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CONSIDERAGOES EM TORNO DO CONCEITO DO FEUDALISMO Marco Antonio de Oliveira Pais Da Universidade Federal de Pernambuco Dentro da historiografia medieval atua! a discusséo em torno do conceito de feu- dalismo tem suscitado imensos debates e controvérsias. que néo levaram ainda a um consenso entre os estudiosos do cssunto. A palavra *feudo” no decorrer dos séculos ‘tem tido varies significados e tem sido usada de maneiras diferentes por inimeros au- tores. Sua forma mais antiga parece ser a encontrada em alguns documentos borgindios de fins do século IX, sob a grafia de feos ou feus, exprimindo o sentido de uma pro- priedade mével, provavelmente gado. 1 No inicio do século X! a palavras feos desaparece dos documentos, ao mesmo tempo que adquire novas formas e significados tais como fevum, fevo, feo, indicando go mais um bem mével, mas uma concessao de terra como forma de pagamento, prin- cipalmente por servico militar. No final do sécuio XI as referéncias a concessao de ter- ras tornam-se bastante frequentes, passando a ser designadas como feudum ou feodum, termos que prevalecem sobre os outros, tornando-se 0 que hoje denominamos feudo. A palavra feudum 6 entéo criada para exprimir um objeto concreto, a saber, um pedago de terra. O termo dificilmente designava um complexo sistema de leis, de governo ou de relagées sociais. A Idade Média nunca conheceu sua sociedade ou seu governo como feudal. 2 Mesmo com o desenvolvimento dos estudos do direito no século XII, os juris- tas ndo concebiam que existisse uma auténtica sociedade feudal, apesar de que alguns 49 deles tivessem se dedicado ao estudo do egregado dos costumes feudals, que de alguma forma constituia um auténtico sistema legal. Mas esse sistema era somente uma parte do corpo total das leis, e, sendo assim, néo poderiam tomar uma parte pelo todo para designar o sistema de leis que regulava toda a sociedade. © surgimento do substantivo “feudalismo” nao se deu durante a Idade Média, mas remonta ao século XVII, com um valor extritamente juridico. O uso do termo para de- signar uma fase pela qua! atravessou a°civilizacio teve que esperar até o século se- guinte. Ao que tudo indica, o primeiro a utilizé-lo com este sentido foi o Conde de Boulainviliiers. em 1727. Feudalismo para ele exprimia o esfacelamento da soberania entre uma multidéo de pequenos principes, que constituiu a caracteristica mais mar- cante do perfodo medieval. 3 Em inglés, a primeira vez que se usou a expresso “sistema feudal” foi em 1776, na obra de Adan Smith, Wealth of Nations. Mas Smith utilizou a expressio néo para designar um sistema de ‘leis, mas de produgao, pelo qual os trabalhadores eram levados a trabalhar nao pelos incentivos naturais gerados por um mercado livre, mas pela forca e coercao dos grandes senhores. Feudal, entéo, passa a indicar uma sociedade carac- terizada por um amplo contraste entre ‘ricos @ pobres: uma minoria de privilegiades usufruindo os beneficios proporcionados pelo trabalho forcado da maioria da popule- 40. A interpretago de Adan Smith enfatizando os aspectos econdmicos na conceitua- 40 do fcudalismo no marcou na sua época a historiografia. Ela teve que esperar até © século seguinte para tomar uma maior importncia e ser reconhecida como uma ma neira valida de interpretar um determinado periodo historico. Na época do tluminismo alguns de seus mais expressivos Iideres, como Montes- quieu e¢ Voltaire, reconheciam no feudalismo um regime que beneficava a aristocracia em detrimento do campesinato. Esta aristocracia usufruia de uma série de privilégios pelos quais nada oferecia em retorno, e os camponeses oprimidos eram obrigados a trabalhar sem receber nenhuma recompensa. Nessas condi¢des