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O Livro da Confianc¢a Pe. Thomas de Saint- Laurent Cjafoucismo Capitulo I CONFIANGA! 1 Nosso Senhor Jesus Cristo nos conrida 4 canfianca i Muilas almas tim médo de Deus. TI A outras falta a fé. Iv Esta desconfianca de Deus thes & muito prejudicial. v Fim e divisio déste trabatho. \ i I Voz ae Cristo, voz misteriosa da graga que ressoais no siléncio dos coragdes, vos murmurais no funde das nossas consciéneias palavras de docura ede paz. As nossas misérias presentes repetis 0 conselho que o Mestre daya, frequente- mente, durante a sua vida mortal: “Confianga, con- fianga |’’ ‘A alma culpada, oprimida sob 0 péso de suas faltas, Jesus dizia: “Confianga, filha, feus pecados te seraio per- doados !"" (1). “‘Confianca’”’, dizia ainda 4 doente aban- donada que s6 dEle esperava a cura, “ua fé te salvow” (2). Quando og Apéstolos tremiam de pavor yendo-O caminhar, de noite, sobre o lago de Genesaré, Ble os tranquilizava por esta expressiio pacificadora : “Tende eonfianga! Sou Ea, nada temais !" (3). E na noite da Ceia, conhecendo os frutos infinitos do seu Sacrificio, langava Ele, ao partir para a morte, o brado de triunfo : “Confianga ! Confianga ! Eu venci 0 mundo ! ...” A). Esta palayra divina, ao cair de seus lthios adoriveis, vibrante de ternura ¢ de piedade, operava nas almas uma {ransformaciio maravilhosa. Um or¥alho sobrenatural Ihes va a aridez, clardes de esperunca Ihes dissipavam , una ealma serenidade delas afugentaya a an- istia, Pois as palayras do Senor sio “espirito e vida’ (5). Rem-anenturados os que a ourem ¢ a pBem em préitica” (6). Como outrora aos seus disefpulos, & a nés, agora, que Noss Senor convida & confianga. Porque. recusarfamos er a sua vor?... IL Pouoos cristfios, mesmo entre os ferverosos, possuem confianca que exelui téda ansiedade e t6da hesil sfio as causas dessa defieitneia. O Evangelho narra que a pesca miraculosa alerrou Sio Pedro. Com a impe- luosidade habitual, tle mediu de relance a distincia infinita que separava da sua pr6pria pequenez a grandeza do Mestre. Tremeu de terror sagrado, ¢ prosternando-se, a face contra a terra: “Afastai-Vos de mim, Senkor, excli- Du, que sou ua pecador 1" (7). ‘tas almas tém, como o Apéstolo, és8e te terror. Elas m tio vivamente a propria indigéncia e as proprias 1s, que mal ousam aproximar-se da Divina San Parece-thes que um Deus assim puro deveria sentir repulsiio ao inclinar-Se para elas. Triste impresstio, que vida interior uma atitude contrafeita, e, por 8, a paralisa completamente. Como se enganam. essas almas | to Logo aproximou-Se Jesus do Apéstolo assustade : “Nao temas !" (8) disse-Ihe, ¢ 0 ft levantar-se. .. ‘Vos também, cristéios, que do seu amor tantas provas recebestes, nada temais! Nosso Senhor reocia acima de tudo que tenhais médo dE le, Yossas imperfeicdes, vossas. fraguezas, vossas faltas, mesmo graves, vossas reincidéncias. tao freqiientes, nadi nara, _contanto que desejeis desejeis le tem compaixdo de vossa miséria, mais deseja cumprir, junto a vés, sua missiio de Salvador . . . ‘Niio foi sobretudo para os pecadores que Ble veio & terra (9) ?.. 1 A outras almas falta a {é Elas tém certamente essa fé comum, sem a qual trairiam a graca do Batismo. Créem que Nosso Senhor é todo-paderaso, bom e fiel a suas pro- messas ; mas nfo sabem aplicar essa crenca as suas meces- sidades particulares. Nao sio dominadas pela convicgio vel de que Deus, atento As suas provagdes, para elas Se volve a fim de sooorré-las. Jesus Cristo pede-nos, no entanto, essa fé especial e concreta. Ele a exigia outrora eomo condigfio indispensivel dos seus milagres ; espera-a ainda de nés, antes de nos conceder os seus benefieios .. . “Se podes ever, tudo 4 possteel aquele que crt”... (10), u a0 pai do pequenino possesso. E, no convent de aray-le-Monial, empregando quase os mesmos térmos, a Santa Margarida Maria: “Se puderes erer, © poder do meu Coracio na magnificéncia do meu rey ve amor... Podeis erer? Podereis chegar a_cssa_certeza tio forte ja. a abala, tio clara que equivale A evidéncia? . . Isso ¢ tudo, Quando chegardes a ésse gran de con- fianca vereis maravilhas realizarem-se em vés Pedi a0 Mestre Divino que aumente a vossa i. Repeti-Lhe com frequéncia a prece do Evangelho : “Eu creiv, Senkor, mas ajudai a minha ineredulidade! .. .” (11). covtegueneias 98 3eu Gis Fian, A desconfianga, sejam quais forem as suas causas, nos lvaz prejuizo, privando-nos de grandes bens, Quando Sao Pedro, saltando da barca, se langou ao eneontro do Salvador, caminhou, a prinefpio, com firmeza a ondas. Soprava o vento com violéncia. As vagas vantavam-se em turbilhdes furiosos ora cavavam no mur abismos profundos... A voragem abria-se diante do Apéstolo, Pedro tremeu ... hesitou um segundo, e, logo, comegou a afundar... “Homem de pouca fé, disse-lhe Jesus, porque duvidaste? ...” (12). is a nossa histéria. Nos momentos de fervor, ficamos tranqiiilos e recolhidos ao pé do Mestre. Vindo a tempes- tade, o perigo absorve a nossa atengio. Desviamos entio os olhares de Nosso Senhor para fit&los ansiosamente s6bre os nossos sofrimentos e perigos. Hesitamos... ¢ afundamos logo ! Assalla-nos a tentagfio. O dever se nos torna enfadonho, a sua austeridade nos repugna, 0 sem péso nos oprime. Imaginagdes perturbadoras nos perseguem. A tormenta rege na inteligéncia, na sonsibilidade, na carne... E perdemos pé; eafmos no peeado, caimos no desi- nimo, mais pernicioso de que a prépria falta. Almas sem confianca, porque duvidamos ? A provacio nos assalta de mil maneiras. Ora os ne- g6cios temporais perielitam, o futuro material nos inquieta. Ora a maldade ataca-nos a reputagio. A morte quebra os lacos de afeigties das mais Iegitimas e carinhosas. Es- quecemos, entiie, 0 cuidado maternal que tem por nés a Providéncin... Murmuramos, revoltamo-nos, aumenta- mos assim as dificuldades ¢ 0 travo doloroso do nosso infortinio. Almas sem confianga, porque duyidamos?., ., Se nos tivéssemos apegado ao Divino Mestre com uma confianca tanto maior quanto mais desesperada pare- cesse. a situngao, nenhum mal desta nos adyiria.., Terfa- mos caminhado calmamente sobre as ondas; terfamos chegado, sem tropecos, ao gOlfo tranquilo e seguro, e, breve, teriamos achado a plaga hospitaleira que a luz do Céu ilumina. . . > Os Santos Jutaram com as mesmas dificuldades . .. lilos dentre éles cometeram as _mesmas_faltas. Mas ~ ao menos, ao duvidaram... Ergueram-se sem ca, mais humildes apés a queda, nfo contando, desde senfio com os socorros do Alto. Conservaram: (0 a certeza absoluta de que, apoiados em Deus, tudo poderiam. No foram iludidos nessa confianga (13) | ‘ornai-vos, pois, almas confiantes. Nosso Senhor a ixso vos convida ; ¢ 0 vosso interésse assim o exige. Tornar- vos-cis, ao mesmo tempo, almas iluminadas, almas de paz. y Este trabalho nao tem outro fim seniio o de vos no conhecimento e na pritica dessa virtude. Dela, aqui, se expord, muito simplesmente, a natureza, o objeto, os fundamentos @ os efeitos. Leitor piedoso, se alguma vez éste modesto livrinho "nas mos, nfo o ponhas de parte com desdém, No pretende éle nem encanto liter&rio nem originalidade. Con- (din, apenas, verdades consoladoras que colhi nos livros inspirados e nos eseritos dos Santos — eis o seu Gnico mérito. ‘Tonta Ito devagar, com atengde, em espirito de oragiio. Quase diria : medita-o ! Deixa-te penetrar doce- mente p a doutrina. A seiva do Evangelho palpita nessas piginas ; hayerd para as almas melhor alimento do que as palayras do Scnhor?... Que, ao acabar esta leitura, te possas confiar total- mente ao Mestre adoravel que tudo nos deu : 03 tesauros do seu Coragio, o amor, a vida, até a tiltima géta do seu Sangue!... Capitule IT NATUREZA E QUALIDADES DA CONFIANCA I A eonfianca é uma firme esperanca. u Ela é fortalecida pela jé. Wl A confianga ¢ inabaiével. Vv Néo canta senéio com Deus. v Regozija-se alé com a privagiio de socorros humanos. Come te PERG 4 Cont Angas. Al contin nig ce ¢ Heme es Peeanca T Cow a concsio que traz 0 cunho de seu génio, define Sfio Tomfs a confianga: “Uma esperanca fortalecida por sélida_conniegdo" (1). Palavra profunda que faremos senfio comentar neste capitulo, Pesemos atentamente os térmos que emprega o Doutor Angélico : “A confianca, dix éle, é uma esperanga”. Nao ‘uma esperanga ordiniria, comum a todos os fiéis um qualificativo preciso a distingue : 6 “uma esperanca fortale- cida”, Notai bem, no entanto : no ha diferenca de natu- reza, mas sdmente de grau de intensidade. ‘Os albores incertos da aurora, tal come o esplendor do sol no zénite, fazem parte do mesmo dia... Assim a confianga e a esperanga pertencem & mesma virtude : uma 6, apenas, o desabrochar completo da outra. A esperanca comum perde-se pelo desespéro ; pode tolerar, no entanto, certa inquietagio... Quando, porém, atinge essa perfeicdo que faz © seu nome pelo nome de “‘confianga’’, torna-se-lhe, entiio, mais delicada a suscep- tibilidade. Néo suporta mais a hesitag&o, por leve que se imagi A menor ditvida a rebaixaria ¢ a faria_yoltar_ae nivel da simples esperanca. 0 Profeta Real escolhia exatamente as expresses chamava a confianga ; “wma superesperanca” (2). \-no realmente aqui de uma virtude levada ao maximo tle intensidade. 