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Arthur Koestler - Jano
Arthur Koestler - Jano
Koestler
Jano
MELHORAMENTOS
Arthur Koestler
Jano
Uma Sinopse
Tradução de
Nestor Deola e Ayako Deola
MELHORAMENTOS
3
Capa de
Alcy Linares
Nx-XII- 1981
4
Contracapa
Jano
Uma Sinopse
http://groups-beta.google.com/group/digitalsource
JANO
UMA SINOPSE
7
A Daphne
8
Sumário
Nota do Autor .................................... 13
Prólogo: O Novo Calendário ........................ 15
I A Holarquia................................. 37
II Para Além de Eros e Tânatos................... 70
III As Três Dimensões da Emoção................. 83
IV Ad Majorem Gloriam .......................... 90
V Uma Alternativa para o Desespero ............. 111
10
AGRADECIMENTOS
Esboço de um Sistema
I
A Holarquia
1
3
Quero iniciar com uma pergunta decepcionantemente simples: que
pretendemos nós expressar, com exatidão, pelas familiares palavras
"parte" e "todo"? "Parte" contém o significado de algo fragmentário e
incompleto que, por si só, não pode exigir uma existência autônoma.
Por outro lado, um "todo" é considerado algo completo em si mesmo,
que não necessita de ulterior explicação. No entanto, contrariando
esses hábitos de pensamento profundamente enraizados em nós e seus
reflexos em algumas escolas filosóficas, "partes" e "todos", num
sentido absoluto, não existem em parte alguma, nem no terreno dos
organismos vivos, nem nas organizações sociais, nem no universo em
geral.
Um organismo vivo não é um simples agregado de partes
elementares, e suas atividades não podem ser reduzidas a elementares
"átomos de comportamento" formando uma cadeia de respostas
condicionadas. Em seus aspectos corporais, o organismo é um todo
constituído de subtodos", tais como o sistema circulatório, o sistema
digestivo etc., que por sua vez se ramificam em subtodos de uma
ordem inferior, tais como os órgãos e tecidos — e assim descendo
para as células individuais e para as organelas no interior das células.
Em outras palavras, a estrutura e o comportamento de um organismo
não podem ser explicados por, ou "reduzidos a" elementares processos
físico-químicos. Consistem numa hierarquia bem definida e
estratificada de subtodos que pode ser satisfatoriamente diagramada
como uma pirâmide ou uma árvore invertida, onde os subtodos
formam os nódulos e as linhas de ramificação simbolizam canais de
comunicação e controle. Ver o diagrama das páginas 42 e 43.
O primeiro ponto a ser enfatizado é que todo membro desta
hierarquia, em qualquer nível, é um subtodo ou "hólon" de pleno
direito — uma estrutura estável e integrada, equipada com
mecanismos auto-regulatórios e detentora de considerável grau de
autonomia ou governo próprio. Células, músculos, nervos, órgãos,
todos possuem seus ritmos intrínsecos e padrões de atividade, muitas
vezes manifestados espontaneamente, sem necessidade de estímulos
externos. Subordinam-se como partes aos centros mais elevados da
hierarquia, mas ao mesmo tempo funcionam como todos quase
autônomos. Eles possuem as faces de Jano. A face voltada para cima,
em direção aos níveis mais elevados, é a de uma parte dependente.
Mas a face voltada para baixo, em direção a seus próprios
constituintes, é a de um todo dotado de considerável auto-suficiência.
O coração, por exemplo, possui seus próprios marcapassos — na
verdade, vários marcapassos, capazes de substituírem uns aos outros,
quando a necessidade o exigir. Outros órgãos maiores estão equipados
com diferentes tipos de mecanismos coordenadores e controles de
regeneração. Sua autonomia fica demonstrada, de modo convincente,
pelas operações de transplante. No início de nosso século, Alexis
Carrell mostrou que um minúsculo pedaço de tecido, extraído do
coração de um embrião de galinha e colocado numa solução nutritiva,
conseguia pulsar durante anos. A partir de então, órgãos inteiros
provaram que eram capazes de funcionar como todos quase
independentes, quando extraídos do corpo e guardados in vitro, ou
transplantados para outro corpo. E, à medida que descemos os degraus
da hierarquia até o mais baixo nível observável por meio do
microscópio eletrônico, chegamos às estruturas infracelulares — as
organelas — que não são nem "simples" nem "elementares", mas
sistemas de incipiente complexidade. Cada uma dessas minúsculas
partes de uma célula funciona como um todo autônomo de pleno
direito, e cada uma aparentemente obedece a um código de regras
embutido nela. Um tipo, ou tribo, de organelas cuida do crescimento
da célula, outro providencia seu suprimento de energia, sua
reprodução, comunicação e assim por diante. Os mitocôndrios, por
exemplo, são usinas elétricas que extraem energia dos nutrientes por
intermédio de uma cadeia de reações químicas que envolvem cerca de
cinqüenta etapas diferentes. E uma única célula pode ter até cinco mil
dessas usinas. As atividades dos mitocôndrios podem ser ligadas ou
desligadas por controles existentes em níveis mais altos. Mas, uma vez
postas em ação, elas seguirão seu próprio código de regras. Os
mitocôndrios cooperam com outras organelas para manter a célula
feliz. Contudo, cada mitocôndrio possui, ao mesmo tempo, uma regra
dentro de si, uma unidade autônoma que há de afirmar sua
individualidade mesmo quando a célula ao redor estiver morrendo.
5
Quero tornar a dizer: se analisarmos qualquer forma de
organização social estável, a começar de uma família de insetos até o
Pentágono, descobriremos que ela é hierarquicamente estruturada. O
mesmo se aplica ao organismo individual e, com menor evidência, a
suas habilidades inatas e adquiridas. No entanto, para provar a
validade e o significado do modelo, deve-se demonstrar a existência
de princípios específicos e leis que se aplicam (a) a todos os níveis de
determinada hierarquia e (b) a hierarquias de campos diferentes — em
outras palavras, que definam o termo "ordem hierárquica". Alguns
desses princípios podem parecer muito evidentes, outros, porém,
abstratos; tomados juntos, formam os degraus para uma nova maneira
de abordar alguns velhos problemas.
Alguém afirmou que "uma boa terminologia é meio caminho
andado". Para se livrarem do tradicional uso incorreto das palavras
"todo" e "parte", muitos são impelidos a empregar termos desajeitados
como "subtodo", ou "parte-todo", "subestruturas", "subqualidades",
"subconjuntos" e assim por diante. Com o objetivo de evitar tais
expressões dissonantes, eu propus, há alguns anos10, um novo termo
para designar essas entidades com face de Jano existentes nos níveis
intermediários de qualquer hierarquia, que podem ser descritas ora
como todos e ora como partes, dependendo do modo como são vistas:
ou de "cima", ou "de baixo". O termo por mim proposto foi "hólon",
derivado do grego holos (todo), com o sufixo on que, como em próton
ou nêutron, sugere a idéia de partícula ou parte.
Parece que o hólon veio satisfazer uma verdadeira necessidade,
pois está gradualmente se firmando na terminologia de vários ramos
da ciência, desde a biologia até a teoria da comunicação. Foi para mim
uma grande satisfação descobrir que o termo também está se firmando
na língua francesa. No livro muito comentado do Prof. Raymond
Ruyer La Gnose de Princeton12, há um capítulo intitulado "Les
accolades domaniales et les holons" — com a seguinte nota de rodapé:
"Se não me engano, a palavra foi criada por Koestler". Palavras novas
são como os parvenus: a partir do momento em que suas origens são
esquecidas, alcançam êxito.
Infelizmente, o próprio termo "hierarquia" é muito pouco atrativo
e com freqüência provoca forte resistência emocional. Está carregado
de associações militares e eclesiásticas, ou evoca a "picante
hierarquia" do curral, causando assim a impressão de uma estrutura
rígida e autoritária, ao passo que, na presente teoria, uma hierarquia é
formada por hólons autônomos, com governo próprio, dotados com
variáveis graus de flexibilidade e liberdade. Encorajado pela amigável
aceitação do hólon, usarei ocasionalmente os termos "holárquico" e
"holarquia", mas tomando cuidado para não exagerar na insistência.
6
9
Em ontogênese — desenvolvimento do embrião — a distinção
entre "regras" e "estratégias" é menos clara à primeira vista e exige
uma explicação mais detalhada.
Nesse caso, o ápice da hierarquia é o ovo fertilizado; o eixo da
árvore invertida representa o tempo, e os hólons dos sucessivos níveis
inferiores representam os sucessivos estágios na diferenciação dos
tecidos em órgãos. O crescimento do embrião, de uma disforme bolha
para uma forma "esboçada" e daí por vários estágios de crescente
articulação, tem sido comparado ao modo pelo qual um escultor
entalha uma imagem num bloco de madeira — ou, como já menciona-
mos, ao modo de "expressar" uma idéia amorfa por meio de fonemas.
A "idéia" que deve ser expressa em ontogenia está contida no
código genético, mantido na dupla hélice do ácido nucléico, nos
cromossomos. São necessárias 56 gerações de células para produzir
um ser humano de uma única célula de um ovo fertilizado. As células
do embrião em desenvolvimento possuem todas a mesma origem e
apresentam o mesmo conjunto de cromossomos, isto é, as mesmas
tendências hereditárias. Apesar disso, evoluem para produtos tão
diversos como células musculares, células renais, células cerebrais,
unhas dos dedos. Como pode ocorrer tal diversificação, se todas as
células são governadas pelo mesmo conjunto de leis, pelo mesmo
cânon hereditário?
Essa é uma pergunta a que, segundo afirmação recente de W. H.
Thorpe, "estamos ainda muito longe de poder responder"15. Mas
podemos ao menos tentar analisá-la por uma tosca analogia.
