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DA FISIOLOGIA À SOCIOLOGIA?

Elementos para uma revisão da história teórica da


sociologia sistêmica

Léo Peixoto Rodrigues

Introdução variada e rica matriz epistemológica – e talvez por


isso –, desde sua origem não tem conseguido cons-
O nascimento e consolidação da sociologia como truir consensos mínimos em torno de seus diferen-
disciplina do conhecimento científico, durante o sé- tes modelos explicativos (as teorias) sobre a socieda-
culo XIX, foi objeto de incontáveis publicações, des- de. As razões podem ser inúmeras e de fato foram
de então até os dias de hoje. Os chamados clássicos apontadas e debatidas durante todo o século XX,
fundadores dessa (ainda) jovem ciência, tais como ora explorando a especificidade de seu objeto, ora
Karl Marx, Auguste Comte, Herbert Spencer, Emile explorando os aspectos ideológicos e contextuais de
Durkheim, Max Weber e outros atualmente menos seus fundadores, pesquisadores e da própria socie-
conhecidos, ao contribuírem para a fundação da dis- dade. Isto fez com que a sociologia se desenvolvesse
ciplina, fizeram-no fundamentados em diferentes ma- cindida em duas grandes tradições epistemológi-
trizes epistemológicas, como a dialética materialista, cas: uma vinculada à epistemologia de orientação
o evolucionismo, o positivismo, a hermenêutica etc. analítica, a chamada received view, outra vincula-
Todos esses precursores, não obstante o fato de terem da a uma epistemologia de orientação histórica –
recebido inúmeras críticas, conquistaram adeptos no excetuando-se o historicismo positivista – que abar-
mundo todo e ainda são lidos, estudados e debatidos. cava variantes do historicismo dialético, da herme-
A sociologia, quando comparada à maior parte nêutica e da fenomenologia. Raramente houve, na
das ciências, mesmo tendo despontado com uma história da sociologia, um esforço de integração
Artigo recebido em 20/06/2011 entre essas tradições epistemológicas, pelos mais va-
Aprovado em 27/04/2012 riados motivos que não serão aqui discutidos.
RBCS Vol. 28 n° 82 junho/2013
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Uma via importante de esforços teóricos pós- co podia ser encontrada nos distintos “sistemas so-
-clássicos1 na busca de avanços para a sociologia ciais”, isto é, nas diferentes sociedades. Portanto, tais
como ciência, iniciados ainda na primeira metade do estruturas, se constituiriam em condições de possi-
século XX, foi livrá-la de suas origens “positivas”,2 bilidades para a manifestação de diferenças culturais
isto é, livrá-la do berço mecanicista, evolucionista e e que, de um modo ou de outro, estariam sobrede-
organicista, plasmado nas teorias de Comte, Spencer terminadas por uma mesma lógica estrutural.
e Durkheim, para citar somente os principais. Como já mencionamos em outro lugar (Ro-
A história da sociologia tem diversos exemplos drigues, 2006), o estruturalismo teve sua data de
de tentativas de superação da matriz positivista, so- falência em maio de 1968, com o movimento de
bretudo aquela vinculada ao organicismo e suas de- greves que irrompeu na França, mais especifica-
rivações, como a dimensão estrutural e funcional, mente em Paris. Se o estruturalismo falhou no seu
que pressupunha sempre a ideia de organismos bio- intento de construir homologias estruturais entre as
lógicos. Entretanto, tais esforços teóricos também diferentes sociedades, determinando a lei ou as leis
evitavam o historicismo e sua dimensão diacrônica que governam as diferentes manifestações sociais,
para compreensão e explicação dos fenômenos so- ele teve o importante mérito de mudar a agenda de
ciais, cujos motivos iam desde o não reconhecimen- esforços teóricos que se seguiram a partir da década
to do historicismo como método científico até um de 1970, propiciando a construção de alternativas
antimarxismo ideológico. Dentre os múltiplos es- epistemológicas e teóricas para a reflexão socioló-
forços, como a Escola de Chicago e o seu interacio- gica, vistas (quase todas) como pós-estruturalistas
nismo simbólico, além de outros esforços menos co- e que se baseavam nas noções de desconstrução,
nhecidos, encontrava-se um dos mais emblemáticos descentramento, diferença, discurso e no esforço de
de todos: o estruturalismo francês. Esse movimento, articulação das noções de ação e de estrutura, além
curiosamente, buscou construir o melhor dos mun- de outras de caráter sistêmico.
dos para a teoria social: encontrar um pressuposto Este preâmbulo – que não chega a ser uma
epistemológico que estivesse fora das ciências natu- introdução no sentido convencional – tem por
rais por um lado, mas que, por outro lado, manti- finalidade exemplificar que os sociólogos, em sua
vesse o rigor pretensamente proposto por elas, ou maioria, no afã de se livrar das analogias organi-
seja, a busca de leis invariáveis e a possibilidade de cistas – quando se pensam em alguns aspectos da
modelos explicativos da realidade social que fossem história teórica da sociologia, verifica-se que noções
capazes de amplas generalizações. Tal fundamenta- tais como estrutura, função e sistema, cuja impor-
ção epistemológica foi importada da linguística mo- tância capital à sociologia tem sido indiscutível,
derna, proposta por Ferdinand de Saussure, ainda sempre foram vistas como ligadas à fundamentação
na primeira década do século XX para se referir aos organísmica, fisiológica, biológica, evolucionista –,
problemas de parentesco; diz o autor: não apenas deixaram de dialogar com as ciências
naturais no decorrer do século XX como também
No estudo dos problemas de parentesco [...] se mostraram extremamente preconceituosos para
o sociólogo se vê numa situação formalmente com todos os esforços teóricos que fossem produzi-
semelhante a do linguista fonólogo: [...] regras dos nessa direção.
de casamento, atitudes identicamente prescri- Como resultado de tal postura, é possível ob-
tas entre certos tipos de parentes, etc., faz crer servar na história da ciência social, mais especifica-
que em ambos os casos, os fenômenos observá- mente na história da ciência sociológica, a desaten-
veis resultam do jogo de leis gerais, mas ocul- ção e, de certo modo, a desqualificação de teorias
tas” (Lévi-Strauss, 2003, pp. 48-49). que, por parecerem ter sido construídas a partir de
analogias com as ciências naturais, têm sido criti-
Lévi-Strauss estava convicto de que a mesma cadas e descartadas mesmo antes de ser mais bem
possibilidade de identificação de leis estruturais dos compreendidas. A noção de sistema social proposto
diferentes níveis que estruturam o sistema linguísti- por Vilfredo Pareto, nas primeiras décadas do sé-