era impossivel desen- volver uma economia equilibrada, utilizando novas formas de producéo. Quando no Inicio da Revolugdo Francesa a Assembléia Nacional, através do famoso decreto de 11 de agosto de 1789, aboliu inteiramente o regime feudal, isto significava néo um re- gime politico ou juridico, mas um sistema sécio-econémico especifico. A partir do lluminismo e da Revolugdo Francesa a interpretagao do feudalismo vai tomar duas diregdes opostas, acarretando controvérsias que persistem até 0 pre- sente momento, sem que se tenha chegado a um acordo na sua definigio. Para alguns historiadores a'énfase 6 colccada nos aspectos juridicos, concentrando-se nos estudos das instituices feudais e de seus aspectos legais, como os lacos de dependéncia de homem a homem. Para eles o feudalismo constitui um sistema de governo, de lei e de ‘organizac4o militar que englobava somente a classe governante livre e guerreira. Pensar ‘em feudalismo serie, entdo, neceseariamente, pensar na aristocracia, desde que a con- igo de servo da grande maioria da populacéo era um obstéculo intransponivel de ‘acesso ao contrato feudal, no qual a condicdo de ser livre era imprescindivel. Outros historiadores, seguindo os passos iniciais de Adan Smith e de alguns pensadores do Iuminismo, vao considerar ¢ feudalismo como um sistema econdmico de producao, fundamentado na renda feudal proporcionada pelos servos através da forca exercida polos senhores. 4 Este sistema nao constituia uma forma de escravidéo desde que os Servos no podiom ser afastados de suas terras por imposicéo dos senhores, e os ser- vigos @ pagamentos que o senhor exigia eram limitados pelos costumes. Além disso, ‘08. servos podiam constituir familia e usufruir parte da produgao, pelo menos para sua sobrevivéncia, No século XIX Marx e Engels utilizaram o conceito de feudalismo, extraido dos economistas liberals, como estagio de sua ampla caracterizacéo da evolucdo humana. © modo de producao feudal estaria entéo entre os estdgios compreendidos pela es- 50 cravidso e capitalismo. Esta énfase dos aspectos econdmicos na conceltuago do feu- dalismo pelos marxistas atraiu também a atengao de varios outros estudiosos. Os debates sobre a explicitacéo do termo persistem entéo, dificultando o este belecimento de conceitos e métodos que possam orientar os trabalhos dos pesquisado- res. Niuitos estudiosos, para evitarem infindaveis discussées sobre a terminologia, pre- ferem deixar de lado uma definiggo exata, concentrando suas atengdes naquelas carac- teristicas que parecem centrais & sociedade feudal. Bloch, por exemplo, um dos maio- res especialistas da histéria medieval, néo nos oferece uma conceltuagao precisa, @ somente no final do seu cléssico livro sobre 0 assunto 6 que nos apresenta uma sin- tese das caracteristicas basicas da sociedade feudal, a saber: 1) um campesinato subju- gado; 2) uso generalizado de concessdo de terras em vez de saldrio; 3) supremacia de uma classe de guerreiros especializados; 4) lagos de obediéncia e protegdo ligando ho- mem « homem; 5) fragmentagao da autoridade central; 6) sobrevivéncia de outras for- mas de associagio, familia e estado. 5 Outro grande especialista em hist6ria medieval, Ganshof, adota também uma ampla @ no muito precisa conceituacao, preferindo apresentar suas caractoristicas fun- dameniais. No seu pequeno mas muito importante livro sobre o assunto escreve: “Pode considerar-se o feudalismo como um tipo de sociedade cujos caracteres determinantes 40: um desenvolvimento, levado até muito longe, dos lagos de dependéncia de homem era homem, com uma classe de guerreiros especializados a ocuparem os escaldes su- eriores dessa hierarquia; um parcelamento méximo do direito de propriedade; uma hie- tarquia dos direitos sobre a terra provenientes desse parcelamento e correspondendo & hierarquia dos lagos de dependéncia pessoal a que se acaba de fazer referénci um parcolamento do poder publico, criando em cada regido uma hierarquia de instan- cias auténomas, que exercem, no seu préprio interesse, poderes normalmente atribuk dos ao estado e, em épocas anteriores, quase sempre da efectiva competéncia deste.” 