Imaginemos os cromossomos representados pelo teclado de um
enorme piano — um piano verdadeiramente gigantesco, com alguns
bilhões de teclas. Então, cada tecla representará um gene ou disposi-
ção hereditária. Cada uma das células do corpo contém em seu núcleo
um teclado completo. Mas cada célula especializada recebe permissão
para tocar só uma corda ou emitir só um tom, de acordo com sua
especialidade — e o resto do teclado é definitivamente lacrado*.
*Esse processo de lacração também se realiza gradativamente, à medida que a
árvore hierárquica se ramifica em tecidos mais e mais especializados. Ver The Ghost
in lhe Machine, Cap. IX e, adiante, a Parte III.
Entretanto, essa analogia apresenta, de imediato, um novo
problema: quis custodiei ipsos custodes — quem ou que entidade
decide qual tecla a célula deve acionar em certo estágio, e quais teclas
devem ser lacradas? Exatamente nesse ponto, entra novamente em
cena a distinção básica entre códigos fixos e estratégias adaptáveis.
O código genético, que estabelece as "regras do jogo" da
ontogenia, localiza-se no núcleo de cada célula. O núcleo é envolvido
por uma membrana permeável, que o separa do circundante corpo da
célula, constituído por um fluido viscoso - o citoplasma - e por varia-
das tribos de organelas. O corpo da célula, por sua vez, permanece
envolto por outra membrana permeável, cercada por substâncias
fluidas e outras células, formando um tecido. Este, por seu turno, está
em contato com outros tecidos. Em outras palavras, o código genético
existente no núcleo celular age segundo uma hierarquia de ambientes,
semelhante a um jogo de caixas chinesas embutidas uma na outra.
Tipos distintos de células (células cerebrais, células renais etc.)
diferem um do outro pela estrutura e química de seus corpos celulares.
Essas diferenças derivam das complexas interações que ocorrem entre
o teclado genético dos cromossomos, o próprio corpo da célula e seu
ambiente externo. Este último contém fatores físico-químicos de tão
grande complexidade que Waddington criou para ele a expressão
"epigenetic landscape" (paisagem epigenética). Nessa paisagem, a
célula em evolução se movimenta como um explorador em território
desconhecido. Segundo outro geneticista, James Bonner, cada célula
embrionária deve ser capaz de "testar" as células vizinhas "para
descobrir diferença ou semelhança, e de muitos outros modos"16. A
informação obtida é então transmitida — realimentada — por meio do
corpo da célula, para os cromossomos, e determina que cordas do
teclado devem ser tocadas e quais devem ser lacradas temporária ou
definitivamente; ou, para expressar-me de outra maneira, que regras
do jogo devem ser aplicadas para obter os melhores resultados. Vem
daí o significativo título do importante livro de Waddington sobre
biologia teórica: The Strategy of the Genes17.
Assim, o futuro da célula depende, em última análise, de sua
posição no embrião em desenvolvimento, fato que determina a
estratégia dos genes da célula. Isso tem sido confirmado cabalmente
pela embriologia experimental: a adulteração da estrutura espacial do
embrião em suas primeiras fases de desenvolvimento provoca
mudanças no destino de todo o conjunto de células. Se, nessa fase
inicial, a futura cauda do embrião de uma salamandra for
transplantada para o local onde deveria haver uma perna, ela se
desenvolverá não como cauda, mas como perna — certamente um
exemplo drástico de estratégia flexível dentro das regras ditadas pelo
código genético. Num estágio mais avançado de diferenciação, os
tecidos que formam os rudimentos de futuros órgãos adultos — os
"germes de órgãos" ou "campos morfogenéticos" — comportam-se
como hólons autônomos que se auto-regulam por conta própria. Se,
nesse estágio, for retirada a metade do tecido do campo, a parte
remanescente formará não meio órgão, mas um órgão completo. Se o
globo ocular em fase de desenvolvimento for dividido em várias
partes, cada fragmento formará um olho menor, mas perfeitamente
normal.
Existe uma significativa analogia entre o comportamento dos
embriões nesse estágio avançado e o manifestado na primeira fase, a
blastular, quando se assemelham a uma minúscula bola de células.
Quando é retirada a metade da blástula de uma rã, a outra metade se
desenvolve numa rã normal, de tamanho menor, e não em meia rã; e
se uma blástula humana for dividida por acidente, o resultado será o
desenvolvimento de gêmeos ou até de quadrigêmeos. Dessa forma, os
hólons que, naquele estágio anterior, se comportam como partes do
organismo potencialmente completo manifestam as mesmas
características auto-reguladoras dos hólons que, em nível inferior (e
posterior) da hierarquia do desenvolvimento, são partes de um órgão
potencial. Em ambos os casos (e no decorrer das fases intermediárias),
os hólons obedecem a regras estabelecidas em seu código genético,
mas conservam liberdade suficiente para seguir um ou outro rumo de
desenvolvimento, guiados pelas contingências de seu ambiente.
Essas propriedades auto-reguladoras dos hólons existentes no
embrião em desenvolvimento garantem que o produto final sairá de
acordo com as normas, sejam quais forem os perigos ocasionais
surgidos durante o crescimento. Considerando os milhões e milhões
de células que se dividem, se diferenciam e se movem, devemos
concluir que não há dois embriões, nem mesmo gêmeos autênticos,
que se formem de maneira exatamente igual. Os mecanismos auto-
reguladores que corrigem afastamentos das normas e garantem, por
assim dizer, o resultado final têm sido comparados aos sistemas de
regeneração homeostática existentes no organismo adulto — e por
isso os biólogos falam de "homeostase do desenvolvimento". O futuro
indivíduo está potencialmente predeterminado nos cromossomos do
ovo fertilizado. Mas, para transformar esse protótipo no produto
acabado, é necessário que trilhões de células especiais sejam
produzidas e moldadas numa estrutura integrada. Seria absurdo
admitir que os genes de um único ovo fertilizado pudessem conter
dentro de si soluções para todas as contingências particulares que cada
uma de suas 56 gerações de células irmãs pode enfrentar no decorrer
do processo. Contudo, o problema se torna um pouco menos confuso
se substituímos o conceito de "protótipo genético", que implica um
plano a ser rigorosamente copiado, pelo conceito de um cânon de
regras genéticas que, embora fixas, deixam espaço para escolhas
alternativas, isto é, estratégias adaptáveis, orientadas por informações
e indicadores do ambiente.
Certa vez, Needham escreveu uma frase a respeito do "esforço da
blástula para crescer e se tornar uma galinha". Podemos chamar as
estratégias que levam a obter esse êxito de "habilidades pré-natais" do
organismo. Afinal, o desenvolvimento do embrião e a posterior
maturação do recém-nascido até se tornar adulto são processos
contínuos; e devemos supor que as habilidades pré-natais e pós-natais
tenham em comum certos princípios básicos, não só entre si mas
também com outros tipos de processos hierárquicos.
A presente seção não pretende descrever o desenvolvimento
embrionário, mas apenas um aspecto dele, a combinação de regras
fixas e estratégias variáveis, que encontramos também nas habilidades
instintivas (como a construção do ninho etc.) e no comportamento
adquirido (como a linguagem etc.). Parece que a vida, em todas as
suas manifestações, desde a morfogênese até o pensamento simbólico,
é governada por regras do jogo que lhe garantem ordem e
estabilidade, mas ao mesmo tempo lhe permitem flexibilidade. E essas
regras, inatas ou adquiridas, são apresentadas em forma de código
para os vários níveis da hierarquia, a começar pelo código genético
até chegar às estruturas do sistema nervoso associado ao pensamento
simbólico.
10
11
3
A dicotomia entre o todo e a parte e sua dinâmica manifestação na
polaridade das tendências auto-afirmativa e integrativa são inerentes,
como já foi dito, a cada sistema hierárquico de múltiplos níveis e estão
implícitas no modelo conceitual. Encontramo-las refletidas até mesmo
na natureza inanimada: onde quer que exista um sistema dinâmico
relativamente estável, desde os átomos até as galáxias, sua
estabilidade é mantida pelo equilíbrio de forças opostas, uma das
quais pode ser a centrífuga, isto é, inerte ou separativa, e a outra, a
centrípeta, isto é, atrativa ou coesiva, que unem as partes num todo
mais abrangente, sem sacrificar a identidade das mesmas. A primeira
lei de Newton — "Todo corpo permanece em seu estado de repouso
ou de movimento uniforme em linha reta, a não ser que seja
compelido por alguma outra força a modificar esse estado" — soa
como uma proclamação da tendência auto-afirmativa de toda partícula
de matéria existente no Universo. Por outro lado, sua Lei da
Gravidade reflete a tendência integrativa*.
*Numa peça de ficção científica escrita há vários anos, eu fiz uma donzela
visitante, vinda de outro planeta, explicar a doutrina fundamental de sua religião: "...
Nós adoramos a gravitação. É a única força que não se desloca apressadamente pelo
espaço; ela está em toda parte, em repouso. Mantém as estrelas em suas órbitas e
nossos pés sobre nosso chão. É o medo que a Natureza tem da solidão, a saudade que
a Terra sente da Lua; é o amor em sua forma pura e inorgânica." (Twilight Bar, 1945.)
5
Considerando que as tendências auto-afirmativa e integrativa
desempenham um papel fundamental em nossa teoria, devendo
portanto aparecer com freqüência nos capítulos subseqüentes, julgo
interessante fazer uma breve comparação com o sistema metafísico de
Freud, que alcançou extraordinária popularidade.