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culo XX, é um desses casos. Este artigo tem por descrição do estado geral de uma sociedade huma-
finalidade central demonstrar que a refinada noção na”. Guy Rocher (1971, p. 131), quando se refere à
de homeostase (equilíbrios sistêmico), que surge em contribuição de Pareto à sociologia, inicia seu texto
1932 e passa a ser utilizada por teóricos consagra- afirmando que ele provavelmente foi “o primeiro a
dos e em conhecidas teorias sociológicas – aponta- exprimir de uma maneira inequívoca a necessidade
remos ao longo deste trabalho – já se encontrava de modelos formais em sociologia e o postulado do
nos trabalhos de Pareto desde 1916/1917. sistema social”. Donald N. Levine (1997, p. 214)
argumenta que “Pareto empenhou-se em distinguir
um nível coletivo da realidade humana não redutí-
O sistema social de Pareto tal como tem sido vel a fenômenos individuais [...] para tanto, concei-
conhecido tuou o sistema como uma realidade que consiste em
complexos de forças interdependentes”. O próprio
Vilfredo Pareto inicia sua carreira intelectual Parsons, por ocasião da publicação de The social sys-
nas ciências econômicas e posteriormente nas ciên­ tem (1968, p. vii), reconhece o pioneirismo de Pare-
cias sociais. Engenheiro de formação, graduou-se to ao aplicar o termo à sociologia.
na Politécnica de Turin, com uma tese sobre o equi- Se por um lado Pareto tem seu reconhecimen-
líbrio dos corpos sólidos,3 mas sua notoriedade, po- to garantido na história teórica da sociologia como
rém, deu-se no campo da economia, cujas pesquisas pioneiro na utilização do conceito de sistema para
foram publicadas, em 1895, no Giornale degli Eco- conceber a diferenciação entre o individual e o
nomisti. Em 1896-1897, em Lausanne, onde lecio- coletivo no âmbito das ciências sociais, por outro
nava, publicou o Cours d’économie politique. Parece lado, à sua proposta sistêmica não faltaram críti-
ter sido pela via dos estudos econômicos que, mais cas. Pareto publicou o Trattato di sociologia general
tarde, Pareto preocupou-se com temas relativos à simultaneamente em duas línguas, em 1916/1917.
sociologia. Surge, então, o Manuale di economia Essa obra, que apresenta o conceito de sistema para
política, em 1906, com uma ampla introdução à ci- descrever analiticamente a sociedade, foi descri-
ência social e, mais tarde, o Trattato di sociologia ge- ta em diversos textos sociológicos durante todo o
neral é publicado em 1916/1917, simultaneamente século XX, inclusive por autores contemporâneos,
em italiano e em francês.4 como aquele que apresentava a noção de sistema
A obra de Pareto é bastante extensa, com uma construída a partir de analogias mecanicistas.
série de exemplos e com inúmeras inconsistências, Autores vinculados a diferentes tradições so-
é verdade, a partir de um ponto de vista teórico e ciológicas têm classificado o modelo sistêmico de
metodológico. Rodrigues (1984) argumenta que a Pareto como um “modelo mecânico”. Ao se referir
prolificidade de Pareto está contida em 287 títulos, à sociologia de Pareto, Walter Buckley (1971, pp.
sendo 173 de livros, artigos e folhetos, além de 114 24-25), por exemplo, comenta que “os conceitos
artigos de caráter político, publicados em jornais. físicos de espaço, tempo, atração, inércia, força, po-
Segundo esse autor, as Obras completas de Pareto der [...] foram novamente tomados de empréstimo
chegam a 25 volumes. Entretanto, dentre os tantos com os seus novos atavios conotativos e aplicados
eixos temáticos que a obra de Pareto suscita, serão à sociedade”. Dourado de Gusmão (1972, p. 99),
de interesse para este artigo a noção de sistema e a em seu livro que trata da teoria sociológica, no ca-
sua tese de equilíbrio sistêmico social, proposta em pítulo dedicado a Pareto, intitulado “Mecanicismo
seu Trattato. sociológico”, afirma: “As ideias de Pareto podem
É importante salientar que Pareto tem sido re- ser classificadas na corrente do pensamento socio-
conhecido na teoria sociológica, por alguns autores lógico conhecida por mecanicismo sociológico [...]
do século XX, como o precursor da utilização do que, originária do século XIX, é, juntamente com o
termo sistema para descrever a sociedade. Theodore mecanicismo filosófico, influenciada pelo progresso
Abel (1972, p. 133) afirma que: “Pareto foi o pri- das ciências físico-químicas, alcançado no século
meiro teórico a utilizar o termo ‘sistema social’ como passado”. Numa menção clara à teoria do conhe-
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cimento proposta por Comte à fundação da socio- (1951), em meados da década de 1920, tendo um
logia como disciplina do conhecimento científico, distanciamento de menos de dez anos em relação à
G. Duncan Mitchell (1973, p. 178) argumenta que referida obra de Pareto, percebesse as suas analogias
“a sociologia de Pareto pertence mais à época de como mecanicistas.
Comte que à de Durkheim e Weber”.5 Entretanto, quando se analisa a sua noção de
Autores atuais, a partir de uma visão histórica sistema, à luz dos avanços que a ciência obteve sobre
da sociologia e de uma revisão da teoria sociológi- esse conceito, é possível constatar que Pareto estava
ca que abrange os mais importantes clássicos, ou apresentando uma perspectiva extremamente sutil e
tomam o sistema sociológico paretiano como pro- inovadora. Como os sociólogos do início do século
duto de analogias mecânicas oriundas das ciências XX, sobretudo após a Primeira Guerra Mundial,
físicas – como apontam Cuin e Gresle (1994) ao momento em que o durkheimismo entrava em
intitularem seu pequeno comentário sobre a socio- declínio, estavam afoitos para se livrar de qualquer
logia de Pareto como: “A física social de Pareto” –, analogia entre a sociologia e as ciências naturais, não
ou não chegam a discutir o sistema social de Pareto perceberam que a proposta sistêmica de Pareto
diretamente, partindo da noção de sistema propos- poderia conter uma renovada fundamentação epis-
ta por Parsons, dessa vez, destacando as analogias temológica do próprio conceito de sistema, o qual
cibernéticas, evolucionistas ou fisiologistas, como veio à luz, certamente com a contribuição de suas
em Giddens (2001, pp. 115-159). ideias, algumas décadas depois. A fisiologia norte-
Em verdade, a classificação da noção de siste- -americana, contrariamente, percebeu isto com
ma proposta por Pareto como um sistema mecâni- agudez e clareza. É o que se pretende demonstrar a
co, até onde se pode chegar, remonta a uma vasta seguir, discutindo o profundo interesse dos eminen-
obra (875 páginas) denominada Contemporary so- tes pesquisadores no campo da fisiologia pela teoria