6 Como se vé, sua orientacdo se concentra mais nos aspectos juridicos e politicos do sis- tema, como ele deixa bem claro na Introducdo. Feudalismo para ele esta intrinsicamente ligado @ aristocracia, constituida por senhores e vassalos, os Gnicos a terem acesso a0 feudo, que constitula “se nao a trave mestra, pelo menos o elemento mais notdvel na hierarquia dos direitos sobre a terra que este tipo de sociedade comporta.” 7 Para evitar também maiores problemas hé alguns autores que preferem tratar como feudal a estrutura juridica do sistema, em que imperavam as relecdes entro suseranos e vassalos, estabelecidas por lacos de dependéncia, sistema de homenagem, Juramentu de obediéncia, concessao de feudos em troca de servico militar a cavalo, Ja a Parte relativa aos aspectos sociais e econémicos é designada como regime senhorial. Tal visa da sociedade s6 vem tornar meis complexa ainda a sua compreenséo como um todo, dificultando 0 uso de uma metadologia adequada ao seu estudo integral. Por que utilizar uma defini¢éo para seus aspectos juridicos e outra para sua estrutura sécio- econémica para designar uma s6 sociedade? © debate em torno das interpretagées do feudalismo se desenvolve, atualments, com bastante intensidade, entre os estudiosos marxistas, concentrados principalmente em consideré-lo como um modo especitico de produgdo, néo somente caracteristico de uma determinada época do desenvolvimento histérico europeu, mas comum & maioria das nagoes. Num trabalho apresentado no Xill Congresso Internacional de Ciéncias His- toricas realizado em Moscou, em 1970, dois historiadores soviéticos déo-nos o seguinte conceilo: “Consideramos que 0 teudalismo é uma formagdo social e econdmica parti cular que tem por base 0 modo de producao feudal. Seus tragos mais caracteristicos so: a predominancia da economis agréria e natural, a preponderdncia da grande propricdade baseada na explcracdo dos camponeses que dependiam pessoalmente dos proprietarios, ou que estavam sujeitos a terra que cultivavam.” 8 Os autores enfatizam também que ‘© modo de producao feudal néo esgota a nocéo de formacdo feudal, j4 que ele deter- mina @ formagdo das classes socials, da hierarquia, do direito, do Estado, da Ideologia & da cultura, 51 A posi¢&o oficial dos historiadores soviéticos pode-se também encontrar na Historia Universal publicada pela Academia de Ciéncias da U.R.S.S., em 1957. Na intro- dugo a0 Tomo lil Ié-se: “A ciéncia hist6rica marxista, considerando 0 processo hist6rico como a sucesséo necesséria dos regimes sociais e econdmicos, entende por Idade Média a fase do desenvolvimento hist6rico da humanidade no decorrer da qual o modo de produgao feudal era o que dominava na maioria dos paises da Asia e Europa, 2 de alguns paises da Africa. A Idade Média é a época da apari¢ao, desenvolvimento e deca- déncia, em escala mundial, do modo de producao feudal, das relacdes sociais feudais.” 9 A transigao 20 feudalismo néo se deu simultaneamente nos diversos paises, desde que eles se desenvolveram de maneita desigual, mas seu inicio em escala mundial, deu-sc no periodo que vai dos séculos III ao VII. Durante o regime feudal o principal melo de podugdo, a terra, nao pertencia 0s produtores diretos que eram os camponeses, mas aos senhores feudais. A pro- priedade da terra pelos senhores constituiu a base da sociedade. As terras eram per- manentemente concedidas aos camponses para que as cultivassem, mas os senhores, através da forga, 6 que se beneficievam do trabalho. “A propriedade dos senhores sobre a terra, combinada com a pequena exploragao independente dos camponeses, era © trago caracteristico da economia feudal.” 