Freud postulou dois Triebe ("impulsos", ou, mais livremente,
"instintos") básicos, que ele concebeu como tendências universais
mutuamente antagônicas, inerentes a toda matéria viva: Eros e
Tânatos, ou libido e desejo de morte. Uma leitura atenta das passagens
mais importantes (de Beyond the Pleasure Principie, Civilisation and
its Discontents etc.) revela, para surpresa geral, que esses dois
impulsos são regressivos: ambos visam à restauração de uma
primitiva condição do passado. Eros, mediante o engodo do princípio
do prazer, tenta restabelecer a antiga "unidade do protoplasma no lodo
primordial", ao passo que Tânatos almeja muito mais diretamente o
retorno ao estado inorgânico da matéria, mediante a aniquilação do
ego e de qualquer outra identidade. Visto que ambos os impulsos
tentam inverter a marcha do relógio da evolução, indizível é o espanto
geral, pois, apesar de tudo, acontece que o relógio se movimenta para
a frente. A resposta de Freud parece ser a de que o Eros é forçado a
fazer um enorme desvio para juntar os "fragmentos dispersos de
substância viva"1 em agregados multicelulares, com o objetivo último
de restaurar a unidade protoplasmática. Em outras palavras, a
evolução se apresenta como o produto de uma regressão inibida, a
negação de uma negação e, por assim dizer, um recuo para a frente.
A título de curiosidade, pode-se ressaltar o conceito bastante
obscuro de Freud a respeito das atividades do Eros. Segundo seu
ponto de vista, o prazer sempre se deriva da "diminuição,
rebaixamento ou extinção de excitação psíquica" e o "desprazer*, de
um aumento dela". O organismo tende para a estabilidade. É guiado
pelo "esforço do mecanismo mental para conservar a quantidade de
excitações existente nele tão baixa quanto possível ou, pelo menos,
constante. Em conseqüência, tudo o que tender a aumentar a
quantidade de excitação deve ser encarado como contrário a essa
tendência, vale dizer, como desprazível"2.
*Unlus: disforia, algo distinto da dor física.
Ora, isso é sem dúvida Verdadeiro, num sentido mais amplo, na
medida em que se tratar da frustração de necessidades elementares,
como a fome. Mas deixa no esquecimento uma classe inteira de
experiências, as quais costumamos denominar "excitamento
aprazível". Os afagos preliminares que precedem o ato sexual
provocam um aumento da tensão sexual e deveriam, de acordo com a
teoria, ser desagradáveis — mas, absolutamente não o são. É curioso
que, nas obras de Freud, não se consegue encontrar nenhuma resposta
a essa objeção embaraçosamente banal. No sistema freudiano o
impulso sexual é, em essência, algo a ser utilizado livremente — seja
pelos canais competentes, seja pela sublimação. O prazer provém não
de sua procura, mas do fato de livrar-se dele *.
O conceito de Tânatos defendido por Freud — o Todestrieb — é
tão enigmático quanto o de Eros. Por um lado, o desejo-de-morte
"atua silenciosamente, dentro do organismo, para a sua
desintegração", por processos catabólicos, decompondo a matéria viva
em matéria morta. De fato, esse aspecto pode ser equiparado à
Segunda Lei da Termodinâmica** — a gradual dispersão de matéria e
energia num estado de caos. Mas, por outro lado, o instinto-de-morte
proposto por Freud, instinto que age tão sutilmente dentro do
organismo, surge como destrutividade operante ou como sadismo,
quando projetado para fora. É difícil ver como esses dois aspectos de
Tânatos podem se harmonizar e, ocasionalmente, se unir. Pois o
primeiro aspecto é o de um processo físico-químico que tende a
reduzir células vivas à imobilidade e, por fim, ao pó; enquanto o
segundo aspecto demonstra uma agressão coordenada e violenta de
todo o organismo contra outros organismos. O processo pelo qual o
silencioso deslizar para a senectude e desintegração se converte na
imposição de violência sobre outros não é explicado por Freud. A
única ligação por ele fornecida é o uso ambíguo de palavras como
"desejo-de-morte" e "imperativo de destruição".
*Pode-se argumentar que, no universo de Freud, não há lugar para manifestações
amorosas porque Freud, assim como D. H. Lawrence, era basicamente um puritano
tomado de horror pela frivolidade, que tratava o sexo mil tierischem Ernst (com feroz
severidade). Ernest Jones afirma em sua biografia: "Freud sofreu profunda influência
do puritanismo de sua época, quando as alusões às partes sexuais eram tidas como
impróprias". Em seguida apresenta vários exemplos — como o de Freud "proibindo
terminantemente" sua noiva de ficar "com um velho amigo, recém-casado, que,
segundo ela esclareceu com toda a delicadeza, 'havia se casado antes das núpcias
dela'"13.
**Mais adiante veremos que esta famosa lei se aplica somente aos assim
chamados "sistemas fechados" da física e não a organismos vivos. Mas trata-se de
uma descoberta relativamente recente que Freud não podia conhecer.
Não se trata apenas da falta de conexão entre esses dois aspectos
da Tânatos freudiana. Cada um deles por si é sumamente questionável.
Considerando em primeiro lugar o segundo aspecto, não encontramos
em parte alguma da Natureza a destruição por amor à destruição. Os
animais matam para devorar, não para destruir; e — como já foi
mencionado — mesmo quando lutam pela supremacia num território
ou pelas companheiras, a luta segue um ritual semelhante ao da
esgrima e só muito raramente chega a um desfecho mortal. Para
provar a existência de um "instinto destrutivo" primário, seria preciso
mostrar que o comportamento destrutivo ocorre regularmente, sem
provocação externa, assim como a fome e o apetite sexual se fazem
sentir, a despeito da ausência de estímulos externos. Quero citar Karen
Horney (que foi um psicanalista eminente, mas muito crítico)4
A suposição de Freud implica que o motivo último para
a hostilidade ou destrutividade reside no impulso para
destruir. Dessa forma, ele converte no oposto nossa crença
de que destruímos com o objetivo de viver: nós vivemos a
fim de destruir. Não devemos esquivar-nos de reconhecer o
erro, mesmo em se tratando de uma convicção antiga, se
uma visão mais ampla nos leva a compreender o fato de
modo diferente. Mas este aqui não é bem o caso. Se
desejamos ferir ou matar, assim agimos porque estamos ou
nos sentimos ameaçados, humilhados, prejudicados; porque
estamos ou nos sentimos rejeitados ou tratados injustamente;
porque estamos ou nos sentimos impedidos de realizar
desejos de vital importância para nós.
Afinal, foi o próprio Freud quem nos ensinou a procurar, nos atos
de destrutividade aparentemente arbitrários e não provocados,
praticados por crianças ou adultos desequilibrados, o motivo oculto —
que, de modo geral, demonstra ser um sentimento de rejeição, ou
ciúme, ou orgulho ferido. Em outras palavras, crueldade e
destrutividade devem ser consideradas como extremos patológicos da
tendência auto-afirmativa, quando esta é frustrada ou provocada além
de um limite crítico — sem apelar para o gratuito postulado de um
instinto-de-morte, a favor do qual não existe o mínimo traço de
evidência em parte alguma da biologia.
Retornando mais uma vez ao outro aspecto do Tânatos de Freud, a
principal característica da substância viva, como já foi mencionado, é
o seu aparente descaso pela Segunda Lei da Termodinâmica. Ao invés
de dissipar sua energia no meio ambiente, o animal vivo extrai energia
desse ambiente, alimenta-se desse ambiente, bebe desse ambiente,
utiliza-se dele e constrói nesse ambiente, dos ruídos colhe informações
e encontra sentido nos estímulos caóticos. Segundo a definição de
Pearl5, "nem o envelhecimento nem a morte natural são conseqüências
inevitáveis da vida". Os protozoários são potencialmente imortais;
reproduzem-se por simples fissão, "não deixando para trás, em tal
processo, nada que se assemelhe a um cadáver". Em muitos animais
multicelulares primitivos, não ocorre envelhecimento, nem morte
natural. Multiplicam-se por fissão ou cissiparidade, também sem
deixar para trás nenhum resíduo morto. "A morte natural é, do ponto
de vista biológico, algo relativamente novo"6. Ela é o efeito
cumulativo de alguma deficiência, ainda bastante desconhecida, do
metabolismo das células nos organismos complexos — um
epifenômeno provocado por falhas na integração, e não uma lei básica
da Natureza.
Portanto, os impulsos fundamentais de Freud, sexualidade e
desejo-de-morte, não podem evocar a si validade universal. Ambos
fundamentam-se em novidades biológicas que só aparecem num nível
relativamente elevado da evolução: o sexo, como um novo processo
da reprodução assexuada e, algumas vezes (como em certos
platelmintos), alternando-se com esta; a morte, como conseqüência de
imperfeições surgidas com o aumento da complexidade. Na teoria
aqui proposta, não há lugar para um "instinto destrutivo" nos
organismos, nem para a consideração da sexualidade como a única
força integrativa na sociedade humana ou animal. Eros e Tânatos são
personagens relativamente tardios, no palco da evolução. Uma
multidão de criaturas que se multiplicam por fissão (ou cissiparidade)
ignoram completamente a ambos. Segundo nosso ponto de vista, a
sexualidade é uma manifestação específica da tendência integrativa, e
a agressividade, uma forma extrema da tendência auto-afirmativa.
Por outro lado, Jano surge como o símbolo das duas propriedades
irredutíveis da matéria viva; totalidade e parceria; e também como
símbolo de seu precário equilíbrio nas hierarquias da Natureza.
Repetindo mais uma vez, este esquema geral não se baseia em
pressupostos metafísicos, mas está, por assim dizer, embutido na
arquitetura dos sistemas complexos — físicos, biológicos ou sociais
— como uma necessária condição prévia da coerência e estabilidade
de seus conjuntos de hólons, em todos os níveis. Não foi por acaso
que Heisenberg deu o título de The Part and the Whole (A Parte e o
Todo)* a seu relato autobiográfico da gênese da física moderna.
Realmente, onde, na microfísica, encontramos partes tão
"elementares" que não se revelem, alguma vez, como todos
compostos? Onde, no macrocosmo da astrofísica, podemos colocar os
limites de nosso universo com seu espaço-tempo multidimensional? A
infinitude expande-se tanto no topo como na base das hierarquias
estratificadas da existência, e a dicotomia da totalidade auto-
afirmativa e da parceria autotranscendente está presente em cada
nível, desde o trivial até o cósmico. O aspecto mais realista da ordem
hierárquica está contido no que se pode chamar de "paradigma de
Swift":
"Der Teil und das Game, no original alemão. As traduções em inglês mudaram
esse título para Physics and Beyond.
