaço educativo


(ou espaço que educa) é fundamental. Ainda segundo Frago e Escolano
(2001, p. 139), o espaço da sala de aula vai se configurar conforme a

176
visão de organização e, portanto, de educação que o professor carrega.
Nesse sentido, o docente é também arquiteto, pois ele pode transformar
o espaço da sala de aula em um espaço mecânico e frio ou dinâmico e
vivo. Sua capacidade de criar um ambiente agradável e adequado para si
e seus alunos está relacionada à forma como o professor organizará os
objetos e pessoas na sala de aula e também na concepção de formação que
a sua prática pedagógica é baseada. Acreditamos que essa caracterização
do espaço da sala de aula é identificada a partir da compreensão de
Therrien e Therrien (2001, p. 78), que compreendem a racionalidade do
fazer pedagógico cotidiano dos professores a partir da exploração do “[...]
universo epistemológico que fundamenta o agir pedagógico; isto é, a partir
da identificação e caracterização dos elementos fundantes de uma razão
eminentemente prática que estrutura o fazer”.

Assim, com base nos estudos de Mill e Fidalgo (2006, p. 21), pode-
se afirmar que o aspecto organizacional da sala de aula é importante e
inerente a prática pedagógica; embora ele não deva se desprender do
aspecto arquitetônico da escola. Ambos os aspectos são partes importantes
na compreensão das relações de ensino e aprendizagem. Os espaços físicos
da escola (inclusive aqueles extraclasse), sua arquitetura é parte importante
na organização do espaço escolar para possibilitar melhor ensino e
aprendizagem, esse é um aspecto que não deve ser ignorado por ser parte
importante no contexto escolar. Como disse Silva (2008), há aspectos
organizacionais e arquitetônicos extraclasse que compõem o processo
educacional e isso também deve ser considerado na análise da sala de aula.

A sala de aula se vincula à dimensão física –


local apropriado para a realização de ações,
ao passo que a aula assume a dimensão de
organização do processo educativo, tempo e

177
espaço de aprendizagem, de desconstrução
e não se vincula a um lugar específico, uma
vez que a aula pode realizar-se em espaços
não convencionais, para além de uma sala
retangular com cadeiras e mesas dispostas
linearmente, com um quadro de giz na parede
e um espaço central para o professor (SILVA,
2008, p. 36).

A partir dessa compreensão, podemos entender que uma aula


acontece em qualquer espaço, sendo a sala de aula o lócus privilegiado e
intencionalmente construído para o exercício do ensino e aprendizagem.
Atualmente, com o desenvolvimento intenso da EaD, a aula e a sala de
aula passaram por transformações em decorrência do redimensionamento
espaço-temporal promovido pelas tecnologias de informação e comunicação
(TDIC). A maneira como as relações de ensino-aprendizagem socialmente
construídas nos tempos atuais (na EaD, em especial) retira a centralidade da
sala de aula como espaço privilegiado para a construção de conhecimentos
e expande o lugar da formação e a duração de uma aula para outros limites.
Consideramos ser importante compreender esses aspectos e é por isso que
aprofundaremos o assunto no próximo tópico.

A aula e a sala de aula na contemporaneidade: virtualidades


e redimensionamentos

Como afirma Harvey (2001), o desenvolvimento das tecnologias


de informação e comunicação, principalmente da internet, possibilitou
outras maneiras de experimentar os tempos e espaços. Possibilitou, por
conseguinte, outras formas de pensar e configurar a aula como duração e
a sala de aula como lugar. Essa nova configuração emerge num contexto

178
de mudanças de paradigma no campo educacional. A maior contribuição
que a internet pode proporcionar ao processo educacional diz respeito à
mudança de paradigma, impulsionada pelo grande poder de interação que
ela propicia (SCHLEMMER, 2005, p. 30).

As mudanças de paradigmas promovidas pela intensificação do


uso das tecnologias digitais na educação estão diretamente relacionadas
aos tempos e aos espaços do ensinar e aprender. Assim, compreender esta
relação entre tecnologias digitais e educação parece necessário.

A evolução das Tecnologias de Informação e


Comunicação: contextualizando

Autores como Castells (2003) e Harvey (2001), dentre outros


tantos, analisam as mudanças das últimas décadas sob o ponto de vista das
tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC). A tese central é
que as experiências sociais com os tempos e espaços passaram por mudanças
abissais desde a virada do século. As tecnologias de base telemática e
informacionais têm gerado transformações culturais em todas as instâncias
sociais do mundo, inclusive na educação. Algumas dessas mudanças
educacionais podem ser consideradas positivas e importantes, embora
outras consequências menos benéficas possam ser identificadas. Do ponto
de vista da sociedade cibercultural, as TICs fizeram emergir novas formas
de relacionamento sociais e novas maneiras de experimentar o tempo e o
espaço. No centro destas análises, estão as questões espaçotemporais da
educação, com destaque para a aula e a sala de aula.

Conforme Kenski (2003, p. 23), o uso das tecnologias de informação


e comunicação, caracterizadas como midiáticas, criaram uma nova cultura e
um novo modelo de sociedade — o que, direta ou indiretamente, influenciou

179
a educação em praticamente todos os sentidos. Em sentido semelhante, Mill
e Fidalgo (2006, p. 20) afirmam que, “[...] sendo a educação uma atividade
perpassada pelos processos comunicacionais, ela é diretamente influenciada
pelas novas possibilidades comunicacionais criadas pela digitalização ou
virtualização”. Enfim, é nessa direção que várias discussões contemporâneas
são abertas sobre as transformações ocorridas na educação em função do
avanço tecnológico. Tais transformações ocorrem em diversos aspectos,
principalmente nos espaços/tempos educacionais (especialmente o ensinar
e aprender na sala de aula).

Com o uso das tecnologias digitais na educação, a noção de espaços


e tempos mudou drasticamente, inclusive no âmbito da educação. As TDIC
possibilitaram “[...] a criação de situações pedagógicas diversificadas, ricas
e complexas, incentivando a autonomia do aluno e de todos os envolvidos”
(PERRENOUD, 2000, p. 139). Seguindo a mesma linha de raciocínio e
referindo-se aos espaços da sala de aula, Kenski (2003) acrescenta outras
alterações provocadas pela inserção das tecnologias digitais na educação,
destacando aí dois aspectos.

As tecnologias redimensionam o espaço da sala de aula em dois


aspectos: primeiro aos procedimentos realizados pelo grupo de alunos e
professores no espaço físico da sala de aula. No segundo aspecto, é o próprio
espaço da sala de aula que também se altera (KENSKI, 2003, p. 50).

Mudanças, portanto, nas concepções de sala de aula (organização


espacial e conforto) e aula (relação social com o tempo e o conteúdo). Como
argumenta Araujo (2008, p. 59), uma “[...] aula se realiza em um espaço e em
um tempo demarcados, mas apresenta uma composição de unidades, que
pressupõe uma estruturação entre objetivo, finalidade, conteúdo, método
e técnica de ensino, tecnologia e avaliação”. Dussel e Caruso (2003, p. 237)
acrescentam que “[...] o espaço da sala de aula não é definido unicamente
pelas tecnologias, mas em grande parte do que homens e mulheres se
dispunham a fazer destas tecnologias”. A despeito do atual estágio de
desenvolvimento das tecnologias digitais, a relação ensino-aprendizagem
ainda possui como princípio primeiro a relação entre educador e educando.

No âmbito da educação a distância (EaD), a relação entre educação


e telemática é mais explícita e também intensamente explorada. Os
ambientes virtuais de aprendizagem, as videoconferências, as discussões
virtuais em fóruns e outras ferramentas da modalidade de EaD representam
possibilidades até então desconhecidas de experimentar o tempo e o espaço
na educação. Vejamos mais detalhadamente no próximo tópico essa
questão.

Mudanças espaços-temporais na educação


contemporânea

Nos últimos anos, muito se ouve falar em mudanças paradigmáticas.