10 A exploracéo dos camponeses pelos se- nhores era realizada de diversas maneiras, constituindo-se no que se denomina a renda feudal. isto 6, um conjunto de encargos que recalam sobre o camponés, a quem somen- te cabia uma parte minima da producdo necesséria a sua sobrevivéncia. A renda feudal apresentou-se de formas diferentes na Europa, dependendo da evolucdo do sistema, constituindo-se de corvéias (trabalho nas propriedades do senhor), pagamentos em produtos ou dinheiro, banalidades (pagamento pelo uso do moinho, lagar, forno, de pro- Ptiedade do senhor). Deve-se salientar que a carga de trabalho que recala sobre os camponeses nao dependia exclusivamente da vontade do senhor, pois era o costume local que determinava o quanto e como seriam definidos os encargos que iriam cons- tituir a renda feudal. Em 1968 reuniu-se em Paris um grupo de estudiosos para debaterem alguns temas historicos, entre eles o feudalismo, sob os auspicios do Centre d'études et Recherches Marxiste, @ os diversos relatérios apresentados e discutidos foram posteriormente pu- blicados ‘em livro sob 0 titulo Sur le Feodalisme. No relatorio apresentado por Charles Purain encontram-se as seguintes caracteristices da sociedade feudal: primeiro, as re- lagdes sociais de produgéo giram em torno do maior bem de uma economia basicamente agricola, isto 6, a terra. A sua posse ou nfo, 6 que determinava a posi¢ao do individuo na hierarquia social. Segundo, os camponeses néo possuiam as terras, mas desfrutavam do direrte de utilizago e ocupagdo, pelo qual pagavam uma série de encargos como corvelas. banalidades, portagens, etc., que constituiam os direitos de apropriacdo dos ‘senhores, proprietérios de direlto das terras. Finalmente. existe nesta sociedade uma intrincada rede de lagos pessoais ligando suseranos e vassalos ou senhores e campo- neses, 0 que val permitir a originalidade do sistema politico, que consiste no desapa- recimento do estado centralizado. 11 ‘Ao se abordar a anélise do feudalismo sob a teoria do materialismo histérico depa- ramos com a problemética imposta pelas formagées socials, estudadas tanto por Engels como Marx. Os esquemas evolutivos das formagGes sociais dos dois pensado- res nao coincidem em sua totalidade. Marx sé se dedicou exaustivamente ao estudo de uma formacéo especifica: o capitalismo; suas idéias sobre as formacdes pré-capita- listas so vieram a ser conhecidas apés 1940 com a publicacdo de seus Elementos Fun- damentais para a Critica da Economia Politica. Foi Engels 0 que mais se dedicou ao essunto, concebendo a evolugdo através de uma sequéncia unilinear de etapas assim Gompreendides: comunismo primitive, escravismo, feudalismo, capitalimo ¢ socie- ismo. © esquema tedrico de Engels com o tempo tornouse obsoleto e, pior ainda, 52 tornou-se um dogma, principalmente durante o periodo stalinista. A formacdo socrel feudal toma entio uma forma t8o genérica que se aplica a todas as sociedades que se encontram entre os estdgios escravista e capitalista. Sendo assim, em varios auto res, vemos a tentativa de enquadrer no esquema feudal sociedades que somente poo- ‘suem siguns de seus elementos caracteristicos, mas que no todo néo podem ser de- signadas como tal. A adocdo de semelhante esquema nos conduziria a um etnocentrismo eurocén- trlco tomado como paradigma da evolugéo geral da humanidade. Contra isto escrevau Cahen: "Como a historiografia e a sociologia moderna se desenvolveram na Europa ocidental, foi daqui que primeiro se originou 0 conceito de feudalismo, e onde se estu- daram suas caracteristicas; outras sociedades se tem estudado posteriormente com uma referencia implicita & civilizacéo ocidental de tal maneira que esta, se nao tiver Cuidado, corre o risco de aparecer como norma para que aquelas tenderiam de um: ou outra maneira.” 