IV
PARTE II
A Mente Criativa
VI
HUMOR E ESPÍRITO
123
Por conseguinte, esta pesquisa há de começar com uma análise do
cômico*. Pode-se pensar que eu destinei um espaço demasiado grande
para o humor, mas como eu já afirmei, ele deve servir de passagem
pela porta dos fundos para o processo criativo da ciência e da arte.
Além disso, também pode ser lido como um ensaio autônomo — que
talvez proporcione ao leitor uma agradável distração.
*Este capítulo baseia-se no sumário da teoria que elaborei para a 15ª edição da
Enciclopédia Britânica2.
2
SUMÁRIO
VII
A ARTE DA DESCOBERTA
AS DESCOBERTAS DA ARTE
1
PARTE III
Evolução Criativa
IX
178
CIDADELAS EM RUÍNAS
Os dois pontos que devemos reter aqui são: (a) que a solução
"surge" por acaso, após várias tentativas desordenadas, e (b) que ela é
conservada porque foi recompensada pela aprovação.
Trinta anos após a publicação do livro de Watson, Skinner chegou
às mesmas conclusões a respeito da maneira como são feitas as
descobertas científicas — embora nessa época o behaviorismo já
tivesse desenvolvido seu próprio jargão esotérico:
O resultado do ato de resolver um problema é o
aparecimento de uma solução na forma de uma resposta... O
surgimento da resposta em seu [da pessoa humana]
comportamento não é mais surpreendente do que o surgimento
de qualquer resposta no comportamento de qualquer
organismo4.
Que jogador, por mais obcecado que esteja por seu vício,
seria tão louco de apostar na roleta da evolução fortuita? A
criação da Melancholia de Dürer por grãos de pó carregados
pelo vento apresenta uma probabilidade menos infinitesimal
do que a construção de um olho por obra de infortúnios que
poderiam sobrevir à molécula ADN — infortúnios esses que
não têm a mínima conexão com as futuras funções do olho.
É permitido sonhar acordado, mas a ciência não deveria
sucumbir a isso. (Os grifos são de Grasse.)28
4
Ao discorrermos sobre a evolução das espécies, temos em mente,
na maior parte das vezes, o surgimento de novas formas e estruturas
físicas, tais como as vemos expostas em museus de história natural.
Mas a evolução não cria apenas novas formas. Cria também novos
tipos de comportamento, novas habilidades instintivas que são inatas e
hereditárias. Todavia, se as forças que comandam o surgimento de
novas estruturas são desconhecidas, as que regem a evolução de
habilidades inatas estão envoltas em completa escuridão. Por isso
lamentava-se Niko Tinbergen, ganhador do Prêmio Nobel: "É
estarrecedor o atraso em que se encontra a etologia... Ainda está para
ser desenvolvida uma genética de comportamento29".
191
A razão disso é simples: O neodarwinismo não possui os
instrumentos teóricos para manejar o problema. A única explicação
que pode oferecer sobre as incrivelmente complexas habilidades
instintivas dos animais é a de que também estas são produzidas por
mutações fortuitas que, de alguma forma, afetam o circuito neural do
cérebro e do sistema nervoso do animal, sendo em seguida
preservadas por "seleção natural". Para os alunos formados em
biologia, seria um exercício benéfico repetir essa fórmula explicativa,
à maneira de uma mantra sânscrita, enquanto observam uma aranha a
construir sua teia, um chapim a moldar seu ninho, um texugo a
edificar um dique, um ostraceiro a carregar sua presa pelos ares,
deixando-a cair sobre as rochas, as atividades sociais da bem
organizada comunidade das abelhas, e assim por diante. Poder-se-ia
formar uma biblioteca só com ilustrações sobre as formas
surpreendentemente complexas de atividades instintivas de várias
espécies de animais que desafiam qualquer explicação, nos termos da
mantra darwinista. Desejo citar apenas um dos exemplos menos
conhecidos, apresentados por Tinbergen:
A fêmea desta espécie [a assim chamada vespa cavado-ra] ao
se aproximar a época da desova, cava um buraco, mata ou
paralisa uma lagarta e leva-a para o buraco, onde a acondiciona
após haver nela depositado um ovo (fase a). Feito isso, a vespa
cava outro buraco, no qual põe outro ovo sobre uma nova
lagarta. Nesse entretempo, o primeiro ovo já estava incubado e a
larva começava a consumir sua reserva de alimento. Agora, a
vespa-mãe volta novamente sua atenção para o primeiro buraco
(fase b), para o qual leva mais algumas larvas de mariposa, e a
seguir faz o mesmo no segundo buraco. Pela terceira vez retorna
ao primeiro buraco para levar um lote final de seis ou sete
lagartas (fase c), e depois disso tampa o buraco e o deixa para
sempre. Dessa maneira, a vespa cuida, em turnos, de dois ou três
buracos, cada qual numa fase diferente de desenvolvimento.
Baerends investigou a maneira pela qual a vespa leva a
quantidade exata de alimento para cada buraco. Ele observou que
a vespa visitava todos os buracos, todas as manhãs, antes de sair
para o local de caça. Mudando o conteúdo dos buracos e
observando o subseqüente comportamento da vespa, ele concluiu
que (1) o ato de retirar alimento de um buraco forçava a vespa a
trazer mais provisões que de costume, e (2) o ato de adicionar
larvas ao conteúdo de um buraco levava a vespa a trazer menos
alimento que o usual30.
192
Mas outra vespa, a Eumenes amedei, age de maneira ainda melhor.
A seguinte descrição, algo tosca, procede do livro ParwinRetried, de
Norman Macbeth: *
*Este notável tratado escrito por um advogado de Harvard, destaca as falhas e
inconsistências da teoria neodarwinista. Sir Karl Popper qualificou-o de "a mais
meritória e realmente importante contribuição para o debate."
A esta altura, penso eu, a mantra perde seu poder hipnótico até
mesmo sobre os mais devotados neodarwinistas. É correto o que
Tinbergen afirmou: "Ainda está para ser desenvolvida uma genética
de comportamento". Mas a teoria sintética é incapaz de fornecer-lhe
os instrumentos.
5
Mas nenhum biólogo tem sido tão perverso a ponto de sugerir que
os novos olhos evoluíram por mero acaso, repetindo assim, em
algumas gerações, um processo evolutivo que durou milhões de anos.
Nem o conceito de seleção natural oferece aqui a mínima ajuda. A
recombinação de genes para representarem o gene ausente deve ter
sido coordenada segundo algum plano superior, ou segundo um
conjunto de regras, que governam a ação do complexo de genes como
um todo. É exatamente essa atividade coordenadora, desenvolvida no
ápice da hierarquia genética, que garante tanto a estabilidade genética
da espécie durante milhões de anos, quanto suas modificações
evolutivas segundo padrões biologicamente aceitáveis. O problema
central da teoria evolutiva reside no modo como essa vital atividade
coordenadora é exercida. Este é o lugar onde entra o grande ponto de
interrogação. A metáfora desviou-se do crupiê encarregado da roleta
para o regente que dirige sua orquestra.
Tal substituição já fora prenunciada por alguns dos membros
fundadores do neodarwinismo que se tornaram dissidentes, tais como
Bateson e Johannsen. Este (vale recordar, foi o criador do termo
"gene") escreveu que, após terem sido levados em consideração todos
os mínimos efeitos das mutações mendelianas, ainda subsistia "algo
central e muito importante" que continha a chave do enigma52.
Waddington manteve uma atitude ambivalente com relação à
teoria oficial. Eu citei palavras suas que ridicularizavam a evolução-
por-mutação-fortuita; por outro lado, ele desejava evitar uma ruptura
204
completa com a doutrina darwinista. Como saída para o dilema,
propôs, numa célebre conferência difundida pelo rádio, que na
evolução de um órgão complexo, tal como o olho humano, uma
mutação casual pode "afetar o órgão inteiro de maneira harmoniosa".
Isso implica que a mutação que afeta um único componente —
digamos, o cristalino — atua meramente como um gatilho num
complexo sistema preestabelecido, que foi programado para reagir "de
maneira harmoniosa" (nossa "máquina de escrever programada"); e
implica ainda que essa programação é também herdada, isto é,
representada num nível superior da hierarquia genética. Ademais, a
evolução harmoniosa de órgãos aparentemente não relacionados (a
saber, as asas, as bolsas de ar e o sistema digestivo dos pássaros) é
controlada em nível ainda mais elevado — o "algo central e muito
importante", no ápice da hierarquia.
Jacques Manod teve de enfrentar o mesmo dilema. Sua corajosa
tentativa, em Chance and Necessity, de defender a cidadela cercada
poderia ser comparada à última batalha de Custer*. Embora persistisse
em repetir que "só o acaso é a fonte de toda a criação havida na
biosfera" etc., ele foi compelido pela evidência provinda de seu
próprio campo de pesquisa a reconhecer a existência do "algo central e
muito importante", chegando a postular um segundo princípio básico
de evolução, além do acaso, princípio que ele chama de teleonomia
(os grifos são de Monod):
*Alusão a George Armstrong Custer (1836-1876), oficial norte-americano que
dedicou sua vida a combater os índios e acabou morrendo numa batalha contra eles,
em Little Big Horn. (N. dos T.)
