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elas, ‘A ponte levadiga e baga de Eu-ter-sido jade, Enferrujou—embalde a tentardo descer... xe, Sobre fossos de Vago, ameias de inda-querer — 2 mua. ‘Manis de armas ainda em arraiais de olvido... mas, Percorro-me em sales sem janelas nem portas, sfume. Longas salas de trono a espessas densidades, selume Onde os planos de Arras sio esgargadas saudades, le habita, E os divas, em redor, fnsias lassas, absortas... Oriente... Ha roxos fins de Império em meu renunciar — stim... Caprichos de cetim do meu desdém Astral tim.. Hi exéquias de herdis na minha dor feudal — samente.. E 0 meus remorsos so terracos sobre o mar. v sas, O Fantasma > mat. toa, O que farei na vida —o Emigrado Turguias.. Astral apés que fantasiada guerra, Quando este Oiro por fim cair por terra, brocado.. Que ainda é Oiro, embora esverdinhado? ee (De que revolta ou que pais fadado?) ilado, aa Pobre lisonja a gaze que me encerra. 7 Imaginaria e pertinaz, desferra Que forga magica o meu pasmo aguado? Acescada é suspeita ¢ € perigosa: ene Alastra-se uma nédoa duvidosa Smnedievals sla aleatifa, os corrim@es partidos. coeveane Pela aleat partidos... che ‘Taparam com rodilhas o meu norte, \ [As formigas cobriram minha sorte, ‘mse armaduras, Morreram-me meninos nos sentido. *rincesas. de outras bravuras (Ibidem, pp. 51-54, 58-59, 66-67, 98-99, 101-102, 162-165.) orazGes € presas, ADA NEGREIROS ie rubro, + brocado; José Sobral de Almada Negreiros nasceu em Lisboa, a 7/4/1893. Terminados 0s estudos, rispado, os, deu inicio a intensa eampanha cultural que tinha em mira a colaborar para que ‘se eolocasse no plano das outras nagSes europeias. Em 1915, integra o grupo de Ophew e nele ocupa lugar de relevo. Inconformista, pBe-se contra todas as modalidades academicismo (Manifesto Anti-Dantas e por Extenso, 1915) e procura divulgar na pétria as aspe e Outubro. 493 ‘moderas correntes estéticas (Cubismo, Futurismo, etc.), Em 1919, segue para Paris coma ‘intuit de estudar pintura ¢lé permanece até o ano seguinte. Ainda as artes plésticas o evars ‘4 Espanha, onde vive de 1927 a 1932. De regresso patria, prossegue na campanhe de esc: recimento ¢ divulgagSo das vanguardas culturais. Dividiu-se entre a poesia, a pintura, or» ance, o desenho, 0 teatro, a critica de arte, as conferéncias, ete, Em todas esses atividads | também nfo hi pior momento ft tar com 0 exato do nosso valor. admiradores sem pontaria. Pelo vverificar se vamos bem com os « do espirito de vitdria, ‘evelou um espirito criador invulgar, por vezes chegando a rasgos de verdadeira genialidade A comunicagdo entre humar Escreveu: O Moinho (1913), Os Outros (1914), 23, 2® andar (1914), Manifesto Anti-Dantas humanidade admira sendo o prép por Extenso (1915), K4, O Quadrado Azul (1917), Litoral (1917), A Engomadeira (1917), Invencao do Dia Claro (1921), Pierrot e Arlequim (1924), Deseja-se mulher (1928), SOS (1829), Portugal, Diregdo Unica (1932), Blogio de Ingenuidade (1936), Nome de (1938), Mito-Alegoria-Simbolo (1948), Orpheu (1965). Faleceu em Lisboa, a. 14/6/1970. pouco importa para admirar, t les se move. Nos fatos da nos: mandamos nds e todos os que est 08 astros € 0s nossos sentiment: ideias sdo resultados de fatos ¢ d dem sintetizar, como se faz. com © Antunes recordava a cara va dele a valer, que ela dava-se-1 respondia de fato, mas apenas por total, lea, fatal, por ser impossiv 8 astros mandavam a ambos. N paixto. Ele, pelo contrério, € qu que sem divida alguma era a ele ‘tudo ia a caminho de um contratc se a prevalecer o legal, isto &, con | mea lei para cada um, Nome de Guerra Escrito em 1925, Nome de Guerra somente foi publicado em 1938. O romance, cuja tga transcorre em Lisboa, na