12 Este esquema entio, mesmo correspondendo 20 processo histé- rico europeu, nao corresponde a realidade do mundo no europeu. Utilizando este es- quema fora da Europa ocidental teriamos entéo que enquadrar sua histéria num pro- cesso evolutivo que apresenta diferencas marcantes daquele, ndo correspondendo en- tao a verdade dos fatos. Tome-se por exemplo a tentativa frustada de enquadrar a so- ciedade colonial brasileira dentro do esquema feudal. ‘Ao nfo concordar com o esquema teérico da evolugdo necessérla das diversas formagées sociais no afasto a possibilidade de que outras sociedades, que nfo aque- las da Europa ocidental, possam ter atravessado um periodo feudal no seu proceso histérico. Néo concord em aceitar como modelo o feudalismo europeu, j4 que as outras regides apresentam diferengas significativas, a comegar pela prdpria terminologia. Apolo plenamente Cahen quando diz: “A atitude racional consiste, pois, ndo em partir de uma sociedade eleita arbitrariamente, mas simultaneamente, e por igual, de todas aquelas nas quais se descubram tendéncias convergentes, para precisar as_semelhan 28, as diferengas, 0 condicionamento.” 13 Um estudo comparativo faz-se entéo ne- cessario para a compreenséo global do sistema feudal. A nivel regional temos j4 algu- mas pesquisas de Takahashi sobre 0 Japao, de Ostrogorsky sobre o mundo bizantino, diversos trabalhos sobre o Magreb pré-colonial publicados pelo C.E.A.M. na obra Sobre © Feudalismo, de Witold Kula sobre a Pol6nia, sé para citar as ultimas publicagées a respeito. Uma obra de sintese viria a esclarecer uma série de questées, mas pouco tem sido feito sobre 0 tema até o presente. 14 Uma grande contribuigéo a0 estudo de feudalismo pode ser encontrado na obra de Dobb, Studies in the Development of Capitalism. (traduzida em portugués com o titulo A Evolugéo do Capitalismo). Ele descarta todas as outras definigdes de cunho juridico ou politic para se concentrar exclusivamente nos seus aspectos econdmicos, oriundos das relacdes entre o produtor, seja ele campones ou artesdo, e o senhor, Feudalismo, entdo, 6 definido como um modo de produgéo especifico. "Como tal, serd virtualmente idéntico aquilo que geralmente queremos dizer por servidéo — uma obrigagéo imposta ac produtor pela forca e independentemente de sua prdpria vontade, para que satis- faca a certas exigéncias econémicas de um senhor, quer tais exigéncias tomem a forma de servicos a prestar, ou taxas a pagar em dinheiro ou ertigos..." 15 Como caracteristice bésicas desse sistema, que ele denomina servidéo feudat, enumera 98 seguintes aspectos: 1) “um baixo nivel de técnica, no qual os instrumen- tos de producéo so simples e em geral baratos, e 0 ato de produc em grande parte 6 individual em cardter; a diviso de trabalho (...) mostra-se em nivel bem primitive de desenvolvimento.” 2) produgdo para as necessidades imediates do domicilio ou coleti- vidade em seu mbito de aldela, e nfo a um mercado mais amplo.” 3) “atividade agri- cola executada na propriedade do patréo ou senhor, muitas vezes em escala consideré- vel, por servigos de trabalho compulsdrio.” 4) “descentralizagao politica.” 5) “posse condicional das terras pelos senhores.” 6) 0 senhor detinha “fungdes judiclérias ou se- mijudiciéras em relacéc & populacdo dependente dele.” 16 A teoria de Dobb suscitou véries criticas, principalmente por identificar feudalis- mo a servidio, Jé que esta pode existir em sistemas completamente distintos do feudal. 