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A sroca conruresinen ste. %900 © resultado final reflete numerosos paradoxos duradouros da abundancia americana. Enquanto essa onda de lipofobia atinge direta- ‘mente as classes média e superior, que Comecaram a seguir regimes e praticar esporte de uma forma que beira a obsessio, nada indica a menor queda do peso médio dos americanos no decorrer dos thimos 20 ov 30 anos. Na realidade, observa-se um fenémeno inverso que cchega mesmo a atingir as mulheres jovens. Com efeito, a reducto do consumo de laticinios integrais ¢ de carne de boi foi acompanhada por lum aumento do consumo de outras gorduras, principalmente sob for- ma de batatas fritas ou biscoitos salgados (muitas vezes, mordiscados para apaziguar as caimbras da fome provocadas por um regime draconiano). A mesma observacio é valida em relacio 20 agticar, sal € diversos alimentos condenados pela Negative Nutrition. Para complicar ainda mais a situacao, observa-se paralelamente uma certa tendéncia, muitas vezes contradit6ria, ao sibaritismo, devida 30 incremento das viagens a0 exterior nos anos 60 € 70. Com efeito, esse turismo contribuiu para colocar em relevo os critérios gastronémicos a0 criar uma clientela mais advertida ¢ audaciosa em matéria de culing Fla. Além disso, gracas a ele as preferéncias alimentares voltam a ser um sinal de distin¢ao social, exatamente como no final do século XIX. O narcisismo da “gera¢io do ego” da classe média dos anos 70, que s6 pensava na satisfagto de seus desejos pessoais, entre os quais os da came, reforcou essa tendéncia. Tanto mais que, nos anos 80, esta ainda tirou partido do fendmeno dos yuppies, que julgavam as pessoas em fungio dos habitos de consumo. E no entanto, o moralismo, assim como o sentimento de culpa que inevitavelmente o acompanha, nao chegou a desaparecer. Em 1971, a revista Psychology Today antecipava 0s 20 anos seguintes, observa do: “A alimentacio substituiu 0 sexo como objeto de culpabilidade.” Com toda a certeza, o reverendo Sylvester Graham teria preferido que, esse aspecto, a alimentacio fizesse companhia 20 sexo; quanto 20 resto, ele ndo teria ficado descontente. 840 CAPITULO 47 A “McDonaldizagao” dos costumes por Claude Fischler Em 1932, um autor originario de Nova York imaginava com entu- siasmo 0 que seria sua cidade 50 anos depois, em 1982: Nova York contaria com 50 milhdes de habitantes, o Hudson ¢ East River ficariam lotados, a circulacao se efetuaria silenciosamente através de vias suspensas nas laterais de imensos espigées... € “os habitantes se ali- mentariam de pllulas concentradas™ Para o autor e defensores entusiasmados do progresso tecnol6- ico € cientifico, 2 perspectiva de uma alimentacio total € exclusiva ‘mente funcional nao suscitava qualquer espécie de temor. A despeito da grande crise (ou em seu favor) manifestava-se assim uma confianca profunda nas promessas da tecnologia, garantia do progresso. Cingtienta anos depois, do outro lado do Atlantico, essa pers- pectiva de uma pilula nutricional substituindo as refeicdes era percebi da como uma cventualidade angustiante. Uma boa parte dos consu dores consideravam a industrializacao ¢ a transformagao crescente da alimentagio 0 infcio de um processo que, inelutavelmente, chegaria a esse resultado. Com efeito, em 1982, as pesquisas mostravam que, para muitos franceses, como para outros habitantes do mundo desenvolvi- do, a pilula alimentar, com tudo o que a acompanhava ou a precedia em termos de funcionalidade, era a derradeira encarnacio do “melhor dos mundos” @ maneira de Aldous Huxley. Eis, por exemplo, como ‘uma jornalista francesa descrevia, nesse ano, a maneira como uma “dona de casa do ano 2001" faria suas compras*: TW PARKER CHASE, New York. The Wonder iy, (932), Nova York, New York Bound, 1583, Clado in J. GLEICK, Gants, The Lf and Sciences of Richard Fersman, Nova York, Pantheon Books, 1992 2. A. OGER, “ls préparent nos menus de 'an 2000, n: VSD, n¢ 228, 18 de Fevereiro de 1982, pp. 25-27, 841 tro conreanonbota steunes 04500 ‘Nove horas da manha, no ano 2000. Com uma cesta na mao, a senhora Lespinguette faz suas compras no mercado da rue Lepic. Ao ongo dos passeios, desapareceram os castos com frutas e legumes da estagdo: hoje, s6 € possfvel encontrar tais produtos — que permanc- ‘cem frescos durante semanas — em embalagens plastificadas nos su- permercados. ‘A senhora Lespinguette entra num agougue e avalia com o olhar ‘um soberbo rosbife que se destaca na prateleira. "Came verdadeira’, su- blinha a etiqueta afixada na care macia. A corajosa senhora suspira: no ‘prego atual, a carne de origem animal tornou-se um luxo que ela 36 pode ter no domingo, de vez em quando. Assim, resigna-se @ comprar o bife do Jado ‘100% vegetal’. A senhora Lespinguette continua seu caminho até chegar 20 estabelecimento bem espagoso de alimentacto que acaba de abrir no boulevard de Clichy. Coloca na cesta um salsichao de ovos (cor- tado em fatias, ele seré 0 hors-d'oewure da semana), uma omelete em tubo, um pacote de batatas fritas calibradas (todas elas medem 7 cm de comprimento) e algumas embalagens de peixe andnimo, sem cabeca nem abo, embalado sob vécuo. Ainda alguns tabletes-refeiclo, ¢ nossa dona de casa do ano 2000 volta para o lar onde, em poucos minutos, poderé preparar o almogo € o jantar.” Na época em que essas linhas foram escritas uma boa pare do que era apresentado como futurista pela jornalista jé fazia pane da realidade cotidiana. Os filés de peixe congelados, as batatas fritas com 7 om, as proteinas de soja texturadas acrescentadas 4 carne moida, o desaparecimento dos vendedores de frutas e legumes da estacio em beneficio dos supermercados: tudo isso ja existia em 1982. A omelete ‘em tubo, 0 salsich4o de ovos no tinham entrado nos costumes do consumidor individual (atualmente, ainda no 0 s30), mas sao utiliza- dos, as vezes, nas cantinas. Em compensaglo, nessa antecipacao ali ‘mentar, as verdadeiras mudangas nao eram percebidas de modo algum pela jornalista: os produtos mudam, mas as estruturas permanecem. ‘Com excegio dos arcaicos carros de frutas ¢ legumes de estado, pro- picios & nostalgia, a distribuicio continua sendo feita da mesma forma (estabelecimentos comerciais especializados em vez de supermercados ‘generalistas). Além disso, a senhora Lespinguette € uma dona de casa, uma doméstica, 0 que mostra que nao é levada em consideracio 2 ‘entrada maciga das mulheres na vida profissional’. E a tecnologia agro- 43, Na Fangs, o@ dadoe mais rocertes do. featur national de la saviigue et des érudes ‘Sconomiqueeindicam que, stualmente, apenas cerea de is rllhes de mulheres permane> 842, s-epoxator2acho- Bos cosas alimentar nfo chegou 20 ponto de substituir a tradicional cesta, essa sacola de provisbes de tela encerada ou de palha entrancada que a dona de casa parisiense utilizava para fazer compras no mercado, antes da chegada dos supermercados. Portanto, por que motivo nos mostrar 0 presente se a inten- Ao suposta era o futuro? A primeira razio tem a ver, provavelmen- te, com o fato de que, como dizia um humorista, “a previsio € uma arte dificil, sobretudo quando se trata do futuro". E provavelmente porque a prospectiva-consiste, geralmente, em extrapolar para o presente algumas tendéncias bem caracterizadas. Mas sobretudo essa descrigio pseudofuturista traduzia em sua autora (e, sem divida, nos seus leitores) uma ansiedade, um temor, em todo caso um jul- gamento negativo formulado a respeito da evolucao da alimentacao cotidiana (e do modo de vida): a mudanca jé presente no cotidiano suscitava e justificava, simultaneamente, a angistia em relagio a0 futuro e a nostalgia do passado, Do MITO DA PILULA AO MITO DO INVASOR Atualmente, estamos apenas a quatro anos do t20 evocado ano 2000. A fé ingénua na tecnologia ¢ suas promessas de futuro radioso foram, no minimo, abaladas. As inquietagbes ea desconfianca em rela- Ho 20 futuro tecnol6gico continuam a se expressar sob outras formas. (© temor manifestado, em particular entre os europeus do sul, jf no € em relagao a pilula. A anedota seguinte € reveladora: um grande chef francés, Mare Meneau, aperfeicoou para os astronautas uma gama de produtos cozinhados liofilizados de elevadissima qualidade. Seriamos levados a julgar que ninguém, além dos vigjantes do espaco, teria ne- cessidade de um concentrado nutricional puramente funcional. Ora, em sua utilizagao foram concebidos, pelo contririo, produtos de uma qualidade gustativa to elevada quanto possivel: 6 prazer alimentar revelou-se importante para o equilibrio daqueles submetidos a condi- bes de vida extremas, mais importante até, em certo sentido, do que nas situacdes cotidianas habituas. Sorgiram, entio, duas preocupagdes —satide e identidade cultu- ral — que foram abordadas, com mais ou menos énfase, de acordo com a sensibilidade das diferentes populacbes. ‘A primeira inquietaglo — ou um fantasma, como se queira — ‘mais particularmente espalhado na Gri-Bretanha, nos paises escan navos © no norte da Europa, e sobretudo nos Estados Unidos, incide 843, roca costPuronineaitec105 3909 sobre a sade. A expectativa de vida alongou-se em todos os pafses desenvolvidos; duplicou praticamente em um século. Multiplicou-se 0 niimero de pessoas que chegaram a atingir cem anos. Aumentou con- sideravelmente 2 altura média. Apesar desses sinais de melhoria da satide pUblica, uma inquietacao geral, médica profana difundiu-se entre uma grande parte da populacao (em especial, a parcela que, mais culta e ao corrente das regras de higiene ¢ da boa nutriglo, corre me- ‘nos riscos), relativamente a alimentacao. Foram designadas “doencas de civilizagao” as patologias cardiovasculares, em particular corondrias, ‘© numerosos cdnceres, tendo ficado esquecide que tais doencas no se manifestam antes de uma certa idade ¢ que € gracas ao prolongamento da duragao de vida que nossos contemporiineos acabam sofrendo por causa delas. Dito por outras palavras, envelhecer & ruim para a sade; muito mais, pelo menos, do que comer bern’ Na Franca, Itdlia, Espanha, assim como em outras regides de tradigao catélica, as pessoas passaram a temer também pela ria, Receiam que a relacio privilegiada mantida com a cotidiana, como fonte de prazer, ato de sociabilidade e comunica- ho, acabe sendo lentamente corroida, invadida, desagregada por lum inexordvel process que tem o nome de “americanizacao” e cujo vetor jf no é a fantasmatica pilula, mas o onipresente ham- birguer. Observemos, de passagem — mais adiante, voltaremos a0 assunto — que, procedendo dessa forma, nto se presta qualquer atenco 2 inofensiva pizza, que, no entanto, estd conquistando 0 planeta inteiro. © temor do “methor dos mundos" da alimentacio deu lugar ao dos “invasores” ¢ da perda de identidade. As pessoas se interrogam, angustiadas, sobre a progressio aparentemente im- placivel do “imperialismo alimentar” oriundo da América do Norte. A questo que se coloca a propésito dessa suposta “medonaldizacao" dos costumes € a seguinte: sera que se trata verdadeiramente do coroamento de um processo hist6rico de racionalizaczo, industriali- zacio ¢ funcionalizacao da alimentacio? Ou ento estaremos obce- cados por fantasmas, projecbes ¢ “racionalizacoes” (desta vez, no sentido psicanalitico) que nos impeliriam 2 atribuir mais importan- cia a uma parte do fenémeno em detrimento de outros aspectos que estariam sendo subestimados ou minimizados por nés? {FR SRRABANER J. MCCORMICK, Idées oles ides fansses en médecine Pais, Ole Jacob, 1992. C FISCHLER, £Homntore, Pats, Ole Jacob, “Points”, 1993 1990) (ed), Stanger magic, Paris, Airement, 1994 844 -Asteoowaunaachor os cosmos Industrializagio, racionalizacio, funcionalizagao crescentes: des- de 0 final do século XIX essa tripla dimensio aparece, sem qualquer davida, de maneira ofuscante nas modificagdes que perturbaram nossa alimentagio. Da produgao ao consumo, passando pelo abastecimento, sua realidade é incontestavel. Mas as realidades ofuscantes nao devem. nos confundir, isto é, nos conduzir a mutilar sua complexidade. Ora, para aprender toda a complexidade das mudangas em acio na civili- zacao moderna € no mundo desenvolvido, convém levar em conside- racio alguns de seus’ aspectos paradoxais. Com toda a certeza, nossa alimentagao situa-se, hoje, dentro de uma corrente tecnol6gica, indus- trial e funcional. Mas reveste-se também de outras dimens6es, sem as quais a primeira no poderia desenvolver-se plenamente. A mais im- ortante, & primeira vista, é paradoxal: a do prazer. Para compreender (08 processos que estfio em aco atualmente, devemos apreender as relagbes estreitas entre esses dois polos aparentemente opostos da ali- ‘mentago moderna: a funcionalidade e o prazer. De Henay Forp ao McDonaio’s A industrializagio da alimentagao e 0 surgimento, no nosso sécu- lo, da distribuicio em grande escala constituem fenémenos recentes deste lado do Atlantico. Datam sobretudo dos anos 60. Em compensa- ho, nos Estados Unidos alguns produtos alimentares industrializados = entre os quais 2 Coca-Cola — encontram-se no mercado ha 100 anos ou mais. Heinz, Nabisco, Kellogg, Campbell figuram ja entre as maiores empresas americanas na década de 1880 ou 1890, ¢ a indastria agroalimentar revela-se, no final do século XIX, 2 primeira do pats. A descoberta das bactérias ¢ a obsessi0 subsequente em relagto aos, ‘germs favorecem, paradoxalmente, uma concentracio da inddstria de Taticinios, No inicio do século XX impée-se a obrigacio de pasteurizar 0 leite e $6 conseguem sobreviver as empresas capazes de fazer inves- timentos consideriveis, que, em decorréncia de tal operacao, se tinham, tomado necessarios. Desde os anos 30 desenvolve-se no pais a dist buigo em grande escala’. Nesse sentido, a América antecipa tendéncias surgidas mais tardiamente em outras partes. Assitn, a compreensao des- sa realidade americana deveria permitir apreender melhor os fendme- SCHL LEVENSTEIN, Revolution the Table, The Transformation of the American Die, Nova Yor, Oxford Unvarsty Press, 1988; Ie, Parades of Plots a Social Fistor of Eating Mosdern America, Nowa York, Oxord University Pres, 1993, 845, I nos que, em matéria de alimentacio, esto se processando hi cerca de 30 anos no Velho Mundo. Na maioria das regides desenvolvidas, a mudanga dos habitos salimentares parece, em parte, orientada segundo as mesmas tendéncias Sem duvida’ porque estas surgiram e se desenvolveram mais cedo € muito mais nos Estados Unidos do que em qualquer outro pais. Assim, Como vimos, a individualizaglo ¢ a desestruturacio das priticas ali- soe ee, consideradas hoje, por unanimidade, os principais processos aan curse, na Europa ocidental, #é tinham sido detectadas na América do None no decorrer dos anos 60", Observam-se, atualmente, em menor iprau, om diversos pafses europeus, no meio urbano, certas caracteristi= aig origindrias da alimentagio nos Estados Unidos. Trago dominante essa evolucao; esta a impor-se de forma segura a transformagao cres~ Cente dos produtos, de um extreme 20 outro da cadeia de produslo, tanto agricolas como industriais. Sobretudo a partir da segunda metade do século XX, a producio agricola nao cessa de se concentra € se intensificar. As zonas de prod fo especializam-se, A policultura acompanhada de um forte autoconsumo conde a ceder lugar A monoculuira em vastos espacos. As trocas comer: ents mundializam-se e diminui 2 autoprodugao. Os produtos da agriculta- rr sto cada vez mais transformados pela industria ‘A distribuicio passa, igualmente, por profundas mudangas. Na Europa ocidental, sobretudo a partic dos anos 60, espalhanese 08 su permercados, assim como 0 carro, a televisio, o lazer, a elevagio do evel de vida ¢ de educacio, Essa revolucio da distribuicio em grande Ceeala tem consequéncias pelo menos to importantes quanto a indus- Galizagio da producao agroalimentar, que, por isso, acaba pasando por uma consideravel inflexio. Com efeito, a alimentagao torna-se, pro- Briamente falando, um mercado de consumo de massa: a partir de Bho processa-se como produto altamente transformado por procedi- mmentos industriais de vanguarda, Concebidos e comercializados com 0 polo das mais modernas técnicas do marketing, packaging e publict Gade, sao distribuidos por redes comerciais que nio cessam de aperfei- coar seu poder e complexidade, colocando em acto uma logistica ex: fRimamente elaborada, Trata-se, com uma freqténcia cada vez maior, Ge produtos de marca (pelo menos, num primeiro tempo, porque 0s distibuidores colocam logo em destaque sua propria marca) que tm necessidade de consideraveis investimentos publicitarios. TE SCHEER, THomnivore, op. ct 846 a-neponnsntagior 05 COTS Em duas ou ts décadas, uma parte crescente do trabalho culi- nirio, nto em casa como no restaurante, deslocow-se da cozinha para mfabiiea, Eoses alimentos transformados, “marketados”, divulgados pela tublicidade so também produtos que incorporam uin valor agregado aaa cc2 mais elevado, jf presente no nivel da preparacio: a indistia saan h aus conta 0 esvencial do trabalho doméstico; uma vez transfor mados pela industria, os alimentos tornam-se “alimentos-servigo””. saan Perescente acesso das mulheres, nos paises mais desenvolvidos { do Ocidente, 2 atividade profssional, tora precioso o tempo domést- 1, eanto mais que os homens no ém, de modo algum. uma paricips- co ammtor do que anteriormente nas tarefas de casa. Os produtos distt- \ fardes nos supermercados da Europa ocidental desde os anos 60 vic \gam, pomanto, economizar esse tempo. Com os produtos lighs @ pare Teeter agreqado aumenta ainda mais, coma integracio do segime a0 ata A inlgsea a covinava no luger do consumidor; 0%, PO- erhe encarregar-se também do regime. = ‘As modificagdes introduzidas nos géneros alimenticios nao corres- pondem somente a urna demanda dos consumidores. Nesse aspeeto, deste popnos 60, 2 dstibuicio desempenha um papel determinante. Com Oo ie Spedece a diversos imperativos — logisticos, tecnol6gicos, econd- micos. E também sob a pressdo dos distribuidores que se desenvolvem € remereraizam mercadorias mais ficeis de estocar, anspor, exibir € aera nas prateleiras. A agricultura seleciona produtos por sua apa- sneer et joragao de vida nas lojas. Das frutas acs quejos, os alimentos Snidlanos passam por profundas transformacées, Do mesmo modo, € SGha presto dos supermercados que, nos anos 60, aparecem « depois ser manoem as embalagens plasticas, em particular para a gua mineral € Sica as garrafas de PVC implantam-se rapidamente porque s80 mais flouis de tansportar em paletes, mais leves, menos frigets, além de serem are ucla Somente muito mais tarde 25 pessoas se deram conta de seenconvenientes para o ambiente. Alguns consumidores comesam 2 Setjuetkan seu quel favorito €, quase sempre, pasteurizado, 2s macs Seotnsenas da variedade insipiia dia Golden delicious as fratas chegamm dos supermercados sem 0 devido grau de maturaclo, © pao jf nfo tem as oe ererisieas gustativas as quais estavam acostumados. Em contraparta, eatipermercads oferecem presos vantajosos 40 conseguirem conside- iveis cconomias pelas compris em ala escala FB SANANDER Latimenation sence Results enquttes, Toulouse, INRA, “Beonamle ct Soctlogie rurale", 1988. 847 A troca cnrsroniven sfewios 309 Além disso, permitem um certo némero de inovacées. Com efeito, so 0s tinicos capazes de colocar em a¢io os meios logisticos € tecnolégicos necessarios para comercializar novas variedades de produtos, cujo consumo passa a ter um répido sucesso. Na Franca, €0 caso, por exemplo, nao s6 dos iogurtes e laticinios ditos “fres- cos", mas também da agua mineral em garrafas plisticas: duas cate- gorias de alimentos dos quais 0s franceses sio os maiores consumi- dores no mundo. Aaalimentagao, jé modificada hi duas ou és décadas pelos efei- tos conjugados da distribuicio e da industria, passa atualmente por novas transformacées. O nivel de vida continua a crescer; as necessida- des energéticas dos consumidores tém diminuido; a concorréncia tor- nou-se cada vex mais viva para conseguir a preferéncia dos distribuido- res e consumidores. Portanto, os mercados foram se “segmentando”, segundo a terminologia em vigor no marketing — isto &, fragmenta- ram-se e especializaram-se —e € 0 valor agregado que, dat em diante, aparece como crucial, mais do que a economia obtida pelas compras fem alta escala. Assim, acentua-se ainda mais 0 processo de transforma- Go dos produtos. O valor agregado passa por um crescente grau de elaboracio técnica ou pela busca da qualidade, ‘A titulo de exemplo, a segmentacdo dos mercados nao é em nenhum setor mais manifesta do que no comércio dos uisques. Num primeiro tempo, nos anos 50, sob a influéncia particularmente do cinema e dos romances noirsamericanos, © scotch tornou-se, na Europa, uma bebida carregada de conotagdes viris e prestigiosas. Os uisques oferecidos nessa época aos consumidores eram blended (misturas) de base. Em seguida, foram se diversificando considera- velmente: os “doze anos" € depois, no perfodo mais recente, os ‘pure malt ¢ os single malt (além de no serem blended, estes slti- mos provém de uma tnica destilaria), Essa evolug2o foi acompa- nhada, evidentemente, por um aumento considerivel dos pregos € da margem de lucros. ‘Outro exemplo: © dos queijos camembert da Normandia (sio menos vendidos no mundo do que os camemberts made in Denmark, mas os franceses t8m a fraqueza de considerd-los mais auténticos). Nos anos 60, com a generalizacio dos supermercados, anunciava-se o fim do camembert & base de leite fresco e “moldado com concha” por ‘operirios que eram os Gnicos a possuirem tal habilidade. Previa-se 0 fim inelutével dos queijos tradicionais em beneficio de produtos indiferenciados fabricados com leite pasteurizado. Ora, com a segmentagao dos mercados, alguns camemberts confeccionados a base 848 A-wepoxaupaahor Bos costes de leite fresco acabaram por se aperfeigoar. Tiraram partido das contsi- buigdes da tecnologia mais moderna. Os operirios foram substituidos por rob3s e o camembert tradicional — em média, de qualidade bas- lunte superior & de outrora —, tornou-se um dos setores mais flores- centes € rentiveis do mercado’, A MODERNIDADE A DOMICILIO: MICROONDAS E CONGELADOS No decomer dos diliimos dez anos © forno de microondas © os congeladores impuseram-se de forma macica. Assim, no que diz res- peito @ Franca, uma pesquisa permanente do CREDOC (Centre de recherche et d'études sur les conditions de vie) mostava que, na prima- vera de 1989, 19,9% das pessoas interrogadas declaravam dispor de um. desses aparelhos; na primavera de 1990, ja eram 24,9%. Segundo uma cestimativa’ do final de 1990, cerca de um terco das familias francesas possuiam tal equipamento. Em 1995, a mesma fonte indicava-nos que a proporeio era de 50.31%". ‘Ainda na Franga, a expanstio do microondas entre as familias foi acompanhada pela adogio cada vez mais nitida e sem reticéncias do congelado, que, dai em diante, seria utilizado por 95% das familias, pelo menos uma vez por ano, segundo as pesquisas do setor industrial. No inicio dos anos 70 as criticos gastrondmicos Gault ¢ Millau revista vam as latas de lixo dos restaurantes, denunciando aqueles cujo lixo continha embalagens de congelados. Depois de ter encarnado 0 derra- deiro artificio, a abominagio da desolacio industrial, o congelado tor- nou-se cada vez mais, na perceplo dos consumidores franceses, uma forma superlativa do fresco, em suma, mais fresco do que o fresco" Outras tecnologias deram origem a novos mercadios, tais como as sala- das pré-lavadas, os legumes pré-cozidos, etc. EVER BROWARD, Le Camembert, mothe national, Pas, Calmann-Lévy, 1952 9. Points do vont, Paris, 8 393, 1990. 10. CREDOG, Aspirations et moder deve des Prana, pesquisa peemanente 11, Essa mudanga de imagem deve-e sobzetudo 3 progressto do consumo de peixe conge lado « a0 congelameno nos prépros locas da pases. Entre 1980 ¢ 1983, 0 consumo de produtes congelados duplicou na Europa, Em 1968 nos paises mais desenvalvidos, a a ‘rem de 20g anvals por pessoa. Na Fangs, teriaripiado de 1980 a 1984 (ANIA, Association tnatisnale des industries agroalimentairesrelstrio de 1994), O consumo de legumes epeixe ‘rescos fica ena gnado ou recua, enquanto 0 de congelados progrie, Desde eno, por exer ‘lo, oF ranceses consomem mais expats congelados do que frescos, 849 | j i | fsoen comrmroRiNA SEELLES 200 Além do preco, trés dimensdes essenciais dos produtos ofereci- dos 20s consumidores permitem predizer seu sucesso: em primeiro lugar, é claro, 0 sabor ¢ as qualidades organolépticas (valor de praze:); ‘mas também o valor satide € a comodidade de utilizacao. (Os dois primeiros fatores estio sujeitos a fortes variagdes cultu- rais, A nogao de satde assume uma acepcio diferente na Inglaterra € na Franga, Enquanto uma grande parte dos ingleses pensam que 0 queijo esta carregado de gorduras saturadas que ameacam suas arté- ras, a maforia dos franceses consideram 0 queijo € os laticinios alimen- tos ricos em calcio € indispensiveis a0 equilfbrio alimentar. Nossas pesquisas mostram que, no conjunto, os conhecimentos nutricionais dos franceses s20 bem inferiores 20s dos americanos ou escaridinavos, No entanto, os estudos epidemiolégicos confirmam que os franceses so menos atingidos pela obesidade e que seu indice de mortalidade em decorréncia de doencas corondrias € 0 mais baixo entre todos os paises desenvolvides, com excecao do Japa0™ ‘A comodidade da utilizacio desempenha um papel determinan- te. Assim, no que diz respeito aos legumes frescos e frutas, observa-se este paradoxo aparente: de maneira quase unanime, na maioria dos paises desenvolvidos — mas, particularmente, na Franga — sao atribut Gas aos legumes virrudes nutricionais consideriveis. Todavia, continua a cairo consumo de legumes frescos. Em compensacio, desenvolvem- se as versdes prontas a serem utilizadas. A ALIMENTAGAO DEIXA © LAR No momento em que a alimentacio torna-se um mercado de consumo de massa, as refeicdes servidas em restaurantes passam por ‘uma evolugao, em parte, comparavel. Enquanto ao longo da evolugio hist6rica a casa fol assimilada ao lar — isto 6, 8 cozinha —, na proximi- dade do terceiro milénio a alimentacao se identifica cada vez menos necessariamente com 0 universo doméstico. ‘Os modos de vida foram modificados profundamente pela urba- nizacto, pela industrializacio dos anos 1950-1960, pela profissionaliza- Gio das mulheres, pela elevacio do nivel de vida e de educagio, pela generalizacio do uso do carro, pelo acesso mais amplo da populaca0 40 lazer, frias e viagens, Aumenta regularmente 0 nimero de refeigdes TD Gh por ermal, M. AFFELRAUM, “La dltte pradente estelleblen ralzonnable FISCHLER, Manger magpie, op. cit, pp. 179185. 850 c -mcponninienghor pos comnts tomadas fora de casa. 829% dos franceses declaram comer fora, pelo menos ocasionalmente; além disso, 0 nmero médio de refeicdes to- fradas fora de casa é de cinco por semana”. Aumenta © atimero de qefeigdes tomadas na empresa, escola e coletividades. Em primeiro lu- fgar, desde os anos 50 na Europa, aparecem as diversas formulas de Selfservice. Em seguida, nos anos 60, implantam-se diferentes formas de servir refeigdes oriundas do além-Atlantico, por intermédio da Gra Bretanha, pafs no qual se desenvolve, antes de se estabelecer no con- tinente, a rede Wimpy, especializada em hambirgueres. ( FasT-FOOD OU A COZINHA COMPARTIMENTADA, Mas 0 fastfood de inspiragio norte-americana no aparece na Europa ocidental antes do final dos anos 70, inclusive no infcio dos anos 80. Tinha-se difundido nos Estados Unidos, desde 0s anos 50, sob a forma de grandes redes em sistema de franchising, ao longo dos ‘os rodovidrios, na periferia das cidades, centros comerciais, ¢ de- pois, cada vez mais, nos mails, que se tornam o Amago da vida comer- ‘Gal das grandes conurbagées americanas, sob forma de food courts ‘Trata-se de verdadeiros centros comerciais de alimentacio: num espa- co Gnico, € proposta toda espécie de f6rmulas répidas — pizzas € hambdrgueres, fortillas ov tacos mexicanos, fast-foods chineses, japo- neses, gregos, pittas, falafels, croissants outros sanduiches variados. Ora, o termo fast-food nao evoca, atualmente, na Europa, esse conjunto de cozinhas cosmopolitas ¢ heterdclitas. Designa, antes, a twilogia ketebup-hambirguer-batatas fritas (mesmo no inglés norte-ame- ficano, as batatas fritas s40 chamadas french fried ¢ 0 inevitivel MeDonale’s. Tendo partido da América para conquistar 0 mundo, o fast-food & a aplicacio do taylorismo, ou seja, da divisio ¢ racionaliza- ‘G20 do trabalho, 2 preparacao de refeicoes servidas em restaurante. ‘Como observa Harvey Levenstein em sua dupla obra sobre a hist6ria da alimentacao na América do Norte“, em que pais seria possivel pro- curar, como fez Burger King, servir “uma refeicao completa em 15 se- gundas"? “Ja hd muito tempo, no decorrer de suas visitas aos Estados Uni- dos, 0s viajantes identificaram duas caracteristicas estranhas: por um TER HEDELEE RENAULT, La Restaurtion bor ever en 1994, Pais, CREDOC. 1994, 2 vos 14, HLLEVENSTEIN, opt. 851 | | | i | i | | | | frock comrmimonsien weein0s 300 lado, os americanos dao provas de um feroz apetite; por outro, obsti- namsse a comer 0 mais rapido possivel, em particular os businessmen de Chicago ou de Nova York. Desde 0 inicio do século, nessas duas Cidadles, alguns seffservices servem refeigbes para “colarinhos brancos" que as encomendam num balcio e as consomem & mesa, tudo isso ‘num ritmo tio répido que sio conhecidos pelo apelido de smash-and- grab places (algo como “lugares do esmaga e agarra’)®. ‘Assim, o jornalista Paul de Rousiers, no final do século XIX", ow ainda Paul Morand, no inicio do século XX, jé deserevem com um certo fespanto restaurantes situados nos bairros de negécios ¢ nos quais € possivel tomar refeigdes em alguns minutos: “E hora de almocar. De novo, as ruas ficam repletas. Em Nova ‘York, ninguém volta para casa ao meio-dia: 2s pessoas comem no lugar onde se encontram, seja nos escritérios, ao mesmo tempo em que trabatham, seja nos clubes ou nas lanchonetes [..J. Nas cantinas popu- lates, milhares de seres alinhados devoram, com 0 chapéu na cabeca, numa nica fila, como no estibulo, alimentos frescos apetitosos por precos inferiores aos nossos. Avancam para os seus pratos repletos de pedacos de carne; atras deles, outras pessoas esperam a sua vez.""” Vejamos 0 que deixa Surpreso 0 observador francés: por um lado, o fato de que as pessoas comem nos escrit6rios “ao mesmo tem- po em que trabalham” e, por outro, que alimentos “frescos e apetito- 505” sejam absorvides “com 0 chapéu na cabega", rapidamente, "como no estibulo” (isto é, de maneira muito pouco humana ¢ convival). ‘A forma como 0s americanos se relacionam com a alimentaclo constitui uma fonte de espanto constante para os europeus: o tempo de comer nao é isolado, delimitado; no existe necessariamente por si mesmo, como tal, £ possivel trabalhar e comer a0 mesmo tempo, co- mer e empreender, aparentemente, qualquer outra atividade. Na velha Europa, a refeicio € (era) um tempo € um espaco ritualizados, protegi- dos contra a desordem € as intrusbes: 0 decoro proibia telefonar na hora das refeigdes ou, mais ainda, fazer uma visita. Era (em grande parte, continua sendo) impensivel comer na rua, dirigindo, ou num elevador. Os espi8es iraquianos em Washington teriam sido mais eficazes se tivessem prestado mais atengio as atividades alimentares dos milita- 5 Bid, pa 16, PDE ROUSIERS, ta Ve american, Pars, Fumin Dido, 1892. 17. P. MORAND, new York, Pais, Flammarion, 1968 (1920) 852 A-meoonasnrgion Bos coments res americans. Assim, estariam em condicdes de anunciar a Saddam Hussein, com algumas horas de antecedéncia, a iminéncia do bombar- deio americano a Bagdé: com efeito, na manha de 16 de janeiro de 1991, oito horas antes da ofensiva, a Domino's Pizza tinha entregue na Casa’ Branca 55 pizzas (contra cinco em média) e 101 no Pentégono (em vez de tes em média)", Na América da eficicia, do pragmatismo anglo-sax2o, a alimentacio serve também, inclusive antes de tudo, para a reproducao da forca de trabalho, sem interrupeao — ou quase — do proceso produtivo. © sucesso das novas redes de fast-food em franchising, nos anos 60, explica-se em grande parte, segundo Levenstein, pela obsessto americana relativamente 3 higiene. Desde o final do século XIX € a partir das descobertas de Pasteur sobre 2 origem bacteriana das doen- ‘sas infecciosas, os mierSbios encontravam-se no centro das preocupa- oes de todos os restaurateurs e da indGstria alimentar. As primeiras redes de hambirgueres, nos anos 20, chamavam-se White Tower € White Castle, utlizando quanto possivel a cor branca em suas instala- oes; além disso, para tranqjilizar os consumidores inquietos com os perigos inerentes & came de boi moja, a segunda declarava ter esco- Thido chamar-se * White, for purity”. Em geral, a paternidade do fastfood e do primeiro McDonald's é atribuida a Ray Kroc. Na realidade, 0 mérito cabe 20s dois irmaos Dick Mac McDonald's que criaram 0 “conceito”. Todavia, € Ray Kroc quem, na seqiiéncia, o desenvolve e Ihe di o impulso que o leva & sua atual dimensio mundial. Em 1937 Dick e Mac McDonald abrem seu primeiro drive-in restaurant perto de Pasadena, tirando partido assim da cres- cente dependéncia dos californianos em relao 20 carro. Comeram por vender hor-dogse no hambGrgueres. Tendo feito fortuna nos anos 40.com um novo restaurante, muito maior, instalado em San Bernardino, véem a rentabilidade de seu estabelecimento afetada pela presenca de jovens — os teen-agers — que afugentam uma clientela mais familiar. Em 1948 os dois irmaos renovam totalmente a empresa, centralizando- a no hambirguer, no preco mais baixo possivel, na méxima rapidez.¢ no selfservice. Eliminam os talheres € os pratos, substituindo-os por embalagens de papelio e sacos de papel, O preco do hambarguer €, entlo, fixado na irris6ria soma de 15 cents”. O triunfo € rapido: em vez IEE TONELLO, “Unde milla fee’, ins La Gola, Mo, nt 90-52, p. 26. 19, H LEVENSTEIN, op it, p. 228. 20.}. R LOVE, MeDonalds Bind the arches, Nova York, Bantam Books, 1986, 853 roca cosmmuroaiea S#EU10S xK00 de ser um lugar onde os jovens passam a noite, 0 McDonald's torna-se ‘0 Gnico restaurante em que as familias de operrios podem vir com os filhos. Ainda af a limpeza ¢ a higiene revelam-se determinantes; os clientes esto em condigoes de verficar 0 estado impecével da cozinha @ do aco inoxidével que brilha por (odo 0 lado. As criangas tornam-se, logo, os clientes mais assiduos ¢ motivados, arrastando atrés de si os adultos. E entio que os irmios McDonald levam a seu termo a I6gica do taylorismo ou, mais exatamente, a de Henry Ford: introduzem na pre~ paracio das refeicdes o sistema da produg20 cm cadeia. Com uma ‘equipe reduzida, sem grande qualificaclo, portanto com baixo salério, ‘equipamentos adaptados e procedimentes cada vez mais padroniza- dos, eles conseguem em breve servie as encomendas em alguns segun- dos, O sucesso leva a imitagdes e demandas de francbising. Os itmaos McDonald nunca souberam administrar bem 0 ‘franchising. Um vendedor de utensflios ¢ equipamento de cozinha (fornecia batedeiras aos McDonald), Ray Kroc, teve um encontro com os fundadores em 1954 ¢ comprou-lhes o direito de vender administrar as franquias de restaurantes McDonald's, fundando a companhia com sede em Chicago que deveria ter esse nome. Trou- xe para essa tarefa um savoir-faire e rigor que os fundadores no tinham, procurando garantir que seus clientes (os franqueados) obtivessem o maior sucesso e exercendo um controle impiedoso Sobre qualidade ¢ 0 cumprimento das regras estabelecidas pelos irmios McDonald Nos anos 1950-1960, redes andlogas — em particular, Kentucky Fried Chicken — desenvolvem-se nos Estados Unidos ¢ depois, em rnimero cada vez maior, no exterior. E entio que entra em jogo a temitica ethnic. J4 nos anos 50, um vizinho dos McDonald em San Bemardino tinha imitado uma parte de suas técnicas, aplicando-as a pratos mexica~ nos, os tacos, e criado a redle Taco Bell. ‘A partir do final dos anos 50, chega a vez da pizza. No final dos anos 60, os americanos, que consomem por ano dois bilhdes de pizzas, resolvem & sua maneira os problemas de produgao levantados por essa ‘especialidade napolitana, ainda amplamente desconhecida no norte da Itilia, Desde o inicio dos anos 50, 0 mercado da pizza na costa oeste é ‘Fi Para um quad interesante — embora por vezes contestado — da recupersso da onda Golen convaculteal pelo Dig busines, ef. W- BELASCO, appetite for Change. How the CCounvrcultare Took en the Food Industry, 1956-1988, Nova Yoek, antyeon Books, 1589. 854 A-seponatnvacior 908 cosrets sobretudo um negécio de greco-americanos. Eles desenvolvem uma nova tecnologia, que racionaliza a produto da pizza: em vez de enro- lar e trabalhar a massa, esta € preparada com antecedéncia, colocada em recipientes metilicos e, em seguida, refrigerada; depois, basta intro- duzi-la no forno no momento da encomenda. A rede Pizza Hut, com sede em Wichita e, atualmente, controlada pela Pepsico, aperfeicoa 0 procedimento, transformando-o verdadeiramente em fast-food™. Ainda que os napolitanos nao tirem nenhum proveito disso, a hegemonia da pizza — pelo viés de.sua americanizacio e, em seguida, de sua ‘mundializagio — est garantida (O HAMBURGUER E A PIZZA Depois de se ter imposto nos Estados Unidos, 0 fast-food come- ‘sou sua expansa0 mundial, com uma aceitacio diferenciada. Do mes- mo modo que, nos anos 50, a Coca-Cola tinha sido descoberta pela Europa convalescente da guerra com uma mistura de delicta € horror ideol6gico, assim também 0 fastfood esbarrou em obsticulos politicos consideriveis, Na Suécia, no infcio dos anos 70, na época da Guerra do Viemna, ergueram-se vozes veementes para criticar os americans que pretendiam forcar a saudavel juventude sueca a engolir “alimentos plas- ticos" estranhos 3 tradigio local. Muito mais tarde, na Itilia, quando a rede McDonale's desejou abrir um discreto restaurante na Piazza di Spagna, em Roma, alguns millares de pessoas manifestaram seu pro- testo, Tratava-se de defender 2 tradigao culinéria local contra a invasao dos americanismos barbaros. Criou-se urn movimento intitulado slow food, que ainda existe. ‘As desventuras iniciais da McDonald's na Franga merecem ser contadas. Um empresério local, Raymond Dayan, tinha obtido desde 0 final dos anos 70 a franquia da McDonald's em condicdes, ao que parece, bastante vantajosas. Segundo certas informagoes, 4 empresa americana julgava-se bastante satisfeita em poder assim introduzir seu produto num pais cujas tradicoes gastronémicas, exigencias culinarias e reputacao (nem sempre justificada) de anti- americanismo tornariam dificeis a implantagao ¢ a difusao de seus restaurantes. Raymond Dayan tinha instalado o primeiro McDonald's tum centro comercial da periferia parisiense. De forma bastante ‘BIW LEVENSTENS, op. cit, p. 230. 855 trac, cosreamoninea (sein0s 08300 rapida acabou multiplicando, com sucesso crescente, 0 nimero de novos restaurantes. Em 1982, 2 McDonald's tentou recuperar a fran- quia concedida dessa forma. Segundo empresa de Chicago, Dayan no estava cumprindo as normas impostas aos franqueados, princi- palmente em matéria de higiene ¢ qualidade. Apés uma dura bata- tha judicial ela acabou ganhando a causa diante de um tribunal de Chicago. Da noite para o dia, os restaurantes McDonald's mudaram suas placas para O'Kitch. Em seguida, essa rede foi vendida 4 marca européia Hamburger Quick. Desde entio, a rede McDonald's reto- mou uma politica de desenvolvimento regular e progressivo, Atual- mente, no mercado francés, ocupa uma posi¢ao compardvel ao lu- gar conseguido em todos os mercados europeus, para nao dizer mundiais, A gastronomia francesa permaneceu igual 2 si mesma, mas 05 franceses nao deixaram de aprovar 0 hambarguer. Em compensagio, no plano ideol6gico as abjegdes revelam-se mais vinulentas do que nunca. £ interessante notar que as mesmas eriticas for- ‘muladss contra o hambargues, em geral, ¢ a McDonald's, em particular, into se dirigem do mesmo modo a todas as formas de fast-food. E que a ‘empresa McDonald's encamna superlativamente o “imperialismo ametica- no” que, para um grande nimero de europeus, em paricular do sul, ‘ameaca as tradigdes culindrias 2S quais as pessoas estio apegadas, tanto ‘ais que a mudanga de civiizacio faz com que tais tradigdes evoluam ‘muito rapidamente. Em suma, 20 lero que tem sido escrito sobre 0 assun- to e a0 interpretar as pesquisas, o hambirguer tem a aparéncia do diabo. £ uma ameaga para os jovens. f responsabillzado por toda espécie de defcitos, de ordem nutrcional ou simbélica, quer se trate de gorduras saturadas ou de perda de identidade. Todavia, € notivel constatar que, até (© presente, a pizza tem escapado da maioria dessas criticas. ‘Ora, esta estende sobre o planeta um império que esté se tornan- do mais importante do que 0 do hamburguer. Nao sio somente as grandes redes que a difundem, mas praticamente todos os estabeleci- ‘mentos ligados de perto ou de longe & distribuicio de alimentacio. Na Franga e nos paises da Europa ocidental, a pizza encontra-se nas pada- ras, mercearias ¢ vendedores ambulantes. E possvel pedir para que seja entregue em casa ou consumi-la em todos 0s tipos de restaurantes, desde o botequim de baisro até a lanchonete de batatas fritas junto das pistas de esqui. Daqui em diante, a pizza esti disponivel de Paris a Cuba” e de Berlim a Caleuté, sem que o imperialismo italiano suscite 1B. Uma plazas do Fuad, segundo anunciow 2 kmprens, cecusa constantemente clientes Por excesso de demands 856 --tepoxsspeeachor Dos CosTEMES inquietagdes identitirias ou nutricionais por parte dos gastronomos ‘ortodoxos, nem por parte dos nutricionistas (@ despeito das espessas camadas de queij, rcas em gordura saturada, que Compoem as pizzas americanizadas)” (Cozmvna EM KIT No &mago da velha Europa, nos préprios feudos da gastronomia, tendem a evoluir as Formas tradicionais das refeicdes servidas em res- taurantes. A partir dos anos 70, na alimentacdo tanto das coletividades quanto dos restaurantes, é introduzido um niimero cada vez maior de produto preparados pela indiistria. Desenvolve-se ¢ generaliza-se, em primeico lugar, a inddstria de conservas, em seguida 03 produtos con- ‘gelados e os purés instantineos. Nos anos 80 sio as “ajudas culindrias” que conhecem seu perfodo de expansio: por exemplo, molhos jf pron- tos, caldos bisicos de carne, fumets de peixe, etc. 'No perfodo mais recente, assistiu-se 2 instalacdo, nos restaurantes € depois na distribuigao em grande escala, de técnicas de vacuo com cozimento em temperatura mais ou menos baixa, Os alimentos prepara~ dos dessa forma (em embalagens de plastico no vacuo ou em atmosfera controlada) podem se conservar, segundo os ingredientes, entre cinco € 21 dias. Esse procedimento encama perfeitamente a tendéncia & transfe- réncia do trabalho culinario para a preparacio prévia dos ingredientes: 0 cozinheiro encomenda por catélogo, além de pratos jé prontos que ne~ cessitam apenas de serem esquentados, “elementos” (legumes, carne ou peixe, molhos) que ele combina e completa de acordo com sua fantasia. Tende, assim, a tornar-se cada vez mais um distibuidor e nio tanto um prestador de servigos. Até mesmo 0s grandes chefs recorrem, de bom {grado, aos produtos embalados a vacuo: para eles tal procedimento cons- tinui um novo modo de cozimento que oferece resultados, do ponto de vista gustativo, muito interessantes, com a condicao de que se trate da técnica em baixa temperatura. Na Franca, as redes de distibuicio em ‘grande escala propdem, ha virios anos, numerosos pratos preparados 2 ‘véouo, mas os purists da técnica afirmam que a maioria desses produto, por motives de seguranca microbiol6gica, s20 submetidos de fato 2 uma temperatura muito mais elevada do que 05 55 ou 60°C caracteristicos ‘TK Ge "Vaca Joven” dé uma vantagem suplementar 3 pizza, Com eft, dese margo de 1996, o hambxisguct pasece,drctamente, da suspela moral que pess sobre a came de boi em pardcular 2b sua forma moida e industalizads 857 desse método, 0 que 08 aproxima das conservas tradicionais (“apperti- zacao"), em detrimento da qualidade gustativa, Se 0s restaurateurs utilizam com uma frequéncia cada vez maior cessas téenicas modernas, os consumidores ainda no estio preparados para aceici-las. Na Franca, num recente programa de televisio, 0 repér- fer aproximou-se de uma mesa onde os convivas se deleitavam, de forma manifesta, com os ingredientes de um prato bastante ristico € tradicional, servido em cima de uma toalha xadrez vermelha e branca, ‘Ao perguntar a uma das pessoas sentadas 2 mesa se estava satisfcita cont a refeigio, recebeu uma resposta positiva. Mas, quando anunciou que se tratava de um prato cozinhado com alimentos sob vécuo que tinham sido simplesmente esquentados em banho-maria pelo cozinhei- ro, uma expresso de choque e incredulidade desenhou-se no rosto do imeressado... Do mesmo modo, dois restaurantes, um dos quais situa- do em Lyon, foram & faléncia depois de terem anunciado explicitamen- te 0 tipo de técnica wtilizada na preparacio dos pratos. arece que os consumidores também nao estio preparados pars aceitar sem reticéncias os alimentos submetidos a ionizagao Cirradia- ao) para uma conservacio mais cuidada — embora esses produtos, em certos paises, ja tenham se tornado comuns — ¢ menos ainda os alimentos modificados geneticamente que, nos Estados Unidos, rece- beram a designagdo bastante expressiva de Frankenstein foods ou Frankenfoods. Una UNIFORMIZAGAO PLANETARIA? A planetarizago da indistria agroalimentar® e a distribuicao em grande escala introduzem uma espécie de sincretismo culinério genera~ lizado, que coresponde plenamente ao que Edgar Morin descrevew. em L'Esprit du temps a respeito da indistria cultural”. © agrobusiness planetirio nio destr6i, pura e simplesmente, as particularidades culina- ras locais: desintegra e, 20 mesmo tempo, integra, produz uma espécie de mosaico sinerético universal ou opera, segundo a formula aplicada por Edgar Morin & cultura de massa, “um verdadeiro cracking analitico [quel transforma os alimentos naturais locais em produtos culturais homogeneizados para o consumo macigo™”. Assim, enquanto suprime “Bima pane dos comenticos seguintes € retomada de minha obra L#fomnivore, op. ct 26, B. MORIN, LEgpit temps, Pais, Grasset, 1975 1960. 27. Bed, p. 85. 858 -Aeporaubi2arhor 008 costs 1s diferencas e particularidades locais, a inddstria agroalimentar envia 08 cinco continentes determinadas especialidades regionais ¢ exéti- cas, adaptadas ou padronizadas. Os queijos tradicionais, que se torna- ram rarissimos ¢ caros, si substituidos por sucediineos pasteurizados; ora, esses queijos franceses industrializados sAo consumidos na Alema- nha, assim como no mais longinquo Midwest. Pelo viés da Findus, a Nestlé espanta-se com as vendas tio significativas de mussaka conge- lada na Franca. © milsl? suigo introduz-se cada vez mais nos breakfasts britanicos e nos cafés da manha franceses. O mercado agroalimentar planetario serve-se dos folclores culinarios — cuja desintegracio foi facilitada por esse mesmo mercado — para impulsionar, no mundo inteiro, em condigdes vantajosas, determinadas verses homogeneizadas ou edulcoradas de tais tradigdes alimentares. No entanto, seria errOneo acreditar que a industrilizacao da ali- mentacio, 0 progresso dos transportes, 0 advento da distribuicao em larga escala tenham como tnico objetivo desagregar e destruir as parti- cularidades regionais. Na realidade, longe de excluir, a modernidade favorece, em certos casos, a formaclo de especialidades locais. Para confirmar essa afirmago, uma vez mais apresenta-se um exemplo ame- ricano. Neste caso, trata-se de uma inovacio culindria recente, ligada a0 mundo urbano ¢ ao consumo de refeigdes em massa, que acabou se tomando, em algumas décadas, uma especialidade local na plena acep~ cho da palavra, reivindicando uma autenticidade to arraigada quanto a do cassoulet ou da bouillabaisse, embora se apéie inicialmente numa verdadeira mistura transcultural. Essa especialidade neofolct6rica ainda no transpés os limites de sua cidade de origem. Trata-se do Cincinnati cbili, designagao tirada do nome da grande cidade de Ohio que se deleita com tal iguaria desde os anos 20. O sucesso dessa especialidade neo-regional do século XX americano foi relatado, de forma detalhada, por um folelorista estadunidense™. (O Cincinnati chili é uma preparagio a base de carne de boi moda e cozida, & qual se acrescenta uma mistura de 12.2 18 ervas aromaticas € ‘especiarias, entre as quais a canela. A combinagao obtida dessa forma é, em seguida, deixada no fogo para engrossar, durante trés ou quatro ho- ras. © hilt € servido segundo certas variantes (ways) que comportam um niémero crescente de elementos: na versio de “base”, 0 bili € colocado em cima de espaguete (chili spaghett); € possivel colocar por cima desse ETE LOYD, “The Clocinati Chili Culinary Comples, ax Western Flore 40 (1), 2840, 1981 859 conjunto uma camada de queijo ralado (three-way); acrescentar rodelas de cebola (four-way); € coroar tudo iss0 com uma camada de feilo (five way). Essas formulas si0 enumeradas com extrema preciso, ¢ a denomi- ago dos ways conesponde a regras tio estritas quanto as de qualquer Cozinha tradicional. O Cincinnati chil é servido em 65 cbili parlors espe- Culizados que pertencem a redes compariveis as que, através dos Esta- dos Unidos, server fast-food, assim como na maioria dos restaurantes da cidade. Os habitantes prepacam também o cbiliem casa e, na verdade, © consideram uma especialidade local (© Cincinnati chili é a invengao de um imigrante de origem bilgara nascido na Macedénia, Tom Kiradjieff. Nos anos 20, ele vendia coney’ islands ou chili dogs (ama forma de hot dog’ maneira de Nova York) na safda de um cinema (que deu seu nome, Empress, 4 rede de restaurantes triada mais urde por Kiradjeff). Em vez de utlizar os restos de came da ‘véspera para preparar cbili con carne mexicano, segundo uma pritica Corrente nessa época nos restaurantes locais, Kiradjelf inovou ato $6 Utlizando carne de boi pura e servindo-a com espaguete, mas sobretudo acrescentando um molho “sincrétco” que integrava ctementos, particular- mente as especiarias, tomados de empréstimo tanto do motho que ele servia em seus cbili dogs’ maneira de Nova York, quanto das cozinhas balednicas, Inicialmente, Kiradjieff misturava tudo como num prato de rmassas italianas, Somente por volta de 1930 teve a idéia da versio esratificada”, no misturada. Em conformidade com a Idgica das redes de fastfood em franchising, as redes de Cincinnati chili tentararn desenvolver-se € es palhar-se. Pelo que sabemos, as grandes cidades vizinhas, como alias Outras regiées dos Estados Unidos, continuam reticentes ao seu consu- mo. Esse caso € quase experimental: por ele, € possivel analisar os processos de formaglo, difusto e, eventualmente, de abastardamento de folclores culindrios na era agroalimentar. Na Europa, 0s modelos tradicionais s6 s40 considerados auténticos quando se reportam & civi- lzagio rural; além disso, presume-se que a industializagao da alimen- tagao acabe por destrutlos por nivelamento ¢ aculturago. Mas, nesse caso, foi em meio urbano, industrial, em plena modemnidade, que se formou uma tradicto culinsria local. RACIONALIZAGAO, REGRESSAO E PRAZER |A grande questo que se coloca constantemente quando se evo- ca 0 fast-food, em paricular o da McDonald's, € a de seu sucesso uni- 860 versal. Até o dia de hoje, parece que a empresa de Chicago nunca conheceu, propriamente falando, qualquer fracasso. Com toda a certe- za, um certo nimero de fatores materiais, comerciais ¢ financeiros con- tribuem para explicar esse sucesso. O sistema de franguia, aperfeicoa- do inicialmente por Ray Kroc, estava baseado no principio segundo 0 qual era necessirio garantir 0 enriquecimento dos franqueados, velan- do reciprocamente para que eles nao prejudicassem a boa reputagio € ‘2 aplicacao rigorosa dos principios da marca. Nos anos 80, cerca de um {quarto dos franqueados americanos eram milionarios. “Todavia, na exportagao ha outros problemas. £ necessirio supe- rar o antiameticanismo e, 20 mesmo tempo, dominar o que garante iniciaimente 0 sucesso, a Saber: 0 atrativo exercido pelos McDonald's sobre 08 jovens e, em particular, os teen-agers. Como vimos, por moti- vos de rentabilidade, a rede prefere atrair as familias aos adolescentes em bandos: ‘A esse fator convém acrescentar a dificuldade, mais importante do que se propala, de ajustar finalmente a oferta da McDonald's & cultura slimentar do pais. Em primeiro lugar, os produtes sao 0s mesmos por toda parte; hambdrguer, cheeseburger, chicken McNuggets, ete. Na rea- lidade, existem sutis variagées. Em particular, foi necessirio modificar ‘0s molhos para a Franca, porque estes eram aparentemente doces de- mais, Em outros paises, alguns produtos no so comercializados. Nao & em toda parte que se pode fazer uma escolha entre os diversos ingre- dientes. Além disso, 0s horirios das refei¢Bes levantam problemas na Europa, Embora a McDonald's no esteja em causa nesse caso particu- lar, pode-se citar o exemplo de Disneyland Europe, perto de Paris Segundo estudos americanos, esperava-se que 50 60% dos visitantes Consumissem fast-food durante a visita. Seja qual for a pertinencia des- se nGmero, um imponderivel tipicamente europeu infiltrou-se nessa operagio. Os franceses, italianos e inclusive alguns outros europeus nnio estio dispostos consumir, como os americanos, hambargueres as, 10 ou 2s 17h, E a raz2o pela qual, as 12830 em ponto, formaram-se filas dliante dos restaurantes, com 0 esyaziamento das atragbes. Fora das horas de refeicdo, o movimento invertase, perturbando a regularidade das filas de espera. Os organizadores tinham superestimado a flexibili- dade e a *desestruturagio" dos habitos alimentares dos europeus. Sem divida, o sucesso planetirio da McDonald's, do fast- ‘food em geral da pizza em particular, deve-se 2 um certo niimero de “universais” alimentares. O fastfood nao 6 puramente funcional, € o cliente nao © consome unicamente por motivos de comodidade, preco e tempo. De fato, 0 repertério de sabores e texturas a0 qual 861 trace conreanonaiea EEI205308300 ele faz apelo reduz-se a uma espécie de menor denominador co- mum das preferéncias. Assim, na maciez dos paezinhos do hambir- guer, na carne moida, nos molhos doces e ketchups agridoces con- fluem sensagdes infantis, regressdes © transgressbes. Na presenca dos pais e com sua enternecida aprovagio, as criancas podem ma- nifestar pela primeira vez, em idade bastante precoce, uma inde- pendéncia suficiente para encomendar no balcio, com algumas mo- edas na mao, um hambdrguer e uma Coca-Cola. Podem comer com os dedos, sem se preocuparem com restrigdes formalistas que pe- sam sobre a refei¢do familial, Seus dentinhos enterram-se na espes- sura mole dos buns, da carne moida, ¢ se deleitam com 0 alimento que, segundo € demonstrado por todas as pesquisas, Ihes desperta mais a gulodice: batatas fritas, bem torradinhas por fora e macias por dentro, salgadas e gordurosas 20 mesmo tempo. Sabores de base, texturas gratificantes, liberdades transgressoras, consenso familiar, comodidade, prego, higiene, regularidade do servi co: diante da bem-sucedida formula da rede McDonald's, a Gnica res- posta encontrada até agora foi a imitacao™. No cram, ico produto com desenvolvimento recente nouvel sinda que por enquan= {So puramence anesanal, 3 ofeasivarepentina © maciga, em Paris, dos panini de orgem lallae ra revistos ¢ comgidos pelos fanceses, deve ser clada como anedota. Eses pezinhos ‘cheats com prostate moszarellaou tomate ¢szst, sto exquensadosrapidamente numa ‘Gopscic de grea com dass faces que hes deixa marcas como se vessem sido grelhados. O [paninetallano fovsto & moda francesa (em Paris, ¢ designado por pari, inclusive a0 Engutar) munca chegard a constr, popriament alana, ina resposta 20 fastfood. arece Emlesmente srr um novo “hicho" mais rug, com um toque mediterranea, na alimenti- fo ndmade do ctadino apressado, 362 Conclusio Hoje e amanha “Pacamos tabula rasa do passado", cantavam no século XIX os intes da Internacional Operiria, Em que medida 2 economia capi- talista concretizou esse slogan em matéria de alimentacao? O que resta, para o presente e 0 proximo futuro, dos comportamentos alimentares diferenciados que se constituiram no decorrer dos séculos e foram evo- cados neste livro? Nao obstante a extrema diversidade de suas culturas, todos os pafses do mundo adotaram, ha muito tempo, a Coca-Cola. Trinta anos Gepois, os fast-foods americanos, tendo 2 frente 0 McDonald's, esto em vias de conseguir a mesma expansio. Todos os europeus conso- mem, hoje, suco de laranja ou toranja, em latas, frascos ou caixas de papelao, celebrando o culto as vitaminas, em conformidade com as prescriges da dietética moderna. Esses sucos de frutas vém, muitas vezes, dos Estados Unidos. (© poder do capitalismo americano nfo &, no entanto, 0 énico em causa: na Europa, 0 némero de pizzarias ainda € maior do que 0 de fast-foods. Na maioria dos paises do continente, 0 pao branco tor- now-se, alias, a norma, até mesmo naqueles em que as condicoes natu- rais permanecem desfavordveis ao cultivo do frumento, e os pes pre~ tos, no decorrer dos séculos precedentes, eram consumidos sem pu dor por todas as classes sociais. Em todo o continente, a racio de carne consumida aumentou consideravelmente ¢ tende a ser a mesma quantidade por toda parte — inclusive nos paises mediterraneos, mais voltados, até o presente, para os alimentos de origem vegetal. Em todos, igualmente, € considerdvel 0 répido crescimento do consumo do café, incluindo os britinicos, conhecidos apreciadores de cha. A cerveja € cada vez mais consumida nos paises que, tradicional- mente, bebiam vinho, sidra ou hidromel. O mesmo acontece com 0 vinho nos pafses consumidores de cerveja, enquanto nos paises viticolas seu consumo esté em regressao, Chega até a acontecer que as antigas diferencas de comporta~ mento se iavertam: os alemiies — que outrora eram extraordinarios 863,

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