Também na educação, essas discussões são evidentes e é nesse contexto
que a modalidade de EaD emerge como uma possibilidade adicional de
formação inicial ou continuada. Intensamente permeada por TDIC, o
contexto educacional contemporâneo caracteriza pela mudança nas formas
de aprender e de ensinar. A EaD ganha impulsos como uma modalidade
educacional com intenso uso de mídias informacionais e com proposta
pedagógica descentralizada, em que docentes e estudantes compartilham
informações e aprendem colaborativamente. Especialmente na EaD, o
professor perde a centralidade do processo e ganha status de orientador
da aprendizagem dos seus alunos. Pelas possibilidades de comunicação
síncronas e assíncronas das TDIC, o aluno da EaD pode não ter contato
direto com o docente. Esta relação diferenciada entre professor-aluno é
mediada por múltiplas mídias e por materiais didáticos diversos. Isso está

181
diretamente relacionado às formas como as pessoas se organizam na “sala
de aula”: os alunos para aprenderem (colaborativamente) e o professor para
manejar sua turma e oferecer uma aula didaticamente organizada.

Para atender a uma nova distribuição espaço-temporal dos sujeitos


do ensino-aprendizagem na EaD, aos poucos foram sendo criadas outras
estruturas de “sala de aula” e novos tempos educacionais. Segundo Frago
e Escolano (2001, p. 134), a imagem do espaço de sala de aula é como um
espaço aberto, não mais a imagem de sala de aula como espaço fechado.
As TDIC possibilitaram a reformulação do processo educativo, da relação
professor-aluno, da aula e do manejo da turma, da sala de aula e de todos os
espaços escolares. Essa mudança de paradigma educacional não é exclusiva
da EaD e também vale para a educação presencial. Como afirma Behar
(2009, p. 20).

A mudança paradigmática na educação aconteceu de fora para


dentro, resultante da introdução das tecnologias da informação e da
comunicação, levando a um novo perfil de instituição e à reformulação das
funções do ‘atores’ envolvidos, entre eles gestores da educação, professores,
alunos e monitores (BEHAR, 2009, p. 20).

Da sala de aula presencial entre quatro paredes para uma sala de


aula virtual, muita coisa muda, mas não em essência. Continua a idéia de
um docente com intenção de ensinar e alunos com desejo ou interesse
em aprender. As mudanças nos espaços e tempos da educação permitem
o ensino-aprendizagem sem que alunos e professores estejam, face-a-face,
num mesmo lugar e num determinado momento ou duração. A aula acontece
em espaços e tempos diferentes. Segundo Xavier e Fernandes (2008, p. 238),
existem outros espaços e tempos que precedem e sucedem no momento
da aula, que não se resume ao que ocorre entre quatros paredes. Para
possibilitar o gerenciamento destas relações sociais e de aprendizagem na

182
EaD, foram desenvolvidos sistemas informáticos, denominados ambientes
virtuais de aprendizagem (AVA). Esses sistemas permitem o gerenciamento
das atividades organizadas de modo espaço-temporalmente diversificado
e, grosso modo, funcionam como uma simulação do ambiente escolar ou
universitário.

Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVA) como simulação


do ambiente escolar ou universitário

A compreensão do que são os ambientes virtuais de aprendizagem


passa pela noção de redimensionamento da temporalidade e espacialidade
da educação escolar e universitária. Trata-se de um lugar e uma duração
diferenciada daqueles experimentados na educação presencial e isso exige
uma reorganização dos processos de ensino e aprendizagem. A noção
dos tempos de aula e dos espaços de sala de aula influencia na forma de
ensinar e aprender. Portanto, alunos e professores da educação a distância
(e mesmo da educação presencial, quando utiliza tecnologias digitais)
precisam reformular sua forma de pensar e construir o conhecimento. A
configuração de um ambiente virtual de aprendizagem (AVA) representa
um primeiro passo para essa mudança de mentalidade psicopedagógica
necessária aos sujeitos da educação, pois se instala no ciberespaço como
um novo espaço que se desenvolve do nada. Como explicam Mill e Fidalgo
(2006, p. 5), as redes globais de computadores não estão expandindo
em nenhum domínio previamente existente, esse novo espaço tem certa
dependência em relação ao espaço físico e ele só existe se as pessoas
fizerem uso dele. Ao contrário do espaço físico, que existe com ou sem a
nossa interferência. Esta é a primeira noção que um docente e um aluno
precisam reformular: os espaços e tempos da educação virtual são sociais
e fluidos, o que exige participação efetiva e colaboração. Do contrário, não

183
existe os lugares e durações de aprendizagem e, portanto, nem as relações
de aprendizagem em si.

Além disso, esses autores ressaltam que o ciberespaço surge em


complemento ao espaço existente, não substituindo o espaço físico
conhecido.

O surgimento do ciberespaço não suprime, obviamente, a existência


do espaço físico; e, por outro lado, salienta-se que ambos, espaço físico e
ciberespaço, estão entrelaçados – a começar pelo simples fato do ‘ciberEU’
ter como referencial o Eu físico; trata-se de um espaço que se abre somente
quando o usuário conecta-se com a rede (MILL; FIDALGO, 2006, p. 7).
Portanto, os AVAs são criados como referência virtual de espaços e tempos
para sujeitos habitantes em contextos multiformes tradicionais. Professores
e alunos coabitam dois mundos e as relações de ensino-aprendizagem se
estabelecem em ambos os espaços e tempos. Esta complexidade inerente da
aula virtual é simplificada pela noção de ambientes virtuais de aprendizagem,
conhecidos como referência da comunidade de determinado grupo. Nesta
perspectiva, existem diversos sistemas informáticos que se propõem
como ambientes virtuais de aprendizagem, sendo todos portadores de
positividades e limitações.

O desenvolvimento dos ambientes virtuais de aprendizagem só


foi possível com o avanço das novas tecnologias digitais e principalmente
da internet, que possibilita a interatividade síncrona e assíncrona, o
redimensionamento espaço-temporal na educação entre outros aspectos.

Utilizando a web, tornam-se possíveis ações como a utilização,


o armazenamento e a recuperação, a distribuição e compartilhamento
instantâneo da informação; a superação dos limites de tempo e espaço; a
construção do conhecimento pelo sujeito, da aprendizagem colaborativa e
cooperativa, da maior autonomia dos sujeitos no processo de aprendizagem,

184
do relacionamento hierárquico, do processo de avaliação continuada e
formativa, por meio do uso de portfólio; um maior grau de interatividade
pela utilização de comunicação síncrona e assíncrona (SCHLEMMER,
2005, p. 31).

Percebe-se, portanto, que o ciberespaço cria possibilidades


educacionais antes não experimentadas, sendo o AVA uma sistematização
objetiva dessas possibilidades num lugar e numa duração habitáveis pelos
interessados. No AVA há interações síncronas (exemplos: bate-papo,
webconferências etc.) e assíncronas (exemplo: fóruns, email etc.). Em
qualquer dessas formas comunicacionais, o objetivo do AVA é viabilizar
encontros e promover discussões e debates entre docentes e discentes.

Segundo Oliveira (2008, p. 205), nos fóruns, o orientador acadêmico


lança inicialmente um tema ou uma situação-problema inter-relacionada
ao conteúdo em questão e os educandos registram suas argumentações
e opiniões, interagindo com os demais participantes, sob a supervisão
do moderador e coordenador. Tecnicamente, esta dinâmica é gerenciada
pelo AVA, que são configurados de maneira específica de acordo com a
concepção pedagógica do grupo de educadores envolvido. Do ponto de vista
pedagógico, o AVA dá suporte ao professor e sua equipe de profissionais no
auxílio aos seus alunos.

Esta nova configuração das relações de ensino-aprendizagem na


EaD virtual acaba reformulando as formas de ensinar e aprender. O fato
de não existir (ou reduzir) os contatos face-a-face entre professor-alunos
exige outras formas de pensar a interação e o uso da linguagem. Isso não
é necessariamente um problema ou dificultador, pois como afirma Kenski
(2007, p. 88), “[...] o uso adequado das tecnologias em atividades de EaD
pode criar laços e aproximações bem mais firmes do que as interações que
ocorrem no breve tempo da aula presencial”.