206
X
LAMARCK REVISITADO
218
XI
ESTRATÉGIAS E PROPÓSITO NA
EVOLUÇÃO
221
(c)
8
A analogia entre a evolução biológica e a cultural pode ser
fortalecida ainda mais se volvermos nossa atenção para um dos
atributos fundamentais dos organismos vivos, seu poder de auto-
restauração, bem como para a dramática manifestação desse poder nos
fenômenos de regeneração (qualificados por Needham como "um dos
mais espetaculares números de mágica, no repertório dos organismos
vivos")*. Esse poder é tão fundamental para a vida quanto a
capacidade de reprodução e, em alguns organismos inferiores que se
multiplicam por cissiparidade ou por germinação, a regeneração e a
reprodução muitas vezes se confundem. Deste modo, se um
platelminto for cortado transversalmente em duas metades, a parte da
cabeça formará uma nova cauda, e a parte da cauda formará uma nova
cabeça. Mesmo se for cortado em meia dúzia de pedaços, cada um
deles se regenerará num animal completo. Platelmintos, pólipos,
ouriços-do-mar e estrelas-do-mar, todos eles capazes de regenerar um
indivíduo completo a partir de uma pequena fração do corpo, podem
ser chamados de hologramas biológicos.
Mais acima na escada evolutiva, os anfíbios são capazes de
regenerar um membro ou órgão perdido, e mais uma vez a mágica é
executada segundo a fórmula de desfazer e refazer: as células do
tecido próximo ao coto decepado diferenciam-se e regridem a um
estado quase embrionário, e depois rediferenciam-se e reespecializam-
se para formar a estrutura regenerada**.
*Ver Insight and Outlook, Cap. X. e O Fantasma da Máquina, Cap. XIII.
**Um exemplo clássico dessa metaplasia é a regeneração do cristalino do olho
da salamandra: "Se a lente é cuidadosamente removida com instrumentos adequados,
é substituída por uma nova lente que se forma na margem superior da íris: esta é a
membrana pigmentada do olho, que circunda a pupila. A primeira mudança, após a
extirpação da lente, consiste no desaparecimento dos pigmentos na parte superior da
íris, isto é, um processo de não-diferenciação. Em seguida, as duas camadas de
tecido que contêm a íris separam-se e expandem-se na borda em que são contínuas,
formando uma pequena vesícula. Esta vesícula cresce para baixo até assumir a
posição normal de uma lente; eventualmente chega a desprender-se da íris.
diferenciando-se em uma lente típica".
234
Ora, a reposição de um membro perdido ou do cristalino ocular é
um fenômeno de ordem bem diferente da simples cura de um
ferimento. O potencial regenerativo de uma espécie mune-a com um
suplementar dispositivo de segurança a serviço da sobrevivência —
um método de auto-reparação baseado na plasticidade genética de
células embrionárias não comprometidas. Entretanto, isso significa
mais que um mero dispositivo de segurança, pois acabamos de ver que
as principais novidades evolutivas se concretizaram mediante uma
similar retirada dos níveis adultos para os embrionários. Na verdade,
os grandes passos na linha ascendente que conduziram até nossa
espécie poderiam ser descritos como uma série de operações de auto-
reparação filogenética: fugas de becos sem saída, pelo método de
desfazer e remodelar estruturas mal adaptadas.
À medida que prosseguimos nossa escalada rumo aos animais
superiores, dos répteis aos mamíferos, decresce o poder de
regeneração das estruturas corporais, sendo substituído por um
crescente poder do cérebro e do sistema nervoso para reorganizar os
padrões de comportamento do organismo. Na primeira metade deste
século, mediante uma série de experiências clássicas, K. S. Lashley
demoliu o conceito de que o sistema nervoso é um rígido autômato de
reflexos. Ele demonstrou que os tecidos do cérebro, que no rato
normalmente servem para uma função específica, podem, em
determinadas circunstâncias, assumir as funções de outros tecidos
afetados do cérebro. Por exemplo, ele ensinou a seus ratos algumas
habilidades de diferenciação visual. Quando removia o córtex óptico
dos ratos, essas habilidades desapareciam, como seria de se esperar.
Mas, contrariando qualquer expectativa, os ratos mutilados eram
capazes de aprender novamente a lição. Alguma outra área do cérebro,
não especializada normalmente na aprendizagem visual, devia ter
assumido essa função, substituindo a área perdida. Tais manifestações
do que se pode chamar de meta-adaptações têm sido registradas em
insetos, pássaros, chimpanzés e outros animais*.
*Ver The Act of Creation, Livro II, Cap. III.
Por fim, em nossa própria espécie, a capacidade de regenerar as
estruturas corporais está reduzida a um mínimo, embora seja
compensada pelo poder ímpar do homem para remodelar seus padrões
de pensamento e comportamento — para enfrentar grandes desafios
mediante respostas criativas. E assim completamos o círculo através
da evolução biológica, retornando às diferentes manifestações da
criatividade humana, baseadas no padrão de desfazer e refazer, que se
235
mantém como um leitmotiv desde a pedomorfose até as encruzilhadas
revolucionárias da ciência e da arte; retornando também à regeneração
mental, que é o objetivo das técnicas regressivas da psicoterapia e,
finalmente, aos arquétipos de morte-e-ressurreição, de retirada-e-
retorno, comuns a todas as mitologias.
9
Uma das doutrinas básicas da cosmovisão mecanicista do séc.
XIX foi a famosa "Segunda Lei da Termodinâmica", de Clausius. Essa
lei asseverava que o universo está degenerando rumo à dissolução
final porque sua energia está sendo gradativa e inexoravelmente
dissipada pelo desordenado movimento das moléculas, até se tornar
uma simples e amorfa bolha de gás, com uma temperatura uniforme
um pouco acima do zero absoluto: o cosmo dissolvendo-se no caos.
Somente em data muito recente a ciência começou a recuperar-se
do efeito hipnótico produzido por essa melancólica visão,
compreendendo que a Segunda Lei se aplica apenas no caso especial
dos assim chamados "sistemas fechados" (como o de um gás mantido
num recipiente hermeticamente fechado), ao passo que todos os
organismos vivos são "sistemas abertos", os quais mantêm sua
complexa estrutura e funcionamento pela assimilação continuada de
materiais e energia extraídos de seu ambiente. Ao invés de
"degenerar" como um aparelho mecânico que dissipa sua energia por
causa da fricção, um organismo vivo constantemente "fabrica"
substâncias mais complexas aproveitando as substâncias que ingere,
formas de energia mais complexas utilizando as energias absorvidas, e
padrões de informação mais complexos — percepções, conhecimentos
e memórias armazenadas — aproveitando as informações de seus
receptores sensoriais.
No entanto, embora os fatos aí estivessem para qualquer um
conferir os eventualistas ortodoxos relutavam em aceitar suas
implicações teóricas. A idéia de que os organismos vivos, ao contrário
das máquinas, são primariamente ativos, e não meramente reativos; a
idéia de que ao invés de se adaptarem passivamente a seu ambiente
eles estão, para citar Judson Herrick, "criando, no sentido de novos
padrões de estrutura e comportamento serem constantemente
elaborados" — tais idéias eram profundamente desagradáveis aos
darwinistas, behavioristas e reducionistas em geral23. Na verdade, foi
uma tarefa difícil para uma ortodoxia ainda convencida de que todos
os fenômenos da vida podiam, em última análise, ser reduzidos às leis
236
da física, aceitar que a veneranda Segunda Lei, a qual fora tão útil na
física, não se aplicava à matéria viva e, em certo sentido, fora
invertida na matéria viva.
De fato, foi um físico, não um biólogo, o laureado com o Prêmio
Nobel Erwin Schrödinger, quem pôs fim à tirania da Segunda Lei,
com sua célebre afirmativa: "O que um organismo absorve é entropia
negativa"24. Ora, entropia é o termo para designar energia degradada,
que foi dissipada pela fricção e por outros processos esbanjadores, e
não pode ser recuperada; em outras palavras, é uma medida de energia
desperdiçada. A Segunda Lei pode ser expressa pela afirmação de que
a entropia de um sistema fechado tende a aumentar em direção ao
máximo, quando toda a sua energia tiver sido dissipada pelos
movimentos caóticos das moléculas de gás; logo, se o nosso universo
é um sistema fechado, deve eventualmente "desfazer-se", passando de
cosmo a caos. Entropia tornou-se um conceito-chave da física — um
pseudônimo de tânatos; insinuou-se no próprio conceito freudiano de
desejo de morte. (Ver o Capítulo II.)
"Entropia negativa" (ou "negentropia") é, pois, um modo bastante
perverso de se referir ao poder dos organismos vivos para "construir"
ao invés de degenerar, para criar estruturas complexas utilizando
elementos mais simples, padrões integrados aproveitando a
deformidade, ordem a partir da desordem. A mesma tendência
irreprimível de construir manifesta-se no progresso da evolução, no
surgimento de novos níveis de complexidade na hierarquia orgânica, e
nos novos métodos de coordenação funcional, resultando em maior
independência do ambiente e em maior domínio sobre ele.
Poucas páginas atrás mencionei "o esforço ativo da matéria viva
rumo à melhor realização do potencial evolutivo do planeta." Numa
linha semelhante, o veterano biólogo e vencedor do Prêmio Nobel
Albert Szent-Györgyi propôs a substituição de "negentropia" com suas
conotações negativas pelo termo positivo "sintropia", que ele define
como um "impulso inato na matéria viva para aperfeiçoar-se a si
mesma." Chamou também a atenção para seu equivalente no nível
psicológico, como sendo "um impulso para a síntese, para o
crescimento, para a totalidade e o auto-aperfeiçoamento"25.