década de 1920, focaliza a histéria de um jovem provinciano, hes, que muda para a capital, ¢ em contato com o meio urbano, sobretudo com Iudit, ado “nome de guerra”, se transforma e se encontra defintivamente, Dos sessenta e quatro capt los em que o romance se fragmenta, escolheu-se o capitulo LVI, intitulado “Os Novos Am 40s do Protagonista Falam-lhe da Diferenca entre Todos Juntos e cada Quel em Separado™, ‘Note-se que Maria era uma jovem que ele namorara na tera natal e que morrera “em mena e quinze dias durante a estada do Antunes em Lisboa, por ela no saber nem ter quem cexplicasse aquela auséncia” (capitulo LVD): ‘Cada um de nés nfo pode deixar de ser 0 proprio, e ainda que para isso Ihe indispensivel a maior das forgas de vontade. Efetivamente, o que 0s astros manda ido é para ficar no céu, No céu ficam os astros apenas. NOs somos exatamente 0 qle ‘les mandam. E, verdade verdadinha, antes obedecer a0s astros do que a outros. Annossa obediéncia aos astros é a um tempo involuntiria e heroica. Invol porque a vontade é a deles, e heroica, porque nao ha de ser vencida pela dos humana ‘Hé em cada pessoa um espirito de vitéria e € 0 mais legitimo da sua vida intima. Ne anhumé alma em vide deixou de ser instada por este espirito de vitdria. Ele é a mk bela expresso da cara humana, ¢ a sua auséncia a pior. O espirito de vitéria espirito de vitéria nfo ¢., e estes pensamentos gaguejavam na cabeca do A como se ele fosse também gago da fala, Tinha-se-the ido de repente a ideia tio © as palavras nfo tiveram tempo de a agarra. Quando se quer outra vez uma ideia que nos fugiu, deitamos mao de quala imagem que se nos apresente, a ver se ela se liga com a que tinhamos antes; ai também o Antunes reparava que nunca ninguém o tinha admirado. Foi tao sens nal para ele esta descoberta que se passow inteiro para o seu novo pensamento. Tira, do 0s pais, naturalmente, s6 a Maria ficava diante dele como diante de um genio, a “Romance de uma aprendizage em Portugal” (José-Augusto Franca, de Guerra”: in Estrada Larga, Porto insta etnica na histéra da fegSo« | grarse nesta antologia, nfo se poss apenas cabe rastrear alguns aspectos romance, corra imediatamente a con) mente na medida em que também re impBe-se logo pelo seu primitivisms wvizinhar-se da ficgdo francesa dos ar "ido ensaio), Nome de Guerra paree romancistaestivesserealizando art | participagao do intelect. Lembra a pelos velhos contadores de histérias _ ula, uma fibula dos tempos moden ‘entio o Antunes ligou logo com a ideia perdida: o espirito de vitéria tem um visor de alheia se nfo queres i fiea."). De onc referéncia imediata na admiragdo que inspiramos aos outros. Nao hé melhor compe ‘tudo se passe como em uma anedat sagiio para a nossa vida do que a admiragio dos outros pelo que merecemos, mi ‘angistia. A fabulagto cresce por acir tc.). Em 1919, segue para Paris como inte. Ainda as artes plsicas 0 levario ‘atria, prossegue na campanha de ese ‘idiu-se entre a poesia, a pintura, 0 ro- séncias, etc. Em todas essas atividades do rasgos de verdadeira genialidade andar (1914), Manifesto Anti-Dantas ¢ itoral (1917), A Engomadeira (1917), 924), Deseja-se mulher (1928), SOS. Ingenuidade (1936), Nome de Guerra ).Faleceu em Lisboa, a 14/6/1970. blicado em 1938, O romance, cuja ago. istéria de um jovem provinciano, Antu- +io urbano, sobretudo com Judite, a do ‘vamente, Dos sessenta e quatro capitu- fnulo LVI, intitulado “Os Novos Ami- dos Juntos e cada Qual em Separado”. va terra natal e que morrera “em menos va, por ela ndo saber nem ter quem Ihe prio, e ainda que para isso Ihe seja__ tivamente, 0 que os astros mandam venas. Nés somos exatamente 0 que eer aos astros do que a outros. involuntéria ¢ heroica. Involuntaria, hd de ser vencida pela dos humanos. ais legitimo da sua vida fntima, Ne- ste espirito de vitéria. Ele ¢ a mais ‘2. pior. O espirito de vitéria é...0 gaguejavam na cabega do Antunes -lIhe ido de repente a ideia tio clara,” os fugiu, deitamos mao de qualquer ‘a.com a que tinhamos antes; assim otinha admirado. Foi to sensacio- para o seu novo pensamento. Tiran- te dele como diante de um génio, E 2 espirito de vitéria tem um visor dé os outros. Nao hé melhor compen ‘s outros pelo que merecemos, mas ‘pém nfl ha pior momento humano do que aquele em que nos admiram sem acer~ ream 0 exato do nosso valor. A pessoa verdadeira prefere inimigos auténticos © | iniradores sem pontaria. Pelo justo da admirago ou repulsa dos outros podemos reificar se vamos bem com 0s astros, por conseguinte se nfo deturpamos 0 sentido Ho espirto de vitéria, "A comunicagdo entre humanos faz-se pela admiragio, Nao sto as ideias 0 que a umanidade admira sendo o préprio dos sentimentos. Otimos ou péssimos, é relativo, youco importa para admirar, basta que se ajustem perfeitamente aquele que com ies se move. Nos fatos da nossa vida mandam 0s astros, nos nossos sentimentos amos ns e todos os que estiveram no nosso sangue, nas nossas ideias mandam stros e 0s nossos sentimentos. Os fatos decidem, os sentimentos revelam-n0s, as | ikias sdo resultados de fatos e de sentimentos. Os fatos e os sentimentos no se po- | em sintetizar, como se faz com as ideias, mas admiraveis s6 os sentimentos. ‘© Antunes recordava a cara linda de Maria diante dele e ainda via que el gosta dele a valer, que ela dava-se-The como se ele Ihe correspondesse, que ele Ihe cor- tspondia de fato, mas apenas por causa dela, por causa daquela sua maneira de se dar sal, lal, fatal, por ser impossivel dissuadi-la disso, por ser assim precisamente que ts astros mandavam a ambos. Nao era por engano que ela o admirava com aquela iio, Ele, pelo contrério, é que por engano esteve quase a receber aquela dadiva | se sem divide alguma era a cle que se destinava,E se nfo fossem os atrosaquilo | do i a caminho de um contrato legal, destes de que gosta a sociedade. Esteve qua- ‘aprevalecer o legal, isto é, conforme a lei para todos, sobre o leal, ou seja,confor- nea lei para cada um. (Nome de Guerra, Lisboa, Atica, 1956, pp. 232-234.) “Romance de uma aprendizagem, o tinico ‘romance de aprendizagem’ que se esereveu enPortugal” (José-Augusto Franca, “Nota de Reletura de A Confissao de Liicio e de Nome tk Guerra”: in Estrada Larga, Porto, Porto, s.., vol. I, p. 495), Nome de Guerra é uma obra ‘slta¢ nica na historia da ficedo em Portugal. Pena que, mutilada como deve ser pars inte- frre nesta antologia, nfo se possa ter uma idein global do seu conteido, Assim sendo, "perascabe rasrear alguns aspects, ¢desejar que © leitor,acordado para ¢importincis do | ymance, corr imediatamente a conhecé-lo na integra. Ligando-se A Confisao de Licio so- mente na medida em que também reflete o espirto érfico, a narrativa de Almada Negreiros apie se log pelo seu primitivismo, no melhor sentido desta palavr Ou see: apessr d= ihizinhar-se da fiegdo francesa dos anos de 1920 (como acentua José-Augusto France no refe- | ido ensaio), Nome de Guerra parece escrito fora de qualquer condicionamento, como se 0 Trmancista eativesse realizando a arte de narrar em sua expressao mais ingénua e direta, sem “patcipagdo do intlecto. Lembra a posigfo assumida por Gongalo Femandes Trancoso ou Flos vehos contadores de histrias ede fibula. Ai est: Nome de Guerra constitu ume fi- Tala, uma fabula dos tempos modemos, inctuindo uma moralidade (N&o te metas na vida ica serio queres Id fca.”). De onde o tom irénico e lidico, evidente no eapitulo