185
A educação a distância se configura de maneira diferenciada
quando comparada com a modalidade presencial porque a construção do
conhecimento e a relação professor e aluno acontece em tempos e espaços
distintos, com isso a configuração do modelo pedagógico deve ser pensado
com base nessas e outras peculiaridades presentes na educação a distância
(BEHAR, 2009, p. 17).

Dependendo da concepção pedagógica, o AVA pode potencializar


o desenvolvimento dos estudantes, especialmente aquelas propostas de
formação baseadas nas relações sociais. Por esse motivo, a maioria das
experiências de EaD atuais se propõem como interacionista. Schlemmer
(2005, p. 34) faz essa associação entre a “concepção interacionista” e
os “ambientes virtuais de aprendizagem” e as “comunidades virtuais de
aprendizagem”, tratando-os como “espaços nos quais os sujeitos podem
interagir e construir conhecimento”. Daí a importância da escolha de um
AVA adequado.

Na utilização de um ambiente virtual de aprendizagem (AVA),


o primeiro e mais importante item a ser analisado é o critério didático-
pedagógico do software, pois todo e qualquer desenvolvimento de um
produto para educação é permeado por uma concepção epistemológica, ou
seja, por uma crença de como se dá a aquisição do conhecimento, de como
o sujeito aprende (SCHLEMMER, 2005, p. 34).

Enfim, a escolha e configuração dos ambientes virtuais de


aprendizagem é aspecto muito importante dos cursos a distância, pois a
forma como é planejada e as ferramentas utilizadas carregam concepções
de educação. Se do ponto de vista técnico um AVA se pretende neutro
(embora não o seja, visto que nenhuma tecnologia o é), do ponto de vista
pedagógico ele não pode se omitir desta não-neutralidade. É nesse espaço
que os processos educacionais da EaD acontecerão mais intensamente,

186
pois é nele que alunos e professores irão desenvolver atividades de ensino
e aprendizagem através das interações proporcionadas pelas tecnologias de
informação e comunicação.

Também os tempos do ensinar e aprender são influenciados pela


proposta de ambiente virtual de aprendizagem. Afinal de contas, é no
tempo que está o movimento do espaço. O tempo entendido como quarta
dimensão do espaço. No espaço tridimensional não há movimento, até que
a duração se instale.

Sala de aula virtual: considerações finais

Neste texto, propusemos uma reflexão sobre a sala de aula virtual


como novo ambiente de ensino-aprendizagem, em que se estabelecem as
relações entre docente e alunos. Como afirmaram Mill e Fidalgo (2006,
p. 24), “[...] uma sala de aula virtual continua sendo uma sala de aula”. O
que muda na instalação da sala de aula virtual é o redimensionamento dos
espaços e tempos do ambiente. Decorre daí uma série de mudanças nos
processos, mas todos partem desse mesmo aspecto: novos tempos e espaços
de ensinar e aprender. Como vimos, o Ambiente Virtual de Aprendizagem
(AVA), entendido como o ambiente de sala de aula virtual, comporta a
ação educativa da maioria das experiências da EaD na contemporaneidade.
É na sala de aula virtual que os envolvidos com o processo de ensino-
aprendizagem na modalidade de educação a distância compartilham seus
conhecimentos.

Neste contexto, Behar (2009, p. 23) orienta que “[...] o papel das
TDIC é contribuir para ‘diminuir’ essa ‘distância pedagógica’, assegurando
formas de comunicação e interação entre os ‘atores’ envolvidos no processo
de construção do conhecimento pela EaD”. As tecnologias digitais são

187
fundamentais, portanto, para que a aula virtual aconteça. Entretanto, o
movimento educativo para a estruturação de uma proposta pedagógica
rica e contextualizada é essencial para que o ambiente virtual exerça
adequadamente sua função... uma escola sem bons professores e o desejo
de executar um bom projeto pedagógico não é muito mais do que uma
construção tridimensional. O fazer educativo instalado no movimento dos
sujeitos envolvidos é que vai nos demonstrar o potencial da escola ou do
AVA como espaços privilegiados de formação e da educação.

Na sala de aula virtual, várias ferramentas podem ser utilizadas para


simular as condições de uma sala de aula presencial. Palloff e Pratt (2002, p.
73) observam que “[...] as aulas, os encontros e as reuniões, as oficinas e os
seminários eletrônicos podem ser ministrados tanto de maneira sincrônica
(em tempo real ou chat) quanto assincrônica (quando as mensagens são
enviadas em intervalos mais espaçados)”. Mensagens instantâneas ou
não são trocadas no ambiente virtual de acordo com os interesses dos
sujeitos, configurando-se, assim, as condições desejáveis para o ensino e a
aprendizagem.

A comunicação sincrônica pode ser uma ferramenta muito útil


na sala de aula eletrônica, mas não deve deixar de levar em consideração
os seguintes fatores: trabalho preferencial com grupo pequenos, cuidado
com o fuso horário e determinação prévia das diretrizes do curso para que
os participantes tenham espaço igual para se manifestarem. Nas reuniões
assincrônicas, pode-se dispor do tempo. As mensagens são enviadas de
acordo com a vontade dos participantes, que têm tempo de ler, processar a
informação e, finalmente, responder (PALLOFF; PRATT, 2002, p. 73).

Percebe-se que as atividades pedagógicas que tradicionalmente


ficavam circunscritas no espaço da sala de aula ou, de modo mais amplo,
nos limites da escola, ganham uma nova configuração. Essa reconfiguração

188
afeta diretamente os espaços construídos para fins educacionais como
conhecemos até hoje; isto é, afeta os ambientes das salas de aulas e
das escolas. Como sintetiza Kenski (2001, p. 126), as TDIC tornam os
espaços permanentemente mutantes, em que as escolas virtuais refletem
e apresentam uma nova forma de linguagem e de cultura, características
do momento tecnológico que vivemos na atualidade. Daí as concepções de
ciberespaço e cibercultura.

Como Dussel e Caruso (2003, p. 208), entendemos a sala de aula


como o lugar em que se aprende, onde o ensino e a comunicação se ajustam
num espaço de aprendizagem. Do mesmo modo, compreendemos que a
aula é o momento, por excelência, quando se aprende. Por isso, entendemos
as salas de aula virtual ou tradicional como ambientes ou lugares de
aprendizagem. Nesse sentido, os ambientes virtuais de aprendizagem
constituem-se como salas de aulas virtuais, planejadas e organizadas como
ambientes privilegiadamente educativos – embora a sua organização seja
distribuída e descentralizada no espaço e com temporalidades diversas.
Decorre daí a compreensão de ambientes virtuais de aprendizagem como
“[...] um espaço na internet formado pelos sujeitos e suas interações e
formas de comunicação que se estabelecem por meio de uma plataforma,
tendo como foco principal a aprendizagem” (BEHAR, 2009, p. 29).

Conforme Mill e Fidalgo (2006, p. 26), um AVA caracteriza-se


primordialmente pela flexibilidade espaçotemporal; e, dessa maneira, as
relações aí estabelecidas não obedecem à mesma lógica do espaço material
ou geográfico, nem das experiências tradicionais que estabelecemos com
o tempo. A sala de aula virtual está, por isso, em todo lugar e a qualquer
momento. Em decorrência, “[...] quando a aula sai do espaço físico da
sala de aula para ocupar ambiente virtual, praticamente todas as fases do
processo didático alteram-se, desde a estruturação da aula até a relação com
o aprendiz na condição da aula virtual” (OLIVEIRA, 2008, p. 210). Por isso,

189
a aula na EaD e a sala de aula virtual – como espaço de trabalho do docente
e dos alunos da EaD virtual – apenas possuem uma configuração distinta
daquela tradicional, mas continuam sendo um lugar e um momento de
ensinar e aprender (MILL; FIDALGO, 2006, p. 25). Reconfigurados dessa
forma, os novos espaços e tempos adéquam-se às novas necessidades e, ou,
ao estágio de desenvolvimento tecnológico; descartando a necessidade de
professores e alunos estarem presentes num mesmo espaço e tempo num
lugar determinado para discutir um tema e promover a construção do
conhecimento – o que é inevitável e essencial na aula presencial.