ciological theories,6 publicada nos Estados Unidos, de Pareto.
em 1928, por Pitirim Sorokin.7 Este autor inicia De fato, a analogia proposta por Pareto não
a obra, já no capítulo I, com o seguinte título “La é tão simples assim, como fora vista e tratada por
escuela macanicista”, no qual diz: “nesta escola po- Sorokin (1951) e aceita e divulgada por boa parte
dem ser classificadas todas as teorias sociológicas dos teóricos que trabalham com a noção de sistema,
que interpretam os fenômenos sociais com a ter- conforme mencionamos, até os dias de hoje, con-
minologia e conceitos da física, da química e da solidando assim o que se poderia chamar de uma
mecânica” (1951, pp. 1-65). Pareto está classificado “história oficial”, no que diz respeito à origem da
dentro dessa “escola”. noção de sistema na teorização sociológica. A noção
Sem dúvida, Pareto defendeu o método das paretiana sobre sistema contém reflexões, implícitas
ciên­cias naturais (o indutivismo, o dedutivismo e o e explícitas, que não foram captadas pela sociologia
experimentalismo) para o conhecimento da socie- da época – pela fisiologia, sim, como veremos a se-
dade. Ele inicia o Trattato afirmando que “no do- guir – e que se tornaram um dos principais pontos
mínio da sociologia tentaremos empregar, movidos de desenvolvimento da noção de sistema em diver-
pela experiência, os meios que se mostraram tão sos ramos disciplinares do conhecimento.
úteis no domínio de outras ciências” (§ 6). Acres-
centa ainda que “todas as ciências encaminham,
umas mais outras menos, seus estudos para o tipo Sociologia e biologia
lógico-experimental [...] nossa intenção é estudar a
sociologia dessa maneira...” (§ 68) (Pareto, 1984). Como a meta central deste artigo é propor um
Certamente, seu Trattato de sociologia conside- novo enfoque sobre aspectos históricos da forma-
rou, para a descrição da sociedade como sistema, ção do pensamento sociológico, especificamente
condições físicas como clima, fauna, flora; referiu- com relação à noção de sistema utilizada durante
-se a moléculas, sistema solar, espaço etc. Como todo o século XX em diferentes abordagens teóri-
veremos, era absolutamente legítimo que Sorokin cas desenvolvidas não apenas pela sociologia e pelas
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ciências sociais, mas de forma interdisciplinar, será 1942), professor da Universidade de Harvard, não
apresentada a seguir uma breve digressão históri- era um sociólogo ou cientista social de formação
ca (didática) do que se passou na Universidade de e de profissão, mas sim um eminente fisiologista,
Harvard, envolvendo os conhecimentos socioló- professor da faculdade de Medicina daquela univer-
gicos e fisiológicos. Nesta digressão, a finalidade é sidade. Ele formou-se na Harvard College em 1898
uma reconstrução transdisciplinar e histórica, para e na Harvard Medical School em 1902 e trabalhou
situar aspectos da formulação do conceito de siste- naquela instituição, como pesquisador na área das
ma utilizados até os dias de hoje. Assim, serão re- ciências naturais, por 35 anos, tendo publicado im-
latadas ocorrências, acontecimentos, coincidências, portantes trabalhos no campo da fisiologia, os quais
intercâmbios teóricos entre a biologia (mais espe- tiveram repercussão internacional.9
cificamente a fisiologia) e a sociologia, nas três pri- As referências de agradecimento feitas por Par-
meiras décadas do século XX, nos Estados Unidos, sons ao seu colega de Harvard não são desproposi-
que a história da sociologia parece ter negligencia- tadas, posto que ambas as obras, A estrutura da ação
do. Isto pode fazer com que se percebam as ana- social, de 1937, e Sistema social, de 1951, direta ou
logias organísmicas – cuja sociologia sempre fora indiretamente tratam de aspectos teóricos da obra
acusada de realizar – por um viés muito diferente. de Pareto – na primeira, existe todo um capítulo
É de amplo conhecimento que Parsons, ao pu- dedicado a ele. Acontece que L. J. Henderson, ape-
blicar o Social system, em 1951, declara, no prefácio, sar de fisiologista, já era considerado um dos maio-
que o título da obra deve-se à “insistência do Pro- res especialistas da obra de Vilfredo Pareto, espe-
fessor L. J. Henderson pela importância extrema do cialmente de seu Trattato di sociologia general. Para
conceito de sistema na teoria científica e pelo seu se ter uma ideia mais clara do quanto Henderson
claro entendimento de que a tentativa de delinear o relacionava-se com a sociologia e, em especial, com
sistema social como um sistema constitui a contri- a sociologia de Pareto, é particularmente interes-
buição mais importante da grande obra de Pareto” sante a menção que Merton faz a ele ao discutir
(Parsons, 1966, p. 17; 1968, p. vii).8 Sem dúvida, questões epistemológicas e metodológicas da socio-
o título Social system constituiu-se em uma home- logia; diz Merton (1970, p. 59): “É essa tendência
nagem póstuma a Henderson, pois ele falecera em [refere-se ao empirismo e ao racionalismo] que le-
1942, portanto, alguns anos antes de Parsons lan- vou o bioquímico L. J. Henderson, sociólogo nas
çar essa obra. Em outra obra de Parsons, anterior ao horas vagas, a observar”. Merton apresenta uma –
Social system, por certo aquela que o tornou conhe- hoje curiosa – citação de um texto de Henderson,
cido, A estrutura da ação social, publicada em 1937, que reproduzimos a seguir, incluindo a mesma nota
também aparece no prefácio um agradecimento ao de rodapé, feita por Merton, apresentando a refe-
professor L. J. Henderson, em que Parsons declara rência bibliográfica de L. J. Henderson, qual seja:
ter “submetido o manuscrito a um exame crítico
[...] levando a uma importante revisão de muitos A diferença entre a maioria dos modos de
pontos, em especial relativos à metodologia cien- construir sistemas nas ciências sociais e os sis-
tífica em geral e à interpretação da obra de Pareto” temas de pensamento e classificação nas ciên-
(Parsons, [1968], p. 29). Se Parsons submeteu sua cias naturais é bem visível em suas respectivas
primeira grande obra, que foi publicada em 1937, à evoluções. Nas ciências naturais, tanto as teo-
apreciação de Henderson, certamente isto ocorreu rias como os sistemas descritivos crescem pela
alguns anos antes, dada a sua extensão (aproxima- adaptação ao conhecimento e à experiência
damente 600 páginas). crescente dos cientistas. Nas ciências sociais, os
A partir dessas declarações de Parsons em duas sistemas são muitas vezes completamente formu-
de suas obras de maior relevância, há de se supor lados pela inteligência de um só homem. Caso os