transerito; © stad se passa como em uma anedota, gragas ao d-vontade picaresco ea disponibilidade sem tngistia. A fabulaglo cresee por acimulo de dados, por justaposiglo de mintcias, como ums 495 bola de neve, ou se girasse em circulos concéntricos, ¢ cada capitulo estivesse colocado neque | Ja ordem por uma questio de mero arranjo grifico. O préprio cariter do herdi se nos revelaa Pouce € pouco, como se, soterrado num palimpsesto, fosse sendo desvendado 20s poucos PPormenor a pormenor,nuanga a muanga. E que a sondagem no “eu” de Antunes e nas situates Se procesa de modo simples, quase geométrco, dando a impressto de sera eséncia mes da psicologia individual e coletiva que se concreiza aos nossosolhs. Em suma, Nome d Guerra contém o absurdo as clras, ou aclareza do cotidiano quando entrevisto em sua ahsu= ‘idade. A estrutura do romance denota-o Iuminosamente: a aso decorte em dois planos pis cipais,o do interior de Antunes, ¢0 do relacionamento com Judite, Por fim, quaifica ain mais 0 romance ofato de ser obra delinguagem estita, uma rigorosa construgaoesttica pel palavra, um organismo verbal coeso¢ inteiro, como se as palavras fossem to pesadas, foes @coneretas quanto as arquitraves e as absbadas de uma catedral. Finalmente 0 Protagonista Toma o Partido das Estrelas (© Antunes sentia 0 prazer do seu entendimento ¢ estava contente consigo mesmo ‘Por causa da vibracdo da sua presenga a janela daquela 4gua-furtada aberta para oa, ‘Nao eram programas futuros que o animavam daquela maneira, mas sim, exatament, © profiundo sentido daquele momento da sua vida ali aquela janela sobre a noite, ene ‘seu passado, que ele conhecia como ninguém, ¢ 0 seu futuro, que nao necessi de saber por enquanto, Tanto era assim que se desencostou do parapeito, acerta: bem perpendicularmente ao chio, igou o mais que ia o corpo todo sobre si mes, ajustou bem as plantas dos pés a0 solo, como as das estituas nos seus pedestais, com ambas as mos vibrou umas mésculas palmadas no trax, para Ihe tirar o som, ena de resistir a tentago de dizer em voz alta, acompanhada de gestos dos bragos tendidos para fora da janela por cima do telhado: —As ocasides nfo se procuram, encontram-se. E quem é, além de nés mes que the ha de dar o a propésito? Sé quem ndo hé de encontrar-se antes de chegar fim € que foge da realidade com medo de ser mordido por ela! Mas eu nfo teh medo de viver. O meu medo ¢ incomparavelmente maior do que esse: tenho meda d nfo viver! mesmo: ver a0 longe e ver o longe. ‘Ver ao longe é um dom especial de certas pessoas, sobretudo daquelas que x plas realidades alheias que caminham. Ndo pode por conseguinte ver ao longe: le que pée a sua vontade ao servigo de qualquer ato imediato que caiba denta espago de tempo da sua propria existEncia. A nossa existéncia pessoal fica abrang pelo campo de ago das vontades que nos precederam. O nosso verdadeiro campo e cdo est para além da nossa existéncia, no futuro. Por a nossa vontade ao serviced mediato serviré apenas para que nos tire ainda mais tempo do pouco de que jf dsp ‘mos para atendermos ao nosso caso pessoal. A realidade, sendo de fato 0 que ja te feito, ndlo deixa por isso de ser quase sempre um empecilho. Em vez de passag € muro, no se pode transpor sem “nossa vontade, que a tanto se eripe -se em muralha opaca que nos no Chama-se a isto no saber ver a0 b “em redor de si e muralhas que the t -the faz. como nfio que exista 0 lot para si, por cobardia de nao ter ic "Apressa-se para que a sua autobiog » tes, fabrica coeréncia para todos 0: so ter podido prosseguir na lealds Todos quantos intervém na vie sfinal de uma cobardia que escape ‘nas razées: primeira, por serem in seu proprio caso pessoal para aacei dos outros, quer seja