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192
A Comunicação na “Era
do Príncipe Eletrônico”: a
EAD como desafio político
e pedagógico
Eliana Romão
(UFS)

Cesar Nunes
(UNICAMP)

Introdução
Na história da formação política e no registro das constituições
econômicas e culturais hegemônicas, muitos príncipes foram criados. Em
diversos cenários de diferentes épocas, lideranças constituídas em forma
de figuras e metáforas se sucederam e ocuparam espaços por muito tempo,
sobretudo no universo da política. Muitos príncipes marcaram épocas, em
diferentes regimes – na monarquia e na república, na democracia e na tirania,
na guerra e na paz. Em ordenamentos hierárquicos de natureza política,
com adensamentos de linhagens sucessórias sobrepõe-se o príncipe como
a consubstanciação do poder. Para Ianni (2000), o príncipe eletrônico tem
sido figura importante na teoria e na prática da política, e esse símbolo por
diferentes denominações aparece em toda história dos tempos modernos.
A começar pelo “Príncipe de Maquiavel” tido como uma pessoa, figura

193
política capaz de articular suas qualidades, de atuar de exercer sua liderança
de modo notável. O Príncipe de Maquiavel, cuja invenção inaugura no
século XVI o pensamento político moderno, é considerado uma expressão
influente, embora controvertida, na sociedade moderna. O autor lembra
que muitos textos de política, tomados como referências de diversos
governos, destacados presidentes e inúmeros pensadores dialogam, seja de
forma aberta ou velada, tomando como referência de liderança política o
primeiro príncipe: o Príncipe de Maquiavel. Muitos os têm como modelo.

Na medida em que se realiza como príncipe, este


se mostra preparado para pensar, decidir, negociar,
dirigir, administrar e agir, conciliar e dividir,
premiar e punir, constituindo-se como símbolo
ou emblema para uns e para outros indivíduos em
coletividades [...] (IANNI, 2000, p. 142).

Muito tempo depois, no século XX, Gramsci formula o “Moderno


Príncipe” tido, na esteira do autor, como um partido político, intérprete
e condutor dos indivíduos, coletividades, grupos e classes sociais. O
moderno príncipe apresenta-se, primando pelo ideário coletivo, dotado
de capacidades tanto de interpretar os seguidores do partido como outros
setores da sociedade e até adversários.

No final do século XX, de acordo com o autor, parece que os


conceitos e representações dos príncipes de Maquiavel e de Gramsci foram
superados e apelam para outras configurações. Na era da globalização,
era em que o conhecimento ultrapassa a barreira do tempo e espaço, são
afetadas as estruturas e relações de poder, as formas de convivência, as forças
sociais nos universos do trabalho, do lazer, da cultura, da comunicação,
da formação de diferentes profissionais, da educação de novas e velhas
gerações, da educ(ação) do professor. Ianni (2000), descreve também que
em lugar do Príncipe de Maquiavel e do moderno príncipe de Gramsci,

194
assim como outros príncipes que sucederam nos tempos modernos, cria-se
o “Príncipe Eletrônico” que simultaneamente subordina, recria e absorve
ou simplesmente supera as outras personagens simbólicas e históricas.

Nesse contexto, de alguma maneira, todas as esferas da sociedade


são influenciadas e desafiadas pela expansão das tecnologias eletrônicas,
informáticas e cibernéticas. Para o autor posto em destaque, esse pode ser o
clima em que se impõe o “príncipe eletrônico” sem o qual seria difícil avançar
e entender no universo da ciência, da penetrabilidade das tecnologias de
comunicação e informação nas plurívocas formas de relações humanas.

Na atualidade, o príncipe já não é mais um líder


ou partido político, mas uma proposição que
transcende os descortinos, tinos e desatinos dos
príncipes anteriores, ainda que de forma enigmática.
O Príncipe Eletrônico é uma entidade nebulosa e
ativa, presente e invisível, predominante abstrata e
ubíqua, permeando continuamente todos os níveis
da sociedade em âmbito local, nacional, regional e
mundial [...] (IANNI, 2000, p. 148).

O “Príncipe Eletrônico”, enfim, apresenta-se com uma nova e diferente


índole política, diversa dos príncipes do passado e convive com o espólio
dessas figuras de diferentes maneiras, mas ganha projeção e importância na
virtualidade. O autor, ainda, adverte, se queremos compreender a crescente
importância das tecnologias, sejam eletrônicas, informáticas, midiáticas
educativas, importa começar pelo reconhecimento de que este século, a
exemplo do século passado, está impregnado, organizado, dinamizado e
influenciado por invenções tecnológicas e técnicas sociais. As tecnologias
de informação e comunicação não estão “protegidas pela neutralidade”.
Assim, o que parece neutro logo se revela influente e até decisivo no mundo
pelo qual se constitui as relações sociais.

195
Duas atitudes se destacam no cenário dessa contradição: a adoção
idolatrada das tecnologias na educação, concebidas como demiúrgicas e
soteriológicas, por um lado, e de outro a negação de sua potencialidade,
um sentimento de rejeição, misturado a uma panacéia supostamente pré-
industrial e ingenuamente naturalista, bucólica, que se ressente de toda
tecnologia como maléfica e desumanizadora. Há urgente necessidade de
superar tais conceitos maniqueístas e distantes do acurado senso histórico
e político.

Muito se debate sobre a utilidade das TIC, colocando em evidência


se são boas ou ruins, divinas ou diabólicas, mas ninguém duvida de sua
interferência no solo e (sub)solo da vida humana. Castells (1999) lembra
que as redes interativas de computadores estão crescendo e criando formas
de comunicação e relações “moldando a vida” e, ao mesmo tempo, sendo
moldadas por ela.

Nessa realidade, projetos de educação em ambientes não


convencionais, potencializados pelas tecnologias de informação e
comunicação, tomam vulto. O censo da Educação Superior de 2006,
publicado dois anos depois em Brasília, mostra que a Educação a Distância
é a modalidade de educação que mais cresce no Brasil. O censo mostra
um crescimento de 571%. Com tal crescimento o número de estudantes,
incluindo professores em formação, também aumentou – de 49 mil
estudantes em 2003 passou, três anos depois, para 207 mil, um aumento
correspondente a 315%. A aceitação desses cursos deve-se, conforme a
mesma fonte, a três fatores principais: à credibilidade do caminho adotado
pela EAD, à criação da Universidade Aberta do Brasil (UAB), e, ao lado
disso, a penetrabilidade e contribuição das novas tecnologias nos últimos
anos. Importa lembrar, porém, que aumentam também problemas e desafios
que se misturam entre as velhas e novas formas de se valer dos meios, das
técnicas e das tecnologias de ensinar e aprender, seja de perto, seja de longe.

196
É sabido que a EAD tem sido caminho de formação, seja amparada
pela tecnologia da escassez ou pela tecnologia da fartura, há mais de 170
anos, pois EAD faz história desde 1840 ou “até antes”. A EAD ganha projeção
no Brasil, todavia, como modalidade de educação e, com efeito, objeto de
estudo e debate após a promulgação da LDBEN no. 9394, promulgada
em 1996. A EAD, em muito, apesar de sua especificidade, aproxima-
se da educação presencial, até naquilo que é apontado como sua marca
principal: “o aluno se envolve na aprendizagem em local onde o professor
não está fisicamente presente.” Ocorre que todo bom professor é capaz de
transformar o afastamento entre ele e o aluno em proximidade e fazer a
passagem de sua intensa ausência em intensa presença. Importa, porém,
reconhecer na modalidade aqui em destaque os encontros são mais escassos
que os encontros previstos em cursos convencionais de formação. Assim,
não há como projetar e desenvolver experiências de educação a distância
sem contar com meios e tecnologias para estabelecer a comunicação que
toda relação educativa requer.

