Você está na página 1de 46
‘Titulo Original: Afrique Noire - Histoire et civilisations - Tome II (publicado na colecao: Universités francophones - AUPELEUREF) © HATIER, 2008 1 Reimpressao: 2013 2* Reimpressao: 2015 Capa e editoragdo eletronica Liicia Valeska Sokolowicz Mapas Rodrigo Oyarzdbal Schlabitz Projeto grafico Alana Gongalves de Carvalho Projeto Editorial Hist6rias ao Sul José Murilo de Carvalho (UFF), Lilia Moritz Schwarcz (USP) ¢ Valdemir Zamparoni (UFBA) (coordenador) Revisdo Daniela Moreau Sistema de Biblictecas - UFBA MBokoo, Elkia. ‘Arica negra : historia ecivlizagdes / Elkia MBokol ; com a colaboragao de Sophie le Callennes e de Thiemo Bah ;\radugso de Manuel Resende; revisdo académica da traduo para a edigao brasileira, Daniela Moreau, Valdemir Zamparon ;assistente: Bruno Pessol.- Salvador EDUFBA ; Sao Paulo : Casa das Africas, 2011. 7548p. ‘Tradugao de: Afrique noire : histoire et civilisations, Contetido: t 2 - Do século XIX aos nossos dias. ISBN 978-85-232-0755-7 1. Attica, Sub-Saara - Historia, 2. Africa, Sub-Saara - Civlizagao. |. Le Callennec, Sophie. 1. Bah, Thiemo. Il. Resende, Manuel. IV. Titulo. cDD - 967 Todos os direitos para a edicdo brasileira reservados ao Centro de Estudos Afro-Orientais - CEAO, FECH/UFBA EDUFBA Rua Bardo de Jeremoabo, s/n ‘Campus de Ondina, Salvador-BA 40170-115 ‘Tel/fax: (71) 3283-6164 edufba@ufba.br wwwedufba.ufba.br CASA DAS AFRICAS Rua Jacipora, 8 Sao Paulo - SP - Brasil 01256-110 fone/fax: 55 11 3801-1718 casadasafricas @casadasafricas.org. br www.casadasafticas.org.br A presente edig4o contou com o apoio da SEPHIS ~ South-South Exchange Programme for Research on the History of Development, Amsterdam SEPHIS baseados nas “nacionalidades”, mas também o direito de essas “nacionalidades” disporem delas préprias e se separarem da Federacdo. Este movimento de renovagao deparou com resisténcias surdas, mas muito ativas, que se revelaram uma vez passada a “ilusao lirica” do periodo 1989-1991: a Africa deu assim a impressao de, 4 sombra de um pluralismo poli- tico, abrigar restauragGes legais de regimes autoritérios. Com efeito, numerosos “dinossauros”,” pais da naco” legitimados por seu papel na luta pela independéncia ou detentores duradouros do poder supremo, na sequéncia da eliminacao dos “pais fundadores”, conseguiram manter o seu poder, quer mediante eleicdes transparentes que atestavam um desencanto t4o rapido quanto tinha sido sibitaa “ilusao lirica”, quer & custa de algumas irregularidades que muitos se apressaram a esquecer, nomeadamente entre os adeptos ocidentais da condicionalidade democratica. Outros responsdveis politicos dos regimes anteriores conseguiram retomar o poder através de habeis manobras, como aconteceu no Togo, e, caso fosse preciso, pela forca, como no Congo-Brazzaville, onde as milicias restituiram 0 poder a Denis Sassou Nguesso, apés violentos afrontamentos contra os responsaveis do Estado safdos da “Conferéncia Nacional” e de eleig6es pluralistas. Quanto a0 mais, 0 contexto geral permanecia muito mau, sobretudo no plano econémico e social, o que alimentava um clima de incerteza propicio a todas as formas de instabilidade politica. Os golpes de Estado persistentes e as rebelides inesperadas multiplicavam as zonas de inseguranca, nas quais a questao do pluralismo politico e da democratizagao deixavam de aparecer na ordem do dia e a partir das quais se difundiam “modelos” alternativos de “senhores da guerra”, habeis em apagar 08 efeitos da “transi¢ao democratica” ou a restaurar, sem alarde, ao abrigo de violéncias extremas, as formas ou 0s estilos dos anteriores regimes despéticos. Ill. UM RENASCIMENTO AFRICANO? Surgida na segunda metade do século XIX, numa altura em que as elites intelectuais, em especial na Africa Ocidental, sob o impulso de Edward W. Blyden, comegavam a combater as primeiras manifestaces do colonialismo moderno, a problematica do “renascimento africano” nunca abandonara totalmente o campo de preocupagdes dessas mesmas elites, a medida que elas se expandiam e se diversificavam as suas competéncias, apesar do malthusianismo dos poderes coloniais em matéria de instrugdo. Esta problematica, que durante muito tempo andou associada ao pan-africanismo, voltou a ganhar autonomia com as independéncias, mas a sua irradiacao e o seu impacto andaram sempre estreitamente associados as linhas de forca da evolucao politica e econémica do continente. - 675 - A. Florescimento das dinamicas culturais Se a ideologia do “renascimento africano” conheceu fluxos e refluxos, as independéncias libertaram definitivamente sem divida, no dominio da cultura, as forgas criadoras das sociedades africanas que ja nada poderia conter, mesmo no tempo dos despotismos dos partidos-Estados-nacées. E certo que essas dinamicas haviam surgido num passado mais ou menos longinquo, tanto no plano propria- mente artistico como no plano das diversas atividades culturais e da reflexio intelectual. Mas as independéncias criaram uma situacao nova, dando aos Estados os meios, e, simultaneamente, a obrigacao, de inventar politicas culturais e aos criadores uma liberdade e uma autonomia que nao desfaleceriam. 