em seu favor ¢ propria pessoa. Se alguém decide d ‘mesmo, em que poderd entdo ser eo mos 0s que a tanto se afbitaram e's ‘A condigao para saber ver a0 prio, ou de ter renunciado a si mes | MORALIDADE DESTE RON Hiavia um homem que era mui pelas estradas a passear. Por uma d parecia no vir a propésito — um « Ohomem era muito senhor da ‘to, agora estava a acreditar. Acere ‘aa, na verdade, 0 tal efgado da 20: ‘Ohomem que era muito senhe para contar ao almogo, ¢ deitou ac mila era capaz de nlo aceitar a no\ "rpente. Como era muito senhor d jnasse que aquilo do cégado petto do tal sitio, o cégado, que ja absixo como quem nfo quer a cois 5, € cada capitulo estivesse colocado naque- J émuro, no se pode transpor sem agilidade. E quando o fato real é um resultado da proprio carter do hei se nos revel ontade, ipenhou, nos revelaa “Wags vi 2, que a tanto se em de yecilho pode facilmente transformar- >, fosse sendo desvendado aos poucos, . ra adagem no “eu” de Antunes e nas situagées ando a impresslo de ser a esséncia mesma iza aos nossos olhos. Em suma, Nome de Cotidiano quando entrevisto em sua absur- rente: a ago decorre em dois planos prin- 1ento com Judite. Por fim, qualfica ainda rita, uma rigorosa construso estética pela > seas palavras fossem tho pesadas, fortes ama eatedral a-se a isto no saber ver ao longe. Quem néo sabe ver ao longe levanta muros redor de si e muralhas que Ihe tapem o horizonte, Se nao sabe ver ao longe tanto- ‘fz como no que exista o longe, por isso tapa-o. Isto é, inventa-se um buraco si, por cobardia de nfo ter ido a passo acertar-se com a sua propria estatura, esse-se para que a sua autobiografia nfo fique desmerecida aos olhos dos presen- ‘abrica coeréncia para todos os seus atos e esquece s6 que tudo partiu afin de ter podido prosseguir na lealdade que se devia a si mesmo. ‘Todos quantos intervém na vida dos outros quer seja em seu favor ou contra, so de uma cobardia que escapa & observagdo dos melhor atentos. Cobardes por 2s az6es: primeira, por serem incapazes de se reconhecerem ¢ darem a conhecer 0 proprio caso pessoal para a aceitago geral; segunda, porque, ao intervireth na vida ks outros, quer seja em seu favor ou contra, sdo incapazes também de abnegar da sua a0 Partido das Estrelas eno e estava contente consigo mesmo daquela égua-furtada aberta para o ar aquela maneira, mas sim, exatamente, {a ali aquela janela sobre anoite, entre isos que a tanto se afbitaram e se decidiram, mas desprezemos os que o fingem. 4, € 0 seu futuro, que nao necessitava A condigo para saber ver ao longe é estarmos dentro de nés se se trata do pré- desencostou do parapeito, acertou-se Ysa, ou de ter renunciado a si mesmo se se trata dos outros. ue ia 0 corpo todo sobre si mesmo, 5 das estétuas nos seus pedestais, com | no térax, para The tirar 0 som, e no vompanhada de gestos dos bragos es- > a-se. E quem é, além de nés mesmos, 24 de encontrar-se antes de chegar a0 mordido por ela! Mas eu néo tenho ate maior do que esse: tenho medo de Nao te metas na vida alheia se ndio queres Id ficar (idem, pp. 248-251.) 0 Cégado Havia um homem que era muito senhor da sua vontade. Andava as vezes sozinho estradas a passear. Por uma dessas vezes viu no meio da estrada um animal que ia nfo vir a propésito — um cégado. Ihe teriam falado disto hd mais tem- ser 2 homens! O Antunes perguntava-se se seria 0 essoas, sobretudo daquelas que néo é le por conseguinte ver ao longe aque- er ato imediato que caiba dentro do ssa existéncia pessoal fica abrangida {eram. O nosso verdadeiro campo de ‘©. Por @ nossa vontade ao servigo do rais tempo do pouco de que jé dispo- 2alidade, sendo de fato 0 que jé exis am empecitho, Em vez de passagem fa,na verdade, o tal eégado