que ele está agradecendo a um colega de Harvard, sistemas atraiam a atenção, podem ser, então,
também sociólogo. Entretanto, isto não é de todo muito discutidos, mas é rara a modificação
verdadeiro. Lawrence Joseph Henderson (1878- progressiva e adaptável como consequência dos
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esforços conjugados de grande número de es- inclusive, a sociologia – esta última, por vezes, com
tudiosos (Henderson, 1941, pp.19-20). 10 uma inexplicável resistência – têm apresentado, não
raramente, suas produções teóricas da discussão de
De fato L. J. Henderson tornou-se um pro- matrizes epistemológicas complexas. Entretanto,
fundo conhecedor de Pareto na época da Grande nas três primeiras décadas do século passado, tal
Depressão. Publicou, em 1935, uma obra sobre a noção, como possibilidade de pesquisa teórica e
sociologia de Pareto intitulada Pareto’s general socio- empírica, era absolutamente vanguardista.
logy: a physiologist’s interpretation. No terceiro capí- Ao ampliar um pouco a digressão pelos mes-
tulo dessa obra, intitulado “The physico-chemical mos meandros desta “pequena” história da ciência,
system”, L. J. Henderson (1935, pp. 10-16) explica é importante que se apresente outro personagem,
o comportamento de sistemas complexos,11 primei- também de Harvard, pesquisador e professor, mé-
ramente recorrendo às descrições de Josiah Willard dico e fisiologista, chamado Walter Bradford Can-
Gibbs (1839-1903) – físico, químico e matemático non (1871-1945), considerado um dos maiores
estadunidense – e, posteriormente, afirmando que: fisiólogos norte-americanos. Cannon concluiu a
escola de Medicina também em Harvard, em 1900,
Todos os fatores que caracterizam tal sistema e trabalhou lá de 1906 a 1942 (Infoplease, 2012) –
são vistos como apresentando uma mútua de- lembre-se de que Henderson formara-se em 1902 e
pendência [...] as complicações que resultam trabalhara até quase o final de sua vida, em 1942.
do estado de interdependência das variáveis Portanto, L. J. Henderson e W. B. Cannon eram
coloca um problema lógico de grande impor- colegas de formação e de profissão, inclusive chega-
tância [...] Isto tem surgido, recorrentemente, ram a publicar juntos e a citar um ao outro em suas
em muitas ciências que têm atingido um certo produções acadêmicas.
estágio de desenvolvimento. Entre os inúmeros trabalhos e artigos escritos
por W. B. Cannon,12 encontra-se o livro The wis-
No quarto capítulo de Pareto’s general sociology dom of the body, publicado em 1932, internacional-
(1935), intitulado “The social system”, Henderson mente conhecido – no Brasil, publicado sob o títu-
passa a descrever o sistema social proposto por Pa- lo A sabedoria do corpo, em 1946.13 Essa publicação
reto, argumentando que um dos principais traços teve o mérito de difundir um dos mais importantes
da sociologia geral de Pareto é apresentar um es- conceitos desenvolvidos na fisiologia, por Cannon,
quema sistêmico para descrever a sociedade simi- qual seja: homeostase. Logo no início do livro, ainda
lar aos esquemas apresentados por Willard Gibbs. na introdução, Cannon (1946, pp. 12-13, grifos do
Este e os demais capítulos tratam o tempo todo de autor) apresenta esse neologismo e o explica:
demonstrar a forma complexa como o sistema so-
cial de Pareto foi concebido. Henderson (1935, pp. A constância das condições observadas no or-
17-18) destaca que o sistema social proposto por ganismo pode ser designada como equilíbrio.
Pareto iguala-se, teoricamente, a distintos tipos de Este termo, no entanto, tem sua relativa exati-
sistemas que estão começando a ser concebidos em dão quando aplicado a estados físico-químicos
diferentes ciências (termodinâmica, fisiologia, eco- mais ou menos simples, nos sistemas correlatos
nomia) como sistemas que não podem ser explica- em que forças conhecidas são balanceadas. Os
dos em termos de causa e efeito, mas que precisam processos fisiológicos coordenados pela manu-
de descrições baseadas necessariamente em uma tenção da maior parte das condições estáveis
noção de dinâmica. no organismo são tão complexos e tão peculia-
É importante ter em mente que, hoje, na se- res aos seres vivos [...] que sugeri uma designa-
gunda década do século XXI, tornou-se (quase) ção especial para esses estados, homeostase.
lugar-comum no meio acadêmico abordar a ques-
tão da complexidade. Ciências tais como a física, O termo ficou de fato tão conhecido que dei-
a química, a biologia, a economia, a psicologia e, xou de pertencer exclusivamente às publicações es-
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pecializadas na área. O Dicionário Aurélio (1988, p. primeiras décadas do século XX. A passagem escrita
344), por exemplo, assim o define: “Tendência à es- por L. J. Henderson (1935, p. 46) sobre o sistema
tabilidade do meio interno do organismo”. O termo de Pareto, a seguir, é bastante esclarecedora:
passou a ser amplamente conhecido nas ciências na-
turais, inclusive na cibernética, justamente pelo fato O tratamento sobre equilíbrio sobre o qual nos
de ter sido proposto e estar associado à noção de referimos [...] é evidentemente muito signifi-
autorregulação. De fato, a ideia de homeostase ou ho- cante. Pareto observa que o estado do sistema
meostasia significa a tendência que organismos vivos social é determinado por essas condições. As-
têm em manter ou retornar ao estado de equilíbrio sim, se uma pequena modificação do estado do
sempre que este for alterado por condições adver- sistema [de Pareto] é imposta sobre ele, uma
sas (perturbações), externas ou mesmo internas ao reação se fará presente e ele tenderá a restaurar
seu funcionamento. Numa série de processos tanto o estado original, levemente modificado pela
em nível fisiológico como bioquímico, a homeosta- experiência.
se está presente. Este termo veio a contribuir, direta
ou indiretamente, com uma lacuna conceitual para Essa passagem é particularmente significativa e
a descrição de diferentes tipos de sistema, possibili- deveria sê-lo para a história da teoria sociológica, por-
tando o surgimento de outros termos corolários, tais que dois dos maiores fisiologistas da época, um deles
como: realimentação, auto-organização (descritos profundo conhecedor de Pareto, revelam que a no-
logo no início do surgimento da cibernética), equi- ção de sistema social proposta por Pareto não ape-
líbrio estável e instável, na teoria do caos (Lorenz, nas está de acordo com as pesquisas que se iniciaram
1996), sistemas afastados do equilíbrio, para des- pelo eminente físico, químico e matemático Josiah
crever sistemas físicos e químicos (Prigogine, 1966) Williard Gibbs mas também antecipa noções teóri-