Constatações e Desafios

A mesma base conceitual que ampara a educação presencial é,


igualmente, comum a ambientes virtuais de educação, embora cada qual
preserve suas especificidades, pois estamos falando de educação, uma
dimensão estrutural da práxis social. Os desafios que emergem de formas
diferentes de educação são similares, quais sejam: identificar que educação
se pretende realizar, para quem se dirige, com quem será desenvolvida e
com quais meios e tecnologias. Almeida (2003) assinala que a compreensão
da complexidade de projetos educativos, particularmente a distância
quer seja na sua forma mista ou inteiramente online, apela para construir
inter-relações entre as abordagens que fundamentam tanto a educação

197
convencional como não-convencional e, sobretudo, implica em admitir,
acrescenta a autora, que mudar o meio pelo qual se utiliza e constrói a
relação educativa significa mudar a própria educação.

Os desafios, porém, não terminam por aí. Importa não descurar


da concepção de educação subjacente. Uma educação de qualidade que,
de fato, atenda a que veio, não é exclusividade desta ou daquela forma de
educação. Note que, mesmo mediante os impactos que as TIC têm causado
no campo educativo, nada vai substituir os encantamentos que emergem
do encontro ao vivo e a cores. Sabe-se que as novas tecnologias educativas
poderão facilitar os canais de informação e comunicação até com maior
“rapidez e eficiência” que as pessoas, sobretudo no âmbito da educação –
o professor, mas, conforme aproximam-se Arroyo (2000), Kenski (2003),
Romão (2008),

[...] um vídeo, uma parabólica, um computador...


não darão conta do papel socializador da escola,
do encontro de gerações, da intersubjetividade,
do aprendizado humano que se deu sempre no
convívio direto de pessoas, nas linguagens e nas
ferramentas da cultura, nos gestos, nos símbolos e
comemorações [...] (ARROYO, 2000, p. 168).

De qualquer maneira, nesse campo tudo é muito incerto, pleno de


tensões e provocações. Indagações variadas são levantadas. Uma delas,
todavia, continua a desafiar o professor, esteja ele de perto, esteja ele de
longe, a saber: como minimizar a dificuldade de contato e interagir com o
aluno distante? Se de perto é correto entender que o universo da educação
já é, por si, complexo, a complexidade aumenta quando se conceitua essa
relação de longe. O aluno, por vezes, se vê enovelado com diversas distâncias.
Alguns, de acordo com Romão (2007), chegam a afirmar que tudo é tão
distante que nem sabem por onde começar para tirarem suas dúvidas.

198
Professores tutores do Distrito Federal, sujeitos da pesquisa em destaque,
também apresentam suas queixas as quais se alongam em experiências tidas
como inovadoras de educação.

O aluno fica em casa, quieto, a distância, bem


distante, sem interação alguma. Ele só lê ou não o
material impresso que recebeu e o faz, por vezes,
na superficialidade. Outras vezes se esconde no
trabalho em grupo que é muito cômodo. A maior
dificuldade é criar uma consciência de grupo. E
isso “não é defeito da distância” por no presencial
também é assim. (ROMÃO, 2008, p. 86).

Diante dessa realidade há de pensar-se no como fazer para


diminuir ou encurtar os caminhos e rever as formas de convivências
pedagógicas. Como lidar com a dificuldade de contato e constituir a
relação educativa? Maraschin (2000) afirma que aprender não é apenas
mudança de comportamento, mas mudança de convivência. Educação,
portanto, evoca mudança de convivência, evoca o encontro, evoca, mais
que isso, relação. Relação dialogal que provoca, acrescenta Romão (2008),
não necessariamente a negação ou “suspensão da distância”, mas o
enfrentamento da distância para que ela, de par com a intensa presença se
constitua como possibilidade de educação.

É aceitando a distância que será possível fazer nascer dela a presença


e, portanto, instaurar-se a relação educativa. É preciso, pois querer a
todo custo negar ou suspender a distância, mas aprender a lidar com ela,
de modo que seja possível fazer nascer dela a presença e, assim, fazer a
passagem do encontro para a relação. Importa aprender a lidar, a aceitar e a
compreender o sentido da distância para que nela se constitua uma forma
de presença dialogada e a relação educativa nela germine. Quando Paulo
Freire ficou viúvo, Romão (2002, p. 88) relata seu desespero ao lembrar de

199
uma placa encontrada no túmulo de Elza a qual dizia: “Quem me dera que
eu pudesse passar de um tempo para o outro com a pressa e a maciez com
que as nuvens andam no lindo azul do céu.” Cinco anos mais tarde, após
três anos de viver uma nova experiência no casamento, o ex-viúvo retorna
ao cemitério com outra placa, dizendo:

Elza
Corte fundo
Dor intensa
Noites sem manhã
Dias sem sentido
Tempo coisificado, imobilizado
Desespero, angústia, solidão
Foi preciso aceitar a tua ausência
Para que ela virasse presença
Na saudade amena que tenho de ti.
Por isso, voltei à vida sem te negar.
(FREIRE, 1991 apud ROMÃO, 2002, p. 89)

À distância e a presença, como especificidades de processos


educativos se embolam. Na dinâmica dessa relação, a distância e a
proximidade, a presença e a ausência, o velho e o novo se fundem. Na
distância alimenta-se o interesse do encontro, ao passo que é no encontro
com presença, com relação, se define e motiva o que fazer e produzir na
distância. Distância e presença caminham sem que necessariamente esta
venha em detrimento daquela.

A questão, afirma Romão (2008), não é suspender a distância, mas


admiti-la e transformá-la em momentos de reflexão. A partir do momento

200
em que se reflete sobre o que se faz passamos a ressignificar, a construir,
a mudar. À distância, para dezenas de professores entrevistados, é fato
quando “o aluno está fazendo sua reflexão em cima do módulo, a articulação
lá com seu cotidiano” (ROMÃO, 2008, p. 142). Assim, a distância vista
como necessária para “poder respirar”, permite a oxigenação da prática
e a passagem da intensa ausência para intensa presença. O que antes se
via distante se vê próximo. Quando a distância é tida como momento de
reflexão, reflexão que abarca a ação e ação que parte da reflexão, emerge a
dimensão transformadora do trabalho educativo.

É preciso saber didaticamente que fazer com a natureza da educação


em que a presença não é obrigatória, que fazer quando o aluno está separado
do professor. Importa trazê-lo para alguma forma de presença, pois em
experiências de educação, prevê que é necessário o ajuntamento de pessoas.
No momento em que encontros presenciais são escassos, os professores
em formação que inspiraram o presente texto, estão desenvolvendo algum
tipo de atividade que qualifica o momento presencial de modo que este
momento se alongue na distância. Não há uma presença integral, até
porque a proposta é de formação a distância, mas há uma presença tida
como qualificada.

O que determina, assim, experiências de educação em ambientes não


convencionais de educação, de acordo com o balanço de entrevistas, assinala
Romão (2004, 2008), não é comparecer todos os dias na universidade – não
é isso que faz a diferença, mas, entre outros, a forma de organizar e se utilizar
dos meios, das tecnologias, desenvolver as técnicas no desenvolvimento
da relação educativa e, enfim, lidar com os desafios inerentes ao trabalho
pedagógico que se instaura, seja em experiências de educação na presença,
seja na distância. Se contando com as vantagens do encontro presencial é
complexo, a complexidade parece aumentar a distância. Não pela distância
em si, mas porque estamos habituados a pensar e a depender da presença,

201
das formas de contatos tradicionais e convencionais de ensinagem e
aprendizagem. Japiassu (1975, p. 163) lembra que as facilidades do contato
presencial dificilmente a educação a distância irá superar, “[...] pois os
estudantes têm necessidade fundamental de um contato vivo com o
educador capaz de fazer coisas que máquina algumas terá condições de
fazer [...]”. Importa, todavia, sem ignorar o valor do encontro face a face,
discutir novas formas de educação. Ademais, a distância, porém, “não é um
defeito” dos vários modelos de EAD, seja na sua forma combinada, seja na
sua forma pura, seja online, pois é necessária “para respirar.” É necessária,
então, para oxigenar a prática e, enfim, transformá-la.