1 o Padre Saint-Jure, autor espiritual dos mais esti- mados do século XVII, via justamente nela uma espe- ranga “erlraordindria e herdica” (3). Niio é, pois, a confianga flor banal, Cresce nos cumes, se deixa colhtr sentio pelos generosos. n ve Foer/Fita A ESPERAUCK oe 1 unos mais longe éste estuda. férga soberana fortifica a esperanga a ponto de alfiyel aos assaltos da adversidade?... Afé! confiante guarda na meméria as promessas dlo Pai celeste; medita-as profundamente. Sabe que Deus nile pode faltar & palavra, e daf a sua imperturhiwel cer- Se o perigo a ameaga, a envolve, a domina mesmo, ‘conserva sempre a serenidade. Apesar da iminéncia do rigeo, repete a palavra do Salmista ; “O Senhor é a minka luz ¢ a minha salvagtio . .. que posso recear? O Senhor pro- lege minha vida... quem me fard lremer? Exist ” A). entre a fe a oonfianga relagdes estreitas, os de parentesco. Empregando. resto de_ loélogo moderno, deve-se achar na(fé ‘a causa © a sis”) ong) ra, quanto maissé afunda a raiz na terra, mais seiva nutriente dela tira ; mais vigo- rosa crescera a haste; mais opulenta sera a floracfio. Assim, a nossa confianca desenyolye-se na medida em que se_aprofunda_em_nés aff. Os Livros Santos reconheeem a relagio que une essas duas virtudes. Nao sfio designadas pelo mesmo vocibulo “fides”, uma e outra, sob a pena dos escritores sagrados ? i ° : A Con ARE EC TAM BACAUEL, oT re Dk ur 0) aoe nae carat eee ‘As consideragées precedentes terao parecido, talvez, por demais abstratas, Era necessGrio, no entanto, que nelas nos firmfssemos : delas deduziremos as qualidades da verdadeira confianga. A confianga, escreve o Padre Saint-Jure, é “firme, estdvel ¢ constante em gran tio eminente, que nada no mundo pode, j& nfo digo derrubé-la, mas abaléla se- quer” (6). Imaginai as extremidades mais angustiosas de ordem temporal, as dificuldades insuperfiveis, em aparéneia, de ordem espiritual: nada disso alterarh a paz da alma confiante... Catistrofes imprevistas poderiio amontoar em torno dela as ruinas da sua felicidade; essa alma, mais senhora de si que 0 sabio antigo, continuard calma : “Impavidum ferient ruinae” (7) Voltar-se-& simplesmente para Nosso Senhor ; nEle se com gerteza tanto maior quanto_mais-privada-se— sente de auxtlio humano, Rezuré com ardor mais vibrante, “provagio, prosseguiré o seu_caminho, ncio a hora de Deus, Uma assim 6 rara, sem dfivida ; mas se nifio a eee de perfeicio, nfo merece, ent&o, o nome de confianga. De resto, encontram-se exemplos eublimes dessa vir- ude nas Escritures e na vida dos Santos. Ferido na for- famflia ¢ na propria carne, J6, reduzido A diltima ia, jazia no seu monturo. O3 amigos, sua mulher tavameno os pensamentos da fé. “Quando mesmo o Senor se a aida, dizia, ainda assim esperaria nflle!” (8). ca admirdvel ¢ que Deus recompensou magni- A provagio cessou: J6 recuperou a safide, yanhon de nevo fortuna considerével, e teve uma exis- Léneia mais préspera do que antes, Numa das suas viagens, Sio Martinho caiu nas mios alleadores. Os bandidos o despojaram ; iam trucidéto, «uando, de repente, tocados pela gragado arrependimento dos por um payor misterioso, o libertam ¢ 0 sollam, contra téda a expectativa. Perguntou-se mais Larde ao ilustre Bispo se, nesse risco premente, n&o teria ilo algum médo. “Nenhum, respondeu, eu sabia que ou a_interyengfio_divina_era tanto mais certa quanto mais_ improvaveis os socorros humanos". ‘A maiorin dos cristios nfo imita, infelizmente, exem- plos dastes, Nunca se aproximam tio pouco de Deus como no tempo da provagio. Muitos mio dio tase grito de socorro que Deus espera para lhes vir em auxilio. Funesta negligéncia! — “A Providéneia, dizia Luis de Granada, quer dar solucio, cla mesma, as dificuldades extraordinarias da vida, enquanto que deixa As causas segundas o euidado de resolver as dificuldades ordinérias” (9), Mas 6 preciso reclamar o auxilio divino, Essa ajuda, Deus nd-la dé com prazer. ‘Longe de ser incimoda A ama.de quem suga o leite, a crianga, pelo contririo, Ihe traz alivio” (10). Outros cristios, nas horas dificeis, rezam com fervor, mas sem consténeia. Se nao séio atendidos loge, logo, caem de uma esperanca exaltada num abatimento desarrazoado. No conhecem os eaminhos da graga. Deus nos trata como criangas ;_faz-Se de gurdo, is vézes, pelo prazer que sente ao_ouvir-nos_invocl-Lo... Porque desanimar tio de- pressa, quando conviria, a0 contrério, rogar com maior ~insist@ncia ? . . . TE esta a doutrina ensinada por Silo Francisco de Sales: ‘A Providéncia 56 adia o seu socorro para pro- yocar a nossa confianga”. “Se nosso Pai celeste nie con- cede sempre @ que pedimos, 6 para nos reter a seus pés e nos dar ocasifio de insistir com amorosa violéncia junto dflle, como claramente mostrou aos dois discipulos de ‘matis, com os quais 6 Se deteve ao fim do dia, e assim mesmo por éles forcado” (11). aA wea seat em Jet. A Grea inabos) 6 pois, a_primeira da confianga. j 4 A égund) qualidade dessa virtude 6 ainda mais per- fei “Leya o homem a nfo contar pen o auxilio das criaturas ; quer seja auxilio tirado de si mesmo, do seu cspirito, do seu critério, da sua cigncia, do seu jeito, fe proprias riquezas, erédito, amigos, parentes ou outra qual- «quer coisa sua, quer sejam socorros que, por acaso, he esperar de outrem: Reis, Prineipes, e, geralmente, de qualquer criatura ; porque sente ¢ conheca afr inanidadede todo amparo_humano. “Considera-os 0 que sio realmente, e como Santa Teresa tinha raz%io de cha- los ramos secos de genebra que se quebram ao serem gatos" (12). ‘Mas essa tooria, dirfo, nfo procederii de um falso misticismo?... Nao eonduzirad ao fatalismo ou, pelo menos, a uma perigosa passividade? Para que multipliear esforcos no intuito de vencer dificuldades, se todos os poios tém que se quebrar nas nossas mios? Cruzemos os bwragos esperando a divina intervangio!... Nao, Deus ndo quer que adormecamos na inéreia ; Ele exige que O imitemos, Sua perfeita ati tem limites: Ele é 0 alo puro, Devemos, pois, agir ; mas s6 dEle devemos esperar a eficicia da nossa agao. Ajuda-te, que o Cente ajudara”, Eis « economia do plano providencial, A postos! Trabulhemos com afinco, mas ospfrito ¢ coragio voltados para o alto. “Em vaio vos levandareis antes da aurora” (13), diz a Escritura, se 0 Senhor n§o vos ajudar, nada conseguircis, Com efeito, nossa impoténcia é radical, ‘Sem Mim, nada podeis” (14), diz o Salvador, ‘Na ordem sobrenatural, essa impoténcia é absoluta, Atendei bem ao ensino das tedlogos, Sem a graga © homem nfo pode observar por muito tempo, e na sua dotalidade, os mandamentos de Deus, Sem a graca nfo pade resistir a 16das as tentagdes, por yézes tio viclentas, que o assaltam. Sem a graga nfio podemos ter um bom pensamento, fazer mesmo a mais eurta oragéo; sem ela nem sequer poderemos invocar com piedade o nome de Jesus, Tudo que fizermos na ordem sobrenatural nos vem tumicamente de Deus (15). Na ordem natural, mesmo, & ainda Deus’ que nos d4 a vitéria. Sao Pedro havia trabalhado a noite téda ; era resis- tente na Jabuta ; conhecia a fundo os. segredos do seu oficio tio duro. No entante, em vaio havia pereorrido as ondas mansas do lago — nada havia pescado! Reccbo, idade nio o Mestre na barca; langa a réde em nome do ior ; — tem logo uma pesca miraculosa ¢ as malhas da réde so rompem, tal © miimero de peixes... Segnindo o exemplo do Apéstolo, lancemos a. réde, com pacigneia incansfvel ; mas s6 de Nosso Senhor espe- romos a pesea. milagrosa. “Jem tudo o que fizerdes, dizia Santo Inécio de Loyola, regra das regras a seguir: confiai em Deus, agindo, entyetanto, como se o éxito de eada agio dependesse thnk mente de vés 6 nada iS; mas, empregando assim vossos estorgos para ésso bom resultado, 20 conteis com éles, © procedei como se tudo fOsse feito por Deus_s6_¢ nada por vos" (16). porém, Si REGO gA-Se ATE Com A Pervacm Se Socownes leans . Néio desanimar quando se dissipa a miragem das espe- rancas humanas... n&o contar sengio com o auxilio do Cou, nfo ser j4 altissima virtude?... A asa vigorosa da verdadeira confianga atira-se, no entanto, para regides ainda mais sublimes, A elas chexa por uma espécie de requinte de herofsme ;_atinge entac_o mais alto grau_de sua perfeigto Esse gran consiste em regozijar-se a alma quando se v6 balda de todo apdio humano, abandonada de parentes , de tédas as criaturas que nfio querem ou no podem socorré-la ; que nao podem dar-lhe conselho nem 26 Ja com o seu talento ou o seu crédito ; a quem ne- m meio resta de yir-lhe em auxilio... (17). Que sabe- doria profunda denota semelhante alegria em circuns- tAncias lo crugis!... Para poder entoar o cfintiea da Aleluia sob golpes que, naturalmente, deveriam quebrar a nossa energia, preciso conhecer a fundo o Coragiio de Nosso Senhor ; 6 preciso crer perdidamente na sua piedade misericordiosa e na sua bondade onipotente, & preciso ter_a_absoluta certeza de que Ele escolhe, para a sua interyencgo, @ hora das_situagdes_desesperadoras . Depois de convertide, Sao Francisco de Assis desprezou os sonhos de gléria que antes o hayiam deslumbrado. Fugia ds reunides mundanas, retirava-se na floresta para, ai, entregar-se Iongamente a oragde; dava esmolas gene- rosamente.., Esta mudanga desagradou a seu. pai, que arrastou filho ante a autoridade diocesana, acusando-o de dissipar-The os bens. Entfo, em presenga do Bispo maravilhado, Francisco renuncia A heranga palerna ; tira até as roupas que Ihe vinham da familia; despoja-se de tudo !... E, vibrando de uma felicidade sobre-humana, exclama: “Agora sim, oh ! meu Deus, poderei chamar- Vos mais verdadeiramente do que nunca: “Vosso Pai que eslais no Géu !"