etc. Assim, os trabalhos de W. B. Cannon tiveram cas (equilíbrio, manutenção e restauração do equilí-
papel importante ao influenciar no avanço da refle- brio) que estavam sendo buscadas para a compreensão
xão sobre sistemas complexos em diferentes discipli- de processos orgânicos. Também é importante salien-
nas do conhecimento científico. tar que L. J. Henderson, na mesma obra (1935, pp.
Certamente as pesquisas realizadas por L. J. 16-17, nota 4), esforça-se por atestar a genuinidade
Henderson eram do conhecimento de W. B. Can- do pensamento de Pareto dizendo: “Devo advertir
non. Não apenas por serem colegas de disciplina ao leitor que não existe a menor razão para acredi-
e estarem convivendo na mesma instituição por tar que Pareto tenha conduzido sua teoria através
mais de duas décadas mas também porque tanto da consideração de propriedades dos sistemas físico-
um como o outro estavam mergulhados num caldo -químicos. Também o seu trabalho não é de forma
teórico muito semelhante, ou seja, a noção de sis- alguma a aplicação da ciência natural à ciência so-
tema aplicada a processos fisiológicos de um modo cial”. Esta citação fala por si só e o mais impressio-
geral, bem como a necessidade de enfocar os siste- nante – para não dizer irônico – é que quem atesta a
mas de modo não linear. Mesmo tendo sido publi- genuinidade do pensamento de Pareto com relação
cada a interpretação fisiológica sobre a teoria geral à sua perspectiva sistêmica é um dos mais eminentes
de Pareto (Pareto’s general sociology: a physiologist’s fisiólogos norte-americanos, ao passo que os soció-
interpretation), de L. J. Henderson, três anos depois logos, até os dias de hoje, continuam percebendo a
(1935) que W. B. Cannon publicou seu The wis- noção de sistema proposta por Pareto como analo-
dom of the body (1932), fica claro que Henderson, gias mecanicistas e evolucionistas; ou oriundas da
já há algum tempo, identificara na obra de Pareto a fisiologia, do conceito de homeostase, proposto por
concepção de complexidade sistêmica para compreen- Walter Cannon. A passagem de textos atuais, como
der o social. Tal abordagem proposta por Pareto era do eminente sociólogo inglês Anthony Giddens, ao
muito semelhante à que propusera o matemático retomar a discussão sobre o funcionalismo, é espe-
Gibbs, na última década do século anterior, e que cialmente ilustrativa. Diz ele:
vinha sendo trabalhada pelos fisiólogos nas duas
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Primeiro, o desejo de demonstrar que existe nicista. Isto é verdade, está lá, escrito na obra desse
unidade lógica entre as ciências sociais e as na- autor. Entretanto, por uma questão de justiça, não
turais, ao menos na medida em que a última se pode responsabilizar esse eminente sociólogo rus-
lida com sistemas complexos [...] Talvez seja so, que migrou para os Estados Unidos em 1923 e
válido observar que a iniciativa não partiu ape- fundou o Departamento de Sociologia de Harvard,
nas do ‘lado sociológico do muro’. Os escritos de por ter estigmatizado o sistema proposto por Pare-
Cannon, por exemplo, apre­sentam tentativas to como mecanicista. Parte dessa responsabilidade
de estender suas teorias até o ponto de expli­car cabe à própria sociologia, como disciplina, e a sua
as instituições sociais, empregando analogias or- “desde-sempre-mal-resovida” relação com as chama-
gânicas que notadamente remetem ao "organi- das ciências naturais. Essa ressalva é feita a Sorokin
cismo" presente na teoria so­cial do século XIX. pelo fato de que, em seu texto, ao se referir ao mé-
Segundo, é óbvia a crença de que é proveitoso, todo empregado por Pareto (1951, p. 40), ele alerta:
na verdade necessário, tratar formas de organi-
zação social como unidades integradas de partes Não quero dizer com isto, de modo algum,
que possuem uma relação de in­terdependência. que a sociologia de Pareto seja similar à pri-
Claro, a “interdependência” é concebida de di­ mitiva "mecânica social" antes criticada. Pare-
versas maneiras, porém normalmente se con- to foi um pensador demasiado original e sério
centra em uma no­ção de efeito recíproco: uma para ficar satisfeito com as um tanto infantis
modificação que afeta uma parte tenderá a ter "analogias mecânicas", já descritas [...] Em to-
repercussões em outras partes, para finalmente dos os demais aspectos a sociologia de Pareto
voltar a influenciar a própria fonte geradora da tem muito pouco em comum com as "analo-
modificação. Enquanto essa situação mantém o gias mecanicistas" [...] o "Trattato" de Pareto
equilíbrio, os princípios homeostáticos observados é um produto de uma mente original sobressa-
na fisiologia também se aplicam a sistemas sociais lente científica.
(Giddens, 2001, pp. 126-27, grifos nossos).
A criticada analogia – crítica esta realizada, so-
É curioso perceber que Giddens considera toda bretudo, por sociólogos que se sucederam após a
a construção de noções tais como sistema, unidade Segunda Guerra Mundial – que fizera Pareto entre
sistêmica, relação de dependência, complexidade sis- o sistema social e o sistema solar trata-se, em verda-
têmica, equilíbrio sistêmico como tendo sido desen- de, de comparar o comportamento dos dois sistemas
volvida pela biologia – fisiologia, em última instância no que se refere a sua dinamicidade e sua manuten-
– como disciplina do conhecimento científico. Em ção de equilíbrio num determinado tempo e espa-
outras palavras, Giddens adere àquilo que se tende a ço. Pareto, antes de estar propondo uma analogia
chamar de “história oficial” sobre o pensamento sis- mecanicista entre o sistema solar e o sistema social,
têmico na ciência como um todo. Como se tem bus- o que seria mesmo infantil, como bem mencionou
cado demonstrar – se pretende terminar de fazê-lo no Sorokin, está de fato preocupado em demonstrar
próximo item –, são L. J. Henderson e W. B. Cannon que sistemas (quando complexos) mantêm-se cons-
que se inspiram nos escritos de Pareto, inclusive para tantes, permanecem como tal no tempo, apesar
a formulação do conceito de homeostase. de estar em permanente movimento e apresentar
constantes modificações, características estas que
lhes dão o poder de conservação e adaptação. Nos
O sistema social de Pareto: o que não foi termos de Pareto:
visto pelos sociólogos
Tal sistema muda de forma e de caracteres com
Anteriormente, mencionou-se que Pitirim A. o tempo, e, quando propomos o sistema social,
Sorokin (pp. 38-65) teria sido o responsável pela entendemos este sistema considerado tanto
categorização do “Tratado” de Pareto como meca- em momento determinado quanto nas trans-
DA FISIOLOGIA À SOCIOLOGIA? 173