1, Estados e politicas culturais Os Estados nascidos das independéncias declararam todos que a “cultura” constitufa uma das suas principais prioridades. O seu modo de proceder era duplo. Inseria-se antes de tudo no esforgo de “construcao nacional”: tratava-se tanto de mostrar, num procedimento nacionalista, que agiam em contraposi¢ao ao tratamento dado pela colonizacao as culturas africanas, como de ter em conta as suas préprias necessidades em matéria de instrucdo das massas e de difus4o dos conhecimentos a fim de assegurar o mais rapidamente possivel o desenvolvimento econémico e social. Ao mesmo tempo, esse modo de proceder assumia uma dimens{o pan-africana claramente pronunciada. Dentro do quadro nacional, a cultura e a politica cultural representavam uma dimensio integrante do desenvolvimento. Em quase todos os paises foi ao sair da colonizagdo que houve que conceber uma politica cultural capaz de, além de exercer os seus efeitos sobre o “desenvolvimento”, contribuisse para reforcar © novo Estado: O cerne do problema do dirigente nacionalista é o seguinte: como podemos transformar o nacionalismo em patriotismo? [...] A protegio e a multiplicagao dos simbolos nacionais sf de uma importdncia extrema para estimular 0 patriotismo. [...] Para encorajar o sentimento patridtico, devemos tomar como alvo privilegiado a juventude da nossa nacao. Ergue-se agora uma geracio que nao possui mais do que uma vaga recordag4o do que foi o colonialismo e em breve a luta pela liberdade passard a ser assunto dos livros de histéria. Daf decorre que devemos insuflar-lhes nas escolas bastante sentimento nacional para que tenham orgulho em serem cidados da Zambia. Sem nos tornarmos tacanhos e isolacionistas na nossa abordagem da educacdo, temos de por tal peso na nossa histéria, na nossa geografia, nos nossos costumes e artes, que eles ganhem consciéncia do pafs a que pertencem. Fico sempre profundamente emocionado quando vejo as criangas de uma pequena escola de aldeia, num canto escondido do pais, igar a bandeira nacional e cantar o hino nacional como primeiro ato do dia. [...] Inculcar o respeito pela autoridade e a prote¢do dos simbolos nacionais - 676 - 6 de uma importancia crucial porque hé que inverter uma tendéncia do perfodo que precedeu a independéncia, Durante a luta pela liberdade, era necessério que 0s dirigentes nacionalistas encorajassem a desobediéncia civil [...] Agora, temos de adotar medidas vigorosas para nao sermos vitimas da nossa propria estratégia. (Kaunda, D. D. A Humanist in Africa, Letters to Colin M. Morris Londres, Longmans, 1966, pp. 83, 90-92). Os resultados mais visiveis desta politica viram-se no dominio escolar, que se tornou uma das principais rubricas orgamentais dos governos: em todos 08 paises, a taxa de analfabetismo recuou, embora mais nos homens do que nas mulheres. Mas as infraestruturas encarregadas de promover e difundir as atividades culturais e artisticas nao safam da mediocridade, salvo no Senegal, pais em que 0 presidente Senghor se empenhou pessoalmente na “defesa e ilustracao da cultura negro-africana”, e, sobretudo, no Gana, onde Kwame Nkrumah criou organismos e institutos encarregados de realizar o programa do seu partido na matéria (criagao de editoras do Estado, construgo de um teatro de Estado, apoio aos grupos musicais “tradicionais” e “modernos”, promogao de uma produgio cinematografica nacional etc.). Na realidade, na maioria dos casos, em nome do respeito pelas “tradigées” ou do recurso a “autenticidade” africana, 0 que dominava era um tratamento passadista, museograftico e etnologizado das culturas locais e uma instrumentalizagao das praticas culturais, transformadas em folclore de Estado. Uma visdo mais ambiciosa, que aliava a criativi intelectual e a pesquisa cientffica, manifestou-se muito cedo a escala pan-africana gracas a iniciativa de certos Estados, em particular o Senegal e o Gana, e nao da QUA. Organizado em Dacar em 1966, o Festival Mundial das Artes Negras foi mais do que uma prestigiosa vitrine das miiltiplas produces artisticas e culturais, das sociedades africanas e das “diésporas” de origem africana: tendo suscitado um movimento geral e entusiasta de adesao, mostrou de forma flagrante o contributo para a emergéncia da nova Africa que germinava nos artistas e homens de cultura de todas as condigées. Um impulso idéntico animava 0 mundo da pesquisa cientifica. Jé em 1962, Kwame Nkrumah havia acolhido no Gana o primeiro Congresso Inter- nacional dos Africanistas, perante os quais, citando integralmente 0 famoso discurso pronunciado em 1906 na Universidade de Columbia (Nova Iorque) por um estudante sul-afticano, Isaka Seme, exprimiu a sua convic¢ao de que a “regeneracao da Africa” era possivel e estava iminente: eruditos africanos e cientistas estrangeiros, todos concordaram em reconhecer que, como nas outras. partes do mundo, o conhecimento das sociedades afticanas atuais e passadas passaria a fazer-se a partir do “ponto de vista africano” ou, pelo menos, tomando em conta esse “ponto de vista”. Esse recentrar da andlise na Africa consagrou uma importante ruptura nos estudos africanos. Em 1967, 0 segundo Congreso, reunido em Dacar, debrugou-se sobre os meios de “fundar cientificamente uma politica de desenvolvimento” a escala da Africa; apés condenar os trabalhos -677- “enclausurados num pragmatismo tacanho e num