* Eis ai como agem os Santos. Almas feridas pelo infortfinio, nio murmureis no abandono a que vos achais reduzidas. Deus nfo vos pede a7 uum sensivel, imposstvel nossa fraqueza. SOmente, roanimai a vossa £4, tende coragem, ¢, segundo a expressio Siio Francisco de Sales, na “fina penta da alma’ i-vos por ter alegria. A Providéncia acaba de vos dar o sinal certo, pelo {ual se reconhece a sua hora; cla vos privou de todo [0 momento de resistir A inquictacdio da natureza. sles a0 ponto do officio interior em que se deve ena npoi Chey cantar o Magnificat ¢ fazer fumegar 0 incenso.. . . ““Rego- sijaisios no Senhor z eu vos repilo, regozijai-vos : o Senhor etd porto £* (18) Seyui @ste consclho ¢ yes dareis bem, Se o Mestre Divino nie Se deixasse tocar por tamanha confianga, nfo Aquéle que os Ewangelhos nos mostram t&o eom- passive, Aquéle que a visio dos nossos sofrimentos fazia de dolorosa emocao. » Senhor dizia a uma alma privilegiada: “Se dou hon para todos, sou muito bom. para os que. confiam om Mim. Sabes quais siio as almas que mais aproveitam de minha bondade? As que mais esperam... As almas confiantes roubam_as minhas gragas |...” (19). Nos Capitulo III A_CONFIANGA EM _DEUS E AS NECESSIDADES TEMPORAIS I Deus prové ds nossas necessidades femporais. IL Die 0 faz segundo « siluagio de cada um. TL Néo nos devemos inquietar com o futuro. Iv Procurar sempre em primeiro lugar 0 Reino de Deus ¢ a sua justica, v Rezar pelas nossas necessidades temporais. JEN PROVE AS AaNAA ECE IRaed TE I A contiangs, 38/0: disssmoante wnat eitearvs eee nifio difere da esperanga comum a todos os fidis seniio pelo Seen cnrereieaat Bla 6, pois, exercida sébre os mesmos objetos que aqunla. virtue, anna pon eta) del steel maa ities e vibrantes. Com a ofperanga ordinarig? a confianca espera do Pai celeste todos os socorros que silo necessirios para se_yiver Fees seu ea ores eimarecicia bomsaentacsaa do Paraiso, Ela espera, primeiramente, os bens temporais, na medida em que @stes nos podem conduzir ao fim tiltimo. Nada mais légico: n&o podemos ir A conquista do Céu & maneira dos puros espfritos ; somos compostos de corpo e de alma. Este corpo que o Criador formou pelas suas miios adordveis 6 0 companheiro imseparavel de nossa existéncia terrestre ; ¢ 0 sera ainda da nossa sorte eterna depois da ressurreigfo geral. N&o podemos prescindir da sua assisténcia na Iuta pela conquista da vida bem- aventurada, Ora, para sustentar-se, para cumprir plenamente a refa, © corpo tem miiltiplas exigéncias. Essas exi- & preciso que a Providéncia as satisfaca ; ¢ ela ficamente. f i se pepey ey See Deus So encarrega de prover as nossas necessidades . . . © ida delas generosamente. Segue-nos com olher vigi- lante ¢ nao nos deixa na indigéncia. Em meio is dificul- dades materiais, mesmo angustiantes, nfio nos deyemos perlurbar, Com plena certeza esperemos das mies divinas preciso para o sustento da nossa vida. Eu_wos digo, declara o Salvador, nie _penseis_com angttstia em camo encontrar os alimentos para sustertar-ros «as roupas para restirsos. Nao vale a vida mais que o alimento, € 6 corpo mais que a vestimenta?... ede os paissaros da clu: nao semeiam, nao colhem, néo juntam nada nos granéis ; eo Pai celeste os sustenta... Néo wale- reis wis muito mais do que éles?... Quanto ais roupas, porque ajligir-vos? .... Véde como crescem os lirios do campo : niio irabalham, ndo fiam... No entanto, asseguro-tos, nem Saloméo, com téda a sua pompa, jamais se vestin como is, Se Deus vesle assim, com magnificéneia, a pobre planta dos campos, que hoje floresce € amanhé seré jogada ao fogo, com que cuidado niio x0 hé Ele de cobrir, homens de powca jer. o fax io wos inguieleis, pois, Nao penseis : que come- remos? que beberemos? com que nos vesliremos? Nao imiteis ‘08 pagiios que com isso se preacupam. Vosso Pai sabe ¢ co- nhece as tossas necessidades. “Procurai primeiramente o Reino de Deus ¢ a sua Jjustica, e todas essus coisas wos serdo dadas de acréscino” (1). Nao basta passar os alhos de relance s6bre @sse discurso de Nosso Senhor. Importa que néle fixemos longamente a ateng&io, para procurarmos a sua significagéio profunda e nos penetrarmas bem da sua doutrina. €<€ 0 Fe SECU A vraag) ve IL eaan vm. Deveremos tomar essas palavras ao pé da letra, ¢ compreendé-las no seu sentido mais restrito? Dar-nos-4 Deus sdmente o estrito necesstirio ; 0 pedago de pao séco, © eopo d’égua, a nesga de tecide de que a nossa miséria precisa urgentemente? Nao, o Pai celeste nfio trata os filhos com avarenta pareiménia. Pensar assim, seria blas- femar contra a Divina Bondade; seria, se assim posso dizer, desconhecer os seus hdbitos. No exercicio da sua providéneia, como na sua obra eriadora, Deus usa, com efeito, de grande prodigalidade, Quando langa os mundos através dos espacgos, tira do nada milhares de astros. Na Via Lictea, essa plaga imensa das noites Iuminosas, cada grao de areia nfo ¢ um mundo? ‘Quando alimenta os pissaros, convida-os {i mesa opu- lentissima da natureza. Oferece-lhes o trigo que enche as os griios de tédas as espécies que nas plantas os frutos que o outono doura nos bosques, as sementes que o lavrador deita nos sulcos da charrua. Jue lista variada ao infinito para a alimentacio désses humildes bichinhos 1... Quando cria os vegetais, com que graca enfeita as suas [res | Lavra-lhes a corola como se féssem jéias preciosas, em seus cAlices lana deliciosos perfumes, tece- Ihes as pétalas de uma séda tio brilhante e delicada, que os ortificios da inddstria nunca Ihes igualarfio a beleza, E, ent&o, tratando-se do homem, a sua obra-prima, © irmiio adetivo do seu Verbo encarnado, nfo haveria Deus de Se mostrar de generosidade sinda maior? .. . Consideremos, pois, como yerdade indiscutfyel que a Providéneia prové largamente fis necessidades temporais do homem. Som diiyida, bayer sempre na terra ricos ¢ pobres. Enquanto uns vivem na abundineia, outros devem tra- balhar ¢ ebservar uma stbia economia, O Pai celeste, porém, fornece, a todos, meios de viver com certo hem- voutiu © Ifrio esplindidamente, mas essa veste branca © perfumada era reclamada pela matureza do lirie, Mais modestamente foi trajada a yioleta ; Deus deu-lhe, porém, © que conyinha A sua natureza particular. FE essas duas f6- reg desabrocham docemente ao sol, sem que nada thes falte. Assim Deus faz com os homens. Celocou a uns nas classes mais altas da sociedade ; pds outros em condigées menos brilhantes: a uns e a outros dé, no entanto, o necessirio para dignamente manterem a sua posi¢io. Levanta-se ai uma objegio, a respeito da instabili- dade das condigées sociais. Na crise presente, nfio soré mais facil decair do que elevar-se ou mesmo manter-se no mesmo nivel social? Sem davida. Mas a Providéncia proporciona exata- mente o auxilio fs necessidades de cada um: para os grandes males manda os grandes remédios, O que as catastrofes econémicas nos tiram, podemos readquirir com a nossa industria ou trabalho. Nos casos muito raros em quo a atividade propria se vé de todo reduzida & impossi- Dilidade, temos, onto, o direito de esperar de Deus uma intervengio excepeional. Goeralmente, pelo menos assim penso eu, Deus nao faz decaidos. Ele quer, pelo contrério, que nos desenvol- vamos, que subamos, que erescamos com prudéncia. Se, as vézes, permite uma decadéncia de nivel social, nao a quer senfio por uma yontade posterior A ago do nosso livre arbitrio. O mais freqiiente é provir tal decadéncia de faltas nossas, pessoais ou hereditérias, E comumente conseqiiéncia natural da preguica, da prodigalidade, de paixdes vérias. nda assim, pode o homem, mesmo decaido, le- ee, com @ auxilie da Providéncia, reconquistar, esforgos, a siluacio perdida. vant pelos Ti Deus prové as nossas necessidades. ‘éio vos inquieleis”, diz o Senhor. Qual seré o sentido exato désse conselho? .. Deveremos, para obedecer diregio do Mestre, negli- genciar completamente os negécios temporais?.. . Nile duvidamos de que a graca pega, as vozes, a certas: je uma pobreza estrila ¢ de um total abandono & Providéncia, E notdyel, entretanto, a rari- dade dessas yoeacies. Os outros, comunidades religiosas ow indiyiduos, possuem bens; devem gerf-los prudente- monte. ECR ENCE O Espirito Santo louva a mulher forte que soube governar bem a sua casa. Ele no-la mostra, no Livro dos Provérbios, acordando bem cedo para distribuir aos criados a quotidiana e trabalhando também com suas pro- prins mos. Nada escapa & sua vigilancia, Os seus nada ma tomer : acharfio todos, gragas 4 sua previdéncia, 0 ‘io, o agradavel e, até, certo luxo moderado. Seus filhos a proclamam bem-aventurada, ¢ seu marido exalta- The as virtudes (2). A Verdade no teria louvado tio calorosamente essa mulher, se ela néo houvesse cumprido o seu dever. Cumpre, pois, nfo se afligir ; ocupando-se embora razoivelmente de seus afazeres, nfo se deixar dominar pela angiistia de sombrias perspectivas de futuro, e contar, sem hesitacdes, com o socorro da Providéncia, Nada de ilusées 1... uma confianga assim pede grande férga de alma. Temos que evitar um duplo eseolho : a falta e a demasia. Aquéle que, por neglig2ncia, se desin- teresa de suas obrigacdea e de scua negécios, nfo pode, sem tentar a Deus, esperar um auxilio excepcional. Aquéle que dé as preccupagdes materiais o primeiro Iugar das suas cogitagées, aquéle que conta mais consigo do que com Deus, engana-se ainda mais crassamente ; rouba assim ao Allissimo o Iugar que Lhe compete em nossa vida. “Tn medio stat irtus” : entre ésses extremos encontra- se o dever. Se nés nos tivermos ocupado prudentemente de nossos inter@sses, a afligio pelo futuro importaré desconheci- mento e menosprézo do poder e da bondade de Deus. Nos longos anos que Sao Paulo, © Eremita, viveu no deserto, trazia-Ihe um corvo, cada dia, meio pio. Ora, aconteceu que Santo Antio viesse visitar o ilustre soli- tério, Conversaram longamente os dois Santos, esque- 37 cidos em suas piedosas meditagdes da necessidade do ali- monto, Pensava néles, porém, a Providéneia: 0 eorvo veio, como de costume, trazendo, porém, desta yer, um pilo intel © Pai celeste criou todo 6 universo com uma s6 pa- Javea ; poderia ser-Lhe dificil socorrer seus filhos na hora da mecessidade? .. . Sfio Camilo de Lellis havia-se endividado para tratar dos doentes pobres. Os Religiosos se alarmavam. “Para que duyidar da Providéneia ?” — tranquilizava-os o Santo, “Sera dificil a Nosso Senhor dar-nos um pouco désses ens de que cumulou os judens e os tures, inimigos uns © outros da nossa Fé?” (3), A confianga de Camilo no foi iludida ; um més depois, um dos seus protetores le- gavaclhe, ao morrer, soma consideravel. Afligir-se com o futuro 6 deseonfianga que ofende a Deus 6 provoca a sua célera, Quando os hebreus, fugindo do Egito, se viram per- didos nas arcias do deserto, esqueceram-so dos milagres que Jeovii havia feito em seu faver... Tiveram médo, murmuraram ... "Deus nos poderd sustentar no deserto 2... Poderé dar pito ao sew poo?” Essas palavra: or, Contra les langou o fogo do céu; sua célera caiu sdbre Iscael, “porque niéo tinham tido fé em Deus e nidio Linham eonfiado no sew socorra” (4). a8 Nada de afligdes imiteis: o Pai vela por