formações sucessivas que experimenta em um Pareto’s general sociology


determinado espaço de tempo. Igualmente,
quando se propõe o sistema solar, entende-se
tal sistema considerado tanto em momento
determinado quanto nos sucessivos momentos
que compõem um espaço de tempo pequeno
ou grande (§ 2.066).

Portanto, Pareto não está transpondo a ideia


de funcionamento do sistema solar para o enten-
dimento do funcionamento do sistema social – o
que certamente se constituiria numa analogia14 –,
mas sim as noções de dinâmica, de equilíbrio e ma-
nutenção comuns a dois sistemas entendidos como O esquema proposto por L. J. Henderson (1935, p.
complexos. Nestes mesmos termos, Levine (1997, 14), busca demonstrar
p. 214) argumenta que Pareto “empenhou-se em
distinguir um nível coletivo de realidade humana [...] que quatro corpos rígidos A, B, C e D
não redutível a fenômenos individuais [...] para estão presos a uma estrutura a, b, c, e d por
tanto aceitou o sistema como uma realidade que meio de cordas elásticas 1, 2, 3, 4 e 5. A, D,
consiste em complexos de forças interdependen- C e D estão unidos uns aos outros por cordas
tes...”. Além disso, Levine também reconhece que elásticas 6, 7, 8, 9 e 10 [...] agora imagine se
Pareto introduz a ideia de uma “unidade”, de uma o ponto 5 que está ligado à estrutura mover-
“unidade social”. -se em direção a “b” [...] o que acontece? [...]
A ideia de unidade sistêmica, aproximadamente Se tentarmos pensar [no movimento] de todos
duas décadas mais tarde da publicação do Tratat- eles em termos de causa e efeito, atingiríamos,
to, foi fundamental para que a fisiologia entendesse inevitavelmente um estado de confusão.
os sistemas biológicos como unidades autorreguláveis
e, mais, entendessem tais sistemas como sistemas Ao se analisar diferentes passagens do livro A
complexos no sentido de que seus elementos são sabedoria do corpo, de Walter Cannon, o qual tor-
correlacionais, ou seja, a alteração de qualquer um nou amplamente conhecido o conceito de home-
dos elementos que compõe o sistema implica, si- ostase, poder-se-á perceber que essa publicação, ao
multaneamente, a alteração (randômica) de vários longo de seus capítulos, apresentou diversos proces-
outros elementos. Este é um dos pontos-chave da sos metabólicos como sistemas que tendiam conti-
atual concepção epistemológica de complexidade. nuamente a um estado de estabilidade, de equilí-
A figura a seguir foi copiada, na íntegra, do brio. Nas palavras de Cannon (1947, pp. 13-25,
livro Pareto’s general sociology, publicado pelo fisió­ grifos do autor):
logo L. J. Henderson, em 1935 – portanto, 78
anos atrás –, momento em que ele está explicando Dissemos em linhas atrás, que a matéria ins-
a noção de sistema complexo proposto por Gibbs tável de que somos constituídos aprendera, de
para demonstrar, nas páginas que dedica ao siste- qualquer maneira, a manter sua estabilidade
ma social de Pareto, que o sistema por ele proposto [...] A constância das condições observadas no
apresentava uma idêntica noção de complexidade. organismo pode ser designada como equilíbrio
Deve-se acrescentar aqui que L. J. Henderson, em [...] Em geral as alterações do equilíbrio não
nenhum momento de suas discussões sobre o siste- atingem os extremos perigosos que impedem
ma social de Pareto, mencionou qualquer relação as funções da célula ou ameaçam a existência
a analogias mecânicas; acredita-se que nem sequer do organismo. Antes que estes limites extremos
tenha pensado em coisa semelhante.
174  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 28 N° 82

sejam alcançados, são chamados automatica- ficialmente algumas modificações na sua forma
mente à ação de agentes que trabalham para (movimentos virtuais), logo haverá uma reação
restabelecer o equilíbrio alterado [...] Os pro- no sentido de reconduzir a forma mutável ao
cessos fisiológicos coordenados responsáveis seu estado primitivo, levada em conta a sua
pela manutenção da maior parte das condições mutação real. Se assim não fosse, essa forma e
estáveis no organismo são tão complexos e tão suas mutações reais não seriam determinadas,
peculiares ao seres vivos que sugeri uma desig- mas permaneceriam ao sabor do acaso.
nação especial para esses estados, homeostase.
O conteúdo do parágrafo 2.067 é muito signi-
Essa noção certamente contribuiu para que, ficativo, uma vez que explicitamente revela a anteci-
uma década mais tarde, fosse possível o desenvol- pação de uma percepção de complexidade sistêmica e
vimento da ideia de laços de alimentação (retroali- uma série de outros conceitos corolários que virão
mentação), com os dois artigos que inauguraram a à tona anos mais tarde. Ao examinar mais detida-
cibernética,15 possibilitando o posterior conceito mente o conceito de sistema proposto por Pareto,
de feedback system. O conceito de homeostase não é possível verificar que as noções de equilíbrio, re-
apenas precipitou a noção de “unidade sistêmica gulação e mesmo de sistemas como unidades dis-
discreta” como também foi importante para a no- cretas que se autorregulam, surgidas no decurso das
ção de auto-organização sistêmica. A esse respeito, décadas de 1930 a 1960, já estavam contidas na
Capra (1997, p. 61), ao se referir ao nascimento da concepção paretiana de 1916-1917. Se comparar-
cibernética e dos sistemas complexos, diz: “Quando mos, por exemplo, a ideia de sistema com unidade
Walter Cannon introduziu o conceito de homeos- discreta; de equilíbrio do sistema com homeostase; e
tase uma década antes [...] fez descrições detalhadas de recondução à forma mutante com realimenta-
de muitos processos metabólicos autorregulados, ção, auto-(re)organização, incluindo a noção de sis-
mas nunca identificou explicitamente os laços causais tema/entorno, verificaremos, a fortiori, que se trata
fechados que esses processos incorporavam” [grifos do mesmo sentido. Veja-se novamente o trecho de
nossos]. Tanto Capra (1997) como Ashby (1970) modo mais detalhado:
reconhecem a existência, pelo menos implícita, da
ideia de unidade sistêmica “fechada” sobre si mes- O estado real, estático ou dinâmico, do sistema
ma (laços causais) do ponto de vista informacional, é determinado pelas suas condições [internas].
na noção de homeostase apresentada por Walter Suponhamos que provoquemos artificialmen-
Cannon. te algumas modificações [perturbações] na sua
Assim, verifica-se que o fundamento epistemo- forma (movimentos virtuais), logo uma rea-
lógico da ideia de equilíbrio-desequilíbrio/retorno- ção se produziria no sentido de reconduzir-se
-ao-equilíbrio (portanto, o conceito de homeostase [autorregular-se] à forma mutante ao seu esta-
cunhado por W. Cannon) já estava presente nos do primitivo [estável ou equilibrado] (Pareto,
textos de Pareto, inclusive, de modo quase idêntico 1932, § 2.067).
ao proposto por W. Canon. Veja-se a passagem a
seguir de Pareto (1932, § 2.067 [grifos do autor]), A noção de feedback control contém em si a
que descreve o seu sistema social: ideia de estabilidade, de equilíbrio; de circulari-
dade operacional e de manutenção sistêmica. Essa
O estado de equilíbrio, em primeiro lugar, se ideia de estabilidade de um sistema conduz à fun-
desejamos raciocinar um pouco rigorosamen- damental noção de padrão; padrão de comporta-
te, devemos fixar o estado em que desejamos mento ou de um tipo de organização de um de-
considerar o sistema social, cuja forma é a terminado sistema. O fato de um padrão qualquer
qualquer hora mutável. O estado real, estático ser mantido numa unidade sistêmica nos leva,
ou dinâmico, do sistema é determinado pelas consequentemente, à ideia de (auto)manutenção.
suas condições. Suponhamos que se deem arti- Não é por acaso que tanto a noção de feedback
DA FISIOLOGIA À SOCIOLOGIA? 175