Numa época em que se alteram as dimensões produtivas da própria


realidade, os conceitos de espaço e tempo tradicionais sofrem profundas
superações. Importa analisar esses elementos e buscar decodificar sua
gênese e alcance político. Não é a potencialidade dos meios ou a manutenção
da tradicionalidade das coisas que determinará o caráter mais democrático
ou conservador de algum processo ou mediação, mas sim a determinação
política que a envolve e direciona.

A educação a distância, por essa perspectiva, mantém vivo o processo


educativo. Para manter um projeto de educação substanciosamente atrativo,
não basta, contudo, respirar. Assim, como ocorre com o ser humano. Para
viver, não basta apenas respirar. Note o que adverte Rousseau (1999, p. 150),
“viver não é respirar, mas agir; é fazer uso de nós mesmos que nos dão
o sentimento de nossa existência”. Para manter ambientes virtuais vivos e
atraentes, não basta apenas cuidar dos seus pulmões, mas, cuidar e preparar
os profissionais de modo que saibam fazer uso de suas faculdades em face da
complexidade da educação. Cuidar dos meios, das técnicas e das tecnologias
de educação e comunicação sem, no entanto, deixar na penumbra aqueles
que se valem desses recursos na mediação do saber. Quando Lévy (2000)
pensou sobre as tecnologias denominadas por ele “da inteligência” ou

202
“intelectuais” e dizia que tais tecnologias estruturam em profundidade o
uso das faculdades de percepção, manipulação e de imaginação, fez uma
homenagem a “aventura intelectual humana”. Tecnologias intelectuais
participam de modo fundamental nos processos cognitivos, no interior da
capacidade humana. O reconhecimento de sua importância não está em
si mesma, mas na sua relação com o mundo cognoscitivo e, assim, na sua
relação com o mundo humano nas suas relações sociais. As tecnologias no
campo da educação só têm sentido se utilizadas para elevação da condição
humana e, portanto, possibilitarem o diálogo entre os sujeitos envolvidos
no processo. Assim, as tecnologias dialogais pedem passagem.

Tecnologias Dialogais

Ambientes não convencionais de educação, marcados, sobretudo,


pela separação entre professores e alunos, apela para o estudo e uso dos meios
e das tecnologias – as quais se divergem entre si, merece atenção cuidadosa.
O número de cursos de formação, incluindo de professores, tem crescido
potencializado pelos avanços das tecnologias educativas, sobretudo em
ambientes não convencionais de educação. Os processos de comunicação
e interlocução educativos, no interior desses cursos, tais como: a leitura, a
escrita, a ensinagem e a aprendizagem, não ocorrem sem que venha se valer,
entre outros, do emprego das técnicas e das tecnologias. Isso, porém, não se
reduz a uma visão meramente tecnicista, nem tampouco do vazio teórico.
Denomina-se tecnologia, conforme lembra Kenski (2007), um conjunto
de conhecimentos e princípios científicos que se aplicam ao planejamento,
à construção e à utilização de um equipamento em um determinado tipo
de atividade. Ao passo que técnicas, acrescenta, se referem aos modos ou

203
aos jeitos ou, ainda, as habilidades de se valer dos mais variados tipos de
tecnologias.

Ambas terminologias, porém, resultam da mesma raiz – do grego,


techné –, que, conforme Lion (1997), lembra estado de criação, implica uma
verdadeira linha de raciocínio. O termo tecnologia, portanto, vai além de
uma mera ferramenta, de um mero instrumento ou recurso, se incorpora
ao contexto social, ao sujeito cognoscente que indaga, que estranha,
sujeito de criação e de luz. Tecnologias fazem parte do tecido social que
atravessam as práticas educativas. Rumble (2000) vai mais adiante ao
lembrar os meios como uma forma genérica de comunicação e, ao mesmo
tempo, formas particulares de viabilizar o conhecimento. Cada qual tem
sua maneira de difundir o conhecimento, mas, igualmente, de organizá-lo
em certos “formatos e estilos de apresentação”. Para o autor, a tecnologia é
o veículo que transportam os meios. Os meios são vários – texto, áudio, TV,
computação, contato humano presencial – e sempre andam de par com as
tecnologias. Sejam elas mais tradicionais ou não – a exemplo do texto de par
com a tecnologia da impressão, a computação, de par com as tecnologias de
computadores, telefone, satélites, entre outros, que giram no entorno do
príncipe eletrônico. Assim, elucida o autor,

[...] o texto está ligado a tecnologias de impressão e


computadores; o áudio a fitas cassetes, rádio, telefone
e discos; a televisão à transmissão, videocassetes,
videodiscos, satélites, fibras óticas, ITFS,
microondas, e videoconferências; e a computação
a computadores, telefone, satélites, fibras óticas,
ISDN, CD-ROM, CD-I. Essas tecnologias dão
suporte a vários aplicativos de meios em educação a
distância. (RUMBLE, 2000, p. 46).

A questão aqui não é nem pender para as mais tradicionais, nem


pender para as mais recentes tecnologias, pois, de acordo com o autor,

204
as tecnologias mais atuais não são tão necessariamente melhores do que
as mais antigas. O que importa é que, sem ignorar em que medida tais
realidades se distinguem, as TIC sejam operacionalizadas para atender os
fins educativos a que se propõem. Como se utilizar desses quesitos de modo
que os professores ensinem e os alunos aprendam e não se limitem apenas
o contato, mas a interação dialogal com projeção revolucionária que todo
projeto a altura de seu tempo requer.

O que quero enfatizar aproxima-se de Arroyo (2000), Valente


(2000), Litwin (2001), Apareci (2006), Freire (2006b), Cobacho e Miravalles
(2007), Kenski (2003, 2007), Romão (2008) ao lembrarem que não são as
tecnologias que vão revolucionar o ensino e, com efeito, a educação, mas
a maneira como as tecnologias são utilizadas na mediação do saber. Essa
maneira é posta sob suspeita – “pode ou não ser inovadora”. A interação
e a comunicação nos ambientes educativos, sejam eles em ambientes
convencionais ou não de educação, quase sempre dependeram, de acordo
com Kenski (2007), entre outros, muito mais das pessoas envolvidas no
processo do que das tecnologias utilizadas, sejam as mais tradicionais,
sejam as mais modernas.

Sancho (2006, p. 23), na mesma linha, vai mais longe, chamando a


atenção da força das crenças e mentalidades subjacentes na utilização das
tecnologias, no desenvolvimento dos meios e das técnicas de ensinagem e
aprendizagem.

Professores costumam introduzir meios e técnicas


adaptando-os à sua própria forma de entender
o ensino, em vez de questionar suas crenças [...]
As TIC são usadas muitas vezes para reforçar as
crenças existentes sobre os ambientes de ensino
em que ensinar é explicar, aprender é escutar e o
conhecimento é o que contêm os livros-textos.

205
Isso posto, ressalta-se a importância de relacionar os meios, as
técnicas e as tecnologias a prática do diálogo entre os intérpretes dessa
prática. Se é certo dizer que as tecnologias só têm sentido quando empregadas
para humanizar, é certo também afirmar que só ganham força na educação
quando provocam o diálogo que toda relação requer. Tecnologias dialogais
favorecem a comunicação, a relação que toda proposta de educação
libertadora reclama e revoluciona desde os tempos socráticos.

A interlocução dialogal desafia o trabalho educativo, particularmente,


desenvolvido em ambientes em que o Príncipe Eletrônico reina quase
absoluto, embora não seja exclusividade desta ou daquela forma de educação.
O diálogo e a comunicação são tidos como condição determinante para a
educação, para o processo de hominização, seja em que modalidade, seja
em qualquer época. Não é no silêncio que os homens se fazem, diz Freire
(1987, p. 78), mas na palavra, no trabalho [...], no encontro. O diálogo,
acrescenta, “[...] é este encontro dos homens, mediatizados pelo mundo,
para pronunciá-lo” (FREIRE,1987, p. 78), mas, para transformar-se a si e ao
mundo. Se é certo afirmar que dizendo a palavra o mundo se pronuncia, se
expressa e se eleva, é certo, igualmente, dizer que o diálogo se impõe como
caminho pelo qual os homens elevam sua existência e a sua condição de ser.
Toda criatura humana é necessariamente dialógica a medida que constrói
sua plena realização apelando para o outro, com o outro, em comunhão com
o mundo. Todos temos exemplos de que sempre necessitamos de alguém
que necessita de nós. Freire (1987), Sacristán (2002), Peters (2001), Aretio e
Corbella (2007), aproximam-se ao lembrarem que graças a relação com os
outros vai desenrolando o próprio modo de ser, uma vez que descobrindo
nesse processo como interpretar e enfrentar a realidade que nos rodeia.

