Coleção Mente Cérebro & Filosofia #11 - Presença Do Outro e Interpretação - Ricoeur, Gadamer

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Qd ME E-CEREB FILOSOF FUNDAMENTOS PARA A COMPREENSAO CONTEMPORANEA DA PSIQUE NT eek oo fo DS ae SN 60, A HERMENEUTICA raga) (eas Nea AI a mS AH) aga VULNS : ons) iy INSTIGANTES Wy ag E DO TRABALHO PSICANALITICO Coors clemes Soyo lne eh clarence res Ronen a ae RICOEUR Wisse ee Le E INTERPRETAGAO eo ey BE: Oe eS PS ee oe BR Ae eG BS 8 eR ee I Heo ILQVIQQOOQVOVVVOOS Ne ee "OE es OQOOOOOOOOOOOOE OOOOOOOOOOOOE Oe ees }OOOOOOOOOOOOE SS es OQOOOOOOOOOOOE OOOOOOOOOOOOE aus moo EDITORIAL (Os atestats D0 DikLOGO ‘0 decorrer do século xx, a secular hermenéutica, tradicio- nalmente associada & interpretagio de textos teol6gicos € juridicos, recuperou posigdes no cenétio filos6fico. entre 0s responsaveis por essa retomada, destacam-se 0 slemao hhans-georg gadamer e o francés paul ricoeut, focalizados nesta edigio de Mente, Cérebro & Filosofia — 0 século XX. Os artigos deste niimeto, escritos por filésofos e psicanalistas, mostram que o pensamento dos dois apresenta varios pontos em comum, Ambos destacaram a fusio ‘que ocorre enire © horizonte de um texto a ser interpretado € 0 de seu intérprete - na concepeio de Ricoeur, a convergéncia do “mundo do texto’, dotado de dinmica propria, e do “mundo da agio”, ao qual per- tencem 0 autor ¢ 0 leitor. Também ressaltaram que a linguagem se mani- festa no didlogo, encontro de dois mundos, aventura de desclobramentos imprevisivels para os parceiros, porém mutuamente transformadora € cenriquecedora. A importancia atribufda ao didlogo representou em certa medida a retomada do método socritico-platdnico di levou Gadamer a ser chamado de “Sécrates contemporineo". Para os interessados em psicologia e psicanzlise, a leitura dos artigos sobre as concepodes de Ricoeur e Gadamer, 0 didlogo com os dois autores, pode ser uma aventura igualmente enriquecedora, Gadamer, construtor de pontes entre a hermenéutica filosética e a psicologia, propunha uma aten- Bo integral a0 ceiro do didlogo, semelhante & que deve ocomer entre indo, ¢ afirmou que a recuperagio da capacidade de dislogo, no decomer da terapia, representava uma instincia decisiva para o processo de cura, Ricoeur, por sua vez, realizou uma leitura filoséfica das concepgdes freudianas, vendo 0 inconsciente como *o outro” da conscién- cia e esta, como uma meta a ser aleancada, Ele mostra como, ao longo de toda a obra de Freud, permanece a tensio entre 0 discurso “energético", referente &s quantidades de energia em movimento no aparelho psig € 0 discurso “hermenéutico”, associado & interpretagao da linguagem e de seus sfmbolos. Ricoeur resiste & tenta © analista e 0 analisa de optar por um dos discursos: uuma escolha entre eles, argumenta, descartaria 0 que mais proprio da psicanilise, Esse respeito iis tensdes constitutivas do pensamento de Freud seria o suliciente para recomendar a leitura dos rtigos desta edicao. Cantos EDvaRDo Matos iit de Mesto, Cércbro & Filosofia ~ © século XX MENTE-CEREBRO FILOSOFIA ru avenacratr com br LORETO ERA: es Nas DETOR BGOUTVO: ens Cat DRETORADO SAPO CRWECMENTO Am Ou Fret eoagdo ere, ceneano & FLGSOAA VOR Cae are Mas ONSICTOR Ney Sac de Maca PROTO GRARCO: ou Le Sara ce ath Tatas ATOR DE ANTE Ne Cao PESOUEAIEDNOGRAPOA ee ton «Ot Parent alos temaeia Lu eter kis TRAPNENTO DE NAGE Cara Vitae Cri 69 eoaglo MENTE CEO TORK aon EDTORA DEAATE Srove Ga Va ASOSTEITES DE ATE: aos Maree Stok Tate Sats Oe PESOS CDNOGRAFCK Svat cco, Cai Frcs Marra Carata ENTE De EDAGAD Ea apa acl eVShO ar Mane Lit ac Vata PREDUGAD GRFC Ferre "TRAAENTO DEAE Carat a Cita Zar etree Flan hee es Mert & le pcos comer Dat st Lc ota erat fat GG, Set Arta, fusca Gap, 33~Penes ‘SioPale © - 0542-0011. 1) 273 Fxjory 273.817 coum execurwo Jog Caen, Edrisn Crs, Lin Fee Poses ee Hat Pumuonnae (ptr stant om.) 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HANSGEORG GADAMER EDITORIAL, DE FREUD Para Gadamer, expoente da = Em sta letra flossfica de hermentutica flosfica, toda z Freud, Ricoeur enfaitza a compreensdo sempre acontece : rcomur nova compreenséio do bomen no dmbito de um campo de : ) PAUL RICOEUR ‘niroducida pelo funcador Jogo bisrico-lngatsteo 2 Dar presenga ao ontro— da pscanclise ea nogdo do ¢ seja ele Deus, 0 primo, tnconsciente como o “outro” (6 stsmesmo como tn outro = dda consciéncia ac € wna preocupagao OO Gabamer E 2 permanente a fesofia A HERMENEUTICA, de Paul Ricoeur jwcne.n A linguagent néo é um O ENIGMA DO PASSADO insirumento dado e acabado, Meméria, bistria, pera, ‘mas uma heranga que pode ‘cosa : anit, esquectmento— ser resgatada pela meméra (© QUE E INTERPRETAR? iceman tndececes miterelll onerous S ieoeur procura esclarecer temas, para wma efetioa possiblidades sempre novas g de que maneina interpretar reconciiagdo com o passado : é paricipar de um proceso & Distéreo de produgdo sjsu a de significades ncome, / 4 ODIALOGO. & C/ a 1DENTIDADE NARRATIVA QUENOs SOMOS z corte A narragao de si representa a CConsirutor de ponies entre 2 VIVER BEM tia privilegtada para 0 exame a bermenéutica flosifica e 5 A perspectva éica do pensador reflexivo da vida, e seu exerciclo psicologia, Gadamertece 3 janck onnsbiainaiae bom denicintab are sim sia flax x toro 5 ‘com e para as outros fdentidade que & superagdo da do cuidado com a alma 3 em tnstituigoes justas itusdo e do auto-engano por mefo do didlogo ‘www mentecerero com. br PRESENCA DO OUTRO E INTERPRETACAO 5 Dar presenga ao outro — seja ele Deus, 0 préximo, 0 si-mesmo como um outro — € uma preocupacio permanente na filosofia de Paul Ricoeur R A presenca do outro oe éuio sauces ox © Ouro FAZSE PRESENTE DE muitas maneiras na reflexto de Paul Ricoeur, € as vezes de modo surpreendente. Nao se trata s6 de um sujeito diante de outro sujeito, nem das dis- cussdes sobre apreensio ou constituiglo como objeto para uma consciéncia, nem mesmo apenas do problema da intersubjetividade. @ E verdade que convivo com outros, vivo Centre outros, proximos e distantes, no tempo € no espaco. EM SINTESE No tempo: meus antecessores, para com os quais tenho uma «canslerndo a relvinia quetem aakeridade ra filo de Pa Rieu, Oe oarigpapesertnas rinclpais mans plas divida que devo reconhecer, meus sucessores, que devo levar em consideragiio nas conseqiiéncias de minha: , portanto, em minhas deliberacdes e decisdes. A promessa, E Ps «qs 0 euiro 6 abordado explicita ou implicta, em cada iniciativa minha, pece para emseu tabulho de ensamero, Sem preender ser honrada, No espaco: meus contemporincos, préximos e _msneno.Sen rent distantes, da intimidade do amor & impessoalidade do ano- ote procurindcar sa presega do outro emyirios momentos de de descricao fenomenolégica clas relagdes sociais do filésofo sev pecuse, Dé desaque 0 sé-mestno como un ‘uiro, ican 0s muitos vez por Ricoeur, os problemas relatives ao distanciamento sls dese our que 6 mes const da idenidade A meméria e a hist6ria sto objetos recorrentes Ge sy hunano, Examig, nimato, pasando pela pessoalidade da amizade, © trabalho € socidlogo austifaco Alfred Schitz € evocado mais de uma temporal, sua atengio ~ da coletinea Histéria e verdade, de 1955, Pari, soa presen no peo no reconcimenio monumental A meméria, a bistéria, 0 esquecimento, de 2000, minus, cxn0 exemplos ando por Do texto @ acdo (1986) e Tempo e narrativa 2 Patclaridade das el . abordagensproposts (1983-1985), para s6 nomear as obras principais. or coe, pa Ricozur Mas além de estar & nossa frente 8 20 nosso lado, 0 outro também esti. em 1nés, Sou um outro. Sou outro, diverso de mim mesmo, Mas esse outro, dverso de mim, sou eu mesmo, Outro, mas © mesmo, O mesmo, mas ut Si-mesino como um outro € o titulo da obra fun damencal publicada em 1990, Eis uma forma cental de presenga do ouiro, de que darernos uma ita logo mais. FRONTEIRAS DA FILOSOFIA E hf ambém, segundo Ricoour, esse Outro que me interpela primero, ante- fior a qualquer reflexio ou palavra hhumama, Deus, Esse ouzo que fica reco hecidamente fora da esfera da razio, objeto de uma convicgto profunda da parte de Ricoeur, permanentemente atestada. Mas que & sempre mantido & distincia de todo o seu trabalho flos6- fico. Jamais & wazido a investigagio € 2 discussio flosoficas como argumento, como principio ou como fundamento de qualquer idéia ou perspectiva teria Pode estar presente, reconhece Ricoeut, como parte dessa motivaglo jamais de Ricoeur atirmé repetidas vezes que sei a interlocucio com s outro, com seus ou a filosofia condena-se a esterilidade todo explictada ou explicada que deter- ‘mina, 2 revelia das escolhas deliberadas o sujeito, as questies que 0 tocam, nas ‘quais Ihe iteressa pensar, que 0 est ‘mulam a pensar. Deus € esse Outro pre- sente no plano das conviegdes pessoais, ausente no plano das angumentacdes racionais, Em férmula lapidar, disingue Ricoeur: um eristio fildsofo, mas ndo um fidsofo cristio, Um outro que a razio nto alcanga, um outro que nilo serve A razio, um outro que a razio mantém sistematicamente fora de seu campo de trabalho filosic. HE ainda um outro da rao, dessa razio que constitui a floso outro da flosofia que merece «ates co de Ricoeur, esse outro que esti nas fronteiras da filosofia’ ~ expressio 1902 1904 190519101911 19121914 presse a Guora | Rewlusso Pars SinYatsen | Gueres riinca soem ssn Mexicana, preclama a dos Bucs, a Guere —_Javonesa, | Aopiica— teminads “os Bras, vena aching, on 113, Hineladaem el Japto, 11088, ente 0 ‘que serve de subtitulo 2 sua coletanea Letturas 3, também retomada no capi- tule 5 do importante livro de Olivier Mongin dedicado a0 pensamento do filsofo, Se Mongin enfatiza “o desa- fio do mal’ (titulo de um ensaio de Ricoeur) ¢ a alteridade do pensamento teol6gico, 0s ensaios da coletinea jf ineluem outros terit6rios ¢ a totalidade da obra de Ricoeur permite pensar em outras fronteiras. or um lado, essa nogio de fron- teira fala do limite de um terrt6rio fi estabelecido, ji desbravado, que aponta part que esti além dele, a “tera ine6gnita” a ser trilhada, o que ainda esti por ser conquistado pars e pelo conhecimento, Aquilo que € objeto objetivo da filosofia, ainda impensado ser pensado, como retoma Ricoeur do filésofo e psiquiatra alemao Karl Jaspers, um dos expoentes do existen- ‘alismo. Por outro lado, diz respeito & linha tagada entre a flosofia € outros saberes, desde 0 saber trigico que 0 pensador francés nomeou num de seus primeiros ensaios, publicado na res cOLEChO| Esprit em 1953 € recolhicdo em Leituras 3, até o saber das ciéncias, com 0 qual vai estabelecer um diflogo fecundo ao Tongo de toda a sua obra, Atravessar as fionteiras enize os dife- rentes tipos de saber sem embaralhar = suas especifcidades, estabelecer pontes preservando as distincias, construir didlogos fecundos de uma perspectiva 2 ou posiglo claramente filoséfica que reconhece e preserva a perspectiva e a posicao de seus incerlocutores ~ eis um modo de presenga do outro, um modo Bde dar presengt a0 outro bastante 2 caracteristico do trabalho de pensamen- to do filésofo frances, Ricoeur vai reafirmar virias vezes que sem essa interlocugio com seu ‘outro, com seus outros, a filosofia con- dena-se 3 esterilidade ou a uma morte A mingua As vezes ‘conta, condenando-se a rodar em citculos cada vez mais estrei« tos, girando em tomo de_ problemas n ver mais ielevantes, asfixiando- se. Todo grande filésofo,afirma ele, teve sro no desenvolvimento de seu ensamento, O outro de um outro saber, (0 outro da realidad, da vida que nto Ea reflexio, que € objeco de reflexro, esse outro que € © instigador da refle- xo; ambos slo essenciais para evitar © ccolapso dla flosofia como sistema fecha- do em si mesmo, )H SI-MESM E dessa _perpeatva de_uma filosofa aque se faz dialogando com o saber das ééncizs, uma filosofa reflexia que é centendida como “reapropriagto de nosso dese de ser e de nos esforgo para exis’, que gan relevo um outro outo uma our forma de aleridade. Tratase daquele outro que € constutivo desse sujeito que deseja ser e se esforea para exist, dese sueito que se consti como um simesmo, Ese outro ndo € acess 2 constiuiglo desse sujet nem lhe € simplesmente exterior, mo mantém com ele uma relaglo contingent: que possi ser comacla ou descatada. Esse outro & coniologicamente constiutivo desse se: 1930___ 193219331935 193619371938. ‘Um movimento Guerrado—Onazisma —Tropas. Viliria eeltoral = Guerraentre A Austria é roowowo” Gh ane aeeer” Mls ategPouar eCieaoe amma arose Svan gusirea canta mune lptecue Ana meets Panga, erm, steps” atapum, —beemsgo qe ait Seine, lentes Gnade Sep Washington | em 1935, ‘Espanhola, que da regléo etme | oeravtra fecha Seles fuiovonas pamela Somene Sates ‘omni an cuits to. $6 poderemos compreender 0 que é Co sueto humano se compreenidermos de que maneira esse outro esté presente nele de forma assim tho intima © uso do termo sujeito aqui nao € indcuo ow neutro, Diferentemente de utras posigdes filosoficas contempo- ineas que destituiram 0 sujeito, nto 56 de seu lugar de fundamento como também de sua propria existéncia, 0 trabalho de pensamento de Ricoeur vai reafirmar a existéncia de um. sujeto, Tratase, entretanto, de um sujeto que nao ¢ fundamento, nem do conheci- a existéncia do mundo, nem de si mesmo. E um suit que, por re 0 dard a, pode ser sugerido pela expresso ‘cogito ferido” ow “cogito partido’, um sujeto justamente atravessado € cons: tituido pela alteridade, Um sujeto que mio € transparente a si mesmo, que € estcanho a si num cero sentido ~ si ‘mesmo como sum outro, dz 0 titulo da i referida obra publicada em 1950, Um sujelto que s6 pode se conhecer por meio de milliplas mediagSes, prineipal- rancesa de raiz carte. Sena paenointa Raears a gueracenze Copies Mundial, | Fecoraiptsse 68 loa, de Sina arin ote tn a Givecane Hatusie Ginnsten fe fephen Taame, 60 Pais, erase, Rogan. RicoEUR mente pelas obras da cultura que pro- dduz e em que se ceconhece. Um sujeito que no € 0 “eu” de uma representagto dada a si mesmo como ponto de par tida, mas um sujeto que se descobre ‘como ‘siemesmo" ao ponto de chegada de um longo pereurso, pela retomada reflexiva de suas acbes © riagdes. E evidente que entre 0 ponto de partida e 0 ponto de chegada hé um processo, hi tum tempo que passa e que tudo transforma, Um tempo que tan bém € constinutivo desse sueito, € sua vida, sua hstéra. Um tempo em que cle sofre mudangas,transforma-se em out, F le mesmo, mas € outro. 6 mio & 0 mesmo de quando part, no entanto ainda € ele mesmo, Si-mesmo como wnt ‘outro, Para dar conta dessa dimensio temporal do sujeito, dessa alteridade temporal que também 0 consti como semesmo, Ricoeur eunhou a noglo de identdade narrativa’, objeto de outro amigo nesa revista. A presenga do outro fem simesmo por conta do tempo, esse outro que € 0 proprio si-mesmo. Como vambém € eviderte que, 20 longo desse tempo, a historia desse sujelto entrelagou'se com outras. No sentido mais comum do termo, estabe- leceu relagbes com outros sujeitos, em diversas circunstincias, com diferentes formas ¢ niveis de intimidade ou dis- tincia, Relagdes em que a perspectiva ica €, para Ricoeur, fundamental. Sem pretender que ela abarque todas as ddimensdes dessas relagdes ou muito ‘menos que essas relagdes sejam apenas “éiicas’, € preciso reconhecer que no peasamento de Ricoeur essa dimensio ‘ica ocupa um lugar privilegiado. Mas para compreender esse modo ético de presenga do outro, € preciso exami nar mais profundamente 0 tratamento que ele di a ela, assentado na tradi- io filoséfica de Aristteles a Kant € em diflogo com seus contemporanecs. Considerando que esse dimensio seri tratada em outro artigo nesta ediga0 de Mente, Cérebro & Filsofia — 0 século XY, destaquemas apenas que, a0 def- niraética como “intengao de una vida boa, com € para os outros, emt institu ‘goes justas’, dstinguindo-a das normas morais e implicando no seu exercicio uma sabedoria pritica, Ricoeur abre ‘uma perspectiva bastante ampla para abranger muitos e diversos “outros” nnesse modo de presenga. E mesmo essa relaglo ética com 0 outro nao é de pura exterioridade, ela €, no sentido forte do temo, constitutva do si-mesmno. CONSCIENCIA-EXPERIENCIA A ideatdade desse simesmo que nés somos € no apenas narativa como tam bém éics, dois modos de presenca do Cutto em n6s. Mas hi outs, Podemos identificar a0 menos és outras formas disso que se pode chamar de presenga o outro no pensamento de Ricoeur ‘No décimo e thtimoestudo do lvzo Si ‘mesmo como un outro, no esclarecimento ‘oriologico a espécie de entidade que & esse ‘s-mesmo", tem grande importincia © que ele nomeia como sendo a “elapto dialéica ene ipseidade e akeridace’ reagio que € propria ¢ determine desse sero singular. Deixando de lado toda a complexiade de sun anslse, ressalamos apenas que ess slteridade Funtao Garretts oe aRepiblea Cuda ogondo Iibrtapa Pepuer —nrt-cerenes, daApiia _intrvnsio argo: Nesadapor | Angoe.Facassa Ubertagéo de Estados ra qual oo caching, pela” decom —tancoiselenss® Fie Casto odesemborque Moqambigue, Undosna__‘saelenses ‘A¥anda Chia Popui, ances, rouvalzaca, Rebelo alnca a |acasistena Os mercrcs’ Guera do. dela fora-se uma esu-creans, alcanada pea sustntdoe, | em 1962. Independent, por ropas ldots, ‘Um armistcio ‘Sind om 1953. 