como a de auto-organização vieram à tona no líbrio quinze anos antes, sobretudo se considerar-
mesmo momento, no mesmo ano e oriundas do mos os seguintes pontos:
mesmo caldo intelectual.
As revolucionárias concepções sistêmicas sobre • As noções de complexidade e de sistemas com-
autorregulação, autorreferência e, posteriormente, plexos, que foram cunhadas ao mesmo tempo
autopoiésis – com a marcada distinção entre siste- pela ciência, tiveram origem entre a última
ma e entorno – encontravam-se, de forma pioneira, década do século XIX e os primeiros anos do
na teoria sociológica sistêmica de Pareto e, em algu- século XX. Entre diversos pesquisadores de di-
ma medida, na sua teoria econômica. Além de Pa- ferentes disciplinas, Josiah Williard Gibbs foi
reto ter sido o primeiro teórico da sociologia a uti- um dos que primeiramente descreveu um siste-
lizar a noção de sistema, o sistema por ele descrito ma físico-químico como complexo, próximo ao
diferenciava-se claramente de uma abordagem me- final da última década do século XIX.
cânica, pois apresentava uma dimensão processual­e • Lawrence Joseph Henderson (1878-1942) não
uma tendência à manutenção de sua sistematicidade, era cientista social de formação nem de pro-
por meio da diferenciação de fronteiras como o fissão, mas sim um fisiólogo pesquisador de
meio ambiente. Harvard. Ele foi colega (durante sua forma-
ção e de profissão) de Walter Bradford Can-
non (1871-1945), um dos maiores fisiólogos
Considerações finais estadunidenses e que cunhou o conceito de
homeostase (equilíbrio, equilibração, retorno ao
A sociologia sistêmica de Pareto não realizou equilíbrio), fenômeno que acontece somente
uma analogia mecânica oriunda de outras discipli- em sistemas complexos.
nas do conhecimento científico para a construção • Lawrence Joseph Henderson tornou-se, mesmo
de sua noção de sistema social, cujas características, antes da década de 1930, um profundo conhe-
como se buscou demonstrar, apresentavam-se, de cedor das ideias de Pareto (sobretudo da noção
maneira implícita e explícita, muito sofisticadas. de sistema social desenvolvida por ele), que
Entretanto, a maioria dos manuais de sociologia foram compartilhadas com Talcott Parsons –
consagrou a ideia, no bojo da teoria sociológica, de certamente também foram compartilhadas
que Pareto desenvolveu um sistema social inspira- primeiramente com seu colega W. B. Cannon,
do na mecânica física. Esta tem sido a visão oficial, dada a especificidade de suas pesquisas.
quando, na realidade, a noção de equilíbrio sistê- • L. J. Henderson identificou no sistema propos-
mico, desenvolvida por Pareto para explicar a socie- to por Pareto a mesma fundamentação episte-
dade, não encontrava paralelo em qualquer outra mológica que os sistemas complexos, descritos
teoria sistêmica disponível no conhecimento cientí- por Gibbs, apresentaram. A complexidade sis-
fico no início do século XX. têmica, descrita em sistemas físico-químicos,
As ideias de Pareto apareceram nos Estados estava sendo estudada em sistemas vivos por
Unidos aproximadamente na década de 1920, W. B. Cannon.
tornando-se logo conhecidas por alguns estudio- • Pareto publicou suas ideias sistêmicas em
sos, com especial destaque pelo eminente bioquí- 1916/1917, tanto em italiano como em fran-
mico e fisiólogo L. J. Henderson, da Universidade cês; L. J. Henderson entrou em contato com
de Harvard. O conceito de homeostase, como vi- a noção de sistema desenvolvida por Pareto,
mos, foi desenvolvido somente em 1932, por Wal- ainda na década de 1920; Walter B. Cannon
ter Cannon. A noção de equilíbrio sistêmico, em publicou o conceito de homeostase em 1932.
Pareto, idêntica à noção de homeostase formulada
por Cannon, não poderia ser fruto de uma relação A ideia de que Pareto tenha realizado analogias
analógica com a fisiologia e, portanto, organísmica, mecanicistas, acredita-se, é um equívoco na história
uma vez que Pareto formulou a sua noção de equi- da teoria sociológica, uma vez que a sua noção de
176  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 28 N° 82