7 Como se vé, hé atualmente uma acentuada tendéncia em se enfocar a conceltua- go do feudalismo a partir da estrutura econémica da sociedade medieval. Isso néo quer dizer que 0 fator econdmico em si tenha determinado exclusivamente toda a formagéo social, politica, cuitural e religiosa. O que nao se pode é relegar ao esquecimento a variavel econdmica, como foi feito durante tantos séculos, principalmente com referén- cia a Idade Média. As diversas definigdes limitadas s6 0s aspectos juridicos ou politicos 86 es- clarecem uma parte do todo. néo chegando a aclararem as complexas relagdes séci econémicas que o sistema apresenta. Afinal, quais foram as causas que possibilitaram 0 ‘surgimento de formagées juridicas e politicas designadas como feudais? Eles séo con- sequéncias de mudancas radicais que haviem ocorrido no panorama europeu apés a queda do Império, e que alteraram completamente 0 modo de produgao, o regime de Propriedade e a formacéo das classes sociais. Sem a compreengdo de todas estas mu- dancas © impossivel se tentar ter uma visio clara das manifestagdes de cunho juridico ou politico. Se uma questdo ainda se impde quanto a importdncia a ser dada aos aspectos econdmicos, basta lembrar sobre quem recaia a producéo — e como ela se efetuava — que permitiu 0 desenvolvimento da rica e diversificada cultura medieval. NOTAS 1. Sobre es origens e significados da palavra feudo consultar as obras cléssicas de Marc Bloch, La Société Féodale (Paris, 1939), principalmente o capitulo Il — Le fief =, do Livro Segundo; e Francois Louis Ganshof, Que 6 o Feudalismo (tradugao do fraiote, Lisboa, 1968), principalmente entre o Capitulo Il — o Feudo — da Terceira art 2. HERLIHY, David, The History of Feudalism, Walker and Company, New York, 1971, B. XIV. 3. BLOCH, Marc, La Société Feodale, & ns Albin Michel, Paris 1973, p. 12. 13 4. Sobre a estrutura e evolucéo da renda feudal consultar a obra fundamental de Georges Duby, Economia Rural y Vida Campesina en el Occidente Medieval, (Bar- celona, 1968), principalmente os capitulos Il e Ill do Livro Terceiro. 5. BLOCH, Marc, op. cit. p. 605-610. €. GANSHOF, Frangois Louis, Que € 0 Feudalismo? tradugio do francés de Jorge Borges de Macedo, 2a. edigéo, Colegio Saber, Publicagdes Europa-América, Lisboa, 1968, p. 9. 7. GANSHOF, op. cit. p. 11. 8. UDALTZOVA, Z. V. e GUTNOVA, E. V., “La Génesis del Feudalismo en los paises de Europa” in La Transicién del Esclavismo al Feudalismo, Akal Editor, Madrid, 1976, P. 195. 9. BIRIUKOVITCH, V. e LEVITSKI, |, “La Edad Media” in El Modo de Produccién Feudal Akal Editor, Madrid, 1976, p. 29. 10. Ibid. p. 35. 54 iM. 12. 12. 14. 15. 16. am, PARAIN. Charles, “Caracteres gerais do feudalismo” in Sobre o Feudalismo, pu blicado pelo C.E.R.M., Editorial Estampa, Lisboa, 1973. p. 17-18. CAHEN, Claude, “Retlexiones sobre el uso del término “feudalismo” in El Modo ée Produccion Feudal, Akal Editor, Madrid, 1976, p. 16. Ibid. p. 16. Ver a obra de R. Coulborn, Feudalism in History (Princeton, 1956), com contribuicdes de J.R. Strayer (Europa Ocidental), E.O. Reischauer (Japio}, D. Bodde (China), B.C. Brundage (Mesopotamia antiga e Ira), W. F. Edgerton (Egito Antigo), D. Thirner Undia), E. H. Kantorowicz (Bizancio). M. Szeftel (Russia); e outro, pelo mesmo autor, R. Coulborn, com o titulo A Comparative Study of Feudalism. DOBB, Maurice, A Evolugéo do Capitalismo, tradugso do inglés por Affonso Blacheyre, 5a. edig&o, Zahar Editores, Rio, 1976, p. Ibid. p. 53-54. Sobre as criticas a Dobb consultar Paul M. Sweezy et alil, Do Feudalismo ao Ca- pitalismo, tradugdo do inglés por Manuel Vitorino Dias Duarte, Publicagses Dom Quixote, Lisboa, 1975. 55

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