da zoologia. (CO homem que era muito senhor da sua vontade ficou radiante, jétinha novidades maginasse que aquilo do cégado era histéria dele, e voltou atris. Quando chegou do tal siti, o cégado, que ja tinha desconfiado da primeira vez, enfiou buraco ko como quem nio quer a coisa 497 © homem que era muito senhor da sua vontade pas-se a espreitar para dentrae depois de muito espreitar nao conseguiu ver senfio o que se pode ver para dentro d A mil metros de prof iat é i _ vontade foi surpreendido po buracos isto é muito eseuro, Do cégado, nada, Meteu a mo com cautela © naif Guinquagésime nilioneee seguir até ao cotoveloe nada; por fim obrago todo nada Tham sido experimett Fn pert ume das todas as cautelas e os recursos naturais de que um homem dispée até ao comp mento do brago e nada. Entio foi buscar auxilio a uma vara compridissima, que nem é habitual em vars} haver assim tio compridas, enfiou-a pelo buraco abaixo, mas o cégado morava aint muito mais lé para o fundo, Quando largou a vara, ela foi por ali abaixo, exatament | como uma vara perdida. | Depois de estudar novas manciras, a ofensiva ficou de fato submetida ano orientagdo. Havia um grande tanque de lavadeiras a dois passos e ao lado do tang | estava um bom balde dos maiores que ha. Mergulhou o balde no tanque e, cheio sé ‘ais nfo, despejou-o inteiro para dentro do buraco do cagado. Um balde sé jie sabia que ndo bastava, nem dez, mas quando chegou a noventa e oito baldes ¢ que | faltavam s6 dois para cem ¢ que a égua néo havia meio de vir ao de cima, o homen | ‘que era muito senhor da sua vontade pés-se @ pensar em todas as espécies de burs que possa haver. —Esseeu dissesse a minha familia que tinha visto o cdgado? — pensava paras © homem que era muito senhor da sua vontade. Mas niio! Toda a gente pode pens assim menos eu, que sou muito senhor da minha vontade. © maldito sol também no ajudava nada, Talvez que fosse melhor nio dizee ms do cégado 20 almogo. A pensar se sim ou no, os passos dirigiam-se involuntaranes | te para as horas de almogar. 3 — Ja ndo se trata de eu ser um incompreendido com a histéria do edgado, nt agora trata-se apenas da minha forea de vontade, E a minha forga de vontade que es em prova, esta é a ocasito propicia, nfo percamos tempo! Nada de fraquezas! Ao lado do buraco havia uma pa de ferro, destas dos trabalhadores rurais Pe na pf e pds-se a desfazer o buraco. A primeira pazada de terra, a segunda, a ters ¢ cra uma maravilha contemplar aquela majestosa visibilidade que punha os nosy ‘blhos em presenga do mais eficaz testemunho da tenacidade, depois dos antigos. verdade, de cada vez que enfiava a pé na terra, com fé, com robustez, ¢ sem ot intengdes a mais, via-se perfeitamente que estava ali uma vontade inteira;e ainda ge scja cientificamente impossivel que a terra rachasse de cada vez que ele Ihe mei pa, contudo era indiscutivelmente esta a impresstio que Ihe dava. Ab, nfo! Nio ‘um vulgar trabalhador rural. Vis-se perfeitamente que era alguém muito sua vontade © que estava por ali por acaso, por imposiso propria, contraftit, necessidade do espitito, por outras razdes diferentes das dos trabalhadores rua cumprimento de um dever, um dever importante, uma questiio de vida ou de —avontade. J estava na nonagésima pazada de terra; sem afrouxar, com o mesmo imps inicial, foi completamente indiferente por um almogo a menos. Fosse ou nfo paris cégado, a humanidade iria ver solidificada a vontade de um homem. At ali ndo havia indicic fazia crer que se tratava de w da sua vontade, sabia que tt De fato, se aquela tarefa no podia resultar superlativamnes Todas as nogdes de temp constata 0 quotidiano, foram camento. Agora, que 05 mis _ que se quer pedir, eram desty