sistema extrapola qualquer fundamentação episte- Brasil, ela é confundida com outra obra de Sorokin,
mológica mecanicista e traz implicitamente a noção também volumosa (608 páginas), intitulada Sociologi-
de realimentação e auto-organização, noções estas cal theories of today, publicada nos Estados Unidos em
desenvolvidas nos anos de 1950 e 1960, respec- 1967 e traduzida no Brasil sob o título Novas teorias
sociológicas, pela editora Globo e USP, em 1969.
tivamente. Embora Pareto tenha tido uma visão
sociológica interdisciplinar na produção do conhe- 8 Utilizaram-se a edição de língua espanhola de 1966 e
a de língua inglesa de 1968. Todas as traduções foram
cimento sociológico, a utilização do conceito de
feitas livremente para este trabalho.
sistema foi profundamente original e vanguardista.
9 Achou-se pertinente, não apenas a título de curiosida-
de mas para dar uma ideia mais específica do tipo de
pesquisa e o quanto L. J. Henderson estava envolvido
Notas na área da fisiologia, apresentar a bibliografia de al-
guns (poucos) de seus trabalhos (livros e artigos) pu-
1 Ao nos referimos ao termo “pós-clássicos”, queremos blicados em língua inglesa, quais sejam: a) The order
fazer alusão à sociologia do entre-guerras, com o de- of nature (1917, 1925, 1971, 1977), 1st ed. Harvard
clínio do durkheimianismo e com a sociologia que se University Press, Cambridge, London; b) Blood. A stu-
seguiu de 1945 a 1968, momento este chamado por dy in general physiology (1928). Yale University Press,
Cuin e Gresle (1994, pp. 205-246) de “tempos das New Haven and Humphrey Milford, Oxford Univer-
ambições”. sity Press, London; c) The heats of combustion of atoms
2 Não se pode esquecer que o positivismo proposto por and molecules. J. Phys. Chem. 9 (1905): 40-56; d)
Auguste Comte, claramente explicitado em seu Curso Concerning the relationship between the strength of acids
de filosofia positiva (1983), sobretudo na Primeira Li- and their capacity to preserve neutrality. Am. J. Phy-
ção, em que expõe a finalidade do curso, era transpor siol. XXI (1908): 173-179; e) The theory of neutrality
os preceitos indutivistas-dedutivistas, utilizados tanto regulation in the animal organism. American Journal
na física como na biologia, para a nova ciência, que ele of Physiology XXI (1908): 427-48; f ) A critical study
acabara de propor, a sociologia. on the process of acid excretion. Journal of Biological
3 O nome completo original era Principi fondamen- Chemistry IX (1911): 403-424; g) The functions of an
tale della teoria dell’elasticità dei corpi e ricerche environment. Science 39 (1914): 524-27. Disponível
sull’integrazione delle equazioni differenziale che ne de- em <http://mitglied.multimania.de/Windeln/>.
finiscono l’equilibrio. 10 Os grifos são nossos; aliás, o livro todo poderá ser
4 Utilizou-se a edição francesa de 1932. Advertimos lido com muito proveito pela maioria dos sociólogos
que as citações, neste caso, dar-se-ão por meio da nu- (Merton, 1970, p. 59, nota 10).
meração dos parágrafos, como tem sido feito em toda 11 É importante frisar que, nas três primeiras décadas do
a obra original. século XX, muito pouco se conhecia sobre sistemas
5 Mesmo sem que se discuta a noção de sistema desen- complexos, como as noções de retroalimentação, au-
volvida e utilizada pela filosofia moderna, e atendo-se to-organização, dinâmica dos sistemas não lineares ou
somente aos avanços que o termo obtém a partir do a chamada física dos sistemas desordenados. A ciber-
desenvolvimento da cibernética, como na década de nética, por exemplo, surge, de fato, a partir de 1943
1950 (com a noção de auto-organização) e na déca- (Rodrigues, 2006, p. 53).
da de 1970, com os trabalhos de Maturana e Vare- 12 A título de ilustração, Walter B. Cannon publicou,
la (1997; 1995), que trouxeram à luz o conceito de em 1937, em parceria com o então professor assis-
autopoiese, além de toda a vasta reflexão sistêmica tente Arturo Rosenblueth, um livro intitulado: Auto-
proposta por Niklas Luhmann (1998), principalmen- nomic neuro-effector systems. É curioso que, seis anos
te após 1980, falar em “modelo mecânico” para se mais tarde, Arturo Rosenblueth escreverá, em parceria
referir a sistema como fundamentação teórica parece com Norbert Wiener e Julian Bigelow, um artigo de-
encerrar uma contradição epistemológica. Sobre essa nominado “Beahivior, purpose and teleology” (1946),
discussão, ver Rodrigues (2006). considerado por Latil (1959, pp. 7-8) um dos artigos
6 Neste trabalho, utilizamos a edição em espanhol, publi- que inaugura o nascimento da cibernética como ciên-
cada pela editora Depalma, em 1951, em Buenos Aires. cia. Sobre este tema, ver Dupuy (1996) e Rodrigues
(2006).
7 Não raramente, quando se faz referência a essa obra no
DA FISIOLOGIA À SOCIOLOGIA? 177

13 Utilizou-se neste trabalho essa edição de 1946. . (1941), The study of man. Filadélfia,
14 Para uma discussão sobre a legitimidade do uso de University of Pensylvania Press.
analogias nas ciências sociais, ver Rodrigues (2007). INFOPLEASE. (2012), “Walter Bradford Can-
15 O primeiro desses artigos foi publicado em 1943, em non”. The Columbia Electronic Encyclopedia. 6
Philosophy of science, por Rosenblueth, Wiener e Bige- ed. Columbia University Press. Disponível em
low, sob o título: “Behaviour, purpose and teleology”; <http://www.infoplease.com/encyclopedia/pe-
o outro intitulava-se “A logical calculus of the ideas ople/cannon-walter-bradford.html>.
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256  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 28 N° 82

DA FISIOLOGIA À SOCIOLOGIA? FROM PHYSIOLOGY TO De la physiologie À la


ELEMENTOS PARA UMA REVISÃO SOCIOLOGY? ELEMENTS FOR A sociologie? ÉlÉments pour
DA HISTÓRIA TEÓRICA DA REVISION OF THE THEORETICAL une rÉvision de l’histoire
SOCIOLOGIA SISTÊMICA HISTORY OF SYSTEMIC thÉorique de la sociologie
SOCIOLOGY systÉmique
Léo Peixoto Rodrigues
Léo Peixoto Rodrigues Léo Peixoto Rodrigues
Palavras-chave: Vilfredo Pareto; História
sociológica; Teoria sistêmica; Teoria so- Keywords: Sociological history; Systems Mots-clés: Vilfredo Pareto; Histoire so-
cial; Epistemologia sistêmica. theory; Social theory; Systemic episte- ciologique; Théorie systémique; Théorie
mology. sociale; Épistémologie systémique.
O objetivo central deste artigo é o de
rever algumas questões referentes à The main objective of this article is to L’objectif central de cet article est de
história da ciência (em particular da revise some questions involving the his- revoir quelques questions à propos de
sociologia e da fisiologia), no que se re- tory of science (particularly physiology l’histoire de la science (en particulier de
fere ao conceito de sistema desenvolvi- and sociology) in reference to the con- la sociologie et de la physiologie) en ce
do nas primeiras décadas do século XX cept of system, developed during the first qui concerne le concept de système déve-
tanto por Vilfredo Pareto (1916/1917) decades of the XXth century by Vilfredo loppé, pendant les premières décennies
na sociologia, como pelos fisiólogos Pareto in sociology (1916/1917) and, in du XXème siècle, par Vilfredo Pareto
Lawrence Joseph Henderson e Walter physiology, by Lawrence J. Henderson (1916/1917) dans le domaine de la so-
Bradford Cannon, ambos da Universi- and Walter B. Cannon, both of them ciologie et par les physiologistes Law-
dade de Harvard. Defendemos que a so- from Harvard University. The article rence Joseph Henderson et Walter Brad-
ciologia sistêmica de Pareto não realizou argues that Pareto’s sociological system ford Cannon, de l’Université de Harvard.
analogias oriundas de outras ciências, did not avail itself of original analo- D’après nous, la sociologie systémique
como tem sido apontado; também que gies of other sciences. It also shows that de Pareto n’a pas fait d’analogies avec
J. Henderson identificou no sistema so- L. J. Henderson identified in the social d’autres sciences, comme cela est souvent
cial, proposto por Pareto, a mesma fun- system put forward by Pareto the same indiqué. Par ailleurs, nous soutenons que
damentação epistemológica dos sistemas epistemological foundations of complex J. Henderson a identifié, dans le système
complexos. Além disso, a noção de siste- systems. Besides, it suggests that Pareto’s social proposé par Pareto, le même fon-
ma desenvolvida por Pareto é profunda- concept of system is very similar to the dement épistémologie des systèmes com-
mente semelhante à noção de homeosta- concept of homeostasis put forward by plexes. La notion de système développée
se proposta por Cannon em 1932. Walter B. Cannon in 1932. par Pareto est, en outre, profondément
similaire à la notion d’homéostasie pro-
posée par Cannon en 1932.

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