nés. v “Proeurai primeiramente o Reino de Deus ¢ a sua justica, e tudo mats tos seré dado de acréscimo” Foi assim que o Salvador concluiu o discurso sébre a Providéncia, Conelusio consoladora, que encerra uma pro- messa condicional ; de nés depende o sermos por ela bene- ficiados, O Senhor Se ocnpard tanto mais dos nossos inte- résses quanto nés com os dEle nos preocuparmos. Cony parar para meditarmos as palavras do Mestre, ‘Uma questo logo se nos depara: onde se acha @sse Reino de Deus que devemos procurar antes de tudo mais? “Dentro de 16s" (5), responde o Evangelho. “Regnum Dei inira vos est”. Procurar 0 Reino de Deus é, pois, levantar-Lhe um trono em nossa alma ; é submetermo-nos inteiramente a0 seu dominio soberano. Conservemos tédas as nossas facul- dades sob o cetro misericordioso do Altissimo. Lembre-se a nossa inteligéncia da sua constante presenga, conforme- se a nossa vontade em tudo com a sua vontade adordyel, ‘vor © nosso coragio para Ele com freqii¢ncia, em atos de caridade ardente e sincera. Teremos, entéo, praticado essa “‘justioa” que, na linguagem da Escritura, significa a perfeigio da vida interior. a9 ‘Teremos seguido, ento, A risca, o conselho do Mestre : leremos procurado o Reino de Deus. “Eo resto vos sera dado de acréscimo”’, H& af uma espécie de contrato bilateral : do nosso lade trabalhamos para a gléria do Pai celeste; do seu lado o Pai Se compromete a prover ais nossas necessidades. Langai, pois, lddas ax vosssas preocupagées no Coragiio cumpri © contrato que Ele vos propde; Ele cumpriré a palavra dada; yelard sObre vs e “pos susten- lard” (6). “Pensa em mim, diz o Salvador a Santa Catarina de Siena, e Eu pensarei em ti...’ E, séculos mais tarde, no mosteiro de Paray, prometia a Santa Margarida, para aquéles que féssem particularmente devotos do Sagrado Coragiio, 0 éxito de suas emprésas. Feliz o cristo que se conforma bem com essa maxima do Evangelho! Ele procura Deué ¢ Deus Ihe zela as interésses com a sua onipot@ncia: “que the poderd Sattar?” (7). Pratica as s6lidas virtudes interiores, e evita assim téda desordem : as faltas, os vicios que sio as causas mais comuns dos fracassos ¢ das ruinas. Divine Vv A confianea, como acabamos de descrevé-la, nao nos desobriga da prece. Nas necessidades temporais, mio basta esperar os socorros de Dens ; faz-se mister ainda pedir-Lhos. Jesus Cristo deixou-nos no Padre-Vosso o modélo perfeito da oracdio ; af faznos Ble pedir o “‘ptio de cada din”: “Panem nostrum quotidianum da nobis hodie”, A respeito disse dever da prece, nfo hayera frequente negligéneia nossa? Que imprudéncia e que loucura!... Privamo-nos assitn, por leviandade, da proteciio de Deus, a tiniea soberanamente elicaz, Os Capuchinhos, dix a legenda, nunca morrem de fome, porque recitam sempre piedosamente 0 Padre-Nosso. Imitemo-los, ¢ 0 Altissimo nfo nos deixar 4 mingua do necessirio. Pecamos, pois, 0 pio quotidiano, F uma obrigacdo a nés imposta pela {é pela caridade para com nés mesmos. Poderemos, porém, elevar as nossas pretensdes e pedir também a riqueza? Nada a isso se opée, contanto que essa préce sé inspire em motives sobrenaturais ¢ fiquemos bem submissos & vontade de Deus. O Senhor nfo profbe a expressiio dos nossos desejos ; pelo contriirio, quer-nos bem filiais para com Ele. Nilo esperemos, no entanto, que Ele se curve as nossas fantasias : a propria bondade divina a isso se opde. Deus sabe o que nos convém. Sé aL nos conceder& os bens da terra se Oles puderem servir & nossa santificagio. Entreguemo-nos completamente & direcio da. Provi- déncia, © digamos a prece do Sahio : “Nem a riqueza nem a pobreza, eu Vos peco, Senkor. Dai-me sémenle 0 preciso pura river, pois receia que, cumulado de hens, me sinte len- tudo a dizer un éo Senhor?”, e impelido pela indi- Capitulo 1V A CONFIANGA EM DEUS E AS NOSSAS NECESSIDADES ESPIRITUAIS I A misericbrdia de Nosso Senhor para com os peoadore u A graga pode saniificar-nos num instante. Hit Deus concede-nos todos os socorros necessirios para saniificacao e a saleagio de nossa alma. Vv A vista do Crucifixo deve reanimar-nos a eonfian, 1 AL Broedsnctacrqual atimenrhitelinemerarnnt maued i cuida do nosso corpo. Que é, ne entanto, ésse corpo de miséria? Uma. criatura frégil, um condenado i morte ¢ destinade aos vermes. Na louca corrida da vida, pensamos todos caminhar para 08 negécios ou para os prazeres ... : cada passo dado nos aproxima do fim ; arrastamos, nds mesmos, 0 nosso cadiver para a beira do timulo. Se Deus assim Se ocupa de corpos pereciveis, com que solicitude nao velaré pelas almas imortais? Prepara- Ihes tesouros de gracas, cuja riqueza sobrepuja tudo o que podemos imaginar ; manda-lhes socorres superabun- dantes para a sua santificagio ¢ salvacio. Esses meios de santificagiio, que a Fé poe a nosso por, niio sero aqui estudados. Quero falar simplesmente dis almas inguictas que se encontram por téda parle, Mostrar-lhes-ei, com 0 Evon- gelho na mio, a inanidade dos seus temores. Nem a gravi- dade de suas faltas, nem a multiplicidade de suas reinci- déncias no érro as deve abater. Pelo contrério, quanto mais sentirem o péso da prépria miséria, tanto mais dever’o apoiar-se em Deus, Nio percam a confianga!,.. Seja qual f6r 0 horror do seu estado, mesmo que tenham levado longamente vida desre- grada, com © socorro da graca poderfo converter-se ¢ ser clevadas a uma alta perfeigio. ticérdia de Nosso Senhor é infinita: nada a casa, nem mesmo faltas que nos parecem a ns as mais degradantes e criminosas Durante sua vida mortal, o Mestre acolhia os peca- dores com bondade verdadeiramente divina ; nunca lhes reeusau o perdio. Tmpelida pelo ardor do seu arrependimento, sem preocupar-se com as convengdes mundanas, Maria Mada- lena entra na gala do festim, Prosterna-se aos pés de Jesus, ja-os de lagrimas. Simio, o Fariseu, contempla essa com ar irénico ; indigna-se in mente. “TGsse @ste homem profeta, pensa, e saberia bem o que vale essa mulher. Enxoté-la-ia com desprézo ....” Mas o Salvador no a enxota. Aceitathe os suspiros, o pranto, Lodos os sinais senstveis da humilde eontrig&o. Purifica-a de suas maéculas e a cumula de dons sobrenaturais. E 0 Coragio Sagrado transborda de imensa alegria, enquanto que no alto, no Reino de seu Pai, os Anjos vibram de jibilo louver: perdida estava uma alma, e ei-la Achada; era Ami 6 morta essa alma, ¢ ciela de novo restitufda i verdadeira vidal... QO Mestre nao Se contenta de receber com dogura os pobres pecadores ; chega ao ponte de tomar-lhes a defesa. E nifio é essa de resto a sua misstio ? No se constituiu Ele ‘0: nosso advagado (1)? Trazem-Lhe um dia & presenca uma desgracada, sur preendida em ato flagrante de seu pecado. A dura lei de Mois¢s a condena formalmente : a culpada deve morrer no lento suplicio da lapidagiio. Os escribas e fariseus, no entanto, esperam impacientes a sentenga do Salvador. Se perdoar, os inimigos O censurario por desprezar as tradi- goes de Israel, Que fart Ele?... ‘Uma s6 palavra cairf de seus Iibios ; ¢ esta palayra bastard para confundir os fariseus orgulhosos ¢ salvar a pecadora, “Aguéle dentre v6s que for scm peeado, que seja 0 pri- meiro a lhe atirar @ pedra’’ (2). ‘Resposta cheia de sabedoria e misericérdia. Ouvindo-a, @eses homens arrogantes enrubescem de yergonha... Retiram-se confusos, uns apés outros; os velhos so os primeiros a fugir . E Jesus ficou 36 com a mulher. “Onde esttio os (ews acusadores? pergunta. Ninguém te condenou?” Ela responde; “Ninguém, Senhor”... E 41 Testes pros de futuro “Ku também nito te condenarei! Vai, e fie. peques mais !” (3). Quando vém a Ele os pecadores, Jesus lanca-Se ao contro, Como o pai do prédigo, espera a volta do ». Come o bom pastor, procura a ovelhinka tresma- quando 0 encontra, carrega-a sébre os ombros. nos © a restitui ensanguentada ao redi Oh! Ele nfio Ihe magoaré as feridas ; delas trataré como © hom samaritano, com 0 vinho ¢ 0 dleo simbélicos. Derramarti sébre suas chagas 0 bilsamo da peniténcia ; ¢, para fortifieé-la, a fara beber do seu célice eucaristico. Almas culpadas, nfo tenhais médo do Salvador ; foi para vés, especialmente, que Ele desceu & terra. Ni noveis nunca o grito de desespéro de Caim : crime é grande demais para que ex. déle possa obter perdiio™ (A). Como ia desconhecer o Coragio de Jesus!... rificou Madalena e perdoou a triplice nega- gio de Pedro ; abriu o Cén para o bom ladrio, Em ver- le, asseguro-vos, se Judas tivesse ido a Ele apés 0 Nogso Senhor © teria acolhido com misericérdia, Como, pois, wie yos perdoaria também? t... i Abismo da humana fraqueza, tirania dos maus hAbitos | Quantos cristéos reccbem no tribunal da Peniténcia a absolvic&o de suas faltas; é sincera néles a contricio, enérgicas sfio as suas resolugdes... e caem de novo nos mesmos pecados, por yézes graves; © mimero de suas quedas cresce sem cesar! Nao terfio, ent&o, sobejas razdes de desfinimo? Que a evidéncia da propria miséria nos mantenha na humildade, nada mais justo. Que ela nos faca perder a confianga — ser& uma cathstrofe, mais perigosa que tantas recaidas no érro. ‘A alma que cai deve levantar-se imediatamente, Nao deve cessar de implorar a piedade do Senhor. Nio sabeis que Deus tem as suas horas e pode num instante elevar- nos 4 mais sublime santidade?! Niio tinha por acaso Jevado Maria Madalena uma vida criminosa? A graca, no entanto, a transformou instanténeamente. Sem transie&io, de pecadora tornou-se grande Santa, Ora, a agi de Deus nfo se reduziu no seu alcance, © que féz para outros poder fazer para vés. Nao duvideis : a oragiio confiante e perseverante obter4 a cura completa de vossa alma. Nao me alegueis que o tempo passa e j4 toca talyez ao térmo a vossa vida. Nosso Senhor esperou a agonia. do bom ladrio para atrai-lo a Si vitoriosamente. Num sé minuto ésse homem tho culpado converteu-se! Sua {6 ¢ seu amor foram tio grandes que, apesar dos seus grandes crimes, mem passou 49 pelo Purgat6rio ; ocupa para sempre um lugar elevade nos Céus, Que nada, pois, altere em vés a confianca ! Do fundo do abismo