utilitarismo de vistas curtas”, bem como todas as investigacées “atoladas_na complacéncia perante a ordem estabelecida”, preconizou um vasto conjunto de medidas ~ nacionalizacao da pesquisa, controle e seguidamente eliminagao da pesquisa comercial, prioridade & pesquisa fundamental, abolicio das compartimentagées entre os diferentes paises da Africa, questionamento das fronteiras entre as ciéncias sociais ~ que reforcariam a independéncia dos Estados e a unidade africana e fundariam simultaneamente “as condi¢6es indispensdveis a um verdadeiro renascimento”. Estas propostas tiveram poucos efeitos na medida em que os Estados, em lugar de se concertarem para criar instituigdes de pesquisa pan-afticanas, deram preferéncia s universidades e instituigdes de pesquisa “nacionais”, que em breve se viram desprovidas de recursos financeiros e humanos. Quanto a QUA, adotou em 1976 a Carta Cultural da Africa: mas os objetivos ambiciosos da Carta sofreram durante muito tempo da falta de meios facultados pelo Fundo Cultural Africano. De fato, 86 a escala regional, sob impulso do Gabio, a maioria dos Estados da Africa Central resolveu criar em 1980 um Centro Internacional das Civilizacdes Bantas (CICIBA), encarregado de estudar, dar a conhecer e promover as civilizagdes € as indstrias culturais dessa regio. Apesar desta letargia, é de assinalar que, nos anos 1980 e 1990, se assisti na Africa a um ressurgimento da andlise pan-africana e voluntarista das politicas culturais elaboradas pelos Estados; no contexto das miiltiplas dificuldades desse periodo, tal evolugao correspondia também ao interesse manifestado pela maioria dos Estados numa nova agenda unitdria e na problematica do “renascimento africano” 2. Vanguardas e culturas letradas Estreitamente associada a tomada de consciéncia da “situagao colonial” as peripécias da luta contra o colonialismo, a cultura fora em todos os territérios uma das alavancas fundamentais da libertaco nacional. Quem melhor o explicou foi Amilcar Cabral, um dos dirigentes mais conhecidos das guerras de libertagao contra o colonialismo portugués: Pegar em armas para dominar um povo é, antes de tudo, pegar em armas para destruir ou, pelo menos, neutralizar, paralisar, a sua vida cultural. [...] A cultura, que é fruto da pela influéncia negativa ou positiva que exerce na evolucao das relagdes entre ‘o homem e o seu meio e entre os homens ou grupos humanos no seio de uma sociedade, bem como entre sociedades diferentes. [...] A cultura, sejam quais forem as caracteristicas ideolégicas ou idealistas das suas manifestacdes, é pois um elemento essencial da histéria de um povo. E, talvez, a resultante dessa histéria como a flor é a resultante de uma planta. [...] Como na flor da planta, éna cultura que reside a capacidade (ou responsabilidade) da elaboragio e da fecundacéo do ria de um povo, determina simultaneamente a histéria, - 678 - germe que garante a continuidade da hist6ria, assegurando, ao mesmo tempo, as perspectivas da evolugao e do progresso da sociedade em questao. (Cabral, A., Libertacao Nacional e Cultura. Conferéncia pronunciada no primeiro Memorial dedicado ao Dr. Eduardo Mondlane, Universidade de Syracuse, Estados Unidos da América, 20 de fevereiro de 1970, Unité et Lute. 1 - Larme de la théorie, Francois Maspéro, 1975, pp. 318-321). A questo linguistica Entre as praticas e as criac6es culturais das classes populares, que durante muito tempo tinham ficado desconhecidas e & margem do sistema colonial, e as atividades culturais associadas aos “letrados”, surgia imediatamente uma diferenga: instruidos na prépria Africa nas escolas coloniais ou tendo disposto de uma formago universitdria de alto nivel no ultramar, na Franga, no Reino Unido ou nos Estados Unidos da América, ou até na india, tinham em comum o conhecimento dos escritos coloniais sobre a Africa, quer na sua versao carregada de preconceitos ¢ majoritariamente desfavoravel as sociedades africanas, quer na sua abordagem cientifica de certos trabalhos, impregnados de relativismo cultural ou que se preocupavam antes de tudo em inventariar, classificar, etiquetar e “conhecer” antes de julgar. Fossem eles poetas, romancistas, dramaturgos, ensaistas, etndlogos, historiadores, economistas ou outros especialistas das ciéncias sociais, esses “letrados” tinham todos adotado a mesma postura, a da proclamada ruptura com os precedentes coloniais, tanto na escolha dos temas como no ritmo e no contetido das andlises e das propostas. Um dos problemas fundamentais desses “letrados”, com que nao se con- frontaram os produtores e atores populares, foi o de saber como explorar todos os recursos dessa postura, continuando a exprimir-se na propria lingua dos colonizadores. Para la dos “homens de cultura”, o problema lingufstico também agitara os meios politicos preocupados pelo advento de uma “cultura nacional”. Fazendo a juncao entre estes dois grupos, Léopold Sédar Senghor jé suscitara a questo num texto de 1937 (Le probléme culturel en AOF): “Como conceber uma literatura indigena que no seja escrita numa lingua indigena?” Longe de ser teérica, a questo era importante para as populacées, cujas linguas, vernaculares ou veiculares, abrangiam locutores que formavam comunidades extensas, pot vezes transfronteirigas. Era