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O Gramscismo no Brasil! Sérgio A. de A. Coutinbo* RESUMO- Reprodugao de palestra proferida no Instituto de ® Geografia e Hist6ria Militar do Brasil, revela a estratégia de Antonio Gramsci na luta pelo socialismo aprecia a adesio a ela, no Brasil, por praticantes e simpatizantes da doutrina comunista, particularmente apés 0 fracasso das teorias de Marx e Engel, reveladas com a dissolugdo da URSS. PALAVRAS-CHAVE Gramsci, Gramscismo, socialismo. © final da década de 70, 0 Partido Comunista Brasileiro (PCB), vinha de uma frustrante ¢ contundente derrota na sua segunda tentativa de tomada do poder no Brasil. Tanto na primeira investida (a Intentona de 1935), quanto na segunda (via pacifica), 0 partido seguiu © modelo marxista-leninista para chegar a0 poder. Havia uma certa perplexidade no in- terior do Partido que se questionava quan- to a validade dos modelos leninistas de as- salto a0 poder e da via-pacifica para o socia- lismo (ou etapista), ambas mal sucedidas no Brasil. Além disso, havia ainda a ma re- ferencia da imprudente e cruel opgio pela luta armada de alguns grupos dissidentes + GeneraldeBrigada "Selecionado pelo PADECEME. da orientacio partidaria que nio consegui- ram ir além do terrorismo urbano (1966 - 1973). Comecaram ento a aparecer os pri- meiros indicios de que alguns dirigentes do Partido passavam a se interessar pela estratégia de Gramsci jé, de certa forma, revelada pelo eurocomunismo. Como po- deria, todavia, o Partido Comunista trans- por mecanicamente para 0 Brasil uma dou- trina que se preocupava, no seu tempo, em equacionar os caminhos a percorrer do fascismo 4 ditadura do proletariado ¢ estabelecer qual o sistema de aliangas a ser composto para atingir a meta intermedié- ria de um governo democritico? (Carlos LS. Azambuja) Com efeito, em 1973, o Comité Cen- tral do Partido Comunista Brasileiro rea- lizou, com uma criativa manobra intelec- tual, a transposicéo para o Brasil da situa ‘ADM / N° 794 / 3° QUAD. DE 2002 + 25 (0 GRAMSCISMO NO BRASIL Go da Itdlia em 1930: aprovou uma Re- solugio em que definia o regime brasilei- ro como fascista. Assim propunha a for- magio de uma alianca antifascista, inclu- indo todas as forcas de esquerda e de opo- sigdo ao regime politico vigente, tendo por objetivo a redemocratizagio que Ihe abris- se espaco pata voltar & atividade politica ostensiva e a luta pelo socialismo. ‘A partir dessa Resolucio, 0 Partido passou a dar priotidade aos objetivos ime- diatos de: restauragéo da democracia; anis- tia e Assembléia Constituinte. Evidentemente, a opgio por essa li- nha de atuagio nao significava uma deli- berada adesao a estratégia gramsciana, mas com ela coincidia de maneira interessante ¢ indicativa, porque estava muito de acor- do com o conccito de Gramsci referente 20 Intermezo democritico burgués entre a queda da ditadura fascista e a ditadura do proletariado. Indicativamente também a partir de 1972, pronunciamentos de destacados membros do Partido ¢ artigos publicados nos jornais orginicos ¢ na imprensa did- ria passaram a conter freqiientes referén- cias as categorias ¢ idéias de Gramsci Embora fossem significativas indicagdes de envolvimento de membros do Parti- do com as idéias de Gramsci, esta posigio ngo cra uninime. ‘A presenga do PCB nas campanhas populares anteriores a 1979 nao foi mui- to destacada porque em 1974 ¢ 1975, os érgios policiais ¢ de seguranga, depois de derrotar o terrorismo urbano e uma ten- tativa de implantagao de guerrilha maoista no pais, voltaram-se finalmente contra ele, desorganizando severamente sua estrutu- ra e atuagio. Seus militantes foram presos 26 + ADN/N® 794 / 3° QUAD. DE 2002 ou se tefugiaram no exterior, Os remanes- centes optaram pela clandestinidade ou pela infiltragio no partido do Movimen- to Democritico (MDB), de oposicao; ta tica da dupla-militincia. Quando, em 1979, o regime revolu- cionatio de 1964 tomou a iniciativa da abertura politica (revoga¢io do Ato Institucional n° 5 ¢ a decretagio da Anis- tia), 0 Partido estava enfraquecido, prin- cipalmente depois da divergéncia entre Prestes, que regressara de Moscou, ¢ os membros do Comité Central, resultando no afastamento do velho lider ainda preso aos dogmas da Internacional soviética. Entretanto, a ortodoxia do proprio comi- t@ central o levou também a hostilizar os membros de tendéncia gramsciana, o que acabou por fazer com que muitos deles se afastassem do Partido ¢ buscassem outras organizacées politicas, em particular 0 MDB e o Partido dos Trabalhadores (PT), recém criado. A partir de 1980, embora ainda no legalizado, 0 PCB ja podia atuar aberta- mente, com a complacéncia do regime que se encerfava ou por meio dos militantes que se acolheram em outros partidos. As campanhas eram entio a de legalizagio do Partido e, em 1984, a de diretas 4. Esta foi conduzida num amplo movimento nao s6 das esquerdas, mas das oposigdes como um todo. Em 1985, 0 PCB obteve scu registro no Tribunal Superior Eleitoral, finalmente entrando na legalidade. Nesse ano, pode-se dizer, iniciava-se 0 interlitdio democrdtico burgués como preconiza Gramsci. Faltava ainda um passo decisivo: a convocagio de uma Assembléia Constitu- inte. O objetivo foi facilmente viabilizado no clima de abertura politica, inaugurado com a posse do Presidente José Sarney. ACONSTITUINTE E A REPUBLICA SOCIALISTA © novo Congresso eleito em 1986 veio investido de poderes constituintes. £ interessante recordar que o Presidente José Sarney tomou a iniciativa de nomear ‘uma comissio de Cem Notaveis para ela- borar um anteprojeto da nova Constitui- sio. A proposta apresentada pela comis- so foi de tal maneira, esquerdizante que o Presidente desistiu de submetéla a As- sembléia Constituinte. Esse fato demons- trou a extensio da opcio marxista no meio intelectual brasileiro, nele incluido certa- mente uma parcela ja marcante dos adep- tos do pensamento de Gramsci. No Congresso, os representantes cons- tituintes de esquerda, de maneira desper- cebida ¢ habilidosa, com a conivéncia de socialistas populistas, e com a omissio da maioria democrata descuidada, consegui- ram ver aprovado um regimento da As- sembléia em que a metodologia de elabo- rago da Carta lhes permitiria conduzir 0 trabalho fracionével, técnica de dominio de reunides ¢ assembléias pela minoria. No caso, 0 regimento aprovado criava um de- terminado numero de Comissées Teméti- cas, tratando separadamente dos diversos contetidos da Constituicio. Em seguida, a matétia seria harmonizada, por conjun- tos de assuntos afins, em uma Comissio de Sistematizagio ¢, finalmente, levada a plenario para votagio, nao por artigos, mas em bloco, impedindo emendas parciais. Era o fracionamento da assembléia de mo- do que a minoria tivesse dominio das co- 0 GRAMSCISMO NO BRASIL misses que lhes interessavam, abrindo mio das que Ihes eram secundérias. ‘Além do mais, regimento admitia emendas populares apresentadas direta- mente pela sociedade civil organizada, isto & por organizagées de massa tais como sindicatos, associagdes de classe e mov’ mentos populares, Era uma pratica inci- piente da hegemonia popular de concep- io gramsciana, que permitia as minorias ativas exercerem a diregdo politica, a pres sio eo lobby, impondo suas idéias ¢ rei vindicagées, fazendo crer que expressavam a vontade nacional. Com a técnica do tra- balho fracionivel ¢ de pressio de base, quase que a Constituinte é levada a apro- var um projeto parlamentarista ¢ nitide- mente socialista Quando essa manobra ficou eviden- te, a maioria democratica reagiu forman- do.um bloco, o Centro, que, a tempo, frus- trou o intento das esquerdas. Mesmo as- sim, a Constituigio promulgada em 1988 se caracterizou pela complexidade, revan- chismo, nacionalismo xenéfobo, paterna- lismo, permissividade democrética e pelas contradigées conceituais. Como veio a se manifestar 0 proprio Presidente Sarney: A Constituigéo torna o pais ingovernavel. PARTIDO COMUNISTA. BRASILEIRO E 0 GRAMSCISMO Em 1990 restava ainda um grupo im- portante de membros do partido adepto do gramiscismo. Se a atuagio da organiza- io, desde 1979, nio foi oficialmente nes- sa linha, sem divida foi por ela influencia- da ou, no minimo, com ela coincidente. Na verdade, 0s procedimentos politicos, que poderiam ter sido identificados como ‘ADN/ HP 794 / 9° QUAD. DE 2002 + 27 —_ OO 0 GRAMSCISMO NO BRASIL. gramscianos, eram prdprios da fase econd- mmico-corporativa e nao seriam incompati- veis com as priticas marxistasleninistas da equivalente fase democrético-burguesa. Certas praticas sugeridas eram até confun- didas com atividades de acumulagao de forgas e de trabalho de massa. Nessa época, a crise do comunismo soviético ja se tornara explicita, desde que Gorbachev tentata a sua salvagio com projeto reformador, a Perestroika. Culmi- nou com o repentino colapso do regime soviético ¢ a subseqiiente desarticulagio dos regimes comunistas dos satélites do Leste Europeu. A velocidade dos aconte- cimentos, a debacle flagrante, a exposigio das precariedades sociais ¢ econdmicas do Estado totalitario daqueles paises demons- traram todo o fracasso do socialismo so- viético ¢ da ilusio do comunismo. O PCB, de orientacio soviética ¢ de vinculagio ao PCUS, evidentemente foi muito atingido pelo desastre. Diante da teviravolta do comunismo soviético, viu- se obrigado a rever posigdes ¢ a tentar sal- var scu projeto histérico, fazendo um es foro de sobrevivéncia e de elaboragio de uma nova face. A reacio foi rapida, o que demonstra jé possuir um quadro de pes soas portadoras de um projeto novo, nio s6 oportuno para o momento vivido pelo Partido, mas adequado para 0 momento histérico do pais: 0 gramscismo. ‘Assim, no periodo de 30 de maio a2 de junho de 1991, o Partido realizou o seu IX Congresso. Outra vez se dividiu internamente, agora com trés correntes di- yergentes: a primeira, a dos renovadores sugerindo uma definigio renovada de so- cialismo, a segunda, a dos ortodoxos, mar- xistas-leninistas conservadores, a terceira, 28 + ADN/ N® 794 / 3° QUAD. DE 2002 a que defendia um novo socialismo base- ado na adaptagio de Marx, Engels ¢ Gramsci, ¢ a aproximagio com o Partido dos Trabalhadores (PT) ¢ com o Partido Socialista Brasileiro (PSB). A primeira cor rente saiu vitoriosa. Assim, 0 velho Partido, 0 PC Bio, vestiu roupagem nova, abandonou velhos simbolos e adotou outra denominagio - Partido Popular Socialista (PPS). Passou a usar uma nova linguagem, como pluralismo das esquerdas, democracia radical ¢ outras expresses muito préprias do vocabulario gramsciano como aparece na sua proposta de declaragio politica 0 Congresso: Para que a esquerda se credencie ao exercicio da egemonia, deve ser capaz de promover a emancipagio da classe operdria de uma pau- ta estritamente cconémico-corporativa, tor nando-a apta a dirigir o pais. novo Partido argumenta com ca tegorias de Gramsci mas nio assume pur blicamente sua linha gramsciana, aliés como seus congéneres na Europa. Os ex- PC europeus tém agora outras denomi- nagées ¢ outras siglas, mas também nio revelam abertamente a sua linha revoluci- onaria gramsciana. AS ESQUERDAS BRASILEIRAS E 0 GRAMSCISMO O conhecimento da obra ¢ do pensa- mento politico de Antonio Gramsci nio ficou restrito a alguns membros do PCB Teve também difusio no meio politico, principalmente apés 1979, com o retorno 20 pais de muitos intelectuais ¢ militantes de partidos ¢ organizagées de esquerda que se haviam refugiado principalmente na Eu- ropa. Os sinais de sua atuacio ¢ influéncia 0 GRAMSCISMO NO BRASIL jf apareceram no inicio da década de 80, _genéricas ¢ ret6ricas referéncias aos seus como difusio e uso geral de conceitos ¢ _conceitos ou simplesmente silenciam. Ten- categorias gramscianas nos meios de comu- tam passar um discurso socialliberal, so- nicagio social, na manifestagio artistica, na __cial-democrata ou 0 eufemismo de um nao atividade editorial e na bem explicado socialis- linguagem politica. O Na drea politica, mo-democratico. exemplo mais evidente os partidos de esquerda que E instrutivo fazer € 0 uso que se tornou repudiam, tanto 0 um breve reconheci- corrente da expressio _—-marxismo-leninismo quanto a mento esquerda brasile- sociedade civil. Igual- _social-democracia, néo assumem ra, destacando os parti mente, indicativo foi o abertamente sua opcao pela dos segundo suas posi surgimento no pais, e _estratégia de Gramsci: ou fazem cies estratégicas para a cada vez mais difundi- —_genéricas e retéricas referéncias —_ fundacio do socialis- das, das denominadas as seus conceitos ou simplesmente mo. De uma maneira organizagées ndo-go- silenciam. Tentam passar um mais ou menos arbitré- vernamentais (ONG), discurso social-liberal, ria, esquerda no Brasil muitas das quais nada soctal-democrata ou 0 eufemismo pode ser classificada em mais io do que apare- de um nao bem explicado dois blocos distintos Ihos privados de hege- socialismo-democratico. como resumido no qua- moni, voluntarios ou dro sindptico abaixo. de grupos homogéneos, isto &, organizacdes Evidentemente, os partidos indicados nio-estatais da sociedade civil no quadro nio sio os ‘inicos; hi outros ‘A partir de 1990, foi crescente a pene» _ partidos ¢ grupos politicos que compéem tracio de Gramsci na universidade. Aliés, as esquerdas no Brasil ja ha muito, essa era area de discussio e de influéncia do: pensa- @ LESQUERDAS NO BRASIL mento marxista. Sem |-—® | COMUNISTAS (Marxistas revolucionarios) duivida, 0 meio acadé- [rool Maristas Leninistes: roaiten’ ao [PC do B — Partido Comunista do Brasil picodtem edo por | pstu -Pariso Socata dos Trebahadores Unicados tante centro difusor do [668 (o novo) ~ Partido Comunista Brasileiro gramscismo. ‘_2)| Marxistas - Gramscistas Na area politica, C pps — Partido Comunista Brasileiro os partidos de esquer- Le|sociaustas da que repudiam, tan- [==] Sotialisies Demiocriticos to 0 marxismoleninis- [(Formotagso oramscsta) |_ PSB - Partido Socialista Brasileiro (Marxista) pr — Partido dos Trabalhadores (Laborsta) {2)| social-Democratas, mo quanto a social-de- mocracia, nao assu- mem abertamente sua a i [PDT — Partido Democration Trabalhista opgio pela estratégia L pspp - Partido da Social Dermocracia Brasileira de Gramsci; ou fazem ss SSS ‘AON J N® 794 / 3 QUAD. DE 2002 = 29 0 GRAMSGISMO NO BRASIL Pode-se verificar que, pelo menos, trés partidos politicos trazem em suas defini- gbes ideolégicas e programéticos conceitos gramscianos, ainda que nio deixem claro a adogio plena da concepgio revolucionéria que corresponde a guerra de posigio. Partido Popular Socialista (PPS) te- ria todas as qualificagdes e respaldo dos seus antecedentes de luta (duas tentativas concretas de tomada do podet) para pre- tender ser a vanguarda revoluciondria da transigio para o socialismo. Como parti- do politico, porém, ainda nio se restabe- Ieceu dos golpes ¢ contratempos que vem sofiendo desde 1964, estando falto de es- trutura, prestigio € projecio. O Partido dos Trabalhadores (PT) de- monstra mais eficiéncia ¢ coeréncia na apli- cagio dos conceitos gramscianos, embora no seja uma organizacio ideologicamen- te marxista (sua concepgio se aproxima mais do nasserismo). E notavel o prota- gonismo e 0 desempenho dos seus inte- Iectuais organicos, preparados ¢ atuantes como dirigentes e educadores nos trés ni- veis da estrutura partidaria, como preco- nizado por Gramsci. Partido Socialista Brasileiro (PSB) abriga em seu interior membros com ex perigncia revolucionéria, bem como um corpo de intelectuais orginicos. Estes es- tio concentrados na capula partidéria. A identificagio com Gramsci é mantida en- coberta por uma aparéncia socialdemocra- ta de conveniéncia. O BRASIL E A REVOLUGAO NO OCIDENTE Acestratégia revolucionaria de Gramsci veio bem a calhar como uma alternativa 30 + ADM / N° 794 / 3° QUAD. DE 2002 acabada 20 marxismo-leninismo em crise ¢ posto sob critica desde a queda do Muro de Berlim, em 1989, principalmente para 0 histérico PCB. Mas nao foi so por esse as- pecto imediato que o gramscismo veio a calhar, Efetivamente, a concepgio de Gramsci veio também no momento histo- rico certo para o movimento revolucioné- tio no Brasil. pais, a partir de 1930, ganhou um projeto nacional que, apesar dos tropecos € de algumas descontinuidades, avangou consistentemente sob diferentes formas. Foi capaz de proporcionar, ao Brasil, mag- nifico progress econémico (industriali zagio), politico e social que se refletiu positivamente no desenvolvimento da sociedade civil e na modernizagio do ca- pitalismo, embora com forte participacio do Estado. Essa evolugio abrangente che- gou 20 seu momento culminante nos anos 70, como resultado do programa de de- senvolvimento econémico e social da Revolugio de 1964. Segundo os comentadores de Gramsci, © Brasil deixara de ser uma sociedade do tipo oriental e, definitivamente, se tornara uma sociedade do tipo ocidental. Conclu- sivamente, 0 modelo revolucionario bol- chevista ou marxistaleninista de assalto a0 poder (guerra de movimento) ja nio se aplica adequadamente a0 Brasil, mas pre- ferentemente a nova e atualizada concep- Gio da guerra de posicio. E é isso, exatamen- te, o que se esti desenrolando no Brasil. Recordando as fases do proceso gramsciano de transigio para o socialis- mo, podemos dizer que a fase econdmi- co-corporativa no Brasil teve um momen- to particular em 1964, quando se deu a interveneao politico-militar que frustrou ‘projeto do PCB de tomada do poder. A “partir de entio, © pais viveu um periodo litico autoritétio que as esquerdas iden- ficaram, por conveniéncia ideolégica, mo ditadura militar fascista. A sensibilidade politica do Partido Comunista Brasileiro (ainda fiel ao mar- xismo-leninismo) ¢ das oposigdes em ge- tal os leyou 4 formu- agio de um projeto ‘comum que era mui- to coincidente com a concepgio estratégica de Gramsci para essa fase. Possivelmente, pesou a influéncia de intelectuais gramscis- tas que j@ apareciam no cenétio das esquer- das. Os empreendi- mentos recomenda- dos por Gramsci na fase econémico-corporativa foram, de cer- ta forma, seguidos pelo PCB, ow seja, luta pela abertura politica, eleigies livres, anis- tia, redemocratizagio ¢ constituinte. Diferentemente, grupos agodados ¢ radicais (foquistas, trotskistas ¢ maoistas) coptaram pela insensata luta armada, guer- ra de movimento, que nio conseguiu ir além do terrorismo urbano. De qualquer modo, com a dettota das organizagdes ar- madas, © proceso de abertura foi inicia- do pelo proprio regime em 1979. Em 1985, 0 pais estava redemocrati- zado ¢, em 1988, com uma nova Consti- tuigdo que, se nao chegou a antecipar uma repiblica socialista, quase chegou a cla. Com a crise do comunismo soviético ¢ seus reflexos no movimento comunista no Recordando as fases do proceso gramsciano de transicao bara 0 socialismo, podemos dizer que a fase econémico-corporativa no Brasil teve um momento particular em 1964, quando se deu a intervencao politico-militar que frustrou 0 projeto do PCB de tomada do poder. A partir de entaio, o pais viveu um periodo politico autoritério que as esquerdas identificaram, por conveniéncia ideologica, como ditadura militar fascista. 0 GRAMSCISMO NO BRASIL Brasil (a reformulacdo do PCB, transmuda- do em PPS, ¢ a formacio de outros parti- dos de inspiracio gramsciana), estava termi- nada a fase econdmico-corporativa e tinha inicio a fase de luta pela hegemonia (1991). Agora, a atuagao mais importante pas- saa ser dos intelectuais orginicos e dos intelectuais tradicio- nais adesistas. Tirante 0 corpo de intelectuais orgé- nicos do Partido dos Trabalhadores que esta bem estruturado: € atuante em todos os niveis, os demais intelectuais estio di- fundidos nos parti- dos, nos orgios de co- municagio social, nas catedras, nos apare- Thos privados de he- gemonia, nas ONG’s, nas comunidades (de moradores, de fave- las, académicas, de minorias, etc.) e na manifestagdo artistica, ativos © conscien- tes politicamente, mas sem evidéncias ni- tidas de vinculagio com as organizagées politicas. E uma atuagio difusa, abrangen- te, anénima na generalidade, mas muito efetiva, moderna e unissona. A luta pela hegemonia ¢ desenvolvi- daem uma frente popularticita, nem sem- pre muito coesa, que envolve praticamen- te todos os partidos de esquerda. Embora divergentes em determinados aspectos te- 6ricos e praticos, tém pontos afins de atu- agio revolucionaria. Os empreendimentos dessa fase gramsciana, envolvendo princi- palmente a reforma intelectual e moral da sociedade ¢ a neutralizagio do aparelho ‘ADM / N° 794 / 3 QUAD. DE 2002 » 31 0 GRAMSCISMO NO BRASIL hegeménico da burguesia, encontram cor respondéncia na atuagio dos partidos so- cialistas democraticos (néo confundir com social-democratas) ¢ na dos partidos marxistasleninistas, particularmente no trabalho de massa destes, concretizan- do um amplo plura- lismo socialista que, nesta fase, ¢ bem-vin- do por todos. Podemos fazer Na sociedade brasileira, sem muito rigor sociolégico e psicoldgico, ‘mas observando o presente ¢ 0 passado com atencao, podemos constatar que, desde os anos 80, alguns critérios, antes bastante pessoas, contribuindo para a reforma in telectual ¢ moral de toda a sociedade. Na sociedade brasileira, sem muito ri gor sociolégico € psicolégico, mas obser vando o presente € 0 passado com ater so, podemos cons tatar que, desde os anos 80, alguns crité- tios, antes bastante s6lidos no senso co- mum, foram modifi- cados radicalmente. uma breve ¢ imedia- sélidos no senso comum, foram Para os mogos, nada ta constatagao de al- modificados radicalmente. Para os mudou porque nio guns temas trabalha- mocos, nada mudou porque néo conheceram os ve- dos e dos resultados ja alcangados, parti- cularmente em trés empreendimentos: supetago do senso conheceram os vethos valores. Para os mais velhos, as modificagies alé parecem espontineas, naturais, evolutivas, aceitéveis como sinal dos tempos, Mas, na verdade, siio 0 lhos valores. Para os mais velhos, as mo- dificagdes até pare- cem espontiineas, na- turais, evolutivas, comum; neutraliza- resultado de uma penetragéo aceitéveis como sinal io dos aparelhos de cailtural ber ‘condiaztda‘pelos dos tempos, Mas, na hegemonia da bur- _intelectuais organicos desde pouco _vetdade, sio o resul- guesia e ampliagio do Estado. SUPERAGAO DO SENSO O senso comum é 0 conjunto de opinides aceitas pela generalidade das pes- soas da sociedade, fazendo com que as discrepantes parecam desajustadas. ‘A superagio do senso comum signi- fica a substituigao ¢ modificagio de valo- tes tradigdes, costumes, modo de pensar, conformidade religiosa ¢ social, sentimen- tos e outros elementos que dao a socieda- de coesio interna, consenso e resisténcia a mudangas ideoldgicas. Substituidos por outros, modificam significativamente o modo de pensar, de agir e de sentir das 32 + ADN/ N° 794 / 3° QUAD. DE 2002 mais de vinte anos, tado de uma pene- tragio cultural bem conduzida pelos intelectuais orginicos des- de pouco mais de vinte anos. Vamos tentar identificar algumas des- sas mudangas, apontando, inicialmente, as que nio podem ser simplesmente atri- buidas a uma natural evolugio social € moral, para demonstrar a existéncia de um impulso de diregio consciente por traz do fendmeno: + O conceito de livre opiniio (inde pendéncia intelectual) esta sendo substi- tuido pelo conceito de politicamente cor. reto. A legitima e franca opinido indivi- dual vai sendo socializada por substitui- gio pela opiniio coletiva politicamente (homogénea) correta (ética). © conceito de legalidade esta sen- ituido pelo conceito de legitimi- norma legal perde a eficicia dian- iolagio dita socialmente legitima do de terras, a ocupacao dé imé- rédios piblicos, o bloqueio de vias lagdo, 0 saque de estabelecimen- legitimos (éticos) porque corres- a reivindicagées justas. © conceito de fidelidade pessoal € compromisso) é substituido pelo 0 GRAMSCISMO NO BRASIL + O conceito de sociedade nacional esta sendo substituido pelo de sociedade civil, A comunidade como conjunto das pessoas interdependentes, com sentimen- tos ¢ interesses comuns, passa a ser 0 espa- co das classes em oposicio. Embora nio seja aparente, é a cena da luta de classes. Alem desses exemplos, ha muitas outras superagées do senso comum, me- nos evidentes (mas visiveis se apontadas) porque o antes e 0 depois jé estio muito Superagio do senso comum (Induzida) Sociedade Nacional Sociedade Civil Conservagao| Mudanga Desenvohimento Conservagao Ambiental Livre Opiniao Pollicamente Correto Sociedade Multiracial Sociedade Racista ‘Vultohistérico Personagem Popular ‘Cidadio Cidadaria Legalidade Legitimidade Direito Legal Diretos Humanos © Vortade Nacional Opinigo Pabtica idade individual. O prazer (em opo- 4 solidatiedade, a0 altruismo, a ab- 10) € 0 critério do comportamento € moral, moderno e livre. + O conceito de cidadio esta sendo ituido pelo conceito de cidadania ‘mo cidadania perde o sentido de io do individuo com Estado, no dos direitos civis e politicos ¢ no spenho dos deveres para com ele ¢ a ser uma relagio de demanda de rias ou de grupos organizados. afastades no tempo ¢ porque ji estio in- tegradas, intelectual e moralmente, prin- cipalmente no senso comum dos mais jo- vens da sociedade: + a personalidade popular como pro- tagonista da historia nacional em substi- tuigdo ao vulto historico, apresentado co- ‘mo opressor, representante das classes do- minantes e criagio da historia oficial: + a historia revisada (na interpretacio marxista) que substitui a Hist6ria Patria, 0 oficial (iaven¢io do grupo dominante); ‘ADN / N° 794 / 3® QUAD. DE 2002 + 33 (0 GRAMSCISMO NO BRASIL + a uniio conjugal episddica ou tem- poraria e de pessoas do mesmo sexo em substituigio 4 familia estivel e célula basica da sociedade; + ecletismo religioso em substituiga0 a0 compromisso e fidelidade 8 igreja de opcio. + moral laica e utilitéria em substitui- gio 4 moral cristd ¢ d tradicio ética ocidental. + discriminagao racial, dita como su- til e disfarcada e como realidade que dex mente a crenga burguesa ultrapassada de tolerincia e de sociedade multiracial ¢ miscigenada. Esse conceito recente € inte- ressante porquie se tornou senso comum. + a amoralidade substituindo 4 ética tradicional que se diz sufocar a felicidade a liberdade individuais; + 08 direitos humanos como protecio ao ctiminoso comum (identificado como vitima da sociedade burguesa) e indiferente A vitima real (identificada geralmente como burgués privilegiado); + satanizacio do bandido de colarinho branco, identificado como burguts comup- to ¢ fraudador do povo; + a opinio puiblica como critério de ver- dade maior que 0s valores morais tradicionais a propria logica, quando inconvenientes, Mudanca do senso comum (Expontinea) PRECONCEITO INFORMABILIDADE AMORABILIDADE FELICIDADE PESSOAL UNIAO CONJUGAL EPISODICA OU TEMPORARIA © LIBERAGAO SEXUAL ECLETISMO RELIGIOSO (LAICISMO) Negacao da solidariedade social Estigmagdo do opositor Aboligao das regras burguesas de cconvivencia social @ da lealdade civica Neutralizagao da célula basica da sociedade burguesa Esvaziamento do controle moral religioso apesar de todas as ostensivas evidéncias de que é falso; resultado da orguestracao (afir- macio repetida); + 0 preconceito, como qualidade que estigmatiza as pessoas conservadoras ou discordantes de certas atitudes e compor tamentos permissivos ou tolerantes; + a informalidade em substituigio 4 convengio ¢ 4 norma social que press- poe vinculacio institucional ¢ 3 tradicio; ‘34 + ADM / NP 794 / 3® QUAD. DE 2002 +a mudanga como valor superior i conservacio; + a ecologia como projeto superior ao desenvolvimento ccondmico (espectla- ¢do capitalista burguesa) e social € + organizagio popular (aparelho pri- vado nio-statal, eticamente, superior a0 organismo estatal burgués. Os principais meios de difusio dos con- ceitas do novo senso comum sao os érgios de comunicagio social, a manifestacio artis fica, em particular o teatro e a novela, a cite- dra académica ¢ o magistério em geral. E preciso acrescentar que nem toda mudanga do senso comum resulta de uma atua¢io intencional e direta desses intelectu- ais orginicos. Algumas transformagées sio decorrentes de uma evolugio social natural. projeto gramsciano de superagio do sen- so comum, porém é efetivamente um ele- mento desencadeador do fendmeno, crian- do um clima de mudangas naturalmente esti mulador que elimina a estabilidade dos valo- res ¢ conceitos da socicdade, enfraquecendo suas convicgdes culturais ¢ suas resisténcias. NEUTRALIZACAO DAS “TRINCHEIRAS” DA BURGUESIA De um modo superficial, mas apoiados nas indicagbes de Gramsci, podemos reco- ahecer as trincheiras do grupo dominante, da burguesia brasileira, identificando-as no conjunto das organizagées estatais, da soci- edade politica e das organizagées privadas 0 GRAMSCISMO NO BRASIL da sociedade civil. Indicamos apenas algu- mas das mais significativas: 0 Judicidtio; 0 Congtesso; 0 Executivo (Governo); os Par- tidos Politicos Burgueses; as Forgas Arma- das; 0 Aparclho Policial; a Igreja Catélica e 0 Sistema Econdmico Capitalista. A neutralizagio, se possivel a elimina- fo, dessas trincheiras € predominantemen- te uma guerra psicolégica (mas nao s6 esta) visando a atingidas ¢ a miné+las como ja vie mos anteriormente, por meio do: enfraque- cimento, pela desmoralizagio, desarticula- gio e perda de base social, politica, legal e da opinio piblica; esvaziamento, pelo iso- lamento da sociedade, perda de prestigio social, perda de funges orginicas, compro- metimento ético (denuncismo), quebra da coesio interna, dissidéncia interna; constran- gimento e inibigSo por meio do “patru- Ihamento”, penetragio ideologica, infiltra- fo de intelectuais orginicos. Num modelo de guerreamento psico- légico, vamos resumir a constatagio das idéias-forga (objetivos) da penetracio cul- tural e os temas explorados para realizitlas: “TRINCHEIRAS” | IDEIA-FORGA ‘TEMAS EXPLORADOS - Favorecimento dos ricos; - Instrumento de opressio | ~ Privilégio dos burgueses; apse: ~ Impunidade dos ricos JUDICIARIO. ae ¢ dos “colarinhos brancos”; ~ Ineficiéncia : , I 7 - Lentidao funcional; ~ Improbidade ieee = Corrupgio e privilégios dos magistrados. ~ Privilégios; ~ Ineficiéncia ~ Ociosidade; CONGRESSO | - Improbabilidade ~ Escindalos, ~ Parasitismo ~ Barganhas; - Falta de espitito publico. ‘ADN/ N° 794 / 3° QUAD. DE 2002 + 35 O.GRAMSCISMO NO BRASIL eee = Conduta autoritiria EXECUTIVO | - Autoritarismo 4 eee ~ praia ~ Bscdindalos. = Falta de. ~ “Fisiologismo”; iwi representatividade ~ Falta de programa; pouttico | 7 Legenda de “aluguel” | - Corrupgio; ~ Ambigo pessoal = Verbas da campanha; - “Fascismo” ~ Escindalos. oe ~ Destinacio; eats dale eam ~ Acidentes de trabalho; 7 ~ Escindalos; ARMADAS - Onus para o pais eae ditadure: anaete ~ Golpismo ¢ ditadura; = Tortura. = Reforma ¢ extingio ee da Policia Militar; APARELHO, ~ Truculéncia ~ Escndalos; POLICIAL «=| 7 uu - Envolvimento no crime; neon - Violéncia; ~ Corrupsio. = Gelibato clerical; = Escindalos sexuais; = Anacronismo da = Inflexibilidade doutrinaria; moral crista (homosseruais, aborto, controle IGREJA - Opressio moral de natalidade, indissolubilidade CATOLICA ¢ intelectual do matrimonio); ~ Alianga com ~ A ingquisigio; o poder ~ Papel politico-hist6rico; = Devogées populares ¢ culto de Ieigos (fora das Igrejas) ~ Divisio de classes Cea ao aes ~ Dominio econémicos CAPITALISMO proletariado urbano Se! € camponeses — Tnjuticate cial = Imperialismo ee JMiididaiodayrends |; gna = Desemprego. ‘36 - ADN/ N° 794 / 3° QUAD. DE 2002 Todos os meios de formacio do novo senso comum so também aqueles que se engajam na luta pela neutralizacio do apa- selho hegeménico burgués. Todavia, os ele- mentos principais sio os érgios de comu- nicagio de massa, nio s6 os que estio sob controle dos intelectuais orginicos mas ain- da os outros que acompanham a “pauta” destes, para nio perderem a audiéneia ou 05 leitores dos seus veiculos de divulgagio. Os érgios da midia orgdnica mantém ‘uma pauta permanente abrangendo os te mas a serem explorados. Quando 0s acon- tecimentos no trazem por si sO os escin- dalos, a corrupsio, as deniincias e os fatos ¢ acidentes propicios 4 utilizagio, os assun- tos sio trazidos a piblico, periodicamen- te, por meio de attificios jornalisticos, man- tendo a orquestragio. Nao raro, estes artifi cios se valem da meia-verdade, da verdade manipulada, da armagio ¢ até da inverdade. Os meios de comunicagio social pri- vados ¢ estatais da burguesia, sio também trincheiras que devem ser neutralizadas com prioridade. 0 ESTADO AMPLIADO ‘A ampliagao do Estado, isto é a ab- sorgio deste pela sociedade civil, segun- do a estratégia de Gramsci, deve ser inici- ada ainda na fase de luta pela hegemonia, antes mesmo da tomada do poder. Objetivamente, esse empreendimento é conduzido pela sociedade civil organiza- da, mais precisamente, pelos aparelhos pri- vados de hegemonia das classes subalter- nas ¢ dos seus aliados. A ampliagio se dé i medida em que esses aparelhos (organiza- ges) vio assumindo certas fungdes esta- tais, Por isso, as chamadas organizagdes vo- 0 GRAMSCISMO NO BRASIL luntarias ndo-statais tém proliferado, mui- tas sob a denominacio genérica de ongani- zagées nio-governamentais (ONG), cuja sustentacio financeira nunca tem sua ori- gem muito bem conhecida. Mas 0 fato & que seus recursos nao so poucos, antes sio abundantes e suficientes para financiar os mais variados projetos ¢ iniciativas e para manter um grande mimero de pessoas ati- vas sob 05 titulos de ambientalistas, especia- listas, defensores disto e daquilo, pacifis- tas, ete, Enfim, um exército de intelectuais onginicos assalariados, alguns dos quais vém ganhando notoriedade nacional e assidua ptesenga nos meios de comunicagao social Em termos de efetiva ampliagio do Estado, ja ¢ visivel 0 papel das ONG no exercicio de algumas fungées piblicas. Ini- cialmente, ainda nas dreas limiares, entre a fraca fungio ou a omissio estatal ¢ a inicia- tiva dos individuos privados: ambientalis- mo, direitos humanos, educacio, satide, ad- ministragdo de comunidades e, até mesmo, seguranca publica. Na maioria dos casos ain- da tém forma de atuagio reivindicatéria e controladora do governo e dos governantes como, por exemplo, protesto ¢ obstrugio a determinadas iniciativas do Estado ¢ a exi- géncia de amplo debate e de audiéncia ante- cipada da sociedade civil como condigio pré via para a realizacio de determinadas obras piiblicas ¢ projetos sociais. O mais significativo, porém, é 0 cres- cente ntimero de convénios entre 0 Go- verno € organizagdes nio-governamentais pata a realizacio principalmente de proje- tos sociais ¢ preservacionistas. Esses convé- nios, além de levarem recursos piiblicos as entidades da sociedade civil organizada, sio a maneira mais eficiente, embora lenta € discreta, de realizar a ampliagao do Estado. ‘ADM / N® 794 / 3® QUAD. DE 2002 » 37 O GRAMSCISMO NO BRASIL Essas novidades que, 4 generalidade das pessoas, podem passar por uma moderna evolugio da democracia, na verdade sio parte da concepcio gramsciana de transi- cio para o socialismo. Hoje em dia, a concepgi0 revolucio- naria marxistaleninista ji nfo é a dnica. Superando Lenine, sem o negar, entretan- to, Antonio Gramsci propés uma nova es- tratégia de transigio para o socialismo. Apés 0 colapso do comunismo soviéti- co, suas idéias passa- ram a ter especial in- teresse em todo 0 mundo como uma alternativa e como um modelo revoluciondrio préprio para as so- cicdades do tipo ocidental Por isto, a estratégia gramscista é hoje adotada por uma importante parcela da esquerda marxista brasileira e vem tendo um significativo éxito na sua aplicacio pritica, particularmente, a partir de 1980 Os avangos revoluciondrios chegaram a um ponto tal que alguns intelectuais de- mocfatas acham que ja é irreversivel. Sem chegar a tal pessimismo, também as pessoas esclarecidas tém manifestado grande preocupagio com a evolucio po- Iitica moral do pais. Realmente, a: mu- danga induzida do senso comum, geral- mente atribufda sem muito critério, a uma amoralidade ¢ tendenciosidade ideolégi- ca da midia, é parte de uma intencional reforma intelectual e moral da sociedade conduzida no processo revoluci sgramscista. Jé atingiu extensio e profun- didade tais que produziram estragos mo- nario 3B + ADN/ Ne 794 / 3° QUAD. DE 2002 Uma constatagao oportuna: a Iuta pela hegemonia, que deveria ter por objetivo elevar as classes subalternas e tornd-las grupo dirigente, se tem notabilizado ‘mais pela realizagao da begemonia de uma difusa classe constituida dos intelectuais orginicos, os neo-marxistas brasileiros. rais ¢ culturais irreversiveis ou de rever so demorada e extremamente penosa. Entretanto o movimento revolucio- nario, como tal, apresenta deficiéncias vulnerabilidades que, exploradas inteligen- temente, permitem ainda a sua contengio ¢ reversio. Mas, se a sociedade nacional permanecer como espectadora impassi- vel, complacente © até mesmo simpati- ca A reforma intelec tual e moral que vem sofrendo, certa- mente a revolucgio marxista-gramscista seri vitoriosa 2. mé- dio prazo. E assim, o Brasil seri o exemplo his- torico de ter sido o primeiro pais no mundo onde a concepgio gramscista de | tomada do poder tera tido éxito. socialismo marxista, portanto, & uma nova ordem econémica, politica ¢ social que supera o capitalismo e que ser- ve de bergo para a transformacio revolu- cionitia que, num dado momento histé- rico, produz o advento do comunismo; para Gramsci, sociedade regulada. Uma constatagao oportuna: a uta pela hegemonia, que deveria ter por objetivo clevar as classes subalternas e torni-las gru- po dirigente, se tem notabilizado mais pela realizagio da hegemonia de uma difusa clas se constituida dos intelectuais orginicos, os neo-marxistas brasileiros. Assimilando ou tomando os intelectuais tradicionais adesistas ou ingénuos por aliados, inocen- tes iiteis ou companheiros de viagem, ja constituem uma oligarquia autoritiria que, fazendo a censura de fato ¢ assumindo o polio do discurso, exercem a dire- cultural e politica da sociedade civil ¢ proprio Estado. Agem exatamente 10 homem coletivo, elaboragio ideo- fea da vontade ¢ do pensamento em junto. Esse fendmeno é um sinal pre- nitério de que a utépica sociedade dos ss produtores associados da concep¢io sciana, depois da tomada do poder, ‘vai ceder lugar ao socialismo real, sob do- ‘minio de uma nomenklatura de partido ‘ou de uma intelligentsia da intelectuali- dade ditigente. Poder’ vir a ser um regime oligirquico de dominio semelhante ao do talibi no Afeganistio. Se a sociedade nacional tiver aspira- io diferente, est na hora (talvez a ultima) de formar um novo Centréo, mobilizan- do os cidadios democratas ¢ nio apenas seus representantes como na Constituinte de 1988. A partir da década de 1980, a revolu- 40 comunista no Brasil ganhou uma nova vertente inspirada na concep¢io gramscia- na de transigio para o socialismo. Essa li- iiha convive com o pensamento € a pritica politica marxistzleninista de alguns parti- dos, somando esforgos numa assuimida pos tura titica de pluralismo das esquerdas. O surpreendente éxito j aleangado no que diz respeito a penetragio intelectual e moral na 0 GRAMSCISMO NO BRASIL sociedade € significativo e comega a indicar que esta chegando a um estigio que se po- deri dizer irreversivel. No momento critico da tentativa da tomada do poder (passagem da guerra de posigio para a guerra de movi- mentod), poderio faltar a vontade nacional €-0s meios concretos para impedila. Creio que as duas citagdes abaixo fix zem a sintese desta tradugio da concepgio estratégica de Gramsci: Comega a emergir também no Brasil uma esquerda moderna, disseminada em diferentes partidos e organizagées, mas que tem em comum o fato de ter assimilado uma li¢io essencial da estratégia gramscia- na: 0 objetivo das forgas populares é a conguista da hegemonia, no curso de uma dificil e prolongada guerra de posigio. Nelson Carlos Coutinho Quando um partido politico assume publicamente sua identidade gramsciana, é que a fase do combate informal ~ a deci- siva ~ j4 est para terminar, pois seus re- sultados foram atingidos. Vai comegar a luta pelo poder. Olavo de Carvalho Gramsci antecipa que a vitoria alcan- cada na guerra de posicio é definitiva. @ ‘ADN / Ne 794 / 3° QUAD. DE 2002 + 39

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