Falando francamente, o que tudo isso significa é o renascer do
vitalismo, que a ortodoxia reducionista havia estigmatizado de obscura
superstição. A origem do conceito remonta à enteléquia de
Aristóteles, o princípio ou função vital que transforma a mera
substância num organismo vivo e, ao mesmo tempo, anseia pela
perfeição. Depois de Aristóteles, o conceito de uma força vital que
237
infunde vida na substância inanimada foi adotado por vários autores,
sob diferentes matizes: a facultas formatrix, de Galeno e Kepler; a
lifeforce, de Galvani; as mônadas, de Leibniz; a Gestaltung, de
Goethe; o élan vital, de Bergson. No início de nosso século, o termo
enteléquia foi adotado pelo biólogo alemão Hans Driesch, cujas
experiências clássicas sobre embriologia e regeneração o convenceram
de que esses fenômenos não podem ser explicados unicamente pelas
leis da física e da química, ao passo que a escola oposta dos
"mecanicistas" proclamava que elas podiam ser explicadas dessa
maneira. Devido aos rápidos progressos da bioquímica, o vitalismo
continuou a perder terreno, sendo considerado como uma hipótese
impregnada de sabor místico — até que o pêndulo começou a oscilar
na direção oposta. O revolucionário conceito de "negentropia", de
Schrödinger, publicado em 1944, recebendo aclamação universal,
reintroduziu o vitalismo, por assim dizer, pela porta dos fundos*. Mas
deveria ser chamado de neovitalismo, para distingui-lo de seus
precursores pré-científicos. Sua mensagem básica foi resumida com
admirável simplicidade por Szent-Györgyi (a quem dificilmente se
pode acusar de ter uma atitude não científica):
*Foram criados outros termos, na tentativa de restabelecer o vitalismo sob
respeitáveis disfarces. Assim, o biólogo alemão Woltereck propôs "anamorfose" para
expressar a tendência da Natureza para o surgimento de formas cada vez mais
complexas, enquanto L. L. Whyte a chamava de "princípio mórfico."
Se partículas elementares são agrupadas para formarem um
núcleo atômico, cria-se algo novo que já não pode mais ser
descrito em termos de partículas elementares. O mesmo ocorre
novamente quando se circunda esse núcleo com elétrons e se
constrói um átomo, quando se ajuntam átomos para formar uma
molécula etc. A natureza inanimada pára no nível inferior de
organização de moléculas simples. Mas os sistemas vivos
prosseguem e combinam moléculas para formar
macromoléculas, macromoléculas para formar organelas (tais
como os núcleos, mitocôndrios, cloroplastos, ribossomos ou
membranas) e eventualmente reunir todas essas organelas para
formar a maior maravilha da criação, a célula com suas
assombrosas regulagens internas. Então, o sistema vivo
continua a aglomerar células para formar "organismos
superiores" e indivíduos gradativamente mais complexos, de
que você é um exemplo. A cada novo passo, criam-se
qualidades mais complexas e sutis e assim, no final, deparamos
238
com propriedades que não encontram paralelo no mundo
inanimado, embora as regras básicas continuem imutáveis26.
Por "regras básicas" ele entende as leis da física e da química, as
quais conservam sua validade no campo dos fenômenos biológicos,
sendo, porém, insuficientes para explicá-los porque estes "não
encontram paralelo no mundo inanimado." Disto resulta o postulado
de "sintropia" (ou "negentropia", ou élan vital), como um "impulso
inato na matéria viva para aperfeiçoar-se a si mesma" — ou em
direção à melhor atualização de seu potencial evolutivo.
Na presente teoria, esse "impulso inato" deriva da "tendência
integrativa". É mais específico do que as expressões que acabo de
citar, porque é inerente à concepção de ordem hierárquica e se
manifesta em cada nível, a começar pela simbiose das organelas no
interior da célula, indo até os sistemas ecológicos e as sociedades
humanas. Seu oponente, a tendência auto-afirmativa, está igualmente
presente em cada nível. Esta fornece uma chave para o enigmático
conservantismo do processo evolutivo, tal como vem refletido nos
fenômenos de homologia, a estabilidade das espécies, e no baixo
índice de mudanças, a sobrevivência de "fósseis vivos" (também
conhecidos como "tipos persistentes"), e finalmente, quando não
controlado pela tendência integrativa, nos becos sem saída da
estagnação e da superespecialização. Pois temos visto (Capítulo II, 4)
que a tendência auto-afirmativa é, na verdade, conservadora, dedicada
a preservar e afirmar a individualidade do hólon "no aqui e agora das
condições existentes, enquanto a tendência integrativa possui a dupla
função de coordenar as partes constituintes de um sistema em seu
estado atual e de gerar novos níveis de organização nas hierarquias
evolutivas — sejam biológicas, sociais ou cognitivas. Portanto, a
tendência auto-afirmativa está orientada para o presente, preocupada
com a automanutenção, ao passo que a tendência integrativa pode ser
classificada como trabalhando tanto para o presente como para o
futuro."
A evolução tem sido comparada a uma viagem de um local
desconhecido para um destino ignorado, a uma travessia de um vasto
oceano. Mas nós podemos ao menos traçar a rota que nos trouxe do
estágio do pepino-do-mar até ao da conquista da Lua. E não se pode
negar que há um vento que faz o barco se mover. Mas, torna-se
indiferente dizer que o vento, vindo de um passado distante, empurra
o barco para a frente, ou dizer que ele nos arrasta consigo para o
futuro. A intencionalidade de todos os processos vitais, a estratégia
239
dos genes e o poder do impulso exploratório no animal e no homem,
tudo parece indicar que a atração do futuro é tão real quanto a pressão
do passado. Causalidade e finalidade são princípios complementares
nas ciências da vida. Se eliminarmos finalidade e propósito, teremos
eliminado a vida da biologia, bem como a da psicologia*.
*Até mesmo o evasivo Waddington, num de seus últimos livros, argumentou em
favor de uma "visão quase finalista"28.
240
PARTE IV
Novos Horizontes
241
242
XII
247
Permitam-me repetir: cada passo para baixo na gradativa
conversão de nadas etéreos em movimentos físicos das cordas vocais
requer uma transferência de controle para automatismos mais
acentuados; cada passo para cima leva a processos de mentalização
mais sofisticados. Assim, a dicotomia mente-corpo não se localiza ao
longo de uma única fronteira, como no dualismo clássico, mas está
presente em cada nível intermediário da hierarquia.
Sob esse aspecto, a distinção categórica entre mente e corpo se
desvanece e, em seu lugar, "mental" e "mecânico" tornam-se atributos
complementares de processos ocorridos em cada nível. O domínio de
um desses atributos sobre o outro — dar um nó na gravata pode ser
uma atividade realizada atenta ou mecanicamente — depende do fluxo
do tráfico na hierarquia: as mudanças de controle podem proceder de
baixo para cima ou de cima para baixo, pelas portas giratórias. Em
conseqüência, até as partes ínfimas, viscerais, da hierarquia, reguladas
pelo sistema nervoso autônomo, podem aparentemente ser mantidas
sob controle mental, mediante as práticas de Yoga ou os métodos de
realimentação biológica. E vice-versa — como já foi dito — quando
estou sonolento ou entediado, posso executar a atividade
supostamente mental de ler um trabalho sem "assimilar" uma só
palavra.
Possuímos o hábito de falar sobre a "mente" como se ela fosse
uma coisa, quando na verdade não é. Mentalizar, pensar, lembrar,
imaginar são processos em relação recíproca ou complementar com
processos mecânicos. A esta altura da análise, a física moderna
oferece-nos uma analogia pertinente: o assim chamado "Princípio de
Complementaridade", que é fundamental para toda a sua estrutura
teórica. Posto em linguagem não técnica, o princípio afirma que os
constituintes elementares da matéria — elétrons, prótons, nêutrons etc.
— são ambíguos, entidades com face de Jano, os quais, sob certos
aspectos, comportam-se como corpúsculos sólidos, mas sob outros
aspectos comportam-se como ondas num meio não sólido. Werner
Heisenberg, laureado com o Prêmio Nobel e um dos pioneiros da
física subatômica, comentou:
O conceito da complementaridade se destina a descrever
uma situação em que podemos olhar para um e o mesmo
evento através de dois diferentes sistemas de referência. Esses
dois sistemas excluem-se mutuamente mas eles também se
complementam mutuamente, e somente a justaposição desses
sistemas contraditórios permite uma visão exaustiva... O que
248
chamamos de complementaridade assemelha-se muito
nitidamente ao dualismo cartesiano de matéria e mente3.
FÍSICA E METAFÍSICA
276
Jung não oferece nenhuma explicação sobre o modo como o
esquema deve funcionar e seus comentários a respeito são tão
obscuros que prefiro confiar ao leitor interessado o trabalho de
pesquisá-los no original. Nesse caso, não se pode escapar à lembrança
da montanha do poeta latino, a qual, tendo concebido, deu à luz um
modesto ratinho. Todavia, foi, sem dúvida, um rato muito simbólico.
Foi a primeira vez que a hipótese de fatores acausais existentes em
todo o universo recebeu o selo conjunto de respeitabilidade, dado por
um psicólogo e um físico, ambos de renome internacional.
10
HÓLONS AUTÔNOMOS
GATILHOS E FILTROS
"ABSTRAÇÃO" E "LUMINOSIDADE"
ARBORIZAÇÃO E RETICULAÇÃO
2. Dissecabilidade
2.1 As hierarquias são "dissecáveis" em suas ramificações
constitutivas, nas quais os hólons formam os nódulos. As linhas de
ramificação representam os canais de comunicação e controle.
2.2 O número de níveis que uma hierarquia alcança é a medida de
sua "profundidade". E o número de hólons em qualquer um dos níveis
recebe o nome de "envergadura" (Simon).
3. Regras e Estratégias
3.1 Hólons funcionais são governados por conjuntos fixos de
regras e apresentam estratégias mais ou menos flexíveis.
3.2 As regras — denominadas como cânon do sistema —
determinam suas propriedades invariáveis, sua configuração estrutural
e/ou seu padrão funcional.
3.3 Enquanto o cânon define os passos permitidos na atividade do
hólon, a seleção estratégica do passo concreto entre as escolhas
permitidas é guiada pelas contingências do ambiente.
3.4 O cânon determina as regras do jogo, a estratégia decide o
curso do jogo.
3.5 O processo evolutivo apresenta variações sobre um número
limitado de temas canônicos. As limitações impostas pelo cânon
318
evolutivo se exprimem pelos fenômenos da homologia, homoplasia,
paralelismo, convergência e pela loi du balancement.