embora, apelai sem trégua para o Cén, Deus acabard respondendo ao vosso apélo e em vés operard a sua justica, TIL Certas almas angustiadas duvidam da propria salva- go. Lembram-se demasiado de faltas passadas ; pensam nag tentacdes to violentas que, por vézes, nos assaltam a todos; esquecem a bondade misericordiosa de Deus, Essa angistia pode tornar-se uma verdadeira tentagio de desespéro. Em mogo, Sfio Francisco de Sales conheceu uma provaeao dessas; tremia de nfo ser um predestinado ao Céu. Passou varios meses nesse martirio interior. Uma oragio heréiea o libertou: o Santo prosternou-se diante de um altar de Maria; suplicou & Virgem que o ensinasse a amar seu Filho com uma caridade tanto mais ardente sobre a terra, quanto @le temia nfie poder amé-Lo na oternidade, Nesse género de sofrimento, hi uma verdade de [é que. nos deve consolar imensamente, Sé nos perdemos pelo pecado mortal. Ora, sempre o podemos evitar, e, quando tivermos tida a desgraga de comet#-lo, poderemos sempre nos recon- ciliar com Deus. Um ato de contrigéo sincera, feito logo, sem demora, nos purificari, enquanto esperamos a con fisedio obrigaléria, que conyém se faga sem detenca. Certamente a pobre vontade humana deve sempre desconfiar da sua fraqueza, Mas 0 Salvador nunca nos recusaré os gracas de que carecemos. Fari tamhém todo o possfvel para ajudar-nos na emprésa, soberanamente importante, da nossa salvagio. Eis a grande verdade que Jesus Cristo escreven com 0 seu Sangue e que vamos agora reler juntos na historia da sua Paixio. Jé tercis algum dia refletide como puderam os judeus apoderar-se de Nosso Senhor? Acreditareis, por acaso, que isso conseguiram pela astiicia ou pela forca? Podeis imaginar que, na grande lormenta, Jesvs foi yencide porque era o mais fraco?! Seguramente nfio. Os inimigos nada podiam contra Ele. Mais de uma vez, nos trés anos de suas pregagées, haviam tentado maté-Lo, Em Nazaré, queriam jogi-Lo num precipicio ; por varias yézes tinham apanhado pedras para lapida-Lo. Sempre, porém, a sabedoria divina desfex os planos dessa impia célera; a {rea soberana de Deus reteve-lhes © brago ; e Jesus afastou-Se sempre tranquila- mente, sem que ninguém tivesse conseguido fazer-Lhe 0 meuor mal, Em Getsémani, ao dizer Ele simplesmente seu nome soldades do Teraplo vindos para assenhorearem-se da pessoa sagrada, t6da a tropa cai por terra tocada de estranho paver, Os soldados 86 se podem levantar pela permissiio que Ble Ihes dé, Se Jesus foi prise, se foi crucificado, se foi imolado, 4 que assim o quis, na plenitude da sua liberdade e do seu amor por nos. “Oblatus est quia voluit” (). Se o Mestre derramou, sem hesitar, ¢ Sangue todo por nés, se morreu por nés, como poderia rectusar-nos gracas que nos so absolutamente necessirias e que Ele proprio nos mereceu pelas suas dores? Essas gragas, Jesus as ofereceu misericordiosamente fis almas mais culpadas durante a Paixfio dolorosa. Dois Apéstolos haviam oometido um crime enorme ; a ambos oferecen 0 perdiio. Judas © atraigoa e Lhe d& um beijo hipéerita. Jesus falalhe com docura tocante ; chama-lhe seu amigo; pro- cura A {érea de carinho tocar ésse coracio endurecido pela avareza. “Meu amigo, porque vieste? — Judas, tu trais 0 Filho do homem cam um beijo? ..." (6). E esta a dltima graga do Mestre ao ingrato. Graga de tal fora, que jamais Ihe mediremos bem a sidade. Judas, porém, a repele: perde-se, porque im formalmente o prefere. Pedro cria-se muito forte... Tinha jurado acompa- * nhar o Mestre até a morte, e O abandona, quando O yé is fins dos soldados. Sé O segue ent&o de longe. Entra tremendo no patio do palécie do Sumo Sacerdote. Por tr@s yézes renega o seu Senhor — porque receia os motejos de uma eriada. Com juramento afirma que nfo conhece “ésse homem”. Canta o galo... Jesus yoltaSe e fixa sObre 6 Apéstolo og olhos cheios de misericordiosas e doces censuras. Cruzam-se os olhares... Era a graca, uma graca fulminante que ésse olhar levayaa Pedro. © Apéstolo nao a repeliu : saiu imediatamente ¢ chorou com amargura, a sua falta, Assim como a Judas, como a Pedro, Jesus nos oferece sempre gragas de arrependimento ¢ conyersio. Podemos aceitfi-las ou recusfi-las. Somos livres! A nds compete decidir entre o bem ¢ o mal, entre o Céu eo inferno, A salvegho. est’ etn’ posses andes O Salvador niio s6 nos oferece as suas gragas, como faz mais : intercede por nés junto ao Pai celestial. Lembra- Lhe as dores sofridas pela nossa Redengio. Torna a nossa defesa diante dEle ; desculpa-nos as faltas : “Pai, exelama. nas angistias da agonia, Pai, perdoai-lhes, pois ndo sabem o que fazent !” (7). © Mestre, durante a Paixfie, tinha tal desojo de salvar-nos, que nfo cessava um instante de pensar em nds. No Calvério dé aos pecadores o seu tiltimo olhar ; pronuncia em favor do bom ladrio uma de suas ‘iltimas: palavras. Estende largamente os bragos na Cruz para marear com que amor acolhe todo arrepondimento em seu Coracto amantissimo, Se jamais, nas lutas fntimas, vos sentirdes fraquejar onfianga, meditai as passagens do Evangelho que. vos Contemplai essa cruz ignominiosa, sObre a qual expira © vosso Deus. Olhai para a sua pobre cabega coroada de espinhos, que tomba inerte sbre © peito. Considerai os olhos vitreos, a face livida onde se coagula o sangue pre~ cioso, Olhai para os pés e as maos traspassadas, para 0 0 malferido. Fixai sobretudo 0 coragiio amantissimo que acaba de ser aberto pela lanca do soldado ; déle corre- 01 ram umas poucas gotas de égua ensanguentada... Tudo vos deu!,,. Como sera possivel desconfiar désse Sal- vador ? De vés, porém, espera Ele retribuigo de afeto, Em nome do seu amor, em nome do seu martirio, em nome da sua morte, tomai a resolugiio de evitar doravante 0 pecado mortal. A fraqueza 6 grande, bem sei, mas Ele vos ajudard. Apesar de téda a boa yontade, tereis talvez quedas e incidéncias no mal, mas o Senhor & misericordioso. S6 peile que nfo ves deixeis adormecer no peeado, que Iuteis og maus h4bitos. r Prometei-Lhe confessar-vos logo e nunca passar a noite tendo sObre a consciéncia um pecado mortal. Felizes sereis, se mantiverdes corajosamente essa reso- lugio!... Jesus nffo teri derramado em vo, por vés, o seu Sangue bendito. ‘Tranquilizai-vos quanto As yossas intimas disposicées. ‘Tereis assim o direito de encarar com serenidade o teme- roso problema da predestinagio: trareis sdbre a fronte o sinal dos eleitos, fe ? Yu Capitulo Vy RAZOES DA CONFIANCA EM DEUS I A Encarnagao do Verbo. tf O poder de Nosso Senhor. nr Sua bondade, T ©) esbio consid: sous colesananedo! Mueaienrincss nem chuvas, nem tempestades a poderiio langar por terra. Para que o edificio da nossa confianca resista a todas as provas, preciso 6 que se eleve sObre bases inabalaveis. “Quereis saber, diz Sko Francisco de Sales, que funda- mento deve ter a nossa confianga? Deve basear-se na infinita bondade de Deus © nos méritos da Morte ¢ da Paixiio de Nosso Senhor Jesus Cristo, com essa, condicio de nossa parte ; a firme e total resolugdo de sermos inteira- mente de Deus e de nos abandonarmos completamente ¢ sem reservas & sua Providéncia” (1). As razdes de esperanga siio demasiado numerosas para que possamos cité-las t6das. Examinaremos aqui sémente as que nos sfio fornecidas pela Enearnagio do Verbo ¢ pela Pessoa sagrada do Salvador. De resto, 6 Cristo em verdade a pedra angular (2) sdbre a qual principalmente deve apoiar-se a nossa vida interior. 3D Que confianga nos inspiraria @ mistério da Encar- nagio, se nos esforcissemos por estudé-lo de mancira menos superficial ! ... Quem essa crianga que chora no presépio, quem é fsse adolescente que trabalha na oficina de Nazaré, tase pregador que cntusiasma as multiddes, ¢sse taumaturgo quo opera prodigios som conta, essa vitima inocente que morre na Cruz? £0 Filho do Altissimo, eterno e Deus como o Pai... 0 Emanuel desde tanto tempo esperado ; ¢ Aquéle que o Profeta chama “oe Admirdvel, 0 Deus forte, 0 Principe da paz” (3) Mas Jesus — disto nos esquecemos frequentemente — é nossa propriedade. Em todo o rigor do térmo, Ele nos pertence ; @ nosso ; temos sébre Ele direitos impres- critiveis, pois o Pai celeste no-Lo deu. A Escritura assim o afirma: “O Filho de Deus nos foi dado” (4). E Siio Jofio, em seu Evangelho, diz também : “Deus amou tanto o mundo, que lhe deu seu Filho tnieo™ (5). Ora, se Cristo nos pertence, os méritos infinitos de seus trabalhes, de seus sofrimentos e da sua morte nos pertencem também. Sendo assim, como poderfamos porder ‘a coragem ? Entregando-nos o Filho, 0 Pai do Céu nos deu a plenitude de todos os bens, Saibamos explorar largamente ésse precioso tesouro. Dirijamo-nos, pois, aos Céus com santa audécia ; e, em nome désse Redentor que é nosso, imploremos, sem hesitar, as gragas que desejamos, Peeamos as béngiios temporais e sobretudo socorro da graca; para a nossa Pitria solicitemos paz e prosperidade ; para a Igreja, calma e liberdade. Essa oragao seré certamente atendida. Assim agindo, niio fazemos nés um negécio com Deus? Em troca dos bens desojados, oferecemos-Lhe o seu proprio Filho unigénito, E nessa transagiio Deus nfio pode ser enganado : dar-Lhe-emos infinitamente mais do que (Ele receberemos. Ess oracho, pois, se a fizermos com a f6 que trans- porta montanhas, sera de tal sorte eficaz que obteré, se preciso for, mesmo os prodfgios mais extraordinarios. U © Verbo Encarnado, que a nés Se deu, possui um poder sem limites. Aparece no Evangelho como o supremo Senhor da terra, dos deménios ¢ da vida sobrenatural; tudo esti submetido 20 seu dominio soberano. Existe ainda nesse poder do Salvador outro motivo segurissimo de. confianca. Nada pode impedir Nosso Senhor de socorrer-nos e proteger-nos. Jesus domina as fércas da natureza. Logo no inicio do seu ministério apostélico, assisty 4s bodas de Can. No correr do banquete, o vinho vem ob a faltar. Que humilhagio para a pobre gente que havia convidado o Mestre com sua Mae e os discipulos ! A Virgem Maria pereebe Togo 0 contratempo ; 6 Ela sempre a pri- meira a perceber as nossas necessidades ¢ a alivid-las. Langa ao Filho um olhar de saplica ; murmura-Lhe em yor baixa um curto pedido, Conhece Maria o sou poder ©o seu amor. E Jesus, que nada sabe recusar-Lhe, trans- forma a gua em vinho!... Foi éste o seu primeira milagre. De outra feita, uma tarde, para evitar a turba que assalta e€ comprime, atravessa o Mestre, de barca, com os discfpulos, o Iago de Genesaré, Enquanto navegam, leyanta-se o vento em furacdo, desaba a tempestade, as ondas crescem, 08 vagalhdes esboroam-se com temeroso estrondo, A agua inunda o tombadilho; vai afundar-se a embarcacio. fatigado da dura labuta, dorme a Popa, a caheca divina apoiada sébre o cordame. Os disci- pulos aterrorizados acordam-nO gritando: “‘Mesire, Mesire, saloai-nos que perecemos !..." (6), Entio, o Salvador le- vanta-Se : fala ao vento ; diz ao mar enfurecide : Siléncio, acalma-te!... Instantdneamente tudo se acalmou!t. ‘As testemunhas dessa cena interrogaram-se com assombro + “Quem € éste Homem a Quem o mar e os yentos obe- decem?...” Jesus cura os enfermos. Muitos cegos dEle se aproximam as apalpadelas ; a Ele clamam o seu infortinio : “Filho de Dawi, tende pie- dade de nos!’ (7). © Mestre toca-lhes os olhos, e ésse contacto divino os abre para a luz. ‘ ‘Trazem-Lhe um surdo-mudo, pedindo-Lhe que sbre éle imponha as mitos. O Salvador atende a Gsse desejo, a béca do homem fala, ¢ os seus ouvidos ouvem. No caminho, encontra um dia dez leprosos, O leproso é um exilado na sociedade humana ; repelem-no das aglo- ameragées ; evita-se 0 seu conyivio, pelo médo do contigio ; todos se afastam com horror da sua podridio... Os dez leprosos nem ousam aproximar-se de Nosso Senhor... ficam ao longe, Mas, reunindo o pouco de férgas deixado pela moléstia, gritam dessa distancia: ‘‘Senhor, tende piedade de nés !"... Jesus, que devia ser na Cruz o grande leproso, que devia ser na Eucaristia 0 grande abandonado, comove-Se com essa mistria: “Ide mostrar-vos aos sacer~ dotes”, Ihes diz, E enquanto os infelizes caminham para exeeutar as ordens do Mestre... sentem-se curados | Jesus ressuseila os morfos. Siio trés os que Ele faz voltar A vida. E, também, pelo mais maravilhoso dos prodigios, depois de morrer nas ignomfnias do Gélgota, depois de ter sido depositado no Sepulero, Fle Se ressuscita a Si mesmo na madrugada do terceiro dia. i Z E assim que a nés também ressuscitaré no fim dos 08, as nossog amados, os nossos mortos, Ele no-los resti- 63 ‘ormados, mas sempre semelhantes ao que foram, 4 assim as nossas Kigrimas por Vda a eternidade. haverd mais pranto, nen auséneia, nem luto, terminado a era da nossa miséria, porque le Jesus domina o inferno. 1 ante og trés anos da sua vida pablica, Ele, por encontra-Se com possessos. Fala aos deménios em tom de autoridade soberana ; d&-lhes ordens imperiosas, ¢ os deménios fogem A sua yor, confessande-Lhe a divin- dade tl... Jesus & 0 Senhor da vida sobrenatural. Ressuscita almas mortas ¢ Thes restitui a graga per- ». B para provar que tem, realmente, @sse poder di- no, cura um paralitico. ‘Que seré: mais facil, pergunta aos eseribas que O mi, que seré mais facil, dizer: Teus pecados fe sao perdoados ; ou: Levanta-le ¢ camin A fim de que conhecais que o Filho do homem tem abbre a terra o poder de perdoar pecados : Levanta-le, diz ao paralilico, toma a tua enaérya ¢ volla para casa’ (8). ja bom meditar longamente sébre o estupende poder de Jesus Cristo. Quando se trata de por ésse poder a servico do seu amor por nés, o Mestre munca hesita. y Se HL A verdade é que Nosso Senhor é adoravelmente bom + 64 seu Coragiio nao pode ver sofrer, sem sangrar. Essa pie- dade far operar alguns dos seus maiores milagres espon- taneamente, antes mesmo de ter recebido qualquer stiplica. ‘A multidao segue-O através das montanhas desertas da Palestina ; durante trés dias, esquece-se, para ouvi-Lo, da necessidade de comer e de beber. Chama, porém, o Mestre 05 Apéstoles : “Véde essa pobre gente, dizthes ; mio og posso despedir assi cairiam de inanicgioe em caminho. Tenho pena dessa muliidao” (9), E muttiplion 08 poucos ples que restavam aos discipulos. Outra vez, dirigia-Se Ele A pequena cidade de Naim, escoltado por uma turba hem numerosa. Quase ao chegar’ fis portas, encontra um cortejo fimebre. Era um joyem que levayam para a iltima morada + filho dinico de pobre mie vitiva. Nada esperando mais da vida, em profundo desalonto, seguia, Iamentivelmente, a triste mulher o corpo de seu filho, A vista dessa dor muda emocionou yvivamente o Mestre. Tomou-Se de misericérdia. “Pobre ide aflita, disse, nfo chores mais!” (10), E, aproximando- se da padiola onde jazia o cadaver, restitui vivo 0 mancebo & gua mie. Almas feridas pela provagio ; conscitncias perturbadas pela ciivida, talvez, ou pelo remorso ; coragées torturados pola traigfio ou pela morte; yés que sofreis, acreditais, por acaso, que Jesus ndo tenha piedade das vossas dores?... Isso seria fio compreender o seu imenso amor. Ele conhece as vossas misérias ; Ble as v8, e seu Coracio Se compadece delas. E por vés, hoje, que Ele tanga o seu grito de compaixio ; é a vés que Ele repete, como 4 viva de Naim : “No chores mais, Eu sou a Resignacie, fu sou a Paz, Eu sou a Ressurrei¢io ¢ a Vida!” Essa confianca, que naturalmente nos deveria inspirar a divina bondade, Nosso Senhor no-la reclama explicita- mente. Faz dela condigio essencial de seus beneficios. Vemo-Lo, no Evangelho, exigir atos formais dessa. con- fianca antes de operar certos milagres. Porque é que Ele, sempre tao terno, Se mostra assira duro na aparéneia para com a cananéia que Lhe pede a cura da filha? Repele-a por diversas vézes ; mas nada a faz desanimer. Multiplica ela as suas sGplicas tocantes ; nada Ihe diminui a confianga inabalfivel. Era isso jnsta- ente © que pretendia Jesus: “Oh, mulher, exclama com alegre admiragio, como é grande a tua eonfianca!’ E acreseenta: “Que a lua vonlade seja feila” (11). “Fiat tibi sicul vis". A co ca obtém a realizagio dos nossos desejos : 6 Nosso Senhor, Ele proprio, quem o afirma, Estranha aberrac&o da inteligéncia humana! Cremos nos milagres do Evangelho, visto que somos catélicos convictos ; cremos que Cristo nada perdeu do seu poder subindo gos Céus ; cremos na sua bondade, proyada em téda a sua vida... E, no entanto, nfo sahemos aban- donar-nos @ confianga nBle ! Como conhecemos mal 0 Coragio de Jesus! Obsti- namo-nos a julgé-Lo pelos nossos fracos coragdes : parece em verdade que queremos redugir a sua imensidade as nossas mesquinhas proporgdes, Custamos admitir essa inerfvel miserie6rdia para com os pecadores, porque somos vingativos e lendos em perdoar. Comparamos a sua infinita ternura com 05 nossos pequeninos afetos ... nada podemos compreender désse fogo devorador que fazia do seu Coragio um imenso braseiro de amor, dessa santa paixtio pelos homens que 0 dominava completamente, dessa caridade infinita que © levyou das humilhacdes do Presépio ao sacrificio do Gélgota. Infelizmente, nfo podemos dizer com © Apéstolo Sao Joao, na plenitude de nossa [6: “Cremos, Sentor, no yosso amor!" — “Credidimus caritati” (12). Mestre Divino, queremos doravante abandonar-nos inteiramente 4 vossa diregiio amorosa, Confiamos-Vos 0 uidado do nosso futuro material. Ignoramos o que nos reserva ésse futuro, sombrio de ameagas. Mas abando- namo-nos ds miios da vossa Providénci Contiamos ao vosso Coragio os nossos pesares. Sio por vézes hem cruéis, Mas Vés estais conosco para suavizielos. Confiamos & vossa misericdrdia as nossas misérias ..\ fraqueza humana faz-nos temer todos 08 desfa- rentos, Mas ¥és, Senhor, nos haveis de amparar e ervar das grandes quedas, Como 6 Apéstolo preferido que repousou a cabega © © Yosso peilo, assim pousaremas nOs sébre o vosso ino Coracio ; e, segundo a palavra do Salmista, ai dormiremos em deliciosa paz, porque estaremos, oh ! Jesus, radicados por Vés numa confianca inalterfvel. 68 Capitulo VI FRUTOS DA CONFIANCA I A confiance glorifion a Deus. i Alrai sobre as almas farores excepcionais. ui A oragiio confiante tudo obfém. Vv Exemplo dos Santos. y Conclustio do trabalho. I O netnor elogio que se possa fazer da confianga consiste em mostrar os seus frutos: serf o assuato déste iiltimo capitulo. Possam as consideracdes seguintes encorajar as almas inquietas ¢ fazé-las vencer enfim a sua pusilanimidade, ensinando-as a praticar perfeitamente essa preciosa vir- tude. A confianga nio evolui nas esferas mais modestas das virtudes morais ; ela se eleva de um salto até o trono do Eterno, até o préprio Coragtio do Pai celeste. Rende uma excelente homenagem 4s suas perfeigGes infinitas: a hondade, porque s6 dEle espera o auxilio necesséiri ao poder, porque despreza qualquer outra férca que nfo seja a sua; A eiéneia, porque reconhece a sabedoria de sua intervencio soberana; & fidelidade, porque conta, sem hesilagées, com a palavra divina. Participa, pois, essa virtude, ao mesmo tempo, do Jouvor e da adoragio. ‘Ora, nas diversas manifestagdes da vida religiosa, nenhum ato 6 mais elevado do que dsses ; sflo os atos sublimes em que se ecupam, no Céu, os Espiritos bem- venturados, Os Serafins velam a face com as asas em presenga do Altissime ¢ os Coros angéticos Lhe repetem, cnlevades, a sua triplice aclamacio. A. confianga resume, numa luminosa ¢ dulofssima sinlese, as trés virtudes teologais : a fé, a esperanca ¢ a caridade, Por isso 0 Profeta, obumbrado pelo brilho dessa lude, se sente incapaz de sopitar a admiracio ¢ exclama com entusiasmo: "“Bendito @ homem que confia em Deus 2”). + Ao contrério, a alma sem confianga ultraja o Senhor, Duvida da sua providéncia, da sua bondade e do seu amor, Vai precurar o amparo das criaturas; chega até por vézes, em nossos dias, a se entregar a praticas supersti- ciosas. A infeliz apéia-se sObre esteios frageis que se que- brario sob o seu piso e a ferirfio cruelment: Deus irrita-Se com tal ofensa, 0-4. Livro dos Reis conta que Ocosias, doente, mandou conaultar 08 sacerdotes dos fdolos. Jeova Se encolerizou ; cnearrogou © Profota Elias de