É sabido que a responsabilidade para comigo mesmo não pode


separar-se da responsabilidade com o resto dos homens. É na prática do
diálogo que se experimenta um modo de vida tido como fundamental para

206
a elevação da existência humana. O diálogo é o “traço da humanidade” que
faz o homem se projetar como gente e não como coisa, como objeto. Sabe-
se que é, porém, ser comum constatar o domínio da relação sujeito/objeto
no lugar de sujeito/sujeito em práticas não só convencionais de educação,
mas até naquelas tidas como inovadoras e revolucionárias. Vale insistir na
relação sujeito/sujeito na direção de fazer emergir a relação educativa com
base na reciprocidade.

Essa possibilidade histórica e institucional se apresenta vigorosa nas


práticas de educação a distância. A tarefa, política e pedagógica, de constituir
um conjunto de significações conceituais, mediações operacionais, liturgias
e disposições de dialogo, de trocas de vivências e conhecimentos amplia-se
nas atuais potencialidades de educação a distância. Os qualificantes políticos
e as dimensões pedagógicas dessa modalidade educacional deverão ser
construídos no chão da história, não negados ou celebrados a priori.

Relação educativa é reciprocidade, referência definitiva da educação.


Os alunos, no processo de interlocução instaurada, diz Romão (2008),
atuam sobre nós e num movimento de idas e vindas atuamos sobre eles.
Trata-se de processos que se entrelaçam e se fortalecem em nó(s) que jamais
serão desfeitos. São processos educativos no plural, não mais do eu aqui e o
tu acolá, mas do eu e tu em comunhão, em ebulição, em comunicação, em
processo efetivo de educação.

Cuando se plantea que la educación es


comunicación, no se está refiriendo de forma
exclusiva a la necesidad del lenguaje para transmitir
una serie de conhocimientos, aunque, sin duda, estos
son impotantes. Se está mostrando que esta acción
exige contacto, relación, revelación entre personas.
Si no se logra esse encuentro, esa revelación, entre
os indivíduos, realmente no podríamos hablar de
educación. (ARETIO; CORBELLA, 2007, p. 79).

207
Considerações Finais

A prática educativa exige mais que contato, exige relação, exige laços
entre as pessoas envolvidas. Sem querer cair na armadilha das comparações
falazes, o uso adequado das TIC, tecnologias empregadas para humanizar,
e, portanto, parece possibilitar laços, aproximações e encontros “bem mais
firmes” que os encontros habituais em projetos em que sua natureza favorece
a interação e o diálogo. Sem que se constitua a passagem do encontro para a
relação não é possível falar em educação. Assim, todo ensino será educativo
na medida em que seja capaz de promover a relação dialogal e, com efeito,
a ação formativa, enquanto, acrescentam os autores, provoca o encontro
entre os iguais na diversidade, “en la medida en que és capaz de revelar al
otro modos de ser valiosos para su desarrollo” (ARETIO; CORBELLA, 2007,
p. 79).

Isso posto, só tem sentido falar da educação em novos ambientes


educativos quando não se perde de vista que o substantivo aqui é o príncipe,
potencializado pela eletrônica, pelas invenções tecnológicas. Se origina da
sociedade medieval, moderna ou contemporânea, não importa, pois que
cada era viveu seus espantos e encantamentos. Importa perceber que seus
braços, suas pernas, suas inteligências e, até suas emoções emergem de
nossos corpos e, assim, estão ligadas essencialmente a natureza humana, a
elevação da humanidade. Estamos, portanto, falando de educação.

A Tecnologia Eletrônica é somente, de acordo com Cobacho e


Miravelles (2007), Litwin (2000), Apareci (2006), um recurso a mais que pode
facilitar os processos de ensinagem e aprendizagem. Para este modelo, uma
câmara de vídeo, um lápis, um pen-drive, um data-show, “un ordenador”,
entre outros, são instrumentos que permitem a comunicação, a reflexão, a
compreensão da realidade, mas por si só pouco ou menos que nada podem

208
fazer a favor do movimento de idas e vindas do pensamento. O movimento
do pensamento em sua dupla função: “cognoscitiva e comunicativa.” É
fácil entender que em estado de reciprocidade e diálogo o sujeito pensa em
relação ao(s) outro(s). Para Freire (2006a, p. 66), “não se pode pensar sem
a co-participação de outros sujeitos no ato de pensar sobre o objeto”. Não
há um penso no singular, “mas um pensamos”. “É no pensamos, acrescenta
o autor, que estabelece o penso e não o contrário. Esta co-participação dos
sujeitos no ato de pensar que se dá a comunicação [...] A comunicação é
diálogo, assim como o diálogo é comunicativo” (FREIRE, 2006a, p. 69). É
reciprocidade, coisa essencialmente humana, pois à frente, não por trás, das
TIC, das tecnologias ditas inteligentes, ditas humanas e, por isso, dialogais,
encontramos profissionais diversos, professores vários que planejam suas
atividades, selecionam livros, textos, idéias, saberes, definem os meios, as
técnicas, as tecnologias educativas. Tecnologias, que transformam intensas
ausências em intensas presenças; tecnologias como caminho que me leve
ao outro e o outro a mim; um canal que me permita “el reconhecimiento de
mi mismo en el outro”; tecnologias, enfim, que sirvam, elevar a condição
humana.

Digo, ao fim, que se é certo que o bom ou o mau ou, até, razoável
uso das tecnologias determinam a imagem da educação a distância é
certo, igualmente, que são os docentes que promovem, junto, entre outros,
com estudantes determinados a aprender, a educação. É a educação em
sua essência que permite, seja de perto, seja de longe, aos estudantes
compreenderem formas de participação nos procedimentos virtuais e,
com efeito, entrarem em comunicação. Apareci (2006, p. 40), lembra
que comunicação implica em diálogo “uma forma de relación que pone
a dos o más personas en un proceso de interacción y de transformación
continua”. Implica, assim, na participação efetiva das pessoas envolvidas,
sobretudo, educandos e educador. Resta saber se este está disposto a sair

209
do enclausuramento que o sufoca e descobrir-se a altura de seu tempo
sem ficar a sombra dos príncipes que sucederam em sua época, sem ficar
intimidado pelo príncipe eletrônico. É preciso desvendá-lo e desvendar
as potencialidades do príncipe eletrônico significa tecer novas relações de
saberes e poderes.