3.6 Na ontogenia, os hólons em níveis sucessivos representam
sucessivos estádios do desenvolvimento dos tecidos. A cada passo do
processo de diferenciação, o cânon genético impõe novas limitações
aos potenciais de desenvolvimento do hólon, mas este mantém
suficiente flexibilidade para seguir um ou outro caminho alternativo
de desenvolvimento, dentro do alcance de sua competência, guiado
pelas contingências do ambiente.
3.7 Estruturalmente, um organismo adulto é uma hierarquia de
partes dentro de partes.
3.8 Funcionalmente, o comportamento dos organismos é
governado por "regras do jogo", que respondem por sua coerência,
estabilidade e padrão específico.
3.9 As habilidades, quer inatas quer adquiridas, são hierarquias
funcionais, com subabilidades como hólons, governadas por sub-
regras.
4. Integração e Auto-afirmação
4.1 Cada hólon possui a dupla tendência de preservar e afirmar sua
individualidade como um todo quase autônomo e de funcionar como
parte integrada de um todo maior (existente ou em evolução). Essa
polaridade entre as tendências auto-afirmativa e integrativa é inerente
ao conceito de ordem hierárquica, e também é uma característica
universal da vida.
As tendências auto-afirmativas são a expressão dinâmica da
totalidade do hólon e as tendências integrativas manifestam sua
parceria.
4.2 Uma polaridade análoga existe na interação das forças
coesivas e separativas dos sistemas inorgânicos estáveis, desde os
átomos até as galáxias.
4.3 A manifestação mais comum das tendências integrativas
consiste na anulação da Segunda Lei da Termodinâmica pelos
sistemas abertos que absorvem entropia negativa (Schrödinger) e na
tendência evolutiva em direção a "estados que espontaneamente
marcham para maior heterogeneidade e complexidade" (Herrick).
4.4 Suas manifestações específicas em diferentes níveis variam
desde a simbiose das organelas e dos organismos coloniais, passando
pelas forças coesivas das multidões e rebanhos, até chegar aos liames
integrativos das famílias de insetos e das sociedades de primatas. As
319
manifestações complementares das tendências auto-afirmativas são a
concorrência, o individualismo e as forças separativas da organização
tribal, do nacionalismo etc.
4.5 Na ontogenia, a polaridade reflete-se na disciplina e
determinação dos tecidos em crescimento.
4.6 No comportamento adulto, a tendência auto-afirmativa dos
hólons funcionais manifesta-se na persistência de rituais instintivos
(padrões fixos de ação), de hábitos adquiridos (a caligrafia pessoal, o
sotaque) e nas rotinas estereotipadas de pensamento. A tendência
integrativa revela-se nas adaptações flexíveis, nas improvisações e nos
atos criativos que iniciam novas formas de comportamento.
4.7 Em situações de tensão, a tendência auto-afirmativa manifesta-
se no tipo de emoções adrenérgico, agressivo-defensivo, e a tendência
integrativa, no autotranscendente (participativo, identificativo), tipo de
emoções.
4.8 No comportamento social, o cânon de um hólon social não
apenas representa as limitações impostas às suas ações, mas também
encarna as máximas de conduta, os imperativos morais e os sistemas
de valores.
5. Gatilhos e Filtros
5.1 De modo geral, as hierarquias de saída operam segundo o
princípio do disparador de gatilho, onde um sinal relativamente
simples, implícito ou codificado, aciona mecanismos complexos e
preestabelecidos.
5.2 Em filogenia, uma favorável mutação do gene pode, mediante
a homeorese (Waddington), afetar de maneira harmoniosa o
desenvolvimento de todo um órgão.
5.3 Em ontogenia, disparadores químicos (enzimas, indutores,
hormônios) libertam os potenciais genéticos de tecidos
diferenciadores.
5.4 No comportamento instintivo, disparadores-sinais de um tipo
simples acionam mecanismos disparadores inatos (Lorenz).
5.5 No desempenho de habilidades aprendidas, inclusive as
habilidades verbais, um comando implícito e generalizado é decifrado
em termos explícitos por sucessivos escalões inferiores que, uma vez
postos em ação, impulsionam suas subunidades na ordem estratégica
apropriada, guiadas por realimentação.
5.6 Um hólon no nível n de uma hierarquia de saída é representado
320
como uma unidade no nível (n + 1), e posto em ação como unidade.
Em outras palavras, um hólon é um sistema de relações que é
representado no seguinte nível superior como um "relatum".
5.7 Os mesmos princípios aplicam-se às hierarquias sociais
(militares, administrativas).
5.8 As hierarquias de entrada operam segundo o princípio inverso.
Em vez de gatilhos, elas estão equipadas com dispositivos do tipo
"filtro" (esquadrinhadores, "ressoadores", classificadores) que filtram
a entrada de ruídos, abstraem e condensam seus conteúdos relevantes,
segundo os critérios de relevância dessa específica hierarquia. Os
"filtros" operam em cada escalão pelo qual o fluxo de informação
deve passar em sua subida da periferia para o centro, tanto nas
hierarquias sociais como no sistema nervoso.
5.9 Os gatilhos transformam sinais codificados em complexos
padrões de saída. Os filtros convertem complexos padrões de entrada
em sinais codificados. Podemos comparar os primeiros aos
conversores digitais para análogos e os últimos, aos conversores
análogos para digitais22.
5.10 Nas hierarquias perceptivas, os dispositivos de filtragem
variam desde a familiarização e o controle eferente dos receptores,
mediante os fenômenos da constância, até chegar ao reconhecimento
padrão no espaço ou no tempo, e à decifração da lingüística e de
outras formas de significado.
5.11 As hierarquias de saída interpretam, concretizam,
particularizam. As hierarquias de entrada condensam, abstraem,
generalizam.
6. Arborização e Reticulação
6.1 As hierarquias podem ser consideradas como estruturas
"verticalmente" arborizantes, cujos ramos se entrelaçam com os de
outras hierarquias numa multiplicidade de níveis e formam redes
"horizontais". Arborização e reticulação são princípios
complementares da arquitetura dos organismos e das sociedades.
6.2 A experiência consciente é enriquecida pela cooperação de
diversas hierarquias perceptivas, em diferentes modalidades de sentido
e dentro da mesma modalidade de sentido.
6.3 As memórias abstrativas são armazenadas em forma
esqueletizada, despidas de detalhes irrelevantes, segundo os critérios
de relevância de cada hierarquia perceptiva.
6.4 Os detalhes vividos que conservam uma clareza quase eidética
são estocados em razão de sua relevância emocional.
321
6.5 O empobrecimento da experiência da memória é
contrabalançado até certo ponto pela cooperação, na recordação, de
diferentes hierarquias perceptivas, com critérios de relevância
diferentes.
6.6 Na coordenação sensório-motora, os reflexos locais são
atalhos no nível inferior, semelhantes a desvios de retorno que ligam
correntes de tráfego opostas de uma rodovia.
6.7 As rotinas sensório-motoras especializadas operam em níveis
superiores através de redes de rampas dentro de rampas de
realimentação proprioceptivas e exteroceptivas, as quais funcionam
como servomecanismos e mantêm o ciclista em sua bicicleta num
estado de homeostase cinética auto-reguladora.
6.8 Enquanto na teoria E — R as contingências do ambiente
determinam o comportamento, na presente teoria elas simplesmente
guiam, corrigem e estabilizam padrões preexistentes de
comportamento (Weiss).
6.9 Enquanto as realimentações sensórias orientam as atividades
motoras, a percepção depende, por sua vez, dessas atividades, tal
como ocorre com os vários movimentos esquadrinhadores dos olhos
ou o trauteio de uma melodia em ajuda de sua recordação auditiva. As
hierarquias perceptivas e motoras cooperam tão intimamente em cada
nível que se torna sem sentido traçar uma distinção categórica entre
"estímulos" e "respostas". Ambos converteram-se em "aspectos de
rampas de realimentação" (Miller e outros).
6.10 Os organismos e as sociedades operam numa hierarquia de
ambientes, desde o ambiente local de cada hólon até o "campo total",
que pode incluir ambientes imaginários derivados da extrapolação no
espaço e no tempo.
7. Canais de Regulagem
7.1 Normalmente, os escalões superiores de uma hierarquia não
estão em contato direto com os inferiores e vice-versa. Os sinais são
transmitidos através de "canais de regulagem", um degrau de cada
vez.
7.2 As pseudo-explicações, de que o comportamento verbal e
outras habilidades humanas seriam mera manipulação de palavras ou
encadeamento de operantes, deixam um vazio entre o ápice da
hierarquia e seus ramos terminais, entre o pensamento e a
interpretação.
7.3 A ligação direta entre níveis intermediários, mediante a
direção da atenção consciente para processos que funcionam
322
automaticamente, tende a provocar distúrbios que vão desde o
embaraço até as perturbações psicossomáticas.
8. Mecanização e Liberdade
8.1 Em níveis sucessivamente mais elevados da hierarquia, os
hólons apresentam padrões de atividade cada vez mais complexos,
mais flexíveis e menos previsíveis, ao passo que em níveis
sucessivamente inferiores encontramos padrões cada vez mais
mecanizados, estereotipados e previsíveis.
8.2 Todas as habilidades, sejam inatas sejam adquiridas, com a
intensificação da prática tendem a tornar-se rotinas automatizadas. Tal
processo pode ser descrito como a transformação contínua de
atividades "mentais" em "orgânicas".
8.3 Mantendo-se iguais os outros fatores, um ambiente monótono
facilita a mecanização.
8.4 Inversamente, contingências novas ou inesperadas exigem que
as decisões sejam submetidas a níveis superiores da hierarquia, o que
implica uma deslocação de controles para cima, das atividades
"mecânicas" para as "conscientes".