brais, nfo havia outra necessi ‘Umas vezes a terra era r | madas de areia e de lama; tox acontecia sera altura de attav Sem incitamento nem estimul pensével recordar a decisdo « 40 prinefpio na pé do trabalh: desta perseveranga. Inclusive podia servir de regozijo ao qu infelizmente desapercebida ac 0 do cégado era efetivamen continuava ainda e sempre. Si " superficie devido extensio « propriamente ditos. Entretanto, ed em cima na Nontade, tendo comegado por [uto carregado, nfo consenting 4 nites, Até que uma vez, quando ‘to, mais continuagao daquel _comemoragio, sem vitéria, ex: 0 fundo ao sol. Enfim, naqu Caindo em si, o homem qt vas decisdes, outras; mas ali pejado de todas as coisas, s: do, muito sono, lembrou-se de ige! Maldita pil O cégado! F afou-se-Ihe das mflos e foi mai por onde entrava uma coisa 498 ‘A mil metros de profundidade a pino, © homem que era muito senhor da sua de foi surpreendido por dolorosa diivida — jé nfo tinha nem a certeza se era a .gésima milionésima octogésima quarta. Era impossivel recomegar, mais va- laperder uma pazada, __Até ali ndo havia indicios nem da passagem da vara, da agua ou do cégado. Tudo ‘a ficou de fito submetida a nova | a dois passos e ao lado do tanque how o balde no tanque e, cheio até 20 do cagado. Um balde s6 jé ele bu anoventa e oito baldes que jé meio de vir 20 de cima, o homem ar em todas as espécies de buracos ‘Todas as nogdes de tempo e de espaco, eas outras nogdes pelas quais um homem ata 0 quotidiano, foram todas uma por uma dispensadas de participar no esbura- mento. Agora, que os miisculos disciplinados num ritmo ‘inico estavam feitos a0 fe quer pedir, eram desnecessétios todos os raciocinios e outros arabescoscere- ‘is, nfo havia outra necessidade além da dos préprios misculos. ‘Umas vezes a terra era mais capaz de se deixar furar por causa das grandes ca- de areia e de lama; todavia, estas facilidades ficavam bem subtraidas quando muntecia ser a altura de atravessar uma dessas rochas gigantescas que ha no subsolo. Sm incitamento nem estimulo possivel por aquelas paragens, é absolutamente indis- masivel recordar a decisto com que o homem muito senhor da sua vontade pegou ‘» principio na pé do trabalhador rural para justificarmos a intensidade e a durago ta perseveranca, Inclusive, a prépria descoberta do centro da Terra, que to bem. visto 0 cégado? — pensava para si [as no! Toda a gente pode pensar ontade. 4 zz que fosse melhor nao dizer na \ss0s dirigiam-se involuntariemen- do com a histéria do cégado, néo; ‘a minha forga de vontade que est tempo! Nada de fraquezas! as dos trabalhadores rurais. Pegou SPatinuava ainda e sempre. S6 assim se explica ser tdo rara a presenga de cégados & Pnperficie devido & extensdo dos comedores desde a porta da rua até aos aposentos aopriamente ditos, Entretanto, cd em cima na terra, a familia do homem que era muito senhor da sua unlade, tendo comegado por o ter dado por desaparecido, optara, por tiltimo, pelo to caregado, no consentindo a entrada no quarto onde ele costumava dormir todas notes. ‘Até que uma vez, quando ele jé ndo acreditava no fim das covas, jé no havia, de mais continuagdo daquele buraco, parava exatamente ali, sem apoteose, sem visibilidade que punha os nossos enacidade, depois dos antigos. Na wm fé, com robustez, e sem outras ‘0 que Ihe dava. A, nfo! Nao era que era alguém muito senhor da nposigdo prépria, contrafeito, por 2 das dos trabalhadores rurais, no fo fundo ao sol. Enfim, naquele sitio nem a revolta servia para nada. (Caindo em si, o homem que era muito senhor da sua vontade pediu-the decisdes, decisdes, outras; mas ali ndo havia nada a fazer, tinha esquecido tudo, estava >¢0 a menos. Fosse ou néio por um de de um homem. se-Ihe