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212
Sobre os Autores

Adriana dos Santos Marmori Lima (UNEB)

Doutoranda em Educação (Universidade Udelmar/Chile). Mestre


em Educação e Contemporaneidade (UNEB). Especialista em Alfabetização
(FAEBA/IAT) e em Informática Educativa (UEFS). Pedagoga (UNEB).
Professora, Pró-Reitora de Extensão e Vice-Reitora da Universidade do
Estado da Bahia. Ex-Diretora do Campus IX - Barreiras e ex-Gerente de
Extensão Universitária (UNEB). Possui experiência na área de Educação,
com ênfase em Formação de Professores Alfabetizadores, Tecnologias de
Informação e Comunicação Aplicada à Educação, Extensão Universitária
e Gestão Acadêmica. Atuou como Multiplicadora do Núcleo de Tecnologia
Educacional. E-mail: amarmori@hotmail.com

Adriana Rocha Bruno (UFJF)

Doutora e Mestre em Educação (Currículo pela Pontifícia


Universidade Católica - São Paulo - PUCSP). Professora Adjunta do
Departamento de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação
Educação e em Gestão e Avaliação da Educação Pública da Universidade
Federal de Juiz de Fora (UFJF). Coordenadora de Inovação Acadêmica
e Pedagógica no Ensino Superior (CIAPES) junto à PROGRAD-UFJF e
coordena os tutores a distância do Curso de Pedagogia - FACED-UFJF-
UAB. Líder do Grupo de Pesquisa Aprendizagem em Rede - GRUPAR.
Pesquisadora da rede internacional de pesquisa COLEARN (Collaborative
Open Learning - Comunidade de Pesquisa sobre Aprendizagem Colaborativa
e Tecnologias, Open University). Atua na área de Educação, Pesquisa,

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principalmente a partir dos temas Docência no Ensino Superior, Formação
de professores, Educação online e cibercultura, Didática, Aprendizagem de
adultos, Neurociências e Educação, Mídias e Tecnologias. E-mail: adriana.
bruno@ufjf.edu.br

Ana Maria Di Grado Hessel (PUC-SP)

Doutora e mestre em Educação (Currículo pela Pontifícia


Universidade Católica - São Paulo-PUCSP) e graduada em Pedagogia
(PUCSP), com especialização em Informática (Universidade Federal do
Pará - UFPA). Professora do Departamento de Fundamentos da Educação
da PUCSP e docente nos cursos de Tecnologia e Midias Digitais e no
curso de Comunicação e Multimeios. Pesquisadora do Programa de Pós-
graduação em Tecnologias da Inteligência e Design Digital, vinculada à
linha de pesquisa Aprendizagem e Semiótica Cognitiva. E-mail: digrado@
uol.com.br

As duas são especialistas (Pós-Grad. Lato sensu), sendo que a Nara


Brito está também vinculada ao Mestrado em Educação. A Especialização
da Cida é na área de Planejamento e Organização da Educação a Distância.

Aparecida Ribeiro da Silva (UFSCar)

Especialista lato sensu em Planejamento e Organização da Educação


a Distância. Graduada em Geografia (FUNORTE). Supervisora de Pólos
(Universidade Aberta do Brasil da Universidade Federal de São Carlos -
UAB-UFSCar) e membro do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Educação
a Distância (GEPED-UFSCar). Atua na área de temáticas relacionadas ao
redimensionamento dos espaços e tempos contemporâneo (sala de aula

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da EaD virtual) e ao ensino-aprendizagem pela modalidade de educação a
distância (EaD). E-mail: aparecida.adm.uab@gmail.com

César Aparecido Nunes (UNICAMP)

Doutor em Educação (Universidade Estadual de Campinas –


UNICAMP). Professor associado (UNICAMP). Livre-docente na área
de Filosofia da Educação. Coordenador executivo do grupo de estudos
e pesquisas em Filosofia e Educação Paidéia e presidente nacional da
ABRADES. Coordenador do Centro Cultural de Integração e Inclusão
Social (Cisguanabara-UNICAMP). Assessor da Pró-Reitoria de Extensão
e Assuntos Comunitários da Unicamp. Exerce atualmente a chefia do
Departamento de Filosofia e História da Educação (FE-UNICAMP). Atua
na área de educação, com ênfase em Filosofia da Educação e na linha de
pesquisa Ética, Filosofia e Educação. E-mail: cnunes@unicamp.br

Daniel Mill (UFSCar)

Doutor em Educação. Professor da Universidade Federal de São


Carlos (UFSCar), Gestor de EaD e Coordenador do Grupo de Estudos
e Pesquisas sobre Educação a Distância. Membro do Grupo de Pesquisa
Trabalho, Tecnologia e Educação (UFMG). Atuou na UEMG como
professor e pesquisador. Atua na área de temáticas relacionadas à Educação
a distância (gestão, tecnologia, trabalho docente, tempo, espaço, gênero,
logística, mobilidade e sistemas de tutoria), relação mentes e máquinas,
letramento e inclusão digital. E-mail:Mill.ufscar@gmail.com

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Eliana Romão (UFS)

Doutora em Educação (Universidade Estadual de Campinas -


UNICAMP), Mestre em Educação (UNICAMP). Graduação em Pedagogia
(Universidade Federal de Alagoas). Professora da Graduação (DEDI) e
do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal
de Sergipe (UFS). Coordenadora de Pesquisa/Capes na área formação de
professor e a criança nos anos iniciais do ensino fundamental. Pesquisadora
na área de formação de professor no âmbito da Educação a Distância, bem
como Docência, Formação de Professor e Narrativas. E-mail: elianaromao@
uol.com.br

João Mattar (Anhembi-Morumbi)

Pós-Doutor (Visiting Scholar, Stanford University - USA), Doutor


em Letras (Universidade de São Paulo), Pós-Graduado em Administração
(Escola de Administração de Empresas - Fundação Getúlio Vargas - SP).
Bacharel em Filosofia (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-
SP) (1986), Bacharel em Letras (Português, Inglês e Francês) (Universidade
de São Paulo - USP). Cursos de Extensão (University of California - Berkeley
e Departamento de Tecnologia Educacional da Boise State Univeristy -
USA). Professor da Universidade Anhembi Morumbi. Professor autor
e tutor da Faculdade Online UVB. Ex-professor e Coordenador de Pós-
Graduação e Pesquisa (Unibero - Centro Universitário Ibero-Americano).
E-mail: joaomattar@gmail.com

Lucila Pesce (UNIFESP)

Pós-doutora em Filosofia e História da Educação (Universidade


Estadual de Campinas - UNICAMP). Doutora e Mestre em Educação

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(Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). Bacharel e licenciada em
Letras (Universidade Presbiteriana Mackenzie). Professora Adjunta Nível I
da Universidade Federal de São Paulo. Ex-professora do Departamento de
Fundamentos da Educação (PUC-SP), onde atuou no Programa de Pós-
graduação em Tecnologias da Inteligência e Design Digital, no bacharelado
em Tecnologia e Mídias Digitais, nas licenciaturas e na pós-graduação Lato
Sensu. Membro dos Grupos de Pesquisa Informática em Saúde (UNIFESP),
linha de pesquisa Educação em Saúde Mediada por Computador e Ecologia
dos Saberes e Transdisciplinaridade (UCB), linha de pesquisa Docência
Transdisciplinar e formação de professores. E-mail: lucilapesce@gmail.com

Maria Olivia de Matos Oliveira (UNEB)

Pós-doutora em Educação (UERJ). Doutora em Calidad y Procesos


de Innovación Educativa (Universidad Autonoma de Barcelona), Mestre
em Calidad Educativa (Universidade Autónoma de Barcelona) e Mestre em
Educação (Universidade Federal da Bahia - UFBA). Graduada em Pedagogia
(UFBA). Especialista em EAD (Católica Virtual de Brasília).Professor
Titular da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Professor titular da
Universidade do Estado da Bahia. Trabalha com os processos formativos
a Distância e as tecnologias aplicadas a Educação, atuando principalmente
nas áreas de Formação de Professores para a Educação Infantil e EJA, Mídia
e Mediação Pedagógica. E-mail: oliviamattos@terra.com.br

Nara Dias Brito (UFSCar)

Mestranda em Educação. Especialista lato sensu. Graduanda em


Pedagogia (Universidade Federal de São Carlos - UFScar). Membro
participante do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Educação a Distância

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da UFSCar. Secretária da Coordenação de Relações Institucionais da
Secretaria de Educação a Distância da UFScar. Desenvolve estudos de
iniciação cientifica com foco na educação a distância. E-mail: nara.
diasbrito@gmail.com

Osvaldo Biz (PUC-RGS)

Doutor em Comunicação Social e Mestre em História (Pontifícia


Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUC-RGS). Bacharel em
Comunicação Social, Jornalismo (PUC-RGS). Graduado em Licenciatura
em Filosofia (Faculdade de Filosofia Nossa Senhora Imaculada Conceição).
Bacharel e Licenciado em Geografia e História (Faculdade Salesiana).
Professor da PUC-RGS. E-mail: obiz@cpovo.net

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