10 se manifesta nas ‘variadas experiéneias de passividade entrelagadas de miliptas maneiras ao agir humano”, das quais ele destacatrés: 0 corpo prdprio ou a came; o estranho ou outrem, a consciéncia Por mais estranho que pare Jum senso comum acostumado 3 iden- tifear 0 sujeito com a consciéncia, ou a conseigncia como o que € 0 mais préprio do sujelto, aqui a eonseiéncia € revelada em seu catiter de alteridade, igo que acontece a0 sujeto, wma experiéncia que o sujeito mais sofre do que domina, Tratase justamente daque- le sujeto descentrado, deslocado, ito mais um eu identiicado consigo mesmo ‘ou com sua representagio imediata de Sia que nos referimos antes. Pode-se recoahecer nessas experién- « clas de passividade uma reformulagao das figuras que a alteridade assum ‘como 0 involuntitio que se encontra na base de todo ato voluntirio, tal como ‘le formulava em sua obra de 1950, Filosofta da vontade 1 Assim, uma segunda forma de presenga da alteida de em nés € a do involuntirio que nos A identidade desse si mesmo € nao apena como também ética lois modos de presenga do outro em nés ‘constitul, a ser reconhecido sob 0 volun: tirio com que habitualmente nos identi ficamos. Também sto irs 0s destacados por ele: sob a decisto, encontramos os miotivos; Sob 0 movimento voluntirio, (8 poderes; « sob o consentimento, a necessidade ou 0 involuntario absoluto, centio identificado como sendo a vida, 0 cariter e 0 inconsciente. Pode-se dizer que esses outros ~ a ‘vida, 0 carter, 0 inconsciente, os pode- res e 05 motivos, na ultima formula- clo, tanto quanto a care, 0 outrem ¢ ‘a, na formulagio anterior ~ io constitutivos do si:mesmo, que se afiema € se ia Feapropriagio que faz deles, reconhecendo-os como seus, reconhecendo-se_neles, Reapropriacio reflexiva auavés das mediagdes da acio, da lingvagem, da narrativa de su pro pain hiséia, Esse reconhecimento de Si nlo se dé isoladamente, passa pelo reconhecimento do outro € pelo reco ihecimento de st pelo outro. is « terete forma de preserga do oro & ser destacada, essa que € a do jouro que me consul na reciprocidade de um reconhecimento mituo, tal como Ricoeur investiga em sua dima obn, Percimo do reconbecimento, publicada «im 2004, Ee pretend enrever nessa rec procidade a possibildade de superar uma luta pelo seconhecimento que se exten deria até more, como oa clssca figura estbelecida por Hegel em sua famost dlaltica do senor e do escravo. Ricoeur toma como ponto de partida a ‘dificuldade encontrada pela fenome- nologia ao derivar a reciprocidade da lissimetria presumidamente origindria da relago do eu com outrem’, tanto ‘a que toma como referéncia 0 polo do eu, como Edmund Husses, quanto a ‘que toma como referéncia primeira 0 1971 1973 1974 1989 19901991 1999 s Sener ERE STD ROSS | Noilgies Guorade—Gueraco A Reolgto Gunna Os tdnicos A darubada Topas cas Inbioda | Guorade Kosovo, eesucimes Hanjadeh, Yar gpu, cx Cras |sovebeudoIraqu, vemares dota Naces—ragnenago da | dane 2 ‘operancsne —qieresitane qua crfto elmiracs Atego, que 2 agotins ce erin Unidas exugrsdvia. ropes da Franeaconta independince one bes resquics do quose—eslende na Guerra asrala —deotam os soho Go atatar os trv, gaits, dass arti, eivaeerses, salmarsmo —prourga 181968. eas Males om da raquanos USS. Femacdo que epriian, Forma daum af ont Glpe itar em Porigal_ até 1808. (Falands) Guerra Fiz, maura aConuniade a peplado over socialists inoyrage ao demubaoerecsaheceeProdamao foGaita Sesto —majoalamonte amor na Paqusiée. govsrmode_ independscia ds Rapa Reucazo indeendenes atonesa cust Tehecosorecia, Sakodor dag antas—_lsmca Gold daNemarha, (CE euindo provi ssnagado plas ‘lerdeno cols. slurs tropa do boo Chie ats repibicas sous, u wn Ricosur polo do outrem, como o franco-lituane Emmanuel Lévinas, tradutor de used. ‘Nas duas tentativas, Ricoeur mostra que ‘a dissimetria persiste como pano de fundo da reciprocidade”, sugerindo ser a reciprocidade “uma superacio sempre inacabada da dissimetra’ esses chias posigdes fenomenol6- gicas, Ricoeur passa pele discussto de Hobbes © Hegel, em diflogo com a reatualizagdo que deste timo faz Axel Honneth em sua obra A luta pelo reco ‘becimento, considerando-a aémiivel principalmente pelo esquema triparti- do 0 encadeamento de “tres mode- Jos de reconhecimento intersubjetivo Go colocades sucessivamente sob a Ggide do amor, do diseito ¢ da estima social” e suas comrespondentes figuras de negacio, “suscetives de fornecer .) uma motivagao moral As lutas socials” (Percurso do reconbectmento, pag. 202) Depois ck: percomé-los com atengto € discutilos com 0 auxitio de oatras autores, sem negar seu valor, perguntard Ricoeur pela possbilidade cle ir akém de sua Gnfase na luta, na ciregio de um reconhecimento) mtituo em que a reci procidade possa substitu a tuta, le encontra seu modelo na “toca de dons’ descrita © analisada pelo antrops- logo Marcel Mauss, forma de troca apa- rentemente desaparecida, subsiuida pela “roca mercanil’, mas que na realidad subsise mum outro nivel, sustentando lum outro tipo de vinculo social, peini- palmente em seu momento de celebra lo rival, fesivo. Entretano, depois de anatisar 0 que seria uma “economia da diva", com essa presenga de um out a que se cif sem nad pedi em toca, Ricoeur mio deixa de encontrar tenses {ue aportam para um limite aquela pos sivel substtuico da luta pea reciprocid de: “A experiéncia do dom, além de seu caritersimbico, indieto, ra, inclusive ‘excepcional, € inseparivel de sua carga de confit potenciaisvinculada a tensio cada entre generosidade © obrigacdo” (Percurso do reconbecimento, pig. 57) O prrpio piFicit Essa forma de tenuar dar presence 0 outro pelo reconhecimento meiuo passa, de ceria maneira, por suas ela- 12 MENTE, CEREBRO FILOSOFIA ntituo boragdes sobre "o perdao dif’, no epilogo da obra publicada em 2000, A memoria, a istéria e 0 esquecimento, ‘Também 0 perdio € uma forma sin- ular de dar presenca 20 outro. Fle pressupde, por um lado, a imputagio da agio ao agente, reconhecendo suka responsabilidade por ela € por suas volo rel pede per fia ile injusticada ~ uma forma singular de dar prsonga ao outro conseqiiéncins, Por outro, pressupde também um juizo moral negativo sobre ssi acto, que torna o sujeitoaprisions do a ela, culpado, com uma espécie de divida a saldar ow pena a cumprir D i880 que Ricoeur nomeia como sendo a paralsia de sua eapacidacle de agit", O pertlto o liberaria desss paralisia, des- vinculando-o daquela agio, dando-lhe 4 opomunidade de recomecar, de agit novamente, de tomar novas iniciatvas em lugar de continuar respondendo as conseqiéncias daquets, Sem 0 perdio © sujeto estaria para sempre vinculado Aquela primeiea iniciativa, condenado & wil Shakespeare, 0 ‘SKY Mmnnon (esplho do chu), istalagh do ‘artista inlano Anish Kapoor no Rockatellor Center, Nova Yerk, 2006, histéla de um ‘suelo entrelaga-so com outras ficar etemamente tespondendo por ela © contraponto que se levanta quase que inevitavelmente a essa perspectiva de Ricoeur sobre o perldo € o esqueci- mento nieteschiano. Solugao bem dife rente para o vinculo entre o agente € sua agao, coloca em questio esse lugar atribuido ao perdio, sugerindo que sua pertingncia se di no interior de uma perspectiva mais ersta do que simples- mente ontoldgica. Nao € 0 e280 de entrar no det mento dos pontos de vista que seria rnecessério para uma jusia avaliagio das respectivas posigées, Ainda assim, esse contraponto pode servir, no contexto dessa apresentago da’ presenga do outro no pensamento de Ricoeur, para colocar em questio a possibilidade da sustentagio de uma sociabilidade, de ‘um minimo de vinculos socais estivets, se levado as siltimas conseqgéncias 0 cesquecimento niétzschiano como estra- {gia ou caminho de libertagdo do suiei- to da responsabilidade pelas conseqhén- cias de seus atos, de desvinculamento entre 0 sueito seus atos. Pois se verdade que & lembranga das dividas vincula e aprisiona, como parecem reconhecer tanto Ricoeur quan- to Niewsche, limitando uma libercade ea pur afirmagto da. propria vontade, expreselo de uma forga natural nobre por natureza segundo Nietzsche, essa talvez seja condiclo necessiria no sé cha sociabilidade como também da. pro pria sobrevivéncia do humano, © sobrepeso dessa. sociabilidade, seU peso insuponivel niio 56 para 0 nobre nietzschiano, enconiraia alivio nesse perdio, que desvincularia 0 suet to de seus atos ¢ de sua divida, sem tirar sua_responsabil © vinculo entre os sujeitos, mantenido @ convivéncia necesséria, numa forma de socibilidacle que nfo sufoca até a more justamente porque inclu a poss bilidade do perdio, reconhevendo que faltassio parte da conch E de sun imperfeico e fragilidade. le, mantendo ‘www. mentecerebro.com br Portanto, nto devem condenar neces- sariamente & exclusdo nem precisam ser gnoradas como tais, transformadas num cexercicio de forga ou poder enobrecido ‘como expressio peépria que despreza (6s outros, Essa Gitima soluglo também exclui seu sujelto ~ que nem se reco- rnhece como sujeito, jé que € mera forgt natural em movimento ~ se nao de toca relaglo, jd que se exeree sobre outros, ao menos de uma relagio de igualda- de ou de reciprocidade num mesmo nivel. Constitui-se apenas na dissimetria onde um exerce seu poder sobre outro, rum jogo de Forgas em confronto, hie- rarquizando-se pelo combate, numa areviravolt 2o, mas sempre io de poder. biecarquia sempre sujeit sempre testada a cada a vericalizada e de ex FRAGILIDADE HUMANA Bom para os forts, sia Nietzsche, que se desvencifham assim da forga dos facos. Desconhecimento ou recust da fragiidade prépria ca condizto humana, poderia lhe responder Ricoeur, condiglo que se realiza na convivéncia © clama por atengio a sua fragilidade, para que se sustente na consteugio de um mundo humano, na manutengio de uma cesta sociabilidade, Sociabilidade que, embor demande ¢ determine normas € regras, PRESENGA DO OUTRO E INTERPRETACAO 13 RICOEUR CRONOLOGIA 13 NascuesTo De Pabt RICOEER 1 VALENCE, FRA 232 Gowns Bx ruosona FLA UavEiDAbe DE RES 035 Toms NESTAE EN ALOSOR HA Sonos (UnimESDADE DE. PAKS). 2) Auusabo vo exerro resets, ex ‘sono bos ALAS DURA: DX A464 Usorasane ne Essa To bovrow ft osorts La ScROONNE PLILEA 0 Maen YOLEN te Breer yosroe,oBta tx Ts ‘alts, o tun pass ato et 1960, 195) Orr's ameranesry A G¥sRs D8 Anca DA ALIAS Nos EsAbO® UNDos An 1992, sv Your, wt Univesinade DE CCncaco 1a ovmS ISeMUIODES. 1095 Punic Miro vous 10956 Thassrene-se Pata 4 SonDONNE 19 Pues 0 sumousvo 20 aut, 1965 Panu Da vrneneraci ‘Bs soon Fan 1987 v rata Nasroue (Unvasioape 28), ONDE Se APERENTA 1980 96 Pemuca 0 covino oe asewrignes ‘pssuns ne mantic 1975 Ponca A aro in & Thome iceman o wcrase 0 ExC380 be sexe. 1 aga Tao z wun, es vou, 6 tno vas HEAD Ew 1985 Pumica Do mex 4 aca & O wat unui Siansuo cnao tot. Laxeaunto ne Leeremes 1,23; 0 carat VOLUME APARICE E1993, 090 Pues A evo, «sree a psorrauesto, 104 Punuica Peaceaso 10 anconrmcen, 105 Morr Pau Racor et Carey Malapan, Pana, 14 MENTE, CEREBRO 6 FILOSOFIA Em suas investigagdes, Ricoeur exercita a atencio e 0 didlogo com 0 outro, tentando compreendé-lo em sua alteridade propria, sem reduzi-lo a0 mesmo lo se esgota nela por sus imposiglo rigida sem nenhuma flexibilizaglo, sem nenhuma aberurt Para o que escapa a elas. A figura do perdio seria justamente essa possbilida- de de lidar com as agdes que violam as norms sem ter de excluir © agente da cconvivéncia, dessi sociabilidade que o toma humane, que o humaniza, Nesse sentido, a relagio assimétiea cenize a falta e 0 pero recoloca a ho zontalidade: da sociabildade, enquanto (© simples esquecimento do que se fez e no se mancém ‘PAUL RCDELR, rst sto, um dos responsvls pola alortzagso contemportnee ‘da homendetica no cone do pensamen rmantém a verticalidade de um poder que se exerce sem consideraga0 pelo outro, sem se importar com a manutengto de qualquer sociabildade horizontal Assim, se a relagdo enire a falta ¢ 0 perdio € reconhecidamente assimética € vericalizada, embora com resultidos “niveladores’, seriam indispensdveis 30 reconliecimento mituo uma hor zontalidade € uma cera simetrla. No entanto, como vimos, 0 reenconiro da dissimetia na economia da didiva e suas tensbes potencias leva Ricoeur 8 ‘onelusto de que essa lutatalver seja mesmo insuperivel, Mas com um aden- <0 importante: “Talvez a luta pelo reco- ninecimento continue sendo interming- vel: ao menos as experiéncias de reco- nhecimento efeivo na troca de dons, Principalmente em sua fase festiva, conferem a luta pelo reconhecimento a seguranca de que no era iluséria nem VA a motivagao que 2 distingue do ape- tte pelo poder, & que 4 coloca a0 abrigo da fascinagio pela viol ia’, (Porcurso do reco- nnbecimemto, pig, 258) Ainda que perdio © dom susctem ques- toes de virios tipos, inclusive quanto a sua ef dizen- do melhor, quanto 20 aleance de sua efetivi dade na realizagio do modo de relagio com © outro, no deixa de ser importante destaca- los como. exemplares desse olhar de Ricoeur, sempre atento, aberto a buscar aspectos pouco considerados ou abor- dagens pouco usuais para tratar de proble- mas ji tradicionas, Parece-nos evidente {que em suas investiga- cies ele exer weno € esse diflogo com 0 outro, tetandio compreencléto em sua akeridade propria, sem reduzilo a0 mesmo. Como ele escreve ao final de Si-mesmo como tn outro, nem mesmo uma tal zaglo das diferentes formas de alterid de deve ser entada ou sequeresperada i que seria uma forma de destuir sltercade incorporando-as a uma toa dade unida que as abarcasse. Assim também, assentado na ¢icao de pensamento ji bem sedinen- tada, faz dela a sua base para pensar mais ¢ levar adianie a invesigagio, sustentando essa perspectiva de mantet simutaneamente um dlilogo com as formas mais tradicionis e uma aberara so diferente £0 seu modo de paricipar desse movimento. de inovagio com 0 qual cultura secimentada nao se tna > esti Como 0 fer ac as aporias da reflexto filoséfica sobre empo no campo das narrativas, como 0 procurar a resposta www sentecerebro.com.br fez 20 investgar esse ouiro que nos cons titui pelas perspectivas inustadas ~ nao fem si mesmas, mas na sua aproximeng30 pela abordagem da alteridade ~ lo perio eda didiva, que “poe de um modo pouico usu, juminando aspectos dessa sua present em nés, E também por esse tipo de visada inovadora que 2 estardalhago, vai se de letra indispensivel, convidando a pensar mais ¢ melhor. enito esse out cobra de Ricoeur, sem impondo como cen de ess, a Utes (Us), en a Pale, ccna do GT Flosfa Francesa Ceneporines de soar aoa be De algae Fs — ap Pubic ene cas, ar wna psa da dered fpasinaa ane de romance em Teas hPa oe ges ay, 208) ed Pe ner) Porareerrer tr Eat errand Coe 0 pow De pARTIOR ‘Ua filcsofia do cot ferio: Paul Ricoeur Jez Mate Gagnain, er Lema scerer esquce. Ed. 2, 2008, ‘ertia © a conieeso Pal coo Edges 70,1067, ‘On PaulFicoour:the ow of Minerva Fichars ecm. hate, 004 Paul Ricoeur: as frontiras da oso, Cir Margin. tuo Piaget, 1997 OESSENGIAL 00 AUTOR. ‘Soi-méme comme un au, Fu! coo Saul 1980, Peeurso do reconheciment, Pal looeut Loyal, 2005. PARA IR MAIS LONGE Lectures 1,23. Pat icons Saul 190 1969; ago pri om Lata 9,2 3. Loyola, 1995-1806, PRESENGA DO OUTRO E INTERPRETAGAO 15, () que € interpretar? (0 mundo da acao e o mundo do texto Ateoria da interpretagao de Ricoeur POR MELIO SALES GENTIL reconhece D Pes Plisea nonce cu rorentio a /acquaro. Papel cnttal conferéncias na ‘Texas Christian University que, revisas e amplia- Galina das, sero publicadas em 1975 com o titulo de Teoria da interpre- Be naa 5 i 1acdo: o discurso e o excesso de significagao, sua elaboragao do que seja interpretar esti