transmitir terriveis ameagas a0 Soberano : “Wao haveri um Deus em Israel, para que consulleis Beelzebub, o deus de Acaran? His porque niio ws levanlareis mais do leilo em que vos achais, ¢ sucumbireis irremissivelmente” (2). wsié O cristdo que duvida da hondade divina, e restringe ag suas esperangas As eriaturas, niio mereceri a mesma consura? No se expde a justo castigo? A Providéncia nie vela, por acago, sObre éle, para que Ihe seja preciso dirigir-so loucamente a stres débeis e fracos, incapazes de Ihe vir em auxilio? ul “Nao deixeis que s¢ perea a toss confianga, diz o Apéstolo Sie Paulo, pois ela merece uma grande recam- jpensa” (3) Essa virtude, com efeito, tras t&o grande gloria a Dens, que atrai necessiriamente para as almas fayores excepeionais. © Senhor, por varias vézes, declarou nas Eserituras com que generosa magnificéncia trata os coractes con— fiantes : “Porque esperou em Mim, Eu o libertarei ; Kn. 0 prote- gerei, porque reconheceu o mex Nome. Apelart para WV e Eu oatenderei. Com éle fiearei em suas iribulacies ; delas o livrarei, e 0 glorificarei” (4) Que promessas pacificadoras na béea dAquele que pune téda palavra inftil e condena a mais ligeira exage- raciio | Assim pois, ¢ segundo o testemunho da propria Ver- dade, a confianga afasta de nés todos os males. “Porque escolhestes o Alltssimo como refiigio, 0 mal niio chegaré aié vés, e de vés ndo se aprozimariio os flagelos. Pois Ble ordenou avs seus Anjos que 208 guardassem em fodos os caminhos ; éles vos carregarda nas maos, cam receio de que fropeceis nas pedras. Podereis caminhar sdbre a Aspide eo basiliseo, e caleareis ans pés olefin e 0 dragéio” (5). Dos males de que nos preser¥a a confianga, ponha-se om primeira linha © pecado. De resto, nada mais con forme 4 natureaza das coisas. A alma confiante conhece o seu_nada, como 0 de tédas as criaturas; & por iste que nfio conta consigo mesma nem com os homens, e poe em Deus téda a sua esperanga. Desconlia da prépria miséria ; pratica, por conseguinte, a verdadeira humildade. Ora, como sabeis, o orgulho é a fonte de tédas as. nossas faltas (6) ¢ o infcio da rufna (7). O Senhor afasta- Se do soberbo ; abandona-o A sua fraqueza e o deixa ir, A queda de Sfio Pedro é disso um terrfvel exemplo. Nos desfgnios misericordiosos da sua sabedoria, Deus permitira talvez que a provagao assalte por algum tempo a alma confiante: nada, no entanto, a abalaré; ficard imével e firme “como a monlanha de Sion” (8). Conser- a alegria no fundo do corac%o (9), e apesar do rugido da tormenta, dormirA tranquila como a crianca nos bracos do pai (10). Deixarse-& levar ao térmo feliz de sua jor- nada, pois Deus salva “os que nEle esperam’ (11). vari Exces sfio, porém, beneficios puramente negativos. Deus cumula com beneficios positivos 0 homem que nEle confia, Ouvi com que ampla poesia o Profeta expie essa verdade : “Feliz 0 homem que pie em Deus a sua eonfianca e de quem o Senhor & « esperanca. Ser seme- Thante a ume Greore transplantada pare a borda da dgua e que enierra as raizes em sol tumido ; nada lemerd d chegada da canteula, Suas folhas serio sempre verdes > niio sofrerd no fempo da séca ¢ jamais cessard de dar fruios’ (12). Para ressaltar, por impressionante contraste, a paz radiosa désse quadro, contemplai a sorte lamentivel da- quele que conta com as criaturas: “Maldilo 0 homem que no homem poe a sua confianga, que se apdia sdbre a carne e ettjo coragito Joge do Senhor. Serd. semelhante tamargueira do deserto ... ficarti na aridez, em terra sal~ gada e inabilével ! (13) UL Enfim, ¢ como uma das suas maiores prerrogativas, a confianga é sempre atendida, Nunca seri demasiado repeticlo: a prece confiante obtém tudo. Com insisténcia muite acentuada a Escritura reco- menda-nos reanimar a nossa fé, antes de apresentarmos: a Deus nossas siplicas. “Tudo o que pedirdes a Deus, com Jé ne oragio, wis a oblereis” (14), declara o Mestre. O Apa fo Tiago usa da mesma linguagem ; quer que pocamos “com fé, sem hesilar”. Aquéle que duvida, asse- melha: vaga inoonstante do mar; em disposiches tais, 6 iniitil pretender ser ouvido (15). Ora, de que [é tratam os trechos precedentes? Nfio 6 da {6 habitual que o Batismo infunde nas almas ; mas sim de uma confianga especial, que nos faz esperar firme- inente a intervengao da Providéncia em circunsténeias dad FE @ que diz, explicitamente, Nosso Senhor no Kvangelho : “Seja qual for 0 objela da nossa prece, erede que o oblereis ; e isso vos seré concedido” (16). O Mestre nie podia designar mais claramente a confianga, Podemos ter {6 viva e duvidar, no entante, que Deus 4 colher favorivelmente éste ou aquéle pedide nosso, “Temos aeaso a certeza, por exemplo, de que a hjeto do nosso deseja convém ao bem verdadeiro da oss vida? Hesitamos, pois, E essa simples hesitagio, nota um tedloge, diminui a efic&cia da oraco (17). Km outras geasides, pelo contririo, a corteza intima se a ponto de repelir completamente téda diivida ou hesitacio. Estamos tio certos de sermos atendidos, nos parece ter na mio a graga solicitada. tengo a uma confianga tio perfeita, esereve a Padre Peseh, Deus nos coneede gragas que, sem isso, nao nos teria dado”, Com efeito, o hem que Lhe pedfamos nao ra fort ue im nos era necessirio ; ou ent&o, ése hem nfo realizava as condiges precisas para que Deus, em virtude de suas promessas, Se obrigasse a no-lo dar (18), O mais das vézes, de resto, essa intima certeza 6 obra da graga em nos. “Por isso, conclui o autor, uma singular confianga em obter esta ou aquela béngie, é uma espécie de promessa especial que Deus nos fax de no-la conceder’’ (19). Uma palayra de Sto Tomas resumira esta curta digresstio : “A oragiio, diz 0 Douter Angélico, tira 0 seu merecimente da caridade ; mas sua efic&cia impetratéria The yem da {é ¢ da confianea’’ (20). Iv Os Santos rezavam com essa confianga, ¢ por isso Deus Se mostrava a respeito déles de uma liberalidade infinita, O Abade Sisois, segundo narra a Vida dos Padres, rezava um dia por um dos seus diseipulos que a violénci: da tentagio tinha abatido. “‘Queirais ou nfo, dizia a Deus, nfio Vos deixarei antes de o lerdes curado”, Ba alma do pobre irmio recobrou a graga ¢ a serenidade (21). Nosso Senhor dignou-Se reyelar a Santa Gertrudes que a sua confianga fazia tal violéncia ao Divino Coragio, que Ele era forgado a favorecé-la em tudo. E acreseentou que, a dade e do seu amor por ela. Uma amiga da Santa orava desde algum tempo sem nada obter, © Salvador lhe disse : “Diferi a eoncessio do que Me pedes, porque nfo confias ha minha bondade como a minha fiel Gertrudes. A ela recusarei nada do que Me pedir” ( ) agindo, satisfazia as exig@ncias da sua bon= nunea Enfim, eis, segundo o testemunho do Bem-ayenturade Raimundo de Capua, seu confessor, como rezava Santa. Cataria de Siena. “Senhor, dizia, nflo me afastarei de junto dos vossos pos, da vossa presenca, enquanto a vossa bondade nfo inte liver concedido © que desejo, enquanto nao Vos aprouver , eu guero que me prometais a vida eterna para todos aquéles que amo”. Depois, com uma audfcia admiravel, estendia a mao ‘1 0 Tabernfculo: “‘Senhor, acrescentava, ponde a mo na minha! Sim! dai-me uma prova de que Voss: me dar © que Vos pego!...” Que @sses exemplos nos ineitem a nos recolhermos no fundo da alma ; examinemos um pouco a conseitneia. Com um piedoso autor dirijamos a nés mesos a per- gunta seguinte : ““Teremos pdsto em nossas preces uma confianga total, um pouco désse absolufismo da crianga —eeeeeeeeeeeeeEeEeEeEeEeEeEeEeEeEeEeEeEeEeEeEeEe——e——ee que solieita da mfe © objeto que deseja? o absolutisme dos pobres mendigos que nos perseguem, e que, a forca de importunagio, conseguem ser atendidos? sobretudo, 6 absolutismo, ao mesmo tempo téo respeitoso ¢ tio con- fiante, dos Santos em suas stiplicas?.. .” 23). y Uma eonclusio resulta naturalmente, imperiosamente, déste curto estudo, Almas cristis, empregai todos os meios ao yosso al- cance para adquirir a confianca., Meditai muito sébre o poder infinito de Deus, sobre seu imenso amor, sébre a inviolAvel fidelidade com que Ele cumpre suas promessas, sébre a Paixfio de Nosso Senhor Jesus Cristo. Nao fiqueis, porém, indefinidamente paradas na expectativa. Da re- flexio, passai Az Favei frequentemente atos de confianga ; que cada acto vossa vos sirva de ocasifio para renové-los, E é, sobretudo, nas horas de dificuldades ¢ de provacio que os deveis multiplicar. Repeti com frequéncia a invocagio the tocante : “Coracio de Jesus, ex tenho confianga em Vés!” Nosso Senhor dizia a uma alma privilegiada : “Basta a pequenina oragio : ““Confio em vés"’, para me encantar o Coragio, porque nela se compreendem a confianga, a fé, 0 amor e a humildade” (24), Nao receeis exagerar a pritica dessa virtude. “Nao se deve nunca temer, na suposic&o, todavia, de uma yida bea, nia se deve nunca temer o exercer demasiadamente a virlude da confianca, Pois assim como Dous, em razio de sua infinita veracidade, merece um eré- dito de alguma sorte infinito, assim também, em razio ¢ seu poder, de sua bondade, da infalibilidade das suas omessas — perfeigdes estas que niio sie menos infinitas a sua veracidade — Ble merece confianga ilimi- a Niio. poupeis esforeos. Os frutos du confianga sie assaz preciesos para que valha a pena colhé-los. E se um dia viordes a vos queixar de nie ter obtido s vantagens maravilhosas esperadas, eu vos responder com Sao Joio Criststomo : “Dizeis: Esperei ¢ niio fui atondido. Estranhas palavras ! Nao blastemeis as Eseri- luras ! Nao féstes atendido porque nfo confiastes como convinha ; porque nfo esperastes o fim da prova ; porque anime. A eonfianga consiste sobrotudo em levantar a Animo no sofrimento ¢ no perigo c elevar o coracio para Deus” (26). 