8.5 Cada mudança para cima reflete-se numa consciência mais
vívida e mais precisa da atividade em andamento. E, visto que a
variedade de escolhas alternativas aumenta com a crescente
complexidade dos níveis superiores, cada deslocação para cima vem
acompanhada pela experiência subjetiva da liberdade de decisão.
8.6 O enfoque hierárquico substitui as teorias dualistas por uma
hipótese seriada, em que "mental" e "mecânico" surgem como
atributos complementares de um processo unitário, onde a dominância
de um ou de outro depende das mudanças no nível de controle.
8.7 A consciência surge como uma qualidade emergente na
filogenia e na ontogenia, qualidade essa que, desde os remotos
primórdios, evolui para estados mais complexos e precisos. Ela é a
mais elevada manifestação da tendência integrativa para extrair a
ordem da desordem e a informação do ruído.
8.8 O ego jamais pode ser completamente representado em sua
própria consciência, nem podem suas ações ser inteiramente previstas
por qualquer dispositivo concebível de processamento de informações.
Ambas as tentativas conduzem a um regresso infinito.
9. Equilíbrio e Desordem
9.1 Diz-se que um organismo ou uma sociedade está em equilíbrio
dinâmico se as tendências auto-afirmativas e integrativas de seus
hólons se contrabalançam mutuamente.
323
9.2 Num sistema hierárquico, o termo "equilíbrio" não se refere a
relações entre partes de um mesmo nível, mas à relação entre a parte e
o todo (sendo o todo representado pelo agente que controla a parte,
desde o seguinte nível superior).
9.3 Os organismos vivem pelas transações com o seu ambiente.
Em condições normais, as tensões surgidas nos hólons envolvidos na
transação são de natureza transitória e, ao seu término, o equilíbrio
será restaurado.
9.4 Se o desafio apresentado ao organismo ultrapassa um limite
crítico, o equilíbrio pode ser perturbado, o superexcitado hólon pode
tender a fugir ao controle e a auto-afirmar-se em detrimento do todo,
ou a monopolizar suas funções — seja o hólon um órgão, uma
estrutura cognitiva (idée fixe), um indivíduo ou um grupo social. O
mesmo pode ocorrer se os poderes coordenadores do todo são
enfraquecidos a tal ponto que ele não é mais capaz de controlar suas
partes (Child).
9.5 O tipo oposto de perturbação ocorre quando o poder do todo
sobre suas partes corrói a autonomia e a individualidade destas. Isso
pode conduzir a uma regressão das tendências integrativas, desde as
formas maduras de integração social, às formas primitivas de
identificação e aos quase hipnóticos fenômenos da psicologia de
grupo.
9.6 O processo de identificação pode despertar emoções vicárias
do tipo agressivo.
9.7 As normas de conduta de um hólon social não são redutíveis às
normas de conduta de seus membros.
9.8 O egotismo do hólon social nutre-se do altruísmo de seus
membros.
10. Regeneração
10.1 Os desafios críticos a um organismo ou a uma sociedade
podem produzir efeitos degenerativos ou regenerativos.
10.2 O potencial regenerativo dos organismos e das sociedades
manifesta-se em flutuações que vão desde o mais elevado nível de
integração até os níveis mais antigos e primitivos, subindo novamente
para um padrão novo e modificado. Os processos desse tipo parecem
desempenhar um importante papel na evolução biológica e mental, e
são simbolizados na mitologia pelo motivo universal da morte e
renascimento.
324
II
SÍNTESE
O PROBLEMA
Enquanto, nos últimos anos, o processamento da informação na
percepção visual tem recebido atenção cada vez maior1, parece ter
sido esquecido um fenômeno comum de processamento errôneo que
pode apresentar algum significado teórico. Referimo-nos à inversão
(ou transposição) de itens adjacentes de uma seqüência de números
mostrados num taquistoscópio. Embora esses erros sejam bastante
comuns em contabilidade e tenham merecido especial atenção dos
revisores de provas, estão ausentes dos debates sobre percepção visual
ou âmbito da memória, em livros básicos como os de Osgood2 e
Woodworth e Schlosberg3.
325
A apreensão de uma série de numerais e a subseqüente repetição
deles em sua correta seqüência deve envolver ou o armazenamento
ordenado dos itens individuais ou o armazenamento da informação
relativa a essa ordem. Tanto a informação que identifica um item
como a informação que define seu lugar na seqüência devem estar à
disposição de P [Pessoa testada], para o êxito da realização da tarefa.
Não é fácil demonstrar a potencial separabilidade dessas duas
espécies de informação envolvidas. Se uma pessoa comete um único
erro de identidade, apresentando ou um número incorreto ou um
espaço vazio, isso pode indicar que ela apenas perdeu a informação da
identidade. Tal argumento, no entanto, não é conclusivo, pois o
resultado teria sido o mesmo, caso a pessoa não tivesse recebido
informação alguma sobre o item errado, mas tivesse informações
completas sobre os demais itens. Por outro lado, a inversão de dois
dígitos ou a permuta de três ou mais dígitos proporciona um
argumento concludente porque demonstra, prima facie, que a
informação da identidade está correta, ao passo que a informação da
posição está incompleta ou distorcida.
O presente estudo tem por objetivos demonstrar que o fenômeno
da transposição pode ser analisado em testes de laboratório e
determinar o local de suas prováveis ocorrências numa determinada
seqüência.
O MÉTODO
RESULTADOS E DISCUSSÃO
C — correto
E — erro grave
327
I — um dígito incorreto, ou "vazio" assinalado para um único
dígito faltante
T — transposição de pares de dígitos adjacentes, com o resto da
seqüência correto
T1 — transposição de três ou mais dígitos, com os demais corretos
IT — transposição de dois ou mais dígitos e um dígito incorreto
O — outros erros, geralmente erros da experiência ou do
equipamento
Os resultados são apresentados segundo esses critérios de
tabulação, no Quadro I. Um exame do quadro mostra que a
transposição proporciona uma importante fonte de erros. No entanto, é
difícil descobrir um modelo estatístico que possibilite uma avaliação
exata do significado estatístico de tais erros. Como ressaltaram
Woodworth e Schlosberg4 em seu debate sobre o registro da extensão
da memória, qualquer sistema de tabulação que tente atribuir crédito
separado à exatidão e à ordem é arbitrário. Portanto, qualquer modelo
estatístico deve fazer conjeturas a respeito das estratégias da P, por um
lado (por exemplo: notou a P que os dígitos podem repetir-se numa
seqüência e, se isso ocorreu, tal fato alterou de maneira correta seu
comportamento de adivinhação?) e a respeito das inter-relações dos
tipos de erro (que nós ainda não conhecemos), por outro lado.
Felizmente, essa questão não é crucial para os objetivos presentes. A
única pergunta que deve ser feita aqui é se há mais transposição do
que se esperaria que houvesse, ao acaso (seja qual for a definição que
se der a acaso).
Posições transpostas
Seqüência 1-2 2-3 3-4 4-5 5-6 6-7
5 dígitos 0 2 18 3 — —
6 dígitos 0 2 1 17 3 —
6 dígitos 0 5 1 21 5 —
7 dígitos 0 0 0 3 7 2
III
Notas sobre o sistema
nervoso autônomo*
* Ver pág. 154
330
Autores diferentes têm descrito suas funções em termos diferentes.
Allport ¹ relacionou as emoções agradáveis à divisão parassimpática e
as desagradáveis, à simpática. Olds2 estabelece uma distinção entre
sistemas emotivos "positivos" e "negativos", ativados respectivamente
pelos centros parassimpático e simpático do hipotálamo. Partindo de
um enfoque teórico bem diferente, Hebb também chegou à conclusão
de que se deve fazer uma distinção entre as duas categorias de
emoção, "aquelas em que a tendência é de manter ou aumentar as
condições originais de estímulo (emoções agradáveis ou integrativas)"
e "aquelas cuja tendência é eliminar ou diminuir o estímulo (raiva,
medo, desgosto)3". Pribram propôs uma distinção semelhante entre
emoções "preparatórias" (preventivas) e "participatórias"4. Hebb e
Gellhorn diferenciam um sistema ergotrópico (consumidor de energia)
que opera mediante a divisão simpática para resguardar-se contra
estímulos ameaçadores, de um sistema trofotrópico (conservador de
energia) que opera mediante a divisão parassimpática, em resposta a
estímulos pacíficos ou atraentes5.
Gellhorn resumiu os efeitos emocionais de dois diferentes tipos de
drogas: por um lado, as "pílulas estimulantes", tais como a benzedrina,
e por outro, as tranqüilizantes, tais como a clorpromazina. O primeiro
tipo ativa a divisão simpática e o segundo, a parassimpática. Quando
administrados em pequenas doses, os tranqüilizantes provocam "leves
desvios do equilíbrio hipotalâmico para o lado parassimpático,
resultando em calma e contentamento, semelhante na aparência ao
estado que antecede o adormecimento, ao passo que alterações mais
marcantes levam para um estado depressivo"6. Por outro lado, as
drogas do tipo benzedrina ativam a divisão simpática, provocam o
aumento da agressividade nos animais e, no homem, se aplicadas em
pequenas doses, levam a um estado de leveza e euforia; mas grandes
doses causam superexcitação e comportamento maníaco. Finalmente,
Cobb condensou o contraste implícito numa fórmula penetrante: "O
ódio é denominado a reação mais adrenérgica e o amor, a reação
caracteristicamente parassimpática mais colinérgica"7.
O que este breve resumo indica, em primeiro lugar, é uma
tendência geral das autoridades neste assunto a distinguir entre duas
categorias básicas de emoção, embora sejam diferentes as definições
das categorias. Em segundo lugar, existe um sentimento geral de que
as duas categorias estão relacionadas com as duas divisões do sistema
nervoso autônomo.
331
IV
OVNIs — Um festival
de disparates*
*Ver Capítulo XIV.
APÊNDICES
349
350
BIBLIOGRAFIA
http://groups-beta.google.com/group/digitalsource
http://groups-beta.google.com/group/Viciados_em_Livros