bem adiantada, Ele jé publicou sua leitura filo- SOfica de Freud, cujo titulo é, significativamente, Da interpretagéa: ite aire censaio sobre Freud (1965), e sua segunda coletinea de ensaios, O60 argo arse os conflito das interpretagoes (1969). Sairia em breve A metéjora viva erenos da conbuigo de (1975), consolidando a nogio fundamental de *referéncia metafo- interpreta, rida pr da rica", mas ainda se passarlo alguns anos antes da publicagto de indicar soa posigao Blosética © Tompo e narrativa, na qual o conceito de “wiplice mimese”, as se dg com dle tere, aproximagdes entre narrativas de ficglo e narrativas histéricas e 2 mele suas relagBes com a experigncia humana do tempo completarlo 0 frecesw tric de pride caarseinecns da tiled hs aren Rarmeolen, i kaibiec do; Seo qual se do as interpretagdes especificas. Sua terceira coletinea de ‘se realia¢ ganba seride no ss Interior do que ele nomela ensaios, Do texto a ago: ensaios de bermenéutica If (1980) apre- camo um ares Remexio” senta uma sintese desse percurso, de seus resultados e também de ‘Cambiaso nets proce objetividade e implicagio subjetiva, suas aplicagdes ou conseqQiéncias, apontando para seus desdobra- eld uns compre : ae tulad de snes edo mentos jem andamento na direglo a uma teoria da agio ea uma __—_— fom de snes antropologia, a do homem capaz. Em suma, sua contribuiglo para no conto das iterpresagies, -reconhecido como inevitivel, sem ‘evar no emanto a0 relativism uma teoria da linguagem e do homem. como cui. uma teoria da interpretago € vasta e profunda, implicando toda 3 3 _ Riconur TNTERPRETIGAO MULTIPLOS SENTIDOS *O que voce quer dizer com isso"? Todo mundo, em algum momento, de sua vida cotidiana, ff fez ow excutou ssa pergunia, Alguns, por exercicio de reflexao ou exigencia profissional, pase ‘saram daquela para uma pergunta de segundo grau, fi indicando uma preo cupagdo que se poderia dizer técnica como posto entender bem, melhor ou ccomretamente 0 que ele esti me dizen- do? Em meio a tantas interpretagdes possiveis, qual delas escolher? Como jolgar a veracidade ou a validade de cada uma? E ao tentar responder, talvez se vejim levados a perguntas de um teroeico grat, aquelas que sio consi- deradas flosoficas € que talvez. possam oferecet as bases para a resposta 38 anteriores: afinal, o que € interpreta? O que fazemos quando interpretaimos algo que alguém nos diz? Paul Ricoeur chega a essas ques ‘0 DEUS SOL RA, em forma d gat, mata a serpente pots, simboloegipcle do mal. Pintura da Para Ricoeur, 4 linguagem tornou-se “um dominio sobre o qual se entrelacam, hoje em dia, todas as pesquisas filos6ficas' toes sobre a interpretagao por via de sua investigacio filosofica da vontade, Empenhado inicialmente na dese fenomenolégica da vontade, procuran- do claborar uma distingio entre 0 yoluntério e 0 involuntitio na agd0 humana, ele depara-se com a questto do mal. Descobte que a reflexao tem aacesso 20 mal por sua expressio simb6- lica, ito €, pela mediacao dos simbolos com que as culturas apreendem, expr mem ¢ co forma a esse mal. E preciso eto entender © que s0 08 simbolos, como funcionam, © que significam. A hhermenéutica define-se, nesse primeleo fumba de Sennegjem, no Eto. Uma cultura apreende e exprime © mal por melo de silos 18 MENTE, CEREBRO 6 FILOSOTIA momento, como trabalho de dectfraedo dos simbolos, esses signos que, em seu sentido literal, diteto, apontam para ‘outta coisa, um outro sentido que s6 se revela pela interpretagio. Interpretar € ‘aqui, eslarecer esse duplo sentido. esses simbolos 2 linguagem em geal, a passagem é quase inevivel, ‘como fo inevitivel a passagem do pro- bblema do duplo sentido ao problema dos _miiplos sents. Fm que pese 0 sono if amigo de univocicde, a linguagem petmanece repleta de muitos sentios fem seu uso comum, colocanda 9 proble: ma da intespretacao ~ entre tantos mal: entendides, como eompreender 0 outro ce como me fazer entender por ele? Para Ricoeus, 2 linguagem tornow-se ‘um dominio sobre 0 qual se entrela ‘cam, hoje em dia, todas as pesquisas filos wterizando aquilo que alguns chamam de sua *virada ling tica”, Podemos dizer que sua teori cha interpretago. tem como base 0 r6c0- rnhecimento dese lugar central que 4 linguagem e os simbolos. ocupam fem nossa exiviéncia. Hla contribui, a0 mesmo tempo, para esclarecer esse lugar e paca a formulacio de uma teoria igeral di linguagem, Se toda teoria da interpretagio inclui ou esté assentada ‘numa concepg0 da linguagem, scia cla explcitada ou nio, a de Ricoeur cestbelece-s¢ junto com a elaboragio de tal concepgio € suas implicagoes filosoficas. Essas elaboracdes tém como horizonte maior uma antropologia. ou ontologia do homem capaz ~ capaz de agit, de falar, de narrar e de avalar eti- camente sta agdes. MEDIACOES SIMBOLICAS Da perspectva dle Ricoeur vai reverse indispensivel, part a compreensio do thumano, 1 consideragio dessa medingdo dos simbolos e da lingagem. Tanto 0 & acesso 2 experiéneia do mundo quanto essa prUpria experitncia 0 medizde pelos sistemas simbdlcos, sejam 0s da 2 perspectiva teérca que se adota, sejam 2 0s cla cultura em que se vive. Num enstio de 1965, “Existéncia e # hhermenéutcs", ele apresenta a estrutu- 5 ra de um pensamento que reconhece © 6 lugar insuperivel dessa mediagdo.€ © -ESTELAASSINA RECRIADA EM FORMA CINGULAR, obra da iaquiana Fire A-Adhomy, 2008. rede ‘Ambélea da cultura tecda pelos homens, pola able de signicados 2a mundo ea si prpros aceita 0 desafio de levis em conside- raglo em seu proprio desenvolvimento, Trata-se de, na chicidagto reflexiva da existéncia humana, considerar sucessi vvamente os planos semintico, reflex vo ¢ existencil, fazendo sua aricula go sem desfazer suas especificidaces Realizando 0 que chama entio de ‘enxerto hermenéutico da fenomeno- logia’, ele posiciona seu trabalho no entrecruzamento da filosofia reflexiva francesa de origem cartesiana com a fenomenologia husseriana € neutica filossfca essa itima vertente, que trata tspecificamente do problema da inter- § pretaglo que aqui nos interessa, evoca como seus antecessores¢ interlocutres Schlelermacher, Dilthey, Heidegyer 8 Gadamer, reconhecendo no tr § deles a constiuigio de uma hermer tiea propriamente filoséfica, em dois movimentos principais. Primeiro, 3 passagem das hermenéuticas regionais em particular da exegese biblica, do dirwico € da filologia cass preocupagses a0 mesmo tempo ma especializadas e metodologicas ~ 2 her men@utica geral de Schleiermacher, com preocupagdes maisamplas de compreen ‘80 € fundamentaglo do processo de inerpretar. Segundo, na passage da problemitica da epistemologia das cién- cis do espnito tal como trabalhada por Dilthey & ontolgia da compreensio desenvolvida por Heidegger. & em rea- «20 20 modo como se reinem na obra de Gacamer todos esses. problemas aque Ricoeur se posiciona pars levar adiante a invesigacio henmenéutica € dar sua contribuigao, Ele toma como ponto de panda © foco estntégico @ problemitica do texto. Elucidar 0 que & um texto © como se dé 0 processo de sua incerpreagao langari. huzes sobre 2 interpetagio em ger, esclarecert aspectos importantes da participagio dh lingvagem na. exiténcta humana e, trai ainda, servick de parimetro para a compreensto do sujeito, da agio € da hist Sem ignorat as perspectvas tericas que véem interpretaglo em todo 20 ligghstico, inchs na simples nomes- 20 de alguma cise, Ricoeur reserva © ermo para 0 processo de esclarec- mento do sentide do que foi dito em palavras, admitindo-se que miliplas dlivergentes interpretagdes podem ser dadas a isso que foi dito. E evidente que se pode dizer algo com uma pala va, com uma frase ou com um discurso de muitas frases. Q forma uma unkdade esiratrada, delimi- tada, dotada de sentido em seu conjun- to, nto € sufciente entender cada uma de sus fases para perceber 0 que ele quer dizer. Seu sentido advém de sua totalidade, Coloca-se assim um proble- ma hermenéutico espectico, diferente daquele colocado pela compreensio de uma frase ou de uma palavra Isso se toma ainda mais evidente quando o discurso € fixado pela escrita, tornando-se um “texto” Ricoeus: “Chamamos texto a todo dis- curso fixado pela escrita’. (Do texto a ‘asd, pig, 141) O exame desse proble- ma espesifieo posto pela interpretagto ‘de um texto permitiré a ete, como dis semos, esclarecer nio $6 a interpretagio em outros niveis como também muito do funcionamento geral da linguagem. ‘A presenca do termo ‘discurso” na definigio de texto nao € inelevante. Em detrimento de uma abordagem da linguagem que privlegia a lingua ~ entenidida como 0 c6ligo a partir do qual se organiza a fala -, Ricoeur adota co tratamento da linguagem como discur- 0, enfatizando seu cariter vivo, em que sempre ‘alguém diz algo sobre alguma coisa « alguém’. Ha que elucidar esse processo em sua totalidade, entender ‘como funcionam seus elementos € suas relugies em diferentes contextos, n0 smundo, na vida AUTONOMIA DA OBRA Em primelro higar, 0 texto, como dis- curso escrito, revela de forma mais clara wn distanciamento que ¢ inerente a0 funcionamento da linguegem tem bém em outros niveis. Uma ver escrito, 6 texto revela-se como o trabalho de linguagem que é, uma obra de lingu- gem ~ esse seu cariter de obra implica gue ele é uma (orld fina dovada de sentido, Assim, escrito © delimitad, passa a exsir em sit materaldade ganha com isso vida propria, inde- INCA DO OUTRO E INTERPRETAGAO 19 pendente de seu autor. O que ese quis dizer, suas intengdes, ficim pa Irs, Permanecem 2s pal tais como foram fixadas pela esc Por isso uum testo encontram nele sigaificados que 0s autores no reconhecem como tendo sido sita, intengao dizer. Entre suas intengdes e a obra realizada ha uuma distincia, © texto desprendeu-se de suas intengdes, ganhou autonomia, is um passo importante na historia da hhermenéutica, em que Ricoeur acom panha Gadamer e segue adiante: a ‘autonomia da obra’ Essa lutonomia tem das consequén= jas imediatas para a interpretacdo. Primeiza, quanto a0 objetivo da inter pretagao: © que se busca interp — as do text, ntas vezes os intérpretes de Para Ricoeur, é 0 leitor quem faz 0 texto falar, quem atualiza seu querer dizer, seu significado, quem o traz de novo a vida num texto no & mais o que 0 is dizer. Segunda, quanto acs fundamen tos da validade de uma interpretacio: 0 autor ndo é a autoridade que estabelece ‘o que © texto quer dizer, 0 texto diz 0 que esti ali escrito, Insiaurowse uma ruptura ie as inten gbes do autor € 0 texto, Esse distanciamento que o texto enguanto discurso escrito realiza de forma to acentuada, torna mais vistvel ESCRIT E DELIMITADO, © texto passa oxistir ‘em sua materalidade ganna via proria, Independnte de seu autor ‘um distanciamento que ja ests presente ‘no funcionamento da linguagem oral No nivel da fala, como lembra Ricocur, se 0 ciscurso € realizado como enuncia o, um acontecimento, ato no presen te, ele a € apreendido como significado = aquilo que foi enunciado e que pode ser transmitido além dessa situacio, algo que escapa ao presente da enunciagso, algo que se distingue e se distancia do acontecimento da enunciac30, € preciso reconhecer também uma outra diferenga na passage da fala a escrta: num didlogo entre dois interiocutores face a face, pode-setentar resolver uma mio compreensio ou um rmakentendido por uma pergunta dis ‘ida a0 outro. Este responde tentando dizer melhor, usando outras palavras cou explicando com mais palavas. 1850 nito pode acontecer na leitura de um texto, O testo $6 tem a oferecer aquelas ras que 0 consi texto nlo pode ‘falar diferente” por si mesmo, usir owas palavras, nto pode levantar sua vor para corigt un compreensio de seu leitor ou tent dizer de maneita diferente © que foi dito, Fle diz o que diz através de seu te, 0 leitor. £ 0 leitor quem fiz 6 texto falar, quem atualiza seu querer dizer, seu significado. E através do leitor que 0 texto € tazido de novo a via xdo-se novamente um scontec no de linguagem. Se a interpreuglo permeia a quase toualidade da experiéncia humana, dai mo se conch que “tudo € interp ‘Gio” € muito menos que todas a8 inter pretagdes sio igualmente validas, wma se sobrepondo a outra ov impondo-se como a verdadeira por um jogo de forgas alheias ao texto. Ainda. que por eres {so acontega, é algo a ser supe mado, revelado € critieamente desmon tudo, para abr espago a incerpretagdes ma > prOpro texto. Ou sei Ricoeur nao conclu pelo relativism © texto tem uma dimensio objetiva, a de seus elementos © sua estutura, caja consideragio oferece a base paca a realizagto © a avaliaglo das interpre tagbes, lirandoas de ser met subjetivas ou resultado de outras forcas € imeresses, © reconhecimento dessa materilidade do texto € uma atencio a sua realidade especifica sto funda mentos para uma interpretagio objetiva, ‘estabelecem 0 tereno para uma cesta objetividade propria & interpreta E aqui que ganha seu devido lugar a. analise estratural do texto, 0 desen- volvida na Franga dos anos 60 a partic da lingdistica de Saussure ¢ desdobrada no movimento de pensamento denomi- nado estruturalismo, Recusando-the 0 estatuto de “modelo universal de expli- cagio” © criticando sua extrapolagio tantas vezes indevidla, Ricoeur vai apre cfar € incorporar a0 seu trabalho “as anilises estnaturais legitimas e frutiferas (9 aplicads em campos de experiéncia bem deter- minadas". Ve nessas andlises 0 sutgi- mento de um modelo explicativo origi- nal, advindo das ciéncias de linguagem, ‘que nada fica a dever a0 modelo das ciéncias da natureza, to insistentemen- te trazido ao campo das ciéneias huma 1a no intuito de Ihe garantir 0 estatuto de ciencias objtivas fem casos especificos (..) E sabido que Dilthey, em seu esforgo para reconhecer a dliferenca entre as ciéncias da Natureza € as eiéncias do Espirito &, a0 mesmo tempo, fundamen- tar estas tikimas como ciénecias legit atribuia 8s primeitas a tarefa de “expli- car", no sentido de encontrar as. leis ‘gers de funcionamento da Natureza, € 2s segundas no sentido de apreender 0 significado das agbes humanas, principalmente ta ‘como crstalizados nas obras da cultura Pretendendo ir akém da cisio mi dolégica e epistemolégica assim esta- belecida por Dilthey € reatualizada de modo um tanto diferente por Gadame: Ricoeur propde entender & interpreta ‘gio como um processo dialética que inclu os dots momentos, a explicagao e a compreensio, £ preciso “explicar mals para compreender melhor", sfirmari ele © processo de interpreta Jido assim como ume rel entre a compreensio e a explicacao, esse Movimento em que 0 leitor dinige- se a0 texto com sua préscompreensio, tarefa de “compreender’, ir mntaberebicicoal be suas conjecturs na maior pane das vezes ainda mio formuladas de modo explicito, e vai, na medida em que progride na leitura do texto, validan- do, refazendo ou simplesmente dando forma explicta as suas expectativas. De uma compreensio superfical, ele entio pode passir a uma compreensio mais aprofundada, analisando a estrunura do texto e encontrando nela novos elemen- tos para dlirecionar sua compreensto € darthe objetvidade, “Explicar mais ¢ compreender melhor: ‘Mas compreender 0 qué? Como vimos, esse leitor nao vai compreender 4 intengdo do autor que o escreveu, pois essa ficou definitivamente pars tras, Compreender milo € encontrarse com 0 autor oa colocar-se em seu lugar eter a experiencia que ele te expressido em seu texto, Ent compreendé o leitor Pela medi resto, através de sua leitura e de seu trabalho de intespretagao, pelo entendi- mento do texto, leitor compreenderi melhor a si mesmo e a0 mundo em que vive, Da interpretagio do texto 0 leitor receberd, a0 final de tudo, uma compre- ‘ensio alargada de si mesmo. © que se imerpreta, entto, mum texto? © seu mundo, 0 “mundo do texto", define Ricoeur, apropriando- se da nogto de “coisa” do texto, de Gadames, seu mais préximo interloca- tor no campo da hermenéutica contemn- porinea, O “mundo do texto" & esse mundo que nao est ats dele, em sua ‘origem psicol6gica ou social, mas € 0 ea Perret rene Coo ee Doin) Tnterpretagie abjetiva RICOEUR REFERENGIA METAFORIC Dentre as contbuigdes: do lltor ou ouvints. ‘mediada, que remete no de Ricoeur paraa ‘Ném de estabelecer realidad imedita tal. compreenso do que é 0 enunciado que como a apreendemos funcionamento da émetatico endo pels mos pris, linguagem, cabe destacar simplesmenteapalavra, _ingistios econcetiais ‘ua elaboraclo danocéo embora lel seja——_habluas, mes co mundo Ge referincia