das maos ¢ foi mais fundo do que ele supunha, deixando uma greta aber- por onde entrava uma coisa de que ele ja se tinha esquecido hé muito — a luz do 499) sol. A primeira sensagio foi de alegria, mas durou apenas trés segundos, a segunda de assombro: teria na verdade furado a Terra de lado a lado? Para se certficar alargou a greta com as unhas ¢ espreitou para fora. Era ump estrangeiro; homens, mulheres, érvores, montes € casas tinham outras pi diferentes das que ele tinha na meméria. O sol também nfo era o mesmo, nfo ~amarelo, era de cobre cheio de azebre e fazia barulho nos reflexos. Mas a se ‘mais estranha ainda estava para vir: foi que, quando quis sair da cova, julgava q ficava em pé em cima do chao como os habitantes daquele pais estrangeiro, mas verdade é que a tinica maneira de poder ver as coisas naturalmente era pondo-se & ppemas para o ar. ‘Como tinha muita sede, resolveu ir beber gua ali ao pé ¢ teve de ir de mos cho ¢ 0 corpo a fazer 0 pino, porque de pé subia-Ihe o sangue cabega. Entio, ‘megoua ver que nio tinha nada a esperar daquele pais onde nem sequer se falava a boca, falava-se com o nariz. Vieram-Ihe de uma vez todas as saudades da casa, da familia e do quarto de d mir. Felizmente estava aberto 0 caminho até casa, fora ele proprio quem o zbrira co uma pé de ferro, Resolveu-se. Comegow a andar 0 buraco todo ao contrrio. Anda andou, andou; subiu, subin, subiu... ‘norama. O monte estava por cima disto tudo e de muito mais. © hotem que era muito senhor da sua vontade estava cansadissimo por tefl dduas vezes o dimetro da Terra. Apetecia-the dormir na sua querida cama, mas pa ‘isso era necessério tirar aquele monte maior da Europa, de cima da cidade, onde & tava a casa da sua familia, Entao, foi buscar outra pé dos trabalhadores rurais co ou logo a desfazer 0 monte maior da Europa, Foi restituindo a Terra, uma por todas as pazadas com que a tha esburacado de lado a lado. Comegavam ja a apa cer as eruzes das torres, os telhados das casas, os cumes dos montes naturais, a as dda sua familia, muita gente suja da terra, por ter estado soterrada, outros que faran aleijados, € 0 resto como dantes. ra que ele tinha tirado ao principio, reparou que o torr estava a mexer por si, rninguém Ihe tocar; curioso, quis ver porque era — era o cigado. (Contos e Novelas, Lisboa, Estampa, 1970, pp. 1II-I NTE A Literatura Portuguesa Através dos Textos. Copyright © 1968 Massaud Moisés. ‘Texto evisto segundo 0 novo acordo ortogréfico da lingua portuguesa. 33 ediggo 2012. ‘Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livo pode ser repoduzida ou usada de qualquer forma ou por qualquer meio, eletnico ou mecinico, inclusive fotoedpias, gravep0es ou sistema de armazenamento em banco de dads, sem permiss4o por eserto, exceto nos casos de trechos curtos citados em resenhas eritioas ou artigos de revistas Coordenasio editorial: Nilza Agua e Polisna Magalhites Oliveira Papamoa 3805" Revisto: Maria Aparecida Slmeron 24 wuss SE Dados Internacionals de Catalogacio na Publicagio (CIF) ——~* (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) | crass Tomb Moises, Massaud “A literatura poreuguess através dos textos / Massuud Molsts.~ 33. ed fer. eampl.~ Sto Paulo: Culex, 2012. ISBN 978.85.316-1154-4 2. Literatur portuguesa ~ Histor eextica T. Tita, 1149971 ccop-869.08 . Indice para catilogo sistematico: 1, Literatura portuguesa istriae critica 869,09 Direlos reservados. EDITORA PENSAMENTO-CULTRIX LTDA. ‘Rua Dr. Mario Vicente, 368 — 04270-000 — Sto Paulo, SP Fone: (11) 2066-9000 — Fax: (11) 2066-9008 ‘E-mail: atendimento@editoracultrix.com.br ‘huputwrereditoracultsx.com.br oi feito 0 depésito legal.

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