o que se passava com o wolof (Senegal), 0 iorubé (Nigéria e Benim), o ewe (Gana, Togo e Benim), o mandinga ¢ o fulfulde (da Guiné ao Niger), 0 hauss4 (em todo o Sudao central, em especial na Nigéria e no Niger), 0 swahili (da SomAlia a Mocambique e das Comores a0 Congo- Kinshasa), o lingala (nos dois Congos, no Gabo, nos Camarées e na RCA), 0 quicongo (nos dois Congos e em Angola) etc. Quase todas estas linguas tinham dado origem a publicag6es anotadas, especialmente por parte de missiondrios europeus. Assim, durante os decénios posteriores as independéncias, 0 problema - 679 - da lingua continuou a pér-se em termos quase tao vigorosos como no tempo da gestaco das literaturas africanas modernas (documento 100). Documento 100: ingua, literatura e emancipacao “A questao € esta: nés, escritores africanos, estamos sempre a queixar-nos da natureza neo-colonial da relagdo econémica e politica da Africa com a Euro-América. Muito bem. Mas, continuando a escrever em linguas estrangeiras, prestando-Ihes homenagem, nao estaremos continuando, a nivel cultural, esse espirito neo-colonial servil e pronto a fazer salamaleques? Qual é a diferenca entre um politico que diz que a Africa nao. consegue viver sem o imperialismo e o escritor que diz que a Africa nao pode viver sem as linguas européias? Enquanto nos entretinhamos discursando para os circulos dirigentes numa lingua que excluia automaticamente a participagdo no debate do campesinato e da classe laboriosa, a cultura imperialista e as forcas reacionarias africanas aproveitavam ativa e alegremente a situacao. A biblia crista esta disponivel em quantidades ilimitadas mesmo nas linguas africanas de menor expanso. As cliques dirigentes compradoras sentem-se também muito felizes por terem 0 campesinato e a classe laboriosa inteiramente a sua mercé: as distorgoes, as diretivas ditatoriais, os decretos, os fésseis do género que vernos expostos nos museus como sendo a cultura africana, as ideologias feudais, as superstigdes, as mentiras, todos esses elementos atrasados e outros mais so comunicados as massas africanas nas suas prdprias linguas sem a menor contestagao por parte dos que, tendo visdes alternativas para o futuro, | se aconchegaram no conforto do inglés, do francés ou do portugués. € paradoxal que © politico africano mais reacionario, aquele que acha que se deve vender a Africa, seja muitas vezes um mestre nas linguas africanas; que os mais zelosos missionarios europeus, que acreditavam ser preciso salvar a Africa dela mesma, até do paganismo das suas linguas, fossem no entanto mestres das linguas africanas a que muitas vezes deram forma escrita. O missionario europeu acreditava demais na sua misséo de conquista para no a comunicar nas linguas mais imediatamente acessiveis as pessoas: 0 escritor africano acredita demais na “literatura africana” para a escrever nessas linguas étnicas, portadoras de divisoes e sub-desenvolvidas, praticadas pelo campesinato!” (Ngugi wa Thiong’o, Decolonising the Mind. The Politics of Language in African Literature, Londres-Nairobi, James Currey e Heinemann Kenya, 1986, p. 26) ‘As questes suscitadas por Ngugi wa Thiong’o eram na realidade de uma grande complexidade. Em primeiro lugar, acontecia que continuavam a ser ptoduzidas obras de todo o tipo nas linguas afticanas, utilizando escritas locais, em especial em américo na Etiépia, ou na escrita érabe, nomeadamente para textos em pular, em hauss4 e em swahili, ou ainda no alfabeto latino. Escritos a princfpio por missionarios ou administradores coloniais, os textos em alfabeto latino passaram gradualmente a ser produzidos cada vez com mais frequéncia por africanos letrados, e isto a partir do fim do século XIX, principalmente na Africa Austral, no Quénia, no Congo-Kinshasa e nas colénias britdnicas do golfo da Guiné. Mas havia também os “transmissores de testemunho” (Alain Ricard), desejosos e capazes de escrever nas suas préprias linguas e nas dos colonizadores, como o mestre do falar fula Amadou Hampaté Ba, o romancista ioruba Daniel Fagunwa, 0 abade ruandés Alexis Kagame e o malgaxe Jean-Joseph Rabearivelo. Na altura das independéncias, eram numerosos os exemplos de homens de Estado que desejavam provar a riqueza das linguas africanas e que se dedicaram a traduzir textos europeus famosos, como fez Julius Nyerere com pecas de William - 680 - Shakespeare (fiilio César; O Mercador de Veneza) e Cheikh Anta Diop, que traduziu para wolof a formulagao da teoria da relatividade de Albert Einstein. Em segundo lugar, a utilizagao pelos afticanos das linguas dos antigos colonizadores nao impediu a introducao de inovagées radicais, tanto nos dominios da criagdo literdria ou artistica como nos da producio intelectual e da erudicao cientifica. Os combates do pensamento e da ciéncia Neste dominio, os desenvolvimentos e os progressos mais notaveis de- ram-se na histéria e na filosofia, dois campos intelectuais intimamente associados ao processo de emancipacao. O verdadeiro nascimento da histéria como disciplina cientifica comegara com o que se poderia chamar “a geracao de 1956”, ano em que se viram varios universitarios africanos receber na Europa os seus titulos académicos mais elevados e que, sobretudo, deu simultaneamente a alguns jovens