metatres, concentra ela, Ricoeur da vide Além iso, essa na obra A metifora ‘mostra o que esse Impertinénola semantica ‘ra. Com ela 6 possivel enuncido metaftrio faz. do erunciado metafrico ‘econhece capacidade coma fungi referencial vivo nao se trata das heurstica do discurso do dscurso:ele suspende metiforas mort, jd otic, firandoa poesia uma referéncia de incorporadas a linguagem ‘suas metiforas do primero grauostensiva leva &novagdo ‘statute de simples —justamente porser semi, fazendo parte expresso subetva Impertnente aprecaco _desse dnamismo proprio ‘ou mero adomo de ‘2 fomada no seu sentido da inguagem, ese Hinguagem, bem como dé eral, habtua, que ‘movimento que mantém redugdo de sua efcécia nf faz sentido como viva as linguas, em Cliscursva2ofato de referénciaimediota~ para processo de ransformagéo ‘serum bom artfciode abriruma referénla de permanente, Caplura@convencimento segundo grau inde, ‘Hello Salles Gent mundo que ele apresenta, expde diante de si, propde a0 leitor. f essa “proposta de mundo, de um mundo tal que eu possa habitar € nele projetar um dos meus possiveis mais proprios". dem, pig. 129) ‘Assim, 0 “mundo do texto" no € “mundo da ag20", este mundo onde viveu € agiu 0 autor ou vive © age 0 leitor. Nao € a nosso mundo da acio que © texto faz referéncia imediata, O distanciamento instaurado pela excita também altera a funglo referencial do discurso, abrindo espago para 0 surgic mento desse outro mundo, 0 mundo do texto, Sem eliminar a referén preservando 0 que Ricoeur chama de 'veeméncia ontolégica’ da linguagem, esse seu movimento de langar-se para além de si mesma para dizer algo de alguma coisa, 0 texto coloc-a em sus- penso, Precisamos compreender melhor 6 que se passa aqui para entender 0 qui seja interpreta, ‘A passagem da faa a escrita liberta 0 discurso nio s6 das intengSes psicologi- cas de seu autor como também das ci cunstincias originais de sua enunciagao, 22 MENTE, CEREBRO € FILOSOFIA Instaura-se com a escrita uma dlistincia centre 0 discurso ¢ © mundo circundante imediato, Abre-se uma brecha através dda qual também sua fungio referencial E alterada, Ele jé no faz necessariamen- te referéncia imediata, ostensiva,diteta, 4 este mundo presente no momento de sua enunciagao, Fixado pela eserita, cle toma-se disponivel para ser lido em ‘outras circunstancias, conform referéncias ~ como se sie, ticas de Plato a escrita ass possibilidade, pois a eserita tora o dlis- ‘curso abesto a. uma recepeio em prin- cipio universal, por qualquer um que saiba ler €, portanto, também aberto a Interpretagdes no sujeitas a0 controle de seu enunciador. Assim, seu sentido seri apropriado por diferentes leitores, que the darao significado conforme suas roprias interpretagtes. Seu movimen- to de referencia vai ser realizado por esses leitores, isto & 2 atualizaclo de seu sentido, sua vine da aglo, vo depender cesses letores intérpretes, ainda que eles sejam or tados pelo proprio texto. Intexpretar , entio, trazer 0 mundo do texto ao a das cri- mundo da aglo, elucidando-o, desve lando 0 mundo proposto pelo texto, tenuneiando um nove diseurso sobre le, 2 parti dele, tomando-o novamente acontecimento, nte: a partir dele, com base 0 se tat, refra. Ricoeur, de imporse ao texto, mas de suboninarse 1 ele “Interprtar & tomar 0 camino de pensamento aberto pelo texto, por- se em marcha para oriente do texto, Cem, pig. 159) preciso ser capaz de se entregar a ele, accitar pre na dle «20 de pensamento proposto pelo texto Trias de aceita as injuncdes do texto, esa diregia de ohare de pensimento por ele propos. Deixarse levar pelo $ texto, aavessar mundo do texto = leitura, para mo veremos. Assim sendo, = esse movimento de realizagl0 da fun LHORLOGE DE DEMAIN ‘LHORLOGE De DEWAM, calgon do post Glaure ‘Aol Ura ve esc, ato pana automa www.meniecerebso.com.br ‘ao referencial do texto revela-se como *aplicagdo” ou “apropriagao", movimen to de trazer para perto.o que esti dis te, movimento de tomar proprio 0 que cera estranho que porie earacterizar toda interpretacao. Uma apropriagio que & também desapropr Poden-se reconhecer ‘dois. niveis nesse movimento de realizagao da fun ‘glo referencial da linguag Nam primeino nivel, mais evidente, temos a produgao de um discurso expli- itando 0 sentido do texto, o que ele diz ‘ou quer dizer, posendo ter como resu ado um novo texto. Todos os recut s08 metodoldgicos de que 0 intérprete dispde sto colocados em glo, todo 0 seu dominio dos conceitos € do uso dda linguagem & exercido sobre 0 texto original © ra produglio desse novo texto que & interpretacio 20, despassessio, O segundo! cevidente, mas inseparivel do. primeito, ji mio esti tanto sob 0 dominio do intérprete, é mais da ordem, de um acontecimento. Ainda que acompanhando sew esforgo metédico © em parte resultando, trata-se de algo que acon- tece ao intéxprete 2 revelia de seu controle, aconte cimento que permeia ¢ vai além de sew trabalho ccontrolado de interpreta ‘@o, Mais uma vez recor- rendo a Gadamer, Ricoeur entende que resulta dessa passagem do leitor pelo mundo do texto. uma “fusdo de horizontes", uma fusdo entre o horizonte do mundo do texto e 0 hori- $zoate do mundo da agio = do leitor, Fusto que altera e kimo, Essa alters io, entendida em tex: (08 anteriores como uma redescrigio” do mundo, ai ser nomeada de modo E mais preciso em Tempo e eitura resulta ur entre o horizonte lo mundo do texto € qundo da acdo do leitor zonte do arvatiea como sendo uma ‘refigura- 20" do mundo, ditimo estigio do arco Hermenéutico no qual toda interpreta 20 se insere Esse arco hermenéutico toma, em Tempo narrativa, a forma éa wiplice mimese, tum desdobramento do conceito aristo- télico de mimesis em trés momentos. Tanto 0 texto quanto sua interpretacto revelamse, por esse desdobramento, inseridos no mundo € na historia Numa releitura extremamente minu- iosa da Poética de Arist6teles em art- culagio com 0 livro XI das Confissdes de Agostinho, Ricoeur consti 0 con- ceito da triplice mimese estabelecen- do uma base para suas investigagdes das relagdes entre tempo © narrativa Procura dar conta, inicialmente, do modo como a composiclo nasratva, oo tecer da intriga segundo Aristteles, oferece um modelo de concordincia fem comtraponto a0 moxielo. de dis- cordincia da “dlstensio da alma” que, segundo Agostinho, constitui 0 rempo. Na aproximacio desenvolvida por Ricoeur, 2 nossa experiencia dila- cerante do tempo respon de o tecer da naratva, fazendo “ir junto" 0 que tende a “separagio”. Sem acompanhar aqui toda a sua construgio = que € apenas 0 inicio do vasto empreendimento dessa cobra magnifica — ficamos com 0 que nos esclarece da interpretagao, Partindo da noglo bisica de Anst6teles de que a tragédlia € imitacio (mimesis) da. acio dos hhomens, ele aceita tam bbém que € a composigio do enredo ou 0 “iecer da intriga” (raythas) que rea liza essa imitagto. Uma imitagio que no € sim- ples cépia ou reapresen- taglo direta da realidade, mas justamente repre sentaglo através de uma composicao lingbistica, essa que “tece a inti- sg", configura o enredo, A tragédia € enti uma ‘obra de linguagem, uma narrativa cua configura ‘G20. “mimetiza” a agio dos homens, Mas que, PRESENGA DO OUTRO # INTERFRETAGKO 23 nitiva do significado do texto, do que ele ‘quer dizer, de seu veradetro significado, ‘Mas Gisso Ricoeur no conclu pelo rela: tivismo, como indicamos acima E possivel, e necessirio, conftontar diferentes interpretagdes discutir sa ‘maior ou menor valiade, com. aU: rmentos baseados nos elementos do texto. Aqui novamente a passagem pela explicagio do texto revela seu. valor. ‘Quanto mais elementos do texto e suas relagbes forem considerados num inter- pretagio, quanto mais totalidade de sua estrutura for levada em conta, quan to mais esclarecida estiver 2 estutara do texto que sustenta uma intempretaco, maior seri sua validace em comparacto com outra que tenha desprezado ele- mentos importantes na estruturagio do texto ot mo tenha considerado a sua totalidade. A explcagio, enquanto ani e da estrutura do texto, fornece assim © temeno part 0 conffonto entre as intespretagdes, ua base objeiva sobre se pode afirmar que nem todas as interpretagdes t&m 0 mesmo valor ¢ nem todas as interpretagies so aceitiveis. essa perspectva, o conllito entre dife- www: menteeetebro.com.be Portuguesa, 0 Paulo, 2006. Ui autor 8 senor da obra epenes xpos ond mama gh renles intepretagoes nao s6 € inevitivel como também € produtivo: cada uma das intepretagdes em contonto funcio- na como aguilhao para o refinamento precisto da outa, em seu esforgo mutvo de sustentagao argumentativa no escla- recimento do sentido do texto. Também no plano das grandes her men€uticas Ricoeur considera que 0 con- fito € inevitivel e prodativo, mas de um modo distinto, Nio se trata de fazer uma cescolha entre eas; cada uma delas pode iluminar cents aspects ca realidad que 4s outras nao aleangam. O problema a set evitado € 0 reclucionismo, fruto de uma certa cegueira ou ambigao desmed- da: a pretensio nem sempre reconhecida na formulaglo tesa, mas exercida na pritica do pensamento, de dar conta da totaidade da realidade a partir de sua perspectiva. £ preciso reconhecer a cada luma delas sua especifcidade, seu Ambito proprio ¢ seu aleance sempre limiado, conde se revela seu real valor ‘Assim, resumindo muito um exem- plo exposto com maior cuidado © pre- isto por Ricoeur, tanto a hermenéutica freudiana ~ entendida como urna arque- ologia do sujeito, na medida em que busca © sentido de sua figura presente em seu passado — quanto a fenomeno- logia hegeliana ~ entendida como um teleologia do espirito, na medida em {que busca o sentido das figuras presen- tes em seu desdobramento futuro ~ con- tribuem para a elucidagio de aspectos distintos da realidade, tém seu valor em seus Ambitos proprios. Da mesma maneira, no & preciso escolher entre as hermenéuticas da suspeita de Niewsche, Freud e Marx, © as hermenéuticas da revelago ou apre- ensto de sentido: & preciso combinar a suspelta € @ apreensio do sentido. Se i nao € suficiente, talvez nem mesmo possivel © muito menos desejivel, a ingenuidade de uma interpretagao que no passe pelo crivo da suspeita e da critica, também nao ¢ suficiente apenas exercicio da desconfianga, da suspei- 1a, da cvida ou da desconstruglo, Essas ‘ltimas si mediagdes indispensiveis, ‘mas S20 isso, mediagdes. Assim como incorporou a andlise estrutural como um momento da interpretagio, Ricoeur Incorpora © exerefcio da suspeita © da desconstrugio critica como wm momen- to necessério da reflexto, mas leva seu trabalho além desse momento, dispon- do-se a encontrar e afirmar sentidos, reconhevendo-0s hist6ricos e limitados, abertos & discussio. A interpretagaio é tum trabalho sempre em andamento, @ (0 PONTO DE PRRTIOA ‘Anermenéutica do coiito em Paul Ricoeur. Nara Luisa Portocareo Fee ca Siva iran, 1922 + Para uma pica da moderiade Hilo Sales Gant Lye, 204, (OESSENCIAL 00 AUTOR “ori da interpretaéo. Ful Peco, ges 70,2000. ‘conf desinterpretagbos Pol onc ‘ag, 197 Dott ago, Pui Reco és, 1960, PARA IR MAIS LONGE » Ametifora viva, Pau Pec: Lota, 200 © Yompo e narative Pat Rico Mains Fontes, 200, [a ee PRESENGA 00 OUTRO E INTERPRETAGAO 25 De que modo a solicitude, componente da ética e que indica 0 aspecto da relagao com e para o outro, » se articula com a estima de sie com 0 senso de justiga? oR NOEL DUTRA KoSSATTO [A Nogio DE vipa Bos Ov vivER BEN, por si s6, ja nos coloca diante de alguns impasses que envolvem as mais variadas tendéncias atuais da filosofia, Ela nao 86 se distingue da vida tomada em sentido imediato ou puramente biol6gico, mas projeta todo um campo de acao bem distinto daquele demarcado pelo exis- a vida € mais tencialismo e pela filosofia analitica que uma seqiiéncia de atos ou episddios descone- xos. © contrério € que vale, 0s atos ou episédios vividos constituem uma mesma unidade narrativa de vida, @ De igual modo, o predicado bom nao goza de diferente fortuna na discussio contemporiinea, O bem individual ter de deixar de ser tomado necessa- riamente em contraposigao a0 bem do outro, pois na medida em que o bem & comum a todos, nao poder mais ser considerado como propriedade particular § de ninguém. Como assegurar, entdo, que aquilo que é bom para mim poder ser de igual modo bom para 0 outro e o melhor para todos? Da Cantatas ee Gu Oooo aia) EM SINTESE ‘Apropos cade Pl Ricoeur consi de pesca ic, «soma moral ea shedora prc. A juena éticé ee aces de Paul R icoeu r propre programa do autor: a perpeciva ca conse em ier bam com para os uo em insite usa INTERPRETE DE V © sétimo, oitavo € nono estos do Livro Ost-mesmo como um outro (1990), de Paul Ricoeut, apresentam 05 1 momentos da proposta que 0 chama de “minha pequena ética”, Os tres momentos compoentse cit pers pectiva dtc, da norma moral © da sabedoria pritica, que € a dimensio propriamente ricoeurtana, Inicialmente, cle diz mo poder insistir na disingio ceximoldgica entre ética (do grego dibes) ‘e moral (do latim mores), pois ambos ‘05 termos.significam castumes, Por convengo, no entanto, intvociz. uma nuance que marca dois usos diferenciae dos desses termos: tia relaciona-se a0 que € estima como bom, de acordo com a tridigto feleol6gico-aristottia fe mon restinge-se a0 que se impoe ‘como obrigatéri, seguindo a tadigio deontoldgico-kantiana ~ ot se, cconcepeées do fl6sofo alemio sobre ( fundamentos do dever © as normas moras. A sabedoria pritica consise pre- cisamente em que o sujet auténomo invente 0 comportamento apropriado a singularidade de cada caso, port, 4 autonomia, aqui, ciferentemente das compreensdes solidificadas ao longo da modernidade, teri de se pautar pelas regras da justiga € da reciprocidade, ‘© que impede que ela seja tomada de sida como autonomia ato-stficient, Em vista do lugir ocuprado em seu projet pelas tadides arsotdica e kare Giana, em tese opostas, € da busca de uma possivel articulagio entre elas, Ricoeur estabelece, num primeiro plano, a primazia a étca sobre a moral, rena Jo desce 0 inicio @ antecedéncia da perspectiva teleokigica da vids boa com respeito ao que se impde como obrigaté- Fio, Nilo obstante, iso nido deve ofuscer a dialética implicada nos dos passos sequintes, referentes & necessidadle de intra do Pauls Mosersobn-Becker, 1907. Sogunda coeur, ‘sananraano misEnICORDIO®, ‘solitude ova a bondade 0 patamar de quai (CEREBRO & FHLOSOFIA 28 mente, ea presente na totalidate do curso das ages 3 \ aque a perspectiva 6a passe pelo crivo da norma e, inversamente, que as nor mas moras, diante de impasss, diemas e sitiagdes nova, se orientem pelo hor ‘ante ético. A perspectiva étca teri de ser aniculaca em normas com pretensio de validade universal ¢ com efeito de constrangimento ¢ obrigatoredade; © as decises moras, com base em valores recebidos do passaio ou em novos valo- res incorponidos, dever se por um sujeito auténomo, segundo a perspectva da Poese em d cexigencia hermeneutca de que 0 sueito auiGnomo seja 0 intzpeete dos valores cexplictos ¢ implictos nas_narraivas ices recebidas por meio dos. mitos, dos simolos e dos regisros te6ticos. E ras: no plano moral, 0 sujeto tert de ser capaz de readapta as escolhas e as Iiberdades pessoais 208 desafios anual Deste modo, se, num primeiro plano, « ‘radlgto kantiana fia suboreinada 2 aris totéica, num segundo € tereiro planos, ‘© esforgo seri em outro sentido: uma tradigio te de complemeniae utr Para compreender a fungio especfca 1 étieano fimbito da ilosofia pritca e Ricoeur, nad melhor que tetomar a frase utlizada por ele como ponto de partida ao definir de forma anticulada 0s 1185 componentes esse campo da rellexo: “Chamamos perspectiva ica, a perspectiva da vida oa com e para 08 ‘outros nas insiuigdesjustas™. Ou ainda fem outa versio: ica resumes 8 a ‘ula ene a estima de si a soictude Cas instiugoes sas. Esse rs compo- nentes da esiutura tripatida do predea- «do bom vo complementar uma similar cesutura tiddiea do campo moral, refe- rente ao predicado obrigatério a saber: ‘© respeito (ou obrigag20), 2 norma e os principios da jusiea. No plano moral, © respeito de si & a propria estima de i, submetida 20 regime da aocma universal € constrangeddora, ow sei, 0 respeito comesponde estima de si sob 6 erivo da lei, € de igual modo, pode- se dizer que, ma perspectiva ética, as 5 ormuas moms € 0S principios da justia ‘esto, respectivameate, correlacionados © wwwmemecerebro.com-br im sua filosofic tica, Ricoeur cham com a solicitude © a justga instiuid, de perfciglo de cada pritica, funglo ou ‘Ao procutara unidade na aticulagao iy profssdo, Quando aplicadas& resultados dos ues componentes do predicado COMM € PUA OS ( diferentes, eas permitern integra coe om, vefletidos nas instancias referentes fuicdes jugtas Semen a a8es pacas natalia 40 8, 20 outro © as insituigdesjustas, PT) LASTITLIGOES JUSTAS de mais vasta dos planos de vida (ami autor teri de responder uma importante la, lazer, associagbes), das. profisdes questio de fundo: de que modo a sol 6, por fim, de uma mesma narrtiva de citude, que € o segundo componente da vid, Tas regas “vem de mais longe que perspectiva ica, ¢ que indica ademais Em dlkima andlise, isso quer dizer que 0 executante solo”, 0 interiorzadas (© aspecto da relagio com e para oh um descompasso enue as decisbes por todos e realgadss por alguns tipos outro, se anicula com a estima de sie pessoais, as’ fungSes desempenhadas _ideais em particular. So ses os hers, ‘com 0 senso le justia? (profssdes, papéis) e os fins sltimos os meses € os vintuosos. Com i880, a uma compreensio de estilo herme- néutico". No entanto, com essa facilidade, perdese, elimina-se ou evitase aqulo que mais proprio da psicanilise E preciso entio aceitar 0 desafio de validas rio se trate mais hoje em diz de uma preocupagao di set reconhecida como cigncia’ inda formulava o problema Ricoeur em 1977, suas descoberas, mesmo que psicanilise partir da pretensio, reiteradamente cexpressa por Freud a0 longo de toda a sua obra, de estar desenvalvendo uma cigncia, De Hi para cf muita coisa mudou no Ambito da ordenacio e val dagio das saberes, tanto que Ser ou nao uma ciéncia no parece estar entre as principais preocupacdes do psicanalista contemporineo, De qualquer modo, ainda que talve nao seja uma ciéneia, a psicandlise est sem divida preocupada com a inter pretagio do universo simbélico. Esse specto ¢ decisivo pana Ricoeur. No livro Da interpretacdo: ensaio sobre Freud, ele dleixa claro “A reflexdo de nosso esforgo para existir lesejo de ser, através das obras que dic testemunho desse esforgo © desse deseo. A rellexio deve tornanse interpretagdo, pois no posso aprender esse ato de erxistralhures sendlo em signos esparsos no mundo. # por isso que uma filosofia dos, 8 métodos e as pressuposigdes de todas as, iéncias que ter de nosso reflexiva deve incluir os os signos «lo homen im decifrare interpretar © No entanto, submetida a t testagdes, advindas de tantas diregdes, inelusive dos cientistas, mao caberia ainda aos psicandlistas a responsabill- dade de mostrar a validade de sua pri tica e de seu saber? Sem submeter-se aos critérios de das ciéncias positivas, evidentemente inadequados nos dominios da psicans lise, talver. seja possivel aceitar a for imiilagto de Ricoeur de que o problema cesté em encontrar meios de “especificar a pretensio de verdade apropriada aos fatos no dominio psicanalitico” ~ 0 paca ele passava entao por esclarecer € definir 0 que slo “fatos’ em psicand lise, no sentido de definir aquilo que ela leva _em consideragio para suas Formulagdes_te6r split 6 tips de vr propria e esclarecer de que meios de prova dispde para esse tipo especifico de verdade, para livrarse ao menos da acusigio de ser mero exercicio de convencimento e Fé, case intervencdes jue Ihe é Ricoeur reconhecia em 1977 que no dominio da psicandlise “a validagio € um processo extremamente complexo’ devendo envolver “critérios heterog 1eos € parcais”, incluindo “a teoria, os procedimentos de investigagto, as té niicas de tatamento e a rec pnstrugio da historia de um ease abstragio que revela — uma proposicao de um grau de evela sua distancia da ‘mas que pode organizar is de um quadro para a pritica elite as linhas construgio dessi validagdo 1995, respondendo a Thelma Z, Lavine, no volume a ele dedicado da The library of leing philosophers, edita our ed ond perro ced PRESENGA DO OUTRO E INTERFRETAGAO 47 RICOEUR ddo por Lewis E. Hahn, Ricoeur recone. ce ter superestimado, até certo ponto, 2 teoria em seus primeiros trabalhos sobre 4 psicanilse, tendo posteriormente explorado a possbildade de abordé-la pela relagio entre 0 analista ¢ 0 anal sando no enstio de 1977. Identilicara entlo 0 que Ihe pareciam ser os “rité- fios" que atuavam na relagdo anal para selecionar 0 que era levado em conta na teorizagio, o que agora nomela como as pressupostos dessa pritic: 1) © dese fala; 2) dirigese a um outro; 3) entra no conilito entre querer saber ¢ resisténeia; 4) busca ‘eu lugar na reconstrugio de uma identidade narrativa que no € apenas compreendi dda mas aceita’. (Hahn, The hilesopby of Paul Ricoeur, pig. 191) Esses pressupostos funcionam como ftros entre © que se passa na pritica € 0 que € formulado teori- camente, recolhendo muito ppouco do que acontece de fato pa relagio ou no chama. do “col6quio” entre o analista © 0 analisando. Parecethe agora evidente que 0 grande problema para todos os que tentam pensar 4 psicanilise hoje em dia & 0 avango da prética em reagio 4 teoria, algo que talver jé estivesse em curso com 0 pro prio Freud. Formulada de fora a pritca analiica e distante de uma leitura sistemética da produglo contemporinea em psicandlise, essa esquemati- zaglo, ainda que evidente- mente priméria e seta a teas, anga a. pergunta aos analistes de hoje: como com- preendem o que fazem? Em ue pressupostos esto fun- damentados? Com que pro- A dependéncia dc Cogito com relagac a posicio do desejo é ada, intérpretada vés dos sonhos, dos decif atré fantasmas, dos mitos processo de simbolizagio". Bis a raiz profunda para aafirmagio do pensador frances: “A psicandlise nao concemne cultura 2 ttulo acess6rio ou indeto (Gr, pig) SUBJETIVIDADE E CULTURA Segundo a leitura de Ricoeur, desde A interpretacao dos sonbos jt se estabe- lece a *unidade da criaglo literiria, do mito € do disfarce onirico", mediante uuma explicagao pelas origens e pel economia das pulsdes, que, embora atravesse toda :t obra freudiana, sofre modificagdes 0 importantes quanto reveladoras dessa implicagao da psica- lise na interpretagio da cultura, dire mente evidente nos textos mais do al da vida de Freud, como Mat-estar na cWitizacdo, O futuro de uma ttusdo, Moisés¢ 0 mono- tefsmo, Tais estudos no sto meramente extensto indevi- da de descobertas clinicas, pois essa imbricagio entre a subjetividade e a cultura if estd na Interpretagtio dos sonbos ¢ em muitos outros textos ~ como o Psicologia de massas ¢ andlise do eu, 2X0 lembrado por Ricoeur nesse contexto, mas que comeca ‘com a conhecida nomeagio das formas pelas quais 0 outro ests presente no eu. A passagem da _primei- a t6pica 4 segunda, ainda que permaneca fortemente econémica em sua base, ji € mais diretamente soliiria com uma interpretagio da cultura. “E por isso”, destaca Ricoeur, “que ela coloca em jogo nao mais uma seqiéncia de sistemas para uma libido solipsista, mas papéis — pes: soal, impessoal, suprapessoal que sto de uma libido fem siwagio cultural’. (Df, ég.131) No entanto, € com a introdugio da nogio de pul slo de mone na construglo freudiana ¢ as reformulagdes que ela impoe A totalidade cedimentos dio validade e do sistema que a cultura se prestam contas do que fazem? toma ‘elaborada como um 3 © que toda a obra de problema unitério", mostra 7 Fread mostra com destaque © fldsofo francés em seu 1 essa leitura filosbfica é extenso © minucioso acom- 2 que “a posiclo do descio "Taqarps patara go dosh Malroaott 1090-180. panhamento do movimento § Se anuncia num © por um iodo sono ns milos groges ole person a pulsto de mere de pensamento de Freud. = 42 MENTE, CEREBRO & FILOSOFIA www. mentecerebro.com be psicandlise pode contrbur para o esc ARQUEOLOGIA DO SUJEITO Ainda que iss0 se faga cle forma proble- mitiea, jf que, escreve Ricoeur, “nada indica que Freud teal finalmente con- ciliado © tema do principio de realida- de, tema essencialmente crtico, voltado contra os objetos arcaicos as ilusdes, com otema de Eros, tema essencialmen- te lirico do amor da vida, voltado cor a pulsto de I, piigs.276-267 Sem essa concilia¢lo, parece permane- cer 0 que Ricoe mo uma “concorréncia do cientficismo © do romantismo”, E uma tensio entre duas visdes de mundo, uma expressa na vancia entre o principio do prazer e © principio da realidade, outra expressa pela luta entre Eros e Tanatos. Essas novas formas de duplicica de no impedem de reconhecer, numa leiturafloséfica, a uma arqueologia do sujeto. E toman do-a dessi maneira que se compreende melhor como revela ~ em seu desenvol- mento interno, embora exposto pelo icanilise como wovwmentecerebro.com.b trabalho de reflexio sobre ela € ndo por ela mesma — que *a dependéncia do Cogito com relagio a posigao do desejo mio € ditetamente apreendida apart ediata’ Ela no € nem riesmo “uma dependéncia experimen- ada’, € ‘uma dependéncia decifa interpretada através dos sonhes, dos fan tasmas, dos micas’. (DI, pigs. 370-370), a experiénei VERDADE HERMENEUTICA ‘Talver. isso indique que somente uma fllosofia hermenéutica possi aceitar 0 desafio de incorporar 3s suas reflexdes as descobertas da psicandlise de Freud, fenergética inicial ou a um biologismo ainda mais estreto, A conclusto de Ricoeur em relagio a esse ponto da nda mais sentido & longa trajetéria hermenéutica que ele percorreré em sua bea dai em diante: *O enraizamento da reflexto na vida no & compreendido na consciéncia reflexiva seno na quali dade de verdade hermentutica’, @ EXPOSIQhO PSYCHOonalyso, em comemeragSo as 180 anos de nascinento do Slgmund Freud, realizada om Bertin, 2006. Ricoeur reconhace que mento ds etioulagdos ent doseo Hnguagem, que estio no canto do pensamentoconlemporineo ‘OPONTO DE PARTIOA © Una flosofia do oot ei: Paul eae. Jame Mae Gone, om Lambarecerer exever. 342006, ‘© Ahermentutica do confit em Pal Rieoeur, Maa ula Potocarreo Fred Sia Minera, 1992 «Paul Rcoour: s fron da lost Oivir Nong. tts loge, 1957 CO ESSENGIAL DO AUTOR «Da lnerprtag:ensio sobre Freud. Paul ‘leu ago 1877 © O confit das interpretagées. Poul los ago, 1977 «The questo of proat in Freud's paychoanlytic writings. Paul Rene, er Paul ze: homenautis 8 the huanscences Camargo Unverty Pras, 1951 PARA IR MAIS LONGE ‘© The philosophy of Pau Ricosur Les Edin Ha (Ed The tery of vg ose. (pan Court, 1985, | La ponséeRioeur. Est mara 2006, © Hemenduicaepskandie na obra de Paul Flcoeur. St de Gow Fano. Lj, 185 PRESENCA DO OUTRO E INTERPRETAGAO 43 7 enigma do passado Ricoeur e a “justa meméria ow Jase Manic oN AcaBoU DE set LANCADA, PELA EprTora da Unicamp, a obra imponente de Paul Ricoeur, A moméria, a bistoria, 0 esquecimento, Publicada em Paris em setembro de 2000, foi saudada como uma suma das reflexdes do autor. Pensou-se também que seria ‘eu tiltimo livro, uma espécie de testamento, © proprio Ricoeur, entio com 87 anos, talvez também 0 tenba pensado, Em 2004, porém, saiu ainda 0 volume intitulado Percurso do reconbecimento, e, em 2007, uma coletinea de reflexdes pésturas sob 0 belo titulo: Vivant jusqu’a la mort (Vivente/bivo até a morte), Mesmo que A ‘meméria, a bistéria, o esquecimento niio seja, ento, 0 dikimo livro do filésofo, sem deivida, uma obra de integracto e de acabamento de sua producio intelectual. ‘@ Taxado de “filésofo cristo, uma apelaglo que ele sempre recusou, mesmo que aceitasse, no plano da vida pessoal, confessar sua {é protestante, Ricoeur foi muitas vvezes lio rapidamente demais na base desse a priort como um autor sem grande interesse para pessoas no religiosas. Ora, o pensador francés sempre distinguiu com precisio o registro do pensamento reflexivo do dominio da fé pessoal, e gos- tava de definit seu pensamento, contra os clichés em vigor, como “uma filosofia sem absoluto”, A revepgo de A memsria, a histria, 0 esquectmento nao escapou dessa polémica, Como se os temas da meméria reconeiliada, apaziguada e do per- io (objeto de reflexao do epilogo do livro) fassem propriedade exclusiva do cris- tianismo. A esse respeito, podlemos notar que, na mesma época, Jacques Derrida (que ninguém ousaria definir como sendo meramente um filésofo judeu!) também escreveu sobre 0 tema do perdiio, e que ambos os autores dialogaram a esse res- peito, compartilhando da mesma admiragio por Nelson Mandela e de interrogagdes semelhantes sobre a politica instaurada na Africa do Sul pela “Comissio Verdade Reconcilige2o", uma tentativa de retomar a vida politica em comum depois da dilaceragao da comunidade nacional pelo apartheid. Meméria, hist6ria, perdao, esquecimento — Ricoeur entrelaga todos esses temas, para uma efetiva reconciliagao com 0 passado Em SINTESE ‘fm sua pei obra, Ameméria bist, 0 ‘esquecimento, Pal Rieu reine vis fos de toda asta relxdo nero enos fee wma sma sobre atl hsortorco ‘sobre a feomennogi do Tembrar edo esquece. 0 objeto Aho fomecer recursos ana eros pra ua “pola djs emi emoposcio as excess das celebrages omernoratas (Qoe persequem estas eps ‘em preci) aos desmandes de um exqueinent eine, que obedece organ do consumo desenreado de novidades (606 de mercadonss nos) ox dined ree «tic sobre o que permanece (ai) do passa STONE 3 Rt nesta Renee ere enn e é UG \3 Toner ad Oy he Oe 0. heres pls cements SHOAH § 2 A obsesso pelo crisiaisme do pensa mento de Ricoeur levou diversos intér pretes a suspeitr 0 fidsofo de querer “a VitGria da visio cris do sujito histérico juel que hoje se impde cada ais e cut proveniénca €, principal mente, juli”, Felizmente, essas acvsagoes infelizes nto chegaram até 0 Bras, € 0 professor Mircio Seligman, na’ orelha ‘a traduglo brasileira do liv, chegou a afirmay, tlver com cent exagerD, que 0 Holocaust seja “o elxo ordenador desta Cobra’. A viruléndia desses atiques aponta para 0 contexto polémico das quesites da -meméeia¢ da histria na Franga do fim do século XX. Trat-se da possbilidade ~ ou ‘de “uma poltica da justa mem alvo principal da busca de Ricoeur, numa paisagem politica marcaca pelas numero sas comemoragaes, muitas vezes oficis, que deveriam responder as exigéncias do ‘dever de meméria’, em paricular 2 rememoragia da. Shoab (uma denom nagio menos serial que Holocaust), essa catistofe que marcou de maneirt definitva a humanidade do século XX € sua percepclo de si mesma como hums: nidade, justamente Fsses mal-entendidos aponiam para os temas mais candentes de Ricoe 0 smemérla e « histra - temas ji est analisados, consagrados ~ mas também © esquecimento © © perdio, Nao se vata, endo, de mals uma articulacio teérica 46 MENTE, CEREBRO & FILOSOTIA cenre histéria e€ meméra, essas duas ent dades complementares e opostas,na linha gem da reflexdo historiorifica francesa recente (em particular Michel de Certeau € Piere Nora), mas muito mais, além de densa consicergdes epistemoldgcas, de na reflexdo ainda em aberto sobre a relevincia éica € poltia do embrar, do cescrever € do esquecer. Em resumo, como pensar uma ‘politica da justa meméa’ que saba articar tinto a complactncit dos exageros comemonatvos quanto a negligencia imvesponsive! do “nio querer saber’, do esquecer leviano? Com sua habitual modésta, Ricoeur cexplica que a excrita de A memdria, a Diséria, 0 esquectmento tern sua orgem numa “Tncuna’ presente em seus textos anverioes, em particular nos ts vol mes de Tempo & narmativa (1983-1985), Mais precisumente, diz ele, respelio dos “niveis intermediios’ entre a experiéneia temporal humana © a ope ico narrativa, sobre as quals ess obra se debrucava longamente, Fataria, enti, uma reflexto mais apurada sobre a media glo da meméria ¢ do esquecimento, (0 lettor da obra rcoeuriana lembrar, ro entanto, que ess temnitica festa pre~ sente em Hisi6ria e verdade, desde 1955, pontanto, que ela estava no horizonte da iscusslo sobre diferengas e semelhancas nite obms Ge feo e obms historicas €, fgualmente, sobre os conceitos de rasiro de timulo a partir da obra de Michel a lacuna a | METS de Cemeau em Tempo € narrative; ali também Ricoeur citaya_o famoso impe- rntivo do zabhor hebraico, “lembra iso é Jembrar dos menos, sem dlivida, mas também lembrar das promessas © das esperangas mo cumpridas que cls tiveram em vida, Num belo liv de entre= visas, La critique et la conviction (A cttica ea com Eaigdes 70) politicas dessa problemitica do lembra do esquecer, introduzindo aio conceito de perdao, diferenciando-o nidicalmente dda anisia, em panicular a pani de uma reflexio sobre a Africa do Sul esua politica de tentativa de reconciliag20 na base na dolocosa exposicio da verdade~e no de sun denegacio (uma tenitica que, atvalmente, ocupa virios pesquisidores ‘suis e ortcos da relaglo do Brasil a seu passado) eo, wadusi0 portugu ‘oeur precsava as injungoes Em A meméria, a bistérta, 0 exquecimento, Ricoeur retoma esses fos de suas pesqui- «as anteriores ¢ os tee num texto cerrado, caja densidade erudiza deixa sempre trans parecer a intensidade do questionsmento ico e politico: como ter uma atiude de = vertladeito lembrar num contexto histérico ppontuado por imimeras comemoracces fica, &s veres com bandeira efanfuras,& por pedidos pulblicas, nto rao espeta alas, de amependimento por parte de 2 entidades coletivas que querem, com isso, 3 nto pontuado fgual- mente por discussdes sobre uma historia ds vitimas que mo evita sempre a arma- alla ch vtimizaio complacent. Ricoeur retona a exigencia do lembrar, mas © faz dle maneira ciica através a necessidade de uma pesquist historica rigorosa (que devera ajudar a prevenir 0s abusos emexivos da meméra) ¢, também, de um hino & fora plastica da vida, iso na linhagem do Nietzsche da Segunda cconsideragdo intempestva ¢ do Freud de uo e meancotia, 2 Forgas de renovaco ¢ de imaginagio da vida através de um cesquecimento bem entendido, Sto és passos principals nesse empreencimento ‘que comrespondem is tés partes do liv: ‘uma fenomenclog epistemologia da hist, um tica da condigo histrica Cada uma dessis 2s partes & precedt da por uma “nota de orentagao geral” que se desdobra, 1 ex capitulo, em outras nota de orientacio menores, num netivel forgo de aio a encontrar wm rumo nessa stuma de informagdes e de discus- ses, Cada parte pencipal também conta ‘com um “prekid’, isto 6, um curto esbogo das dlividas suseitadas pela problemitict ‘em queso, ef a explanacio dos concet 2 € de hisioriografia (Ricoeur lo @ sun ere & ese como ingrumento memorativo),sea.a quesito da > histiea hur a fest ht necessidacle do exquecimento para a via), No entanto, nessa construglo to ela boride, cham atengao a falta de mn tl ‘prelidio" pa rmenologia da meméria, Essa assimetria ppareceme ser 0 indicio da tese mator cia ontokonica © antopokigica da meméria em relaglo A todks as construgdes histrcas, Ricoeur reabila a memérta visa conara sua reatvi= 710 por historadores imbutios de obje- tividade que tendiam a erticar a memécia por sit ligago 20 sujeto Gndividual e coletivo) © 28 emotes. O liv &, nese seatido, um elogio racional e an hhermenéu- cond (icovur recome ‘primeira paste, a feno 5 jusia memsria, de uma retagio subjetiva ‘e viv ao prassido, & mo um tatado epise temoligico de comegio histriogrfica Agora, esa énfise implica na questio di meméria no impede uma discussio Ricoeur se propée um “trabalho de meméria” que pode levar a uma reflexdo sobre as questes do esquecimento e do perdao metodologica ceria de questbes de epis- temologia da his6ria (como dlsciplina © pesquisa), stamente para ajudar a corigr zqpilo que experiencia de mem6xia pode fapresentar de parcial © preconeeituoso, Mas 0 polo metodol6gico $6 se equilibra pela presen do pélo ético e politico: 0 coniecimento do passada tem por alvo io $6.2 i mesmo, numa pretensa objetivi- dade desinteressada, mas muito mais uma felaglo de intensidade 20 passado que possiilte uma atiude e uma aglo mais justas no presente, Nesse contexto, proponlho uma rpc andlise de alguns concetoschave que rmupelam a delimiiaglo de uma ‘juste Pensimento de Ricoeur, undo nosso eforeo de leitura pal do livia, Vale reto- esse eixo ps mar a dupla nomeagio da meméria em Plato e Arisételes, sua transfommacio em Bergson e, a parti dessas premissas,tentar se perguntar com Ricoeur, ce sampla, o que significa para 0s homens este Delecer uma ligagio com 0 passudo. Por .JUDEUS WO CAMPO de concentracéo de Buchenald, Alemanha, abril de fim, a distingio do duplo semtdo do pas- sad (eergangenfgewesen) incuz Ricoeur a opor um “dever de meméria” abstato f facilnente manipulivel a um “trabalho inspirado pelo conceito de sboraco em Freud, trauilho que pode 1 um rellexio sobre as questoes do cexquecimento e do perc. IMPRESSOES NA CERA Ricoeur reflae primeiro sobre 0 fato de fem grego duas palavris para designar a memria: anamiésis, 0 aio de recordar e de lembrar, 0 recolher tivo de lemibeargas, ato préximo do ato de nome- ar ¢ de encontrar uma orem, clo foges; ‘mnéme, a imagem lembrada, 2 impressio deixadla na alma, uma imagem que indica um serafetado (pathos) de maneira amit vex passive Em Patio, somente &.anamndsiscabe um crtério de certezatranscendente, cua fonte se encom tra na hipétese de uma vida anterior, ¢ (que pernie o reconhecimento da verdad ness vida, No dilogo Teeteto, Patio el bora ess teora da meméria gras a meti- fora mestra de um pedago de cera (a alma) no qual visam inscreverse impressdes cexteriores, de forga varével, que deixariam ai vestigios, marcas, rasires, Essa metifora da inscrio € do rasro orienta mukas teoras uiteriores da memé- comparagio freudiana cl “lousa existe $0 zakarhabralc, gales lembrar dos moros das esperangs no cumridas que eles tveram em vida migica’ es hipsteses da neurologa con- temporinea. Ela explicit, segundo Plado, por que algumas lembrancas <0. mais rida e outrs mais “opagacls" ess qua lidage depende tanto da qualitade da cera (mole e virgem ou jf endured) quanto «da imtensidade da impressio, quando esta é fraca, quase no marca ~ e quando demasiado fone, poderfamos dizer com Freud, danifica alma, produ trauma Observemos, com Ricocur, que a teoria platinice trta da meméria € do lembrar denro de ua reflexio maior sobre a con fiabldade das imagens: aquelas oriandas ds sentidos, isto €, as sensagdes, © aque las oriundas da meme, as lembrangas. Em relagio 2 primeias, as lembranys slo mais duvidesas porque no provém de uma impressio exterior (que pode tam bem ser uma iusio) produzida por um bjt presente, mas sim de uma impres- 0 interior, vestgio deixado por algo que ro é mais presente, mas ausente. ASS, 6 rasvo indica simaltancamente a auséncia cla presenga e a presenca da auséncia, urn enigmatico ser do ndo-ser que adere & imagens eas tinge de divide: na metafsca cdssca, mesma desconfianga drige-se as imagens sensives €2s imagens maicas, smbas fonts de iisio e de eno, Ricocur essa que essa inserglo exchusva di tora da meméria numa teoria cht imagem sofre uma mutagdo cessencial em Arisiéles, no pequeno ti tado Port mnimmes te hat ananmisets (geralmente traduzido por Dar meméria da reminiscéncia). Asisteles iirokz algo que pode nos parecer trivial, mas que fundamental, saber, que “a mena € do paseo" (ou proferow), que eit 10 consisee somente num outro tipo de imax gem como 2s sensagies, mas que ela sete ‘re compet tum inci temporal, sempre remete ao pasado: no paxde aver mems- ria nema do presente nem do futuro. Assi, a reflexio sobre a clstancia temporal que separa o presente do passado, o momenio presente de atvidade de recordacio da p0ca passada das lembrangas, acompa- nia sempre o movimento da memria € 0 inscreve na reflexio sobre a termportiade 4 historicdade da condigo humana, A rigor, esa terporalidace toma a memiia uma faculdade ainda mais enigmatic: la trax & conscéncia presente a> imagens de 49 MENTE, CEREDRO ¢ FILOSOFIA Como entender o ressurgir de algo que parecia morto e, de repente, volta, mesmo que nao-vivo na palpitagao da vida presente? objetos no $6 ausentes, mas também de objetos desaparecidos, de objetas que no cexisiem mais € que, nesse sentido, sio passados, cadicos, mortas. A esses motos €e desaparecidos, porém, a memoria como que empresta uma segunda vida, eles voltam de maneira misteriosa a habitar 0 presente dos vives, sejam eles bem-vindos (4 ro come fantasmas € expectos que ‘hos stormertam ou ajuda, MILAGRE E RESSURREIGAQ Ni Keita de Riooeu, 0 flésofo Hens Bergson fetoma a teose arctica © a aprimora quand disingue dois pos de mena: a adquirida © a espontinea. A primera € fut de um aprendizado trans fomnado em habit pelo exerci consan- te; a tal ponto que lo asocamos mais 4 ela a atidade do lembear, pore ji aprendemos Ho bem que io preisamos mais lembrar, mas saberos assim quando scbemos falar correntemente uma lingua, quando ssbemos um poem de cor ov quando sabemos dirig. A segunda, a meméra cspontinea, € a meméra ‘ver dadeira” ou auténtica segundo Bergson; em oposi0 a0 prin dipio de repetice da primeira, dla nova porque waz de von 4 aenglo presente algo que acorteceu num momento € rum ugar singular do pass do, algo que pade mato bem ter sido exquecédo, farendo restumgr e&e momento Ginko do pasado na intersdade do presente, encontis felizes a que Proust dari 0 nome de MEMORIA E apartheid 0 entéo presidente sulaticano Melson Mandola na ontrega do relatéra tinal da Comissio Verdade € 1998 Aeconclagée, em outubro pequenas “ressumekgOes da meni [Nessa mesma linhagem, Ricoeur investiga- ri aguilo que chama de “pequeno milagre do reconihecimenio’: como compreender melhor esse ressugir de algo que parecia ‘moito e que, de repent, Vola, est aqui rovamente, mesmo que nio-ivo na pale pitacao da vida presente? Enerclemos por que 0 proximo livro do fioséfo tari 0 tur Fercurso do reconbecimeto. Essa presenga do passado no presente Jeva a. questio ampla que orient @ te ceira parte da obra, esst bermenéutica da ‘condico histérica humana, marcads por sua temporilidade e por sua finitude, io 4, por sua conscinca da morte. Mesmo ‘que Ricoeur sign aqui as aniisesfenome- nolégieas de Sere fempo, de Heidegger, cle marca claramente suas diferencas em relagto ao pensador alemao, em pantcular sobre 0s dois seguintes pontos (que no posso aprofundar no quadko deste artigo, mas que © mereceiam): a conscéncia da morte no diz 5 respeito, de maneir realmente attic, & minha mone fur ito 6, 2 solo da miata exstncia sin ular e singularidade do meu projeto de vida ela igualmente conceme, de manent autentia também € no x6 como preo- ‘AMORTE EA MULHER,piatura de Egon Schiele, 191 hermenbutica da condigd histéri cupagio subaltema que me afestaria da angisia da propa morte, mina relacto 0f5) outots) minha dor dante do dest parecimento de um amigo, minha (nossa) heranca e divida em regio a0 pasado, em rego aos mortos do pasado. ‘A reliio que os homens entretém «com o passad ¢, panto, uma reaio de signifcago historia ¢ exitencial que no se exaure nem na mera acumulaglo nem na pretense causaldace, Ela se nutre des alti ene presenca € auséncia, a qual aludimos a respeto da nogio de rasta, fe que caricteri2a tanto a linguagem (que presenta algo ausente) como a mernoria (que toma presente algo que nilo esti is). Signficaglo e sentido nascem nao do dado brut, mas dos modios humanos de enirar em relagio com a auséncia € com 2 possbilidade de sua configura. Ali ganha toda a sua frca a dupla ace io do adjtivo e do substantive pasado no é somente agulo que peso, ficou caduco € se esting, mas também &, 30 mesmo tempo, aquilo que perdura nesse seu: ser findo nas dobras do. presente ¢ para txio futuro, como 0 diz a ciagdo de ankelevitch colocada por Ricoeur na ahemua do lio. Ess. permanénca do pasado (aquilo que fo) mio abole a morte dos monos, mas faz dos vives seus herein ¢ interlocutor, PRABALHO DE MEMORIA Retomando wars reflexdes de Michel de = Genta sobre “a operagio histriogrifca como exqivalente do rio socal do sepula mento, da sepulur”, Ricoeur enfatiza que cs mortos do passido, justamente porque www. atemtecerebeo.com be humana, marcada po sua tempoalidade ¢ per Em seu ponditin iv Rcoeur examina finite esapareceram sem poser cumprir sas promessis e esperangas, nos intrpeara pelo seu sofimento € pelos seus desejos to realizados de na vida melhor. Nesse sentido de interpelagio ansgeraiond temos, diz Ricoeur, uma dvi em relagio 2 nossos antepassidos: mo s6 porque prepararam 0 mundo 0 qual nascemos, mas também porque podemes retomar & teunsformar seus anseios — uma tare qual Waker Bedjain também aude nas {exes ‘Sobre 0 conceito de isa Trace de responder a esa interpe Jo com liberdade e invenvidade para aque © presente mo se nem uma queixa sudossta nem uma repetisio pigs do pasado, mas sua retomida tansformado- 12, Ricoeur cca, por iss, 2 inung20 a0 famoso “dever de meméra” como sendo ‘uma exigéncit absiata que se pres a todhis as manipulagdes do poder vigente ¢ Ihe opbe, nas pezadas da reflexdo fre diana, aquilo que chama de trabaibo de ‘meméri, temo inspitado pelo conceit freudiano de wahalho, de peiaboracio da memoria viva, em contaste com a compu S80 8 repeigi ¢,igualmente, com 2 com pactacia da queta melancdlica (em opo- Sighs taba de ito) Mesmo sabendo das cifculdadeslevasndas pels arabogias erate mens indvicual © memeia ce tia — uma anlogia que 0 proprio Fred enstia em viros textos -, Ricoeur lana fo dis “propentasterapeuticas” de Freud para tentar entender 0s process cot +08 e paliicos de elaboracio do passa: processos de denewaicio, ce recalque, de retomo (pergoso) do reprmido, ess pro nentos de exquesimento come apagar violent volun (nso inconsciete) das confltos do pusido que reperciem no presente, © estado acim € a ps quia hiss hitotogrifcs deve estar a sergo de uma outa mena ede den uo exqpecinent, Deven aida a tera coragem de lembrar ct dor © dt isi, no para contra no cu vias e é rept, rio par se com pizer no resertimeno, ms, 90 homes @ reeonhecer 0 conlio © o sober, para cia inventar nova formas de vid Somente asim 2 econclagdo com o pas ‘odo mo sera engodo, amas tabalho de lo ede enbranga aa em pol de wan presente © de a uo menos inuscs ~e, quem sabe, mas alegres, @ Fa UE AY cee aera) eae 199. tifa, ears den rales aes Gh Fiona tek reel 197. ees Bede gine ptr Caan ein Pas pte al dea ma PUCSP elerasie sie eea aay hac “ur Gach ar Begone (eg. {stat nt, Oscar ci (a Pal, 982), ie tara cb War Bae (Pag, 198), tra ratte & mara om Mee Briann (Pau, 1989) Ste ule ‘moni ding esr ide ane, 3): Lebar rea xa (Sa Pa, 30), ‘PONTO PARTON * Prana ota de modeide Uma | cimago & arte do romance am Temps: ttre Pa inet Sls Gr. {oj 08 O ESSENCIAL 00 AUTOR “ Histria verdage, Put ier Foers, 168 “= Interpretact e idecona Paul iscur Fenoisco Aes, 197 "= Dainlerpelagéo, Ensaio sobre Freud. el eco nae, 197. “Tempo enarratva rs volumes). Pau coo. Pans, 1994 “* Ameméria a hist, esqeciment, Paul ecu 4 Urican, 207, PARA IR MAIS LONE “© Malia © meni. Hen arson. Warts Fries, 1999, © Segunda cansderacioinlempestva: da utldede ea desvantanem da stra para a vida, Fei etsche, Reus Dar, 2008 Record, repetreeaborr. Sigurd Fe. ‘12 Eig Sanda, ogo, 1950 PRESENCA DO OUTRO E INTERPRETACAO 49 Para Ricoeur, a narragao de si representa a via privilegiada para 0 exame reflexivo da vida oR Davio LEVY Pau RicoFuR NAo # unt EscuTOR com talen- to literirio, nem prosa exuberante, Muito pelo contrério, seu texto tem a forma, juse tamente, de um comentirio de texto - um tipo de produgio literdria que talvez esteja inserido na tradiglo da hermenéutica reli- gio paciente e drido trabalho de an: € filoséfica, Seu estilo € 0 de um -, come preensio e intexpretagio da obra de outros autores, © € s6 dessa maneira que Ricoeur, vangando como se empreendesse uma costura tortuosa, formula seu pensamento proprio e original. @ Essa peculiar e delica- a forma dial6gica de producio de idéias ner sempre foi bem secebida por seus leitores. Ela chegou até mesmo a levantar suspeitas em alguns intelectuais, como se a obra de Ricoeur nao fosse mais do que ‘uma apropriaglo elegante do pensame: to alheio, Na verdade, 0 filésofo fianct’s soube de forma brilhante colocar-se na confluéncia de tradigoes que se ignoravam mutuamente, realizando, por meio do seu texto, uma colaboracdo entre elas de outra forma impossivel. M SINTESE gia gu bordamas ese aio, aidetiade srr eondens em sl rane pt dos sens que ocupari Pal Rcpew dare ‘od ua vinta, const, poranto, um lent peed de radio a seu uns ence Tess como o de sal bermenévica do sue, knpoaiade, arate, cenals ra obra de Roe, serio definidse aicuados eres. 51 © conceito de identidade narrativa des pponta como uma formulagao tardia da flosofia sicoeuriana; em contraparica, sua gradual gestaglo é reconhecivel por quase toda a sua obra, Nessa medica nsa-em si antigas convicgoes & referencias mais r ‘mento, constituindo, para © leitor que obra, feuds fone de relleo, ide oretvaabga © pe Bete sable que una peso tem de de qie io de eg Ana obra de felego, Ricoeur vical 2 poche! reaizagio deve sll ais etal & neestade ds pasaigem toe fonts va pvepade ma Keide que € super da bas peda cultura ten i deuma amp eda endo. Ais pelts obs da cul € para ele um alguns desses desvios, e reduz a ide narcisistca Toxo 0 esforgo de Ricoeur cone pense dor € mobilzaco pela tarefa de consruir ‘uma filosofiareflexiva e contemporiinen e, nessa medida, ele € levado com freqién- da a repisarerticament levaram Descartes a formulacio do cagito ‘ergo sum, do penso, logo exisio, A preo ‘upagio de Ricoeur nao € tanto contestar Co valor de certeza absoluta do “eu penso’ (5 passas que 52 MENTE, CEREBRO ¢ FILOSOFIA ‘6 transmitda pela linguager, assim como os anode Wo ies nse soges wea We srtesiano, mas, muito mais, a de avalia © aleance e a sigificaglo desse eu que se descobre no ato de pensar. Como se a busca de um fundam abe, » limo para as eiBacias leva Descartes & aplica Glo do método la dlivida hiperbolica, ao 0 a reconhecer m dlvida, part cabo da qual ele & obrign que 0 ex que poe tudo duvider precisa exis, No dimbito da temitica da identidade namativa, 0 que inveresst a Ricoeur é ‘questionar quem & ess eu que penst © 0 que significa conhect-lo, Somos aqui remetidas ac antigo principio do ensinamento socritico: conhecer isi uestio para Ricoeur 6, just mente, sabe mios entender a nogio de conhecimen em especial reduzido 2 intiglo imediata do ea carte siano presente no “eu penso’. Responder a pergunta do que significa conhecer no caso do significa adentrar ‘mais imporante da flosafa modema inauguredtt por Heidegger, re! incontorndvel para Ricocut, mesmo, A como nesse contexto deve se esse “siemesmo” poxle ser Descartes pretendeu rechagas, com 0 exerciclo da divida, toda a. tradigho filosotica, a fim de marcar um ponto zero da certeza a partir do qual pudesse erguer toxlo 0 edificio do. conhecimen: to. Ora, Ricoeur incorpora a critica heideggeriana ao método. catesiano, Critica esta que desconstréi a pretense lidade da divida permanece inse da na tradigio metafisiea da-dlstingdo de radi ne sujeito-objeto e, portanto, da idéta de conhecimento como apreensao objet va. Assim, Ricoeur, segundo os passos de Heidegger ¢ Gadamer, a as filosofias do cogito sto tolhidks pelo preconceito cientificista, © most incapazes de escarecer © que significa conhecer quando 0 visido € 0 “si distin do sujeto, Se atentarmos para 0 fato de que, na proposigio “conhecer a si mesmo’ © conhecedor © 0 conhecido sto ambos 0 *si mesmo", a separaglo sujeito-objeto cai por terra, € com ela a possibilidade para as ciéncias huma- nas de se verem como integrantes do ‘campo de problemas compreendido na cchamada epistemologia. Dito de outra forma, as questdes relativas a0 método segundo 0 qual um sujeito poderia e forma segura conhecer um objeto Cistinto dele, isto €, aquilo que a filo- sofia tradicional chama “o problema do conhecimento", no podem servir de parimetro para as ciéacias do espitito, pols, neste caso, € o si-mesmo que se autocompreende Por fora do método que tudo aniquilou, 0 sujeito que Descartes nos legou € desencamado ¢ ahistorico ‘Quem no quer, como Descartes, con- siderar nem minimamente como vélido nada que the tenha chegado pela tra- iglo, ndo tem outro remédio sendo colocinse mewodologicamente fora do tempo € do espago. Mas, se nossa pre: ‘ocupagdo deixa de ser a de encontrar uum inicio absoluto para as circias passa a ser a de conhecer quem ¢ esse eu que se pensa’, somos obrigados a rnovamente inseti-lo n0 fluxo da histo fia na qual esse “eu” cotidianamente vive, Ora, a tadicio nos é transmitida pela linguagem, assim como tudo que sabemos da histéria que nos antece- de e que di sentido & nossa chegada nesta incontomnével condiclo terres. Em tais condigdes, encontramo-nos jogados sempre in medias res, no meio as coisas ~ e a primeira dessas coisas 6 sem dOvida a linguagem, da. qual aprendemos quem somos. Assim, 0 ego cartesiano se redescobre como historicdade indissociivel do préprio meio de linguagem no qual vive. TTemos, entdo, uma linha de tansfor magio que nos faz mudar de campo: se 0 simesmo € linguagem, conhecer significa aqui compreender e, para compreender, € preciso interpretar. £ por essi razio q Ambito de questoes levantadas pela icoeur define © «= Hdentidade narrativa como uma herme- 5 néurica do. No Ambito da tematica da identidade narrativa, Ricoeur pretende questionar quem é 0 eu que pensa e 0 que significa conhecé-lo SIGNOS E SIMBOLOS Trata-se, como dito acima, de ir um pouco além da simples exaltagio ou humithaco do ego cogito (que se apreence diretamente como c exercicio mesmo da divida). Ricoeur rnlo nega que esta seja uma verdade, apenas observa que € Go va quanto Impossivel de ultrapassar. Eu penso, eu existo, existo enquanto penso. Pa dvi de primeira do ego cogito, do eu penso cearesiano, Mas, se permanecermos res: tritos 2 intuiglo imediata da existéncia do eu, ficaremos imobilizados numa verdade to ceria quanto vazla, pois eka se desfaz assim que nos perguntamas quem € esse sujeito que existe como cconscigncia de si. A partir do momento fem que 0 ego passa no campo reflex vo, aquela verdade primeira ji nao tem nada o que ensinar, ‘A pergunta é como pode 0 ego Fé preciso exists, Essa € a verd: consciente conhecer a si mesmo? Par {que © si+mesmo possa retornar a si de forma acrescida, com ganho de conhe- cimento em relagio a0 ponto de dda, no existe, nos diz Ricoeur, a opt da via cura de uma ani aherta a via long, pelo outro, p We, precisimente, pela dialética do mesmo € do outro, O sujeto $6 existe inserido no “mundo da vida” (segundo o famoso conceito de Edimund Husser), “enced do nas hisérias que os outros contam € contaram a seu respeito™ (para usie uma formulagio do filésofo © jurist alemio Wilhelm Schapp), a mesm: forma 0 ego x6 se sabe me: suas expressbes, seus atos, suas obras, Assim, para Ricoeur, 0 sijito s6 pode cchegar a si mesmo através da anélise das proprias obras, mediante a interpre alo dos sinais de sua exisiéncia, ou ainda, pele reflexao critea sobre seus alos e expressdes, Para peroeber 0 alcance de tals deserigoes, & preciso ter em mente © quio fundamental € a nogio de lingua- gem como mediago (otal do mundo hhumano. A linguagem € constituinte do sujeito, Todas essas formulas con vergem para reforgar 0 que afirmanos PRESENGA DO OUTRO E INTERPRETAGAC cima, a saber, que @ identidade em ‘questio no concelto de identidade nar rativa € conhecimento entendio como ineerpretaglo; Ricoeur expressa-se com muita clareza, a esse respeito, na seguimte passagem: “A afimacio de sr, 10 desejo e 0 esforgo de existr que me constitu, enconta na interpretagto dos signos 0 caminho longo da vomada de consciéncia’, Ou ainda: “Compreender © mundo dos signos € o meio de se compreender; 0 univer simbylico 6 meio da auto-explicagao; com feito, rio haveria mais problemas de sentido s¢ 08 signos nao fossem a meciag20, 0 mediunt gragas 20 qual um existente se compreender”. Essa &, pois, a via Tonga, “0 cogtto mediatizado por todo 0 uuniverso dos signos" NARRATIVIDADE Podemos ver, cada vez mais caramen- te, ao longo da obra de Paul Ricoeur, de que forma seu pensamento vai se desgarrando da nogio de um eu intuido ppontual e imediatamente moda carte- siana, para pouco pouco concentrar- se na nogio de sujeto como simesin, isto é, como reflexividade historici- 54 MENTE, CEREBRO 6 FILOSOFIA dade, isso implica que, no camino de alcangar uma identcade mais autentica, mais um desvio se toma necessisi, ¢ dessa vez por aquelas corentes que Ricoeur denomiaa “hermenéuticas da suspeita’, Slo aquelas disciplinas, como (0 marxismo € a psicandlise, que defi nem © ego milo como ceneza, mas como engano, Marx, Freud ¢ Nietzsche, os “mesties da suspeit’, deservolvem formulagoes que se contrapoem a una hhesmenéutica da “revelagio™ out apre- ensto do sentido, No atarxismo, por cexemplo, a critica da Kleologia como superestruturt€ alienagio significa que uma visto de mundo € muito mais uma deformacto que atende a interesses de deverminada classe social © nao wm contecimento objeivo da realidade, Da mesma forma o trabalho da psicand tal como o entendia Freud, consti um esforgo que vist reconhecer 0 sentido inconsciente alravés da decifragio dos simbolos deformados pela censura, cos capazes de atingit a conscitncia Mais uma vez, Ricoeur reforpa a necessidade de encarar a via longa, isto €, 0 desvio pela ertica reflexiva, para retirar a conscigncia do engano € conduzila 20 si mexno mais proprio. ‘ALEXANDRE WA BATALHA DE ISSUS CONTRA DARIO I, REL DOS PERSRS. Dealhe de mosaic romano do sicul a. Segundo Ricoeur o conhecimento e's 4 uma flogde hstéres,"eomparivelAqulasbiografis des grandes homens nas quaisencontrames uma mista stra ego” Sobressai o grtu de complexidade a que somos levados quando, em ver de fica anos restrits 2 cetera imediata e va <0 eu do ego cogil, ceerminamo-n0s 3 ‘encarar com seriedade a resposta i pet- ‘guna quem? posta ao eagit. Quem € 0 ev que pens, que duvida, que existe? ‘A vin Jonga para responder a tal pergunta implica que o sujeto precisa comecar a narra, a contae sua histori Suibeinos de maneia intitiva que avid se uma pessoa tornase compreensivel ‘quindo nos ineiamos das histori contadas a seu respeito, E espontanea- mente também, aplicamos configurs- goes narrativas a elas (drama, romance, comédia, ct). Es hist prolong se entre nas- cimento € morte, mas, ma verdad, nao 5 inicka nem se completa em nenhum esses dois pontos. Nossa historia inchai = 2 dos outros, na qual figuramos como = iceauesn, (ane! penonasen wo'deso © dos outros, nossos pais € ancestrais, 3 antes mesmo do nasciaento, Na outra 3 Ponta, 0 projeto existeachl (como se & ‘express Sartre, poueo discutido por & Ricoeur) € inacabado, sempre ainda 8 por conclu, nem que Seja apenas pelo fato de que a linguugem esti abera a 3 swivwmentecerebro.com.be vrios sntides, ¢ um eventual bidgrafo que procurasse toralizar a vida de: um hhomem, seria participe e constituidor do ido mesmo dessa vida, prolongando assim sua bisa E para fazer jas @ ess fenomenolo- ‘gia que Ricoeur, usindo da terminolo- sia intoduzida pelo histoiador Reinhart Koseleck, refere-se a0 tempo da vida na diaklica entre “espago de cexpetiéncia” © *horizomte de espert Nessa medida, refletr sobre a especie de identidade que um homem adguire ‘gragas @ mediag2o da funcao naeratva levirnos também a ter de analisar a natuneza de duas classes de natrag: a narrativa histrica de um lado e a fic damesana ck Hinguagems & pres- Suposigio do. carter essencialmente posico da linguagem. Jogando com o titulo da obra cera «do pensimento kantiano, a hermenéutca sgxameriana pode ser considera como uma “rita da compreensio fina, como tuna delimitagao do espapo de_pleno acontecimento da compreensio e como tuna descrigto do trabal infinko defor magio da linguagem. © que toma possi vel a concreizaglo desse proj € 0 eto de no aver um ponto 2e70 da compre- nso, Jamas comes 2 compreender algo do zero, mis nos aproxiamos de algo que procuranos comproender ji 2 pamir de potencialdades inrnsecas oss lingua, parc da fortune inesgot vel de toda lingua, Exatamente por 0, a lingua nunc se most pars Gadamer como uma espécie de Gepésio de termes dotados de significagtes medinamente ‘nas procurar respastas absolutas, inal 2 eis ¢ univers; ela precisa igualment do sentido para 0 factvel, o possivel, o 2 Cofreto aqui € agora, ito & aquele que S ww smentecerebro.com.be flosofa tem deter conscigncia da tensio ene ra qual enti, Or, eet tensdo consti 0 fco de atengao ch pico, Habermas resumiu bem a flosofia dilogica de Gadamer enquanto esfogo continuo para estabelecer pores, rio 6 entre as pessoas, mas também entre S diferentes tadigdes culturais € de pensamento, 0 ckisico e as rellexdes Sobre a modemidade sto excassos os expacos dedicados 20 aprofundamento dos vinculos especii- 0s enire filosoia © psiclogia, a ber menduier g sind {que implictamente, pontes vigorosas € fecundas entre ambus, £ por essa 0 que passamos a mosrar alguns tages di hermnenéutica filosica de Gadamer aque corsideramos centrais Uma vez que stien gachmeriana_propde ‘morer estamos a Interprotar ‘OLNas FECHADOS, len Radon, 1890. De acoréar 30 adormecer(Inchsve dormingo), do naszer 20, 3 comprosnder © mundo em que nos encontrames e nes corstitenos SOCRATES CONTEMPORANEO Indo além da visio da hermenéutiea como uma ante ca compreensdo, wma téenica da boa interpretagdo, ow até ‘uma ciéncla da interpretacdo, Gadamer laborou uma concepgl0 propria de hhermenurica enquanto filosofia que lunga suas raizes no pensamento grego, apropeiando dele prineipalmente a arte do didlogo soeritico-platonico ¢ 0 con- ceito aristotelico de pbrinesis, geral- ‘mente traduzido como “prudéncia” ou ‘savedonia pritica’ Denire todos os filésofos ¢ obs {que contribuiram part a elaborago da filosofia de Gadamer, foi Platto, sem diivida, de quem ele mais aprendeu, apreendeu e desenvolveu a arte de filo- onto de autodesignar-se como ‘platBnico, Em vinias ocasibes ee afirmou que 0 que aprendeu de Plato, © mestre do dislogo, ou melhor, da. composicao dos diilogos de Socrates, € que a estra- tura de mondlogo da consciéneia cien- nais permitiri, de modo pleno, ao peasamento floséfico alcangar seus cbjetivos. Por isso, entre outros motivos, com toda razo, 6 que Vatimo pode chami-lo de *Séerates contemporineo” Postura que esti retratads nas seguintes palvras de Gadamer: *Nto foi minha intenglo desenvolver uma ‘doutrina da ae’ do compreender, como pretendin sera hermenéutica-mais antiga. Nao preendia desenvolver um sistema de regs artiicais que conseguissem des- caever 0 procedimento metodolgico das ciéncias do espirto, ov até guido, (..) Minha intengio verdad, porém, foi © € uma intengio filosofica: 0 que esti m questio no € 0 que nés fazemos, © que deveriamos fazer, mas 0 que, ultapassando nosso querer ¢ fazer, nos sobrevém, ou nos acontece” A hermendutica gadamertana no é ‘uma técnica para extair o sentido oculto dos textos ou dediztlo de determinados indicios, mas uma postura, um modo de ser que entrelaca a compreensio do bem, do belo, da verdade, com sa por meio da pritica cial6gica a importincia da herment ‘a enquanto método em sentido estito, le a fundamentou como uma ontologia a finitude (e, portanto,relacional ¢ his {rica} evjo escopo consiste em descobrir ¢ tornar consciente algo que permanece cencoberto desconhecide pela dispu: ta sobre os métodos, algo que, antes de twacar limites e restingit a. cléncia modema, precede-a e em parte foma-a possivel, Ha estd &s volta, pols, com o {que podemos chamar de pré-reflexivo, de iracional, de ontolbgico. Para Gadamer, a hermenéutica isto: 0 saber do quanto fica, sempre, de no-cito quando se diz algo. Nisso se condensa admiravelmente sua proposta filosfica, © filosofar consist justamen- te no esforga e no proprio processo de compreensio € de explicitaci0 total- zante do real, sem ser totlitrio € sem ser definitvo, Tratase de um saber tecido entre o dito € 0 nio-lito (ainda), scja porque somos finitos, seja poraue PRESENCA DO OUTRO F INTERPRETAGAO 77 sempre ansiamos por uma compreen- sto universal do real, seja porque este ao cabe em conceitos Kégieos. © bom fildsofo nio tem a pretensio de proferir «lia palavra sobre 0 real. ENCONTRO DE DOIS MUNDOS © processo_hermenéutico-flosdfico ‘ocorre nae por meio da linguagem. Esse € 0 tema central da terceita parte de Verdade e método 1, pois © horizonte do compreensivel no qual participamos € nosso modo de ser linguagem, ou seja, 86 compreendemos na medida tem que buseamas € encontramos pala- ‘ras para expressar precariamente nossa compreensio do real, 1530 se aplica O que sairé I ao final de um didlos ninguém pode prever, ele comporta riscos, descobertas e criagdes imprevisiveis em especial As questoes humanas, em relaglo as quais 0 método cienifco precisa ser visto apenas como. um modo, limitado, de ‘abordilas concet- tualmente, Precisamos pressupor que @ linguagem nao se limita a sew aspecto verbal, falado, nem a0 nivel descritivo, nas s€ constitu como um processo Vivo dinamico, Mais que um simples jogo de adequagio entre 0 sujelto € 0 objeto, a lin- guagem fllosfica efeti- vase em sua plenitude cenquanto diflogo. Diante da. crescente mionologizacao do com- poramento segundo 0 principio do pensar téc nico-cientifico, Gadamer refletiu sobre a arte do didlogo procurando responder’ pergunta “Estara desaparecendo esta ater”, Para ele, a questio da incapacida- de para 0 didlogo refe- esse, antes, 2 possibili- dade de alguém se abrir para 0 outto © encon- trar nesse outro uma abertura pars. que 0 fio da conversa possa fair livremente, © tema do diflogo. permeia seus escritas € resume seu proprio esbogo herme- néutico, segundo seu objetivo filos6fico bisi- co, que “nio diverge muito da conviegio de que someate no diflo- {go chegamos as coisas, ‘GUSTAV KLINT, Liagaagem corpora (estat), 1805- 1008. Hnguagem no se limita a seu especto verbal ‘ou seja, somente quando nos expomos 2 possivel concepgto oposta, temos chances de ultrapassar a estreiteza de nnossos prOprios preconceitos’. Uma reflexio sobre 0 diilogo nos revela sua riqueza assim como a fecundidade de sux aplicagio para outras areas do conhecimento, dentre as quais a psico- logia € a psicandlise. ‘Mas 0 que € um diilogo quais Sto as exigencias necessérias para que seja efetivado? Em primeito lugar, wata- se de uma troca de experiéncias, de ‘um enconto enire dois mundos, entre dis horizontes do real. O dllogo, para Gadamer, consituise como um pro- cesso lingdistico que, apesar de toa a ‘ua ampli e infiitude porencal, tert tuma unidade prépria, Dialogar implica abrirse 2 alteridade do ‘tu" que nas sai so encontr, querer aprender de sta ‘experiéncia. Nele ocome um intercimbio reeiproco no qual os parcelros comune cam algo proprio e se apropriam de algo que thes & estanho, Nesse intercémbio permanente, os parceinos procuram che- gar a um acordo, © qual nao pode ser ‘dentificado, porém, com um consenso, Na procura do acordo esti implicada a tarefa de julgar, de discemir, de ponderar 6 angumentos ¢ contra-argumentos dos parceitos do didlogo. ‘Assim, de acordo com Gadamer "Do ponto de vista hermeneutico, nao hi nenhum dilogo que chegue ao fim ‘antes que tenia conduzido a um acordo real. Talvez seja preciso acrescentar que por isso, no fundo, no hi didlogo que realmente chegue ao fim, porque um verdadeir acordo, um acordo intira- mente completo entre duas pessoas con- iza essencia cla individualidade” AVENTURA IMPREVISIVEL ‘Tudo isso ratfica a tese ~ que nomela este texto ~ de que nds somos dior go € que, independentemente da rea de conhecimento na qual é aplicado, fenquanto jogo, ele € regido por condi- {goes € exigdncias espectficas. Em prime to lugar, diferentemente do procedimen- to monol6gico cientifico, embora aja tama cema diretvidade a condugio do dlilogo, aqueles que dialogam sio mms dliigidos que condutores do esptto dia l6gico. © que saiti ao longo € ao final de um diflogo ninguém pode prever, © tenquanto jogo dlal6gico ele necessaria ‘mente comporta aventuras, risoos, des- ccobertas e criagdes imprevistvets. Para que um diflogo possi ocorer fem sua plenitude, seus paricipantes precisam depor suas armas para poder entrar em seu. movimento © assumir seu espinito, isto é, se dispor a isso € procurar compreender 0 que & estranho fe diferente deles mesmos, Parceiros no jogo das palavras, eles necessitam se dis;por & busca conjunta (© que & uma espécie de acordo) da compre- ensio € da solugio de uma aporia ou de um problema existencial. © mio acolhimento do estranho que 0 proprio processo da procurs do acordo torna explicito implica 0 fracasso do dislogo. Acolher aquilo que o outro tema dizer no. significa consemtir ou ratiicar, dout couri, 0 que ele diz. Acolher & escutar, procurar captar, compreendler 0 que 0 Couto diz ou quis express: Isso sign abrirse & pakivra do outro, acompanh- Jo em sta exposigio, compreender st argumemtacio, sia nastativa, Ora, de acordlo com alliedo Naffah Neto, 0 pee meiro dos dex mandamentos para uma psicanélise tnigica & escutar 0 outro com ‘corpo inteiro, assim como quando escu- tamos uma miisica, em que no apenas rnossos ouvidos es0 envolvidos. Ou seia, € preciso aprender a escutar com o lerceiro oweidlo, que &, eminentemente, tum ouvido musica sat por aquilo que poseriamos descrever coma a extruura ritmico-melédica do discurso, seu fundo afetivo. No diflogo auténtico, os parceiros ‘comprometem-se entre si na medida em que quem pergunta se revela, se desco- bre e também tem de se dispor escutar aquilo que © outro tem a dizer. Por parte de quem € perguntado, o dillogo cexige um compromisso de atenglo sejt para com quem Ihe pergunts, seja part ‘com 0 espitito do seu tempo, seja para ‘com a coisa sobre a qual dialogam. Ele ‘constiuise pela exigéncia de que os par deisando-se ateaves- cceitos se descuibram em seus préjuizos, fem suas decisdes mais internas. Sempre auto-implicados no jogo das palavras, os parceiros em tudo diferem do cientisaa que pretende apresentar uma postur neutra com relagho ao real, Sem essa aberrura, um diflogo no poderi ef var-se plenamente. No diflogo auténtico, (0 parceiros ndo podem preexider prever 6 que sucedert ao longo do didlogo. Nele cud palavra puxa otra que, por sua ver, remete e reenvia a0 mundo da vida no qual cada um esté envolvido. Podemos perceder que 0 diflogo nao apenas um modo de mediagho © de consttuigao da identidade humana, mas tum espago e um meio pari revel do ser (do outro, do mundo) que nao o cexgot nem 0 engess. ‘© dilogo, enquanto modo de com- preensto do real em sua totalidade € fenquanto exereicio terupeutico, no se ‘constitu como uma técnica para pro- iuzir enunciados definitivos seja sobre ADOLPH VOW MENZEL, Clare Sohumana eum alnsta, 1864, Wo ddloge,¢ preciso escutar ‘© outro come que wow. mentecerebro.com.br uta uma misica (9 homem seja sobre 0 ser 1 hermenéutica quanto a psicologia pres: supgem que seus objetos se subraem a0 que pode ser dito sobre cles, por semmos finitos ou porque somos setes constituidos pelo desejo (le conbiecer, de set). Concordamos com Mério Fleig, Imo & paicanilse nao est ificidade do objeto, mi questo que o sujeito se coloct € que iz respeito aquilo que singularmente © funda, Ou sei, a psicanslie tat, pre: ferencialmente, da questao ds iliaeio de cada um, eiss0 mo € possivel de ser teatado pela flosofia Segundo Gadamer, um sini de sua cfetvacao auténtica pose ser verificado quando 0 diflogo prodiz uma espécie de expansio de nosst individualdade um experimento da possivel coin nidade a que nas convid a experien nar ox problemas PRESENGA DO OUTRO E INTEND GADAME mediante palavras € no pelo uso € abaso do poder. O didlogo deixa mar- cas, tem uma forga trinsformadora donde aleanga éxito few algo para nds € em n6s que nos mocifica.O didlogo evidencia, assim, uma. grande proxim- ade com a amizade. De um diélogo auiéntico nao saimos ilesos, pois nele rontece a ampliagio dos noss0s hor: ontes, a raiieagd0 ou retificagao dos nossos conhecimentos ou um redirecion namento das nossas agbes. O que ocor- re é uma compreensio mais totalzante, mais completa de nds mesmos, do real, €, por isso, quando acontece um diflo- 0, nos sentimos realizados, ito €, mais plenos e capazes de conviver cooperati- vamente. Basta abrirmos nossos olhos € jouvidos para perceber que no apenas 48 guerras sto causidas pela incapa cidade de dialogar — oriunda de dog- matismos, arrogincias ¢ intransige — mas também uma série de patolo aque permeiam as academia 80 MENTE, CEREDRO 6 FILOSOFIA se eiregr a0 dialog Um fio condutor que costura a herme- néutica flloséfica de Gadamer € seu fto de cviar ponies, de vincular unitariamen- te a ciéncia e o saber do homem a fim de conseguir uma nova autocompreen- sto da humanidade. Por esst razio, Game da crescente alienacio. humana de Si propria, ele justificou a tarefa turgente de conduzit 0 home mente, 2 autocompreensao, Pa serve, desde a Antighidacle, a flosofia sob a forma de hermengutica ~ como teoria € também como praxis da arte de compreender e fazer falar 0 estranho ¢ 0 aque se fez estranho -, © que pode ajudar a libenar-nos em face de tudo aquilo que se apodera de nds sem nos con: sultar. Enquamto saber auto-implicativo, @ hermenéutica encontra-se, pois, nas ‘mesmas tilhas cla pritica terapeuti Fundamentalmente, tanto. a filoso fia quanto a psicalogia estio as voltas com 0 desenjeticamento da linguagem. No intigante artigo “Dez Outro mandementofala_psicanalista tragic tem, mandamentos para uma om “considerar a relagdo de forma andloga, de ‘sicandlise trgica” _psicanaitica como uma _desenvolver seu trabalho (ercurson, 28, io _saldio a dois onde cada a partir de suas viscera, Paulo, 2002) 0 filésofo, um aprofunda e expande oferecendo seu corpo e, pslcblogo e psicanalista a cepacidade de habitar @ partir dele, sua mente & ‘Alfredo Naffah Neto asi préprio’, Ai a énfase _afetacdo transferencial ¢ ‘rope dez principios reside na capacldade de necessitando destiar, da balizadores do trabalno o analistaeo analisando contratransteréncia, os ‘analtico, com base em escutarem a sl préprios, fuidos dessa afetagho, principiosnietzschianos. Mas nao baste crfando um sem-nimero Vale a pena examinar _escutar,Paralolamente, de vozes para interpreti- alguns dees, ‘Opsicanalista “deve los”. Emais; “Cabe Oprimeira, citado no procurar criar um ‘a0 analista manter 2 artigo, vido tanto para sem-niimero de vozes _ateneo eqUi-flutuante e arte do dialogo quanto diferentes para dar _—_ser capaz de perambular para a terapia, consiste forma ans diferentes _por diferentes lugares © fem “escutar como —_sentidos (nterpretacoes) metamorfosear-se corpo inteiro" tal como que emergem via em diferentes outros se escuta uma misica, transferéncia- (acolhendo as Ccontratransteréncia’, _identicabes pojetivas ‘Outros mandamentos do analisando), sem AYALSA Feta vation, expicam como alcangar edo de se perder 1295.Totoocopo deve essas metas. Assim, "0. om si proprio”, Equant apm procura devel as disoryes ea deterongo danguger em tures do seu serio engin 2 segunda 56 eforga por detecar a8 patlgisincusis ne com 0 fib Ge ear gue a reconecbin aber lidar com es, Euan Hosta ex preociada com a expat cone fal snd ce vos 0 00 a Sp nificaser fei, pla pa tape Ga, postin que sens posses pers ganhos Nese condo nt Podenos dae qi tt © flsoar das os hibits qe encore 0 eno Stam pasa anon centum) www.amentecercbro.com.br seamos ns mesmos (am). Tilosoar, cenquanto opsio de vida, implica, por um lado, mergulhar as profundezas dos acontecimentos ¢ da alia h fa; por outro, acompanhar e te movimento de saida € de volta a n6s mesmos, 0 que pode ser dito também a respeito ea ative terapéutica ‘Aluz da hermenéutcaflesitca de Gadames, percebemos que a filosfia © 2 psicologia io podem se pautar pela medica matemsitioo geométriea, nao apenas porque somos humanos ~ &, por tanto, em travessi ~ mas porque somos tecidos pela tberdade, pelo desejo, por Uwopias jamais conseguiremos dizer totalmente aquilo que gostriamos de dizer ou deduzir © que 0 ou quer dizer. 8 régua 2 ser aplicada 2s coisas hhumanas é a de cbuumbo © nto a de ferro, como nos ensinou 0 estagiia, A ‘siclogia, enquanto cigncia da alma ‘mo pode ser tomada como eicia 2po- dtc, mas coms saber pritico, uma vez ‘10 cont & POUTE oas TRES FONTES, Abitos que tico de bem viver que € impossivel estabelecer 0s eoator- 0s da alma humana. Enquanto ciéncia pritica, ela contribui para esclarecer & discemir 0 que € 0 bem, a verdade, a ticidade no tempo subjetivo e objetivo fem que cuca um se encontra. Receltas © formulas ficeis ~ que ciam a arte do didlogo auténtico @ doloroso ~ sto tentadoras, soja par © fildsofo, seja para © psicdlogo ou 0 psicanalista e seus pacientes. Aplicar regras para interpreta textos ou pessoas sem pensar ¢ ponderar conjantamente sobre questbes existenciais € muito ficil e, por vezes, até mais persuasive, Deduzir conclusdes de determinados {éados ou fatos parece ser mais convin- cente € cOmodo para 0 fil6sofo, para o psicOlogo e seus pacientes, mas a l6gica para lidarmos com mais coeséncia com a alma humana € mais préxima & do entimema ~ um argumento em que pelo menos uma premisss esti apenas implicta - que 2 do silogismo, A pric rmeira [6gica € mais totalizante, implica ‘uma compreensio mais universal dos fatos € leva seus parceiros a assumir seus atos de modo livre e responsivel; i a segunda & toealittie porque deduz conchisbes universais a partir de deter- ‘minados recortes do rel muito iil deduzir que as pessoas esto deprimicas & que os compri- midos solucionario seus problemas, Na hermenéutica psicol6gica rasa. superficial, 0 especilistafinge escutar © paciente porque pressupoe detectar € deduzir sua depressio para prescrever Io 55 entre as pessoas, mas também entre as diferentes trates culturals ede pensamenta, cissico ‘AMuncingAo,pintura de Fra Rng, e.1490- 1432. Um doe exomplos do da 4 ingestio de um medicamento. Nesse caso, ele coloca-se na posiglo de um péssimo juiz cuja decisto € a prion, absolura, ierevogivel ¢ inquestionsvel, Ji na hermenéutica psicolégica profun- a, ele até pode prescrevera tomada de algum medicamento, mas antes disso, junto com o paciente, procura descobrir as causes de suas patologias ~ fatores pessoas, econdmicos, profissionais ~ & ‘com seu paciente esforga-se em pintar 0 ‘quadro da sua realidade, para s6 entto sugerir uma soluio, A ENTREGA AO DIALOGO Se 0 ideal, no mbitofloséico,¢ a ef tivagho do didlogo ~ como meio e meta de sua realizagio plena -, na prixis pscanalica, para Gadamer, a incapa cidade pao diflogo é justamente 0 pponto a partir do qual a recuperagdo do liflogo se apresenta como © processo da propria cura. A mei consiste na aqusicto e no exericio da capacidade de dislogar, 0 que implica Jf, em pane, a propria cura. O terapeuta ino se pe como um interlocutor neutro dante do pacien especilita parceito procura re-agir 3s suas observagdes € ajuds-o a se com- preender interagindo num todo. Mas pode haver um didlogo, no sentido abordado acima, ene 0 psicé- logo ¢ seu paciemte? Eu dira que essa 64 meta do terapeuta assim como do paciente que desea, de fato, curarse, cidarsc, Uma ver um amigo me, hhomem sibio, chegou & conclusio de que muitos fl6sofos ov tides como tais deveriam, antes de se meterem a flosofa, apreender a. ante de dialoger, © que implica descer dos seus p aprender a escuar 0 que 0 outro cia (ou quer dizer. Ou sj, uma boa tenpia em muito contriburia para a solusao de indmeras aporias e coniltos encontia- dos nos ambientes académivos ‘Até aqui chegamos na tentativa de eriar € desenvolver pontes sobre o did ‘ogo que nés somos, ene hermentutica «© psicologia. Cabo, contudo, a cada um mas enquanto um 82 MENTE, CEREBRO € FiLosoriA 0 mais importante Eentregar-se ao movimento dialégico, de corpo e alma, procurando explicitar sentido das nossas vidas continuar esse diilogo ~ inf centre as relagdes entre filosofia e psico- logia, seja entre nds mesmos eo real. 0 imponante ¢ entregar-se ao movimento dial6gico, de corpo e alma, perseguindo aquela ansia que carregamos de expli- citar © sentido das nossas vidas, No final de todas as nossas contas, o que vale mesmo € sermos mais conscientes mais livres das nossas ilusdes © mais felizes mediante a pritica incessante de interpretar © de compreender 0 rel Enfim, tudo isso pode ser compreendi do no aforismo de Marco Aurélio, para quem feltz 6 0 bomem que da um bom destino a si mesmo, @ 10 ~ seja 1 RHE, deat en loa pol PUR, pesor defotido cao ed PFGPloatia linseed est Aloe NGS, Pubicu, ene ous, nei de Irene (Casas ul Us, 2) ‘0 FONTO DE paRTiDn Hans-Georg Gadamer: una biogralia. Jean Grr, Heer, 2000, ' Hermentaticaflastca ena inguagem do eperiéncia ea experince da inguagem, Luz Fen. Etre Unis, 2002. ‘OESSENCIAL DO AUTOR © Verdade e métado L Hans-Getg Gata, oes 1907. Verde e métod I. Has Cemy Geer ows, 202 © Acarca da disposi natura do oem para fsa, Hans-Georg Gada, em A rao rt goa da cdi Tego Base, 1963, PARA IR MAIS LONGE © Retrospect dali & obra rani e sua istia da eet Hars-Gory Gade, ‘om Custne At, Hans Ger Fckngr€ Lui Roden (01). Hanna sia as tia Hans-Georg Gacane: EDPUCRS 2000, © Flo epsicandise Nao Fig em Joe ‘Anti Toes Maca (ra), Fos € sande, ur dog EDPUCRS, 1958, ee eee ae OQOOOOOOOOOOOOE QOOOOOOOOOOOOE QOGOOOOOOOOOOE ee oe 8 Qe ease he OQOOOOOOOOOOOOE QOOOOOOOOOOOOE BOO ks | (Oe a is EO es GQOOQOOOOOOQOGOOOE OOO os OOGOOOOOOOOOOE ee oe OOOOOOOOOOOOE \OOOOOOQOQOOOOOE ea eae et aes aes Ona od Oe eC) Peet Le en eT) Pre CIO OE PCC eT) eee ee Cd Cem OR Lea a) Pea aC oc) por seis edigdes. Para expressar Cee OTC On LG Ce ee , Escritos por mestres € doutores em filosofia,.os EO Ra ag aL) Pasa eae Peay eC mend PROSE de psicologia como para CS ems compreender a psique. eee) Ree CROC) Peetu Te CM DIEU ss PA Ree OC ORCC NL 8. Formagao do individuo e socializagao See Ly 9. Jogo de linguagem e psicologia filosofica Wittgenstein, Russell, Sellars SU Cer ON CUE er ORT LC) REE La aC 11. Presenga do outro e interpretagao Cee SPCC Ue eS USSR cd

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