80 NOTAS Capitulo I (2) Contide, fil, remittuntur tibi pecoata tun, Afateus, 1X, 2. (2) Contide filia, fidos tus te salvam fetit, Mateus, FX, 22. (8) Confidits, ego sum, nolite thnere, Marcos, IV, 60. (#) Contidita, ogo viel mundum. Joie, VI, 89. (8) Verba quae ego locutus sum vobis, spiritus et vita sunt. Jodo, VI, 64. (@) Beoti qui oudiunt verbara Dei of custodiunt illud. Lucas, XU, 88 (7) Hii a me, quin home prscator suis, Domine. Lucas, ¥, 8. (@) Noli timere, Lucas, ¥, 10. (9) Non enim veni vocaro justos sed pecoatores. Moreos, if, 17. (10) Si orodere potos, omnia poeeibilia cunt credenti. Marcos, 1X, 28. (11) Credo, Domine ; adjuva ineredulitatem meam. Marcos, [X, #8. (12) Modiese fldei, quare dubitasti? Maieus, XIV, 31 (13) Spes autem non confundit. Rewanos, ¥, 4. Capitulo 11 (1) Hat enim fidueia spes roborata x aliqua firm opitione. S. Th, Ta. Hae, q. 124, ast. €, ed 3. (@) In verba {un superspersvi. Saimos, CXYII1. @) SoinnJure > De in connaissance of do Vamaur do J, C,, t. ILd, p. &. @) Dominus illuminatio mea ct salus men; quem timsbo? Dominus Protector vite meac; a quo trepidaba? Salmos, XXPI, 1, {G) Haque quatenus fides est cause et radix bujus fiduoiaa, potest aeeipi Fides pro fidueta causaliter, ut quando 9, Jacobus ait: Poslulet tn fide nihil a8 huecitans UJ, 6) Ubi onisi ot allie similibua Tosis fides aut simpliciter ponitur ‘sau intelligitur quidem fides dogmitica, bed. in quantum roborat "Pasch, Prasiectiones dogmatieat, 1. VII, p. 62, nota 2. (6) Saintedure: De la eoznaigmance et de l'amour de J. (2) Horssio, ode 8 do livre ITT, (8) Fliamsl oecideit mo, i ipso epersbo. Jé, XIN, 15 1) Lats de Grenaca > 1.2 Sérvite para a 2* Dowiuno apis a Hpifania. 10) Tew. AIL) Poquence Belandisas, XIV, p. 548. (12) Sainifure: De la eonuaiseonee ot do amour de J.C. 10, 3.5. (13) Vanum cet vobin ante inom surgere, Salmos, CXXVI, & (14) Sine me nihil potestie fweene. Jone, XV, 5. (1S) Sufficientin nostra a= Deo ost. 1 Corfatios, 111, 6. (18) P. Xavier dé Fedncioaé +, L!Teeprit de Saint Ignace, p. 6. (17) SaineJure* Dp la connsissanee et de Tumour de J. C.,t. IF, (45) Goudeto in Demiso semper: iternn dieo, wnudele.., Doninus prope est Fittpenees, IV, 4 0 6 10) Urmé Benigua Consolata Ferrero, psinas 4 4 95. Tip. Rondit Ae) ce vida aparceen en 20%0, come Imprinatur do Arcekispade 6 ed reser pelos secretes de Urbane VII. Capitulo TT (1) Ideo divo vobis, no solliciti sitis animas vertmae quid manducetis, torpor vestre quid induamint. Noone anima plus est quam eaca, of corpus pis quia yestimentum? Respicite volatilis casii, quoniam son rerumt, aeque metunt, neque congregant in horres, e+ Pater vestor caclestis pareit ill, Nonne vos magis pluria estie allie? Rb de vestimenta quid eo! ‘oresount : mon labarant neque nent. 1 HIE, p. 8. avon. tas declar co uate vabie queniam ec Salomon (itoiimt glotia eu cooperbae eet aieut unum «x Tsts, Si autem feenum agri, eT node est'et crotin elburum mittivur, Deus she vestit: quanto mage Yor, modieas Fidel | abimus, aul quid + Quid mands a quirunt. Bcit enim, ‘omnia genter a Quasrite ergo. priomam sonam Dei ot jurticam ejay gt age ova adjicientur vobie. Mateus, VI, 86-28 ¢ 28435, ii (2) Provirios, XXT, 10-88, G9) Poquenos Bolandivlas, & VAT, 18 de julko. (4) Numguid potasit Bows parare mensam in deserio ? ef, pouom, potort dave aut meaaim parate pop slo? verunt in ealutarl ejus. Salinos, L. (6) Lucas, XVII, 21. y, gf {ast stber Domioum cure tua, ot ipae te eanteict Salas Numauid igois nccensu s ‘Deo, nee spora— (7) Dominus regit me, ot aibil deer Selous, VXI, 2. (8) Mendicit ivities me dederis mihi: sribue ‘meo necesstiria> ne forte satiatue illicisr ad nogandum, of tum victut Dondaus aut qgttate-compulai fare, ct pevlutem Komen Del we, Paes werhioa, KE, Be 8 Capitulo TV 1) Si quis pecoaverity advorstum habemus apud Patron, Christurs justum. T Jodo, 11, 1. no} Ate: 2 VI, 7. @) He remancit solu Jesus, et mulier in medio stuns Erigene autera so Joaus, dit of: Muli, ubi aut qui to nsousubant ? Nemo te concemmavit ? : eae ine peceato eal veal liam Iapidem raittat. Soda, Quae disit: Nemo, Domine, Disit antom Jesus: Nee gga to condem- abo: vado, et jam ampliue noli peccare. Wmio, PII, on ee (4) Major est iniquitas mea quam ut veniam morear. Géneeis, IV, 13. 46) deatae, LITE, 7. (6) Amice, ad quid venisti? Mateus, XXVE, 60, — Jud hominis tradie Laceas, XXIH, $8. (7) Pater, dimitte Mis: non enim esiunt quid faeiunt. Lueae, 2. Capitulo ¥ (1) Yes veais entretiens spizitusla. id. de Annecy, i VI, p. 80. @) Ch Atos, IV, 11, oseulo Filium IH, 94, (3) Admirabilis... Deus fortis... Prinoops pacie. safes, IX, 6. (4) Filius datue ost nobin Fenian 1X, 8. (5) Deus dilexit mundum ut Filium suum unigenitum daret. Sic Joie, IH, 18. (0) Domine, sslva nos, perimus. Mateus, VIII, 26. (7) Minerare nostri, {li David, Mateus, 1X, £6. (8) Quid ost faviliue dicere paralytico: Dimittuntur tibi peceata, an dicom; Surge, talle grabatum iuum, et ambula? Ub autem ocintis quia m™ hominis habe potestatean in tetra dimittendi poceata (alt paralytico) : ji digo, surge, tolle geabatum tuum ot vndo in domum tuam. Marros, It, att (0) Misereor super turbam. Marcos, VHT, 2. (10) Noli flere. Euecs, PIT, 15. (11) © mulier, magna ott fides tun, Fiat bi sicut vis, Matews, XV, 28. (12) Joao, FV, 18. Capitulo VI (1) Benedievus vir qui confidit in Domine, Jeremfas, XVI, Fr. (2) Numauid quia non erat Deus in Terao, mitt utconsulatur Beolzebuls dou Acearon!' Tdciteo de lectulo super quar ascendieti non doscendos. sed morte morieris, IV Reis, f, 8. (3) Nolite amittere confidentiam vestiam, quis misgnum habet remune- vatlonem. Hebreus, X, 35. (4) Quoniam in me rporivit Uberabo cum : profegum eum quoaiam ognovit nomen mourn. Clamabit-ad mo et ego exundiam eum ; eum ipso aim in ibulatione, eripiam cum ct glorifieabo eum. Salmo, XC; 14 « 46. (5) Quoslam,.. Aitissimum pomuisti refugium tuum, non sovedes ad te maluan ot flagellam nom appropimguabit tabernaculo too. ‘uoniam. Angelis vit de te, ne forte offeadas ad lnpidem pedem tuum, Super aspidem cum ambulabis, ot coneuleabialeonera et draconem, Batra, XC, 9-16. (@) Inilium omnia pecsati ont suporbia. Euleviastes, X, 16, (7) Ante roinam exsitatur spiritus. Provirbion, XVI, 18. (8) Qui confidunt in Domina, slout mons Sion. Selmes, CLXIV, 1. (8) Dedisti Laetitiam in corde mee. Salnies, LV, 7.~ (10) In paco ih idipsum dormiam ot requiescam, quonism tu, Domin cingulariter ix ope sonetitaisti me, Salmor, FV, 0 « 10. 36 Salmos, XV2, 7. (12) Benedictus vir qui coafidit in Domino, ct exit Dominus fiduoia ejue, Eteritquasi ligaum quod traneplantatar super aquas, quod ad humorem “Shittit radiees aaa, ct non tsmolit tuaa vencrit vastus Et erie folium ejus viride, et tempore siccitatia nan erit sollicitum, nec aliquando desinet facere Frnotm. Jeremias, XVIT, 7 € 8 (18) Maledictus home qui confit in Komine, et ponit eamem Brachiam suum, ef Daring recedit cor ejus. Erit onim quasi myriene in dosurto . habitabit in siecitate in desert, in terra salsugini« et inhabitabili. Jeremins, XVII, 8 6 8. (14) Quaecumque petietitis in oratione crudeatas, sosipiotin. Mateus, XX, 82 (45), Postulet sutem in fide, nihil heesitans. Qui enim haceitat, similis cet fuctui maria, qa vento movetur et cireumfertur. Non ergo sestimet Homo ille, quod’ aceipiat aliquid a Domino. Tiago, I, 9 ¢ 7. (18) Omnis queecumque orantes pelitis, eredite quin accipietis, el qveaient vobia Marcos, 4, 24 (17) Huec haceitatio non quidem tollit; sed mumuit officaeiats oratlon!, Christians Peach: Pracleetiones sfogmaticue, & 1%, p. 168. (18) Ob banc. perfectiousin fidueiae interdum dat Deux bonum, quod lias non dsvet, quia nen erat ita neeeesasium, vol non habebat alias’ condi- Honos, propter quas wx wl ‘solius promissioni« illud dare tenerebur. Peich, 10 witnto, (29) Tague singuloris Siduela impetrandi aliquam partieulurom rem dosideratam e#t quae! promiaio speciale Det circa hance nem. Pesch, loco sitato. (20) Oratio effienciam merendi habet a charitste, al vero efficaciam impetrandi aide ol fiducia, Tom, Quacst. LXXRIT, art 16, ad 5, (Qn) Vite Patrum i. V7 (22) Seint-Jure De In connaissince et de Famour de J. UT, 2 (23) Soued, Jéeus intime, i. fi, p. 428. (2 rma Benigna Consolata Fervero. Ci. anole 10 do cap. If. (25) SeinteJure: Do ls connalssance et de Tamour de J. Cy EIT, p. 6 (20) Dices : Bgo aperavi, ct mum pudare affectus, Bond verba, quaato, «homo! Ne divinae Seriptarae obloquarit, Num si pudore affectus es, affectus ce, quod non, Ut oportuit, speraveris, ex eo quod cesseris, cx co quod finem nom expectaveris, purillo et Angusto animo fuer. Hoo enim vel maximo tat sperare, quundo in media mala et-pericula fuerieconjectus, tune igi. So Tote Crudstona, In Peaim, OXVIT INDICE 31 Capitulo | — Confianga ! ‘Nosso Senhor Jesus Cristo nos convida & confianga Muitas almas tém médo de Deus A outras falta a f6 Esta desconfianca de Deus thes ¢ muito prejudicial Fim e divisio déste trabalho Capitulo Il — Natureza ¢ qualidades da confianga A confianga é uma firme esperanga, Ela é fortalecida pela f¢ A confianga & inabaldvel Nio conta sen’o com Deus Regozija-se até com a privagio de socorros humanos Capitulo ILL — A confianga em Deus ¢ as necessidades temporais Deus prové As nossus necessidades temporais Ble o fax segundo a situagdo de cada um Nao nos devemos inquietar com o futuro Procurar sempre em primeiro lugar o Reino de Dous ¢ a sua justiga Rezar polas nossas necossidades temporais Capitulo IV — A confianga em Deus e as nossas necessidades espirituais A miserioirdia de Nosso Senhor para com os pecadores A graga pode santificar-nos num instante Deus concede-nos todos os sovorres necessirios para a santificagtio ¢ a salvacio de nossa alma |A vista do Crucifixo deve reaniinar-nos a confianga Capitulo V — Razdes da confianga em Deus A Encarnagiio do Verbo © poder de Nosso Senbor Sua bondade Capitulo VI — Frutos da confianga ‘A confianca glorifica a Deus Atrai sObre ag almas fayores excepcionais ‘A oractio confiante tude obtém ‘Exemplo dos Santos Conelustio do trabalho Notas 45. 59 TL 83 Advacata nostra SUPLEMENTO DE “CATOLICISMO” COMPOSTO E IMPRESSO NAS OFICINAS DE, ASSUMPCAG, TEEXEIRA - INDUSTRIA GRAFICA S. A. S80 PAULO PARA A BOA IMPRENSA LTDA, CAIXA POSTAL 333 CAMPOS — EST. DO RIO

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