historiadores a oportunidade de suscitar a questo “do lugar e da fungdo da hist6ria numa Africa em emancipacao” na altura do Congreso dos Escritores e Artistas Negros, organizado na Sorbonne, pela revista Présence Africaine. Essa foi a geragao de J. F. Ade Ajayi, A. I. Akinjogbin, Adu A. Boahen, Saburi O. Biobaku, Onwuka K. Dike, Cheikh Anta Diop, Joseph Ki-Zerbo, Abdoulaye Ly, Djibril Tamsir Niane, Bethwell Ogot e varios outros. Participando no combate politico, apressaram-se a regressar a Africa para nela reencontrarem os poetas tradicionais e os tradicionalistas, bem como os historiadores de formagao islamica: foi a fecundagao original da ‘ripla heranca africana” (Ali Mazrui) — a heranga das tradicées, a heranga do isla, a heranga ocidental - que permitiu aos historiadores africanos, nao s6 questionar a historiografia colonial do continente africano, mas também e sobretudo supe- ré-la qualitativamente em todos os pontos. Para reforcarem cientificamente a sua postura anticolonial, comecaram por por em pratica técnicas e métodos inéditos, utilizando intensivamente as tradig6es orais, o cruzamento entre fontes escritas de origem drabe ou europeia ea antropologia hist6rica, a recolha no terreno de materiais arqueolégicos e de textos africanos escritos etc. Abriram-se novos terrenos de pesquisa, centrando a hist6ria da Africa na propria Africa, e nao ja nas relagdes dos outros continentes com a Africa, e tomando em consideracao “o ponto de vista africano” em todos ‘os fenémenos de contato entre a Africa e o mundo exterior. Assim foi construida uma histéria que evidenciava, com os argumentos mais bem fundados, uma Africa totalmente diferente da que constava dos manuais colonialistas: a frequéncia dos movimentos migratérios, atestando a abertura e a fluidez dos grupos humanos; a vitalidade dos Estados, reinos e impérios; a intensidade da circulagao das mercadorias, pelo “comércio a longa distancia”, mostrando procedimentos de integragdo em vasta escala; a existéncia de uma longa “tradicao de resisténcia”, cuja tiltima fase, a do nacionalismo, havia derrubado os regimes coloniais. - 681 - Qualificada de “nacionalista”, essa historiografia comportava no entanto duas orientagdes muito diferentes. Por um lado, emergiu aquilo a que se pode chamar uma “historiografia das origens”, de que o senegalés Cheikh Anta Diop foi sem diivida o fundador: esta historiografia insistia, com efeito, na “anterioridade” das civilizagoes africanas e no carater negro-africano do antigo Egito. Do outro lado, desenvolvia-se uma “historiografia dos processos”, representada por Joseph Ki-Zerbo e Onwuka Dike, cuja principal preocupacao no consistia em afirmar as origens antigas da Africa, mas em explicitar os processos mais diversos, verificaveis no plano da economia, da politica, das representacdes e das estratégias de dominacdo, que haviam gradualmente conduzido a Africa negra a situacdo em que se encontrava no século XX: simultaneamente, esta corrente insistia na continuidade das estruturas civilizacionais da Africa e sobre a permanéncia da resisténcia oposta pelos seus povos as intrusGes estrangeiras. Além disso, nos anos 1960 e 1970 assistiu-se ao nascimento de “escolas hist6ricas” que irradiavam a partir de alguns focos universitarios, em especial, Ibadan, Dacar e Dar-es-Salaam. Nesta espécie de revolugao vinda da Africa participaram também alguns europeus, como Michael Crowder, Basil Davidson, Thomas Hodgkin, Raymond Mauny, Jan Vansina ou ainda Ivor Wilks, que tinham sido atraidos para Africa por seu trabalho ou por seu engajamento ao lado dos nacionalistas. Um dos efeitos mais notaveis desta funda¢ao de uma historiografia africana foi o de ter influenciado também fortemente a abordagem da histéria africana fora da Africa, em especial nos antigos paises colonizadores e na América do Norte. Esta irradiacdo ficou patente no projeto sem precedentes desenvolvido pela UNESCO de reunir em torno de cientistas africanos todos os especialistas do mundo, a fim de elaborar uma Histéria Geral da Africa finalmente liberta de todos ‘0s preconceitos que a sobrecarregavam desde ha séculos. © “desencanto nacional” suscitou algumas inflexdes a partir dos anos 1970, marcadas pelo recurso as teses marxistas e por uma maior atengdo a “gente de baixo”, camponeses, trabalhadores, mulheres e jovens, os grandes ausentes da “historiografia nacionalista”. A crise das universidades e centros de pesquisa africanos, manifesta nos anos 1980 € 1990, arrastou consigo uma forte emigracao das competéncias africanas que, paradoxalmente, contribuiu para espalhar, muito para ld da Africa, os resultados da renovacao historiogréfica vinda do continente. Por seu turno, a filosofia nao escapou a este tipo de experiéncia. Com efeito, por um lado, a maioria dos especialistas europeus, apegados a ideologia colo- nialista ou associados como missionérios ou administradores 4 empresa colonial, tinham ou pura e simplesmente negado a propria ideia de uma “filosofia africana”, ou, pelo contrario, afirmado a existéncia de filosofias “africanas” ou de filosofias “étnicas” africanas, a exemplo do R. P. Placide Tempels, autor de uma obra, La philosophie bantue (1946), que veio a ter uma grande posteridade e cuja filiacao inclui varios autores africanos (R. P Alexis Kagame, La philosophie bantu-rwandaise de l'étre, 1956; Jean-Calvin Bahoken Clairires métaphysiques africaines, 1967; John Mbiti African Religions and Philoshophy, 1970). Por outro lado, muitos dirigentes - 682 - anticolonialistas, como Kenneth Kaunda, Kwame Nkrumah e o seu colaborador Willie Abraham (autor de The Mind of Africa, 1960), Julius Nyerere ou Léopold ‘Sédar Senghor, haviam declarado fundar a sua ag4o em “ideologias” e sobre essas “{deologias”, também chamadas “filosofias”, haviam escrito textos que, numa altura em que a Africa independente procurava definir a sua “identidade” e 0 seu lugar no mundo, desenvolviam teses e argumentagdes a que os primeiros contingentes de profissionais afticanos da filosofia, formados precisamente durante 0s anos 1960 e 1970, nao podiam ficar indiferentes. Esses pensadores africanos, como, por exemplo, Martien Towa (Léopold Sédar Senghor: Négritude ou Servitude?, 1971; Essai sur la problématique philosophique dans l'Afrique actuelle, 1972) e Stanislas Adotévi (Négritude et négrologues, 1972), mostraram-se logo de inicio muito criticos relativamente & negritude como a havia apresentado Léopold Sédar Senghor. Mas a critica mais radical tomou por alvo Placide Tempels, acusado de praticar “etnofilosofia”, ao postular que “a vis0 do mundo” de um grupo etno-linguistico africano, tal como a haviam estudado os etndlogos, representava precisamente, nem mais nem menos, a “filosofia” desse grupo. O trabalho fundador neste dominio foi sem diivida o livro de Paulin Hountondji — Sur la philosophie africaine. Critique de Vethnophilosophie (1977) que explicava que “a verdadeira filosofia comecava com 0s discursos explicitos produzidos por africanos”: longe de pré-existir ao ato consciente da formulagao individual, a filosofia africana continuava pois por criar. Combatido por alguns dos seus pares, acusado por seu turno de praticar “eurofilosofia” (Pathé Diagne, 1981) ao combater a “etnofilosofia”, Paulin Hountondji desbravou sem divida alguma © terreno em que os africanos filésofos e especialistas de filosofia continuaram a debater nos anos 1980 e 1990, tanto os “franc6fonos” como os “angléfonos”, como, por exemplo, Kwame Gyekye (An Essay on African Philosophical Thought: The Akan conceptual Scheme, 1987), Kwasi Wiredu (Philosophy and an African Culture, 1980) ou Anthony Kwame Appiah (In my Father House: Africa and the Philosophy of Culture, 1992). Os mestres da criagao: literaturas, artes e sociedades Poetas, novelistas, ensaistas, romancistas e cineastas, os mestres da criagdo gozavam aparentemente de maior liberdade de movimentos, pois tinham toda a latitude para imaginarem e inventarem temiticas, situacdes e personagens. No entanto, todos eles herdavam uma histéria em que os seus predecessores tinham estabelecido relag6es estreitas com as suas sociedades. Nadine Gordimer (The Black Interpreters, 1973) resumiu a literatura africana a trés nomes de “classe internacional”: Léopold Sédar Senghor para a poesia, Chinua Achebe para 0 romance e Wole Soyinka para o teatro. A formula é eloquente, mas injusta e inexata No dominio dos romances, comecou por se assistir até cerca de 1967 a uma mistura de euforia, de otimismo e de esperanga, espelhados na obra LAventure ambigiie (1961) de Cheikh Hamidou Kane e nos primeiros romances de Chinua - 683 - Achebe e Ngugi wa Thiong’o. Mas breve veio a desilusao, que transparece bastante em Achebe (A Man of the People, 1966; Anthills of the Savannah, 1987), em Ngugi wa Thiong’o (Petals of Blood, 1977; Devil on the Cross, 1982) e, sobretudo, nos trés romances do ano de 1968: Les Soleils des indépendances (Ahmadou Kourouma), Le Devoir de violence (Yambo Ouologuem) e The Beautiful Ones Are Not Yet Born (Ayi Kwei Armah). Ilustrada com brilho no grande painel de Henri Lopes (Le Pleurer-rire, 1979), a critica das novas classes dirigentes foi o tema privilegiado dos anos 1970, a qual iamos encontrar também no teatro satirico e no cinema, com Xala de Sembéne Ousmane. JA visivel antes de 1980 em Angola (Pepetela, Yaka), em Mocambique (Luis Bernardo Honwana, Nés Matdmos 0 Cao Tinhoso) e na Nigéria (W. Soyinka, A Season of Anomy), 0 “romance do absurdo e do caos” teve o seu principal representante em Sony Labou Tansi que publicou a ritmo acelerado La Vie et demie (1979), L'Etat honteux (1981), L’Anté-peuple (1983), Je soussigné cardiaque (1984), Les Sept Vies de Lorsa Lopez (1985), Les Yeux du volean (1988), Moi, Veuve de I’Empire, Antoine m’a vendu son destin (1988). Os horrores do genocidio ruandés suscitaram por seu turno uma experiéncia original de escrita cruzada, nomeadamente em torno de Boubakar Boris Diop (Murambi. Le livre des assements, 2000). Embora mantendo-se em contato direto com as evolucées sociais e politicas, © género diversificou-se com a publicago de um ntimero crescente de textos que se enquadravam no género do romance de evasio, do romance de costumes e do romance regionalista. Uma das inovacées mais marcantes foi a emergéncia de escritas femininas, atentas ao lugar especifico das mulheres e as suas condigées: aps as figuras pioneiras da época colonial e dos anos 1960, as suas verdadeiras fundadoras, todas universitarias, foram, a partir de 1970, a ganense Ama Ata Aidoo (No Sweetness Here, 1970), as senegalesas Aminata Sow Fall (Le Revenant, 1970; La Gréve des Battu, 1979) e Mariama Ba (Une si longue lettre, 1980), a Zimbabuéana Tsitsi Dangaremba (Nervous Condition, 1988) e a queniana Grace Ogot. Na década de 1980 assistiu-se ao aparecimento de jovens autores africanos, nascidos na Europa ou que af fixaram residéncia, como Tierno Monenembo e Bolya Baenga, que, embora indo buscar os seus temas na Africa e “didsporas africanas”, renova- ram as referéncias estéticas, baralhando assim as normas, a ponto de a expresso “literatura africana” j4 nao espelhar a sua escrita Diferentemente do romance, a singularidade da poesia e do teatro proveio, por um lado, do fato de os criadores modernos terem ido colher matéria a fundos “tradicionais” muito ricos e, por outro lado, a poesia e o “populares” em linguas africanas terem conhecido por seu turno um vivo desenvolvimento, explorando esses mesmos “fundos tradicionais” juntamente com temas tirados das sociedades africanas contemporaneas: esse desenvolvimento deu-se especialmente nos paises, regides ou cidades em que se verificava uma grande vitalidade das linguas afticanas, como o lingala (Congo-Kinshasa), o haussé e o iorubé (Nigéria), 0 swahili (Africa Oriental), 0 wolof (Senegal), o kinyarwanda, o kirundi (Ruanda, Burundi) ou o fulfulde (Africa do Sahel). - 684 - No dominio da poesia, o século XX foi seguramente, nas antigas colénias francesas, “o século de Senghor” (Alain Ricard): com efeito, apés os Chants d’Ombre (1945) e até as Elégies majeures (1979), Senghor fixou tanto os temas como os ritmos da poesia escrita africana. A seu lado, os “poetas da antologia” (Anthologie de la nouvelle poésie négre et malgaxe, 1948), Aimé Césaire, Léon Gontras Damas, Birago Diop, David Diop e Jacques Rabemananjara fundaram uma poesia da negritude que dominou o periodo da marcha para a independéncia, tendo a geragio seguinte, encarnada por Edouard J. Maunick, Bernard Dadié, Lamine Diakhaté, Paulin Joachim e Francisco N’Ditsouna prolongado a ambi¢ao por meio de obras encantatérias que visavam reafirmar a “presenga africana” no mundo. A influéncia dos poetas da negritude foi também grande nos territérios portugueses. Se as primeiras obras poéticas conhecidas foram compostas no final do século XIX pelo santomense Costa Alegre e pelo angolano Joaquim Dias Cordeiro da Matta, nao esquecendo o brasileiro Gongalves Crespo, nos anos 1930 registrou-se a eclosio do nativismo cabo-verdiano, que deu origem a revista Claridade (1936) precedida por Arquipélago (1935) de Jorge Barbosa. O impulso decisivo dos angolanos veio da geracao que, combinando a luta politica e o renascimento cultural se envolvera em dois importantes movimentos nascidos em Angola, Vamos Descobrir Angola e Novos Intelectuais de Angola, publicando em Lisboa, na revista Mensagem, érgio da Anangola (Associa dos Naturais de Angola, titulo recuperado em Lisboa pela CEI, Casa dos Estudantes do Império) os poemas de Agostinho Neto, Mdrio de Andrade e Thomaz Viriato da Cruz. Partindo de Angola essa renovacio alcanga Cabo Verde com Amilcar Cabral, assim como os autores de S. Tomé e Principe, Marcelo da Veiga, Francisco José Tenreiro e Alda do Espirito Santo, e os de Mocambique, os poetas José Craveirinha, Noémia de Sousa e Marcelino dos Santos. Estes tiltimos foram buscar inspiragao suplementar na miisica negra americana e nas obras de Paul Robeson e Langston Hughes, eles também empenhados na luta politica nos Estados Unidos da América. O movimento da negritude nao tocara os territérios britanicos: Kwame Nkrumah, autor de poemas politicos e promotor dos poetas ganenses, opusera-se a negritude com tanta forca como Wole Soyinka se opusera a Léopold Sédar Senghor. A primeira geracao dos poetas nigerianos, Christopher Okigbo e Soyinka, tornou-se conhecida por “uma poesia erudita, inclusive hermética” (Alain Ricard), que nao sobreviveu A guerra de Biafra, na qual Okigbo perdeu a vida. Uma nova geracao afirmou-se a partir dos anos 1980, em torno de Niyi Osundare (prémio da Commonwealth em 1986, prémio Noma em 1990), cuja poesia se pretendia menos académica. Quanto ao teatro, o seu desenvolvimento originou frequentemente debates como 0 que opés Ngugi wa Thiong’o ao escritor tanzaniano Ebrahim Hussein nos anos 1980: 0 teatro africano, como arte, estaria contido nas dangas, paradas de mascarados e rituais “tradicionais” (Ngugi) ou devia nascer de uma pratica artistica auténoma (E. Hussein)? Se é certo que o teatro “popular” emergiu gradualmente, em parte, dessas antigas formas artisticas, 0 teatro “moderno” nasceu durante o - 685 - periodo colonial das iniciativas mais diversas: atividades de estudantes na Escola Normal William Ponty; trabalho de artistas nos concert parties, nomeadamente na Gold Coast ¢ na Africa do Sul; especticulos apresentados nas igrejas e em que se misturavam miisicas, discursos e representag6es de atores. Nascidos no Togo com o nome de kantata, esses espectaculos floresceram durante os anos 1940 na Nigéria gragas a Hubert Ogunde, um artista crist4o que era simultaneamente um iniciado no culto do fa e participava nos grupos de teatro “tradicionais”. Os anos de independéncia foram em todos os paises dominados pelas pecas consagradas aos “heréis” do passado africano, Béatrice do Congo, Abla Pokou, Lar Dior, El Hadj Omar e, sobretudo, Chaka. Em contrapartida, as pecas diretamente associadas com a histéria que se ia fazendo, como Une Saison au Congo de Aimé Césaire, consagrada a Patrice Lumumba, e Nkrumah n’est pas mort de René Philombe, nao conseguiram criar raizes numa Africa cada vez mais dominada pelas violéncias politicas e partidos tinicos. Esta evolugao veio a confluir com a dos antigos territérios britdnicos. A escola de teatro fundada por Wole Soyinka em Ibadan tornou-se conhecida, no momento da independéncia, pelas pecas deste autor (The Lion and the Jewel € A Dance of the Forest), que punha em cena os conflitos entre a Africa “tradicional” a “moderna”, entre as geragées e as classes sociais. Na Africa Oriental, as obras de Ngugi wa Thiong’o (Quénia), que inicialmente foram publicadas em inglés e logo em kikuyu, e as de Ebrahim Hussein (Tanzania) em swahili, haviam de manter duradouramente uma dimensao militante e educativa que vamos encontrar também na Africa do Sul e nos outros paises da Africa Austral, sob forma clandestina, primeiro, e a luz do dia, seguidamente. Mas, por todo 0 lado, as pegas “populares”, quase sempre representadas nas linguas africanas em teatros privados, estatais ou associativos, e muitas vezes transmitidas nas cadeias de televisdo, conheceram um éxito imenso por, em comédias de costumes, ridicularizarem, nao s6 as classes dirigentes, mas também os costumes da aldeia, 0s curandeiros tradicionais e os pastores das novas igrejas cristds. Esses mesmos temas surgiram no dominio do cinema em que os afticanos tinham de inventar tudo. O cinema africano s6 apareceu apés 1960, em relagdes ambiguas com o cinema colonial: formados, na sua maioria, nas instituigdes ocidentais, os cineastas africanos apropriavam-se das técnicas dos seus colegas ocidentais e, muito mais raramente, soviéticos; paralelamente, os novos Estados tiraram proveito da reutilizacdo das técnicas de propaganda cinematografica elaboradas pelas poténcias coloniais; por tiltimo, as técnicas inovadoras do etndlogo e socidlogo Jean Rouch, mestre do “cinema direto”, que trabalhava na Africa desde a Segunda Guerra Mundial, inspiraram diretamente os realizadores africanos. Ao longo dos anos 1960, o desenvolvimento do cinema foi extremamente lento, apesar de obras fundadoras como Aouré, do nigeriano Mustapha Alassane, Borrom Sarret de Sembéne Ousmane (1963) ou La Neige n’était plus de Ababacar Samb Makharam (1965). Tornou-se necessario sem diivida nenhuma 0 apoio ativo dos Estados, inaugurado pelo Senegal no Festival Mundial das Artes Negras, - 686 - na Escola mente na e em que s no Togo s 1940 na mente um ". Os anos nsagradas ot, El Hadj ssociadas é Césaire, be, ndo violéncias ritanicos. onhecida, the Jewel & \dicional” Oriental, ublicadas 1 swahili, ativa que a Austral, or todo o africanas tidas nas costumes, da aldeia, afticanos | relacdes ituigdes s colegas s Estados tografica doras do alhava na lizadores mamente Alassane, Ababacar 0 apoio s Negras, em 1966, onde Sembéne Ousmane apresentou, com La Noire de..., a primeira longa metragem conhecida da Africa negra: alguns langaram festivais pan-afticanos que haviam de gozar de grande notoriedade, como as “Jornadas Cinematogréficas de Cartago” (1965), 0 “Simpésio do Filme Pan-Africano de Mogadiscio” (1981), a “Semana do Filme Africano” de Nairébi (1986) e, sobretudo, a “Semana do Cinema Africano” de Uagadugu (1969), que passou posteriormente a chamar-se Festival Pan-afticano de Cinema de Uagadugu (Fespaco, 1972). Fino observador da sociedade senegalesa contemporanea, Sembéne Ousmane, romancista e realizador cujos filmes descreviam sem complacéncia as contradicées da Africa contemporanea, pés-colonial e colonial (Le Mandat, 1968; Emitai, 1971; Xala, 1974) e da Africa antiga (Ceddo, 1976), imp6s-se como fundador do cinema na Africa. Foi a partir dos anos 1970 que a produgao cinematografica se estendeu primeiro a Africa Ocidental, tanto francéfona (com Désiré Ecaré e Timite Bassori, da Costa do Marfim, Souleymane Cissé, do Mali, Oumarou Ganda, do Niger, e Med Hondo, da Mauritania) como angléfona (com o nigeriano Ola Balogun) e muito mais tardiamente a Africa central. A Africa do Sul constitufa uma exce¢ao: nesse pais, o mais das vezes clandestinamente, alguns artistas militantes realizaram obras que denunciavam o apartheid como Come Back Africa. A partir do fim dos anos 1970, cinema africano foi entrando gradualmente no mercado mundial gracas ao ja veterano Sembéne Ousmane e a realizadores mais jovens como Cheikh Doukouré (Bako, l'autre rive, 1979), Souleymane Cissé (Le Vent, 1982, Yeelen, 1989) e Idrissa Ouédraogo (Tilai, 1990; Yaaba, 1989), provenientes na sua maioria de paises do Sahel (Burkina Faso, Mali e Niger). Com filmes coproduzidos na sua maioria com apoios estrangeiros, este cinema parecia no entanto corresponder mais as expectativas dos ptiblicos ocidentais do que a dos espectadores africanos. 3. Culturas populares e sociabilidades urbanas Paralelamente a estas obras elaboradas e produzidas pelas elites intelectuais ¢ destinadas a um piblico local ou estrangeiro relativamente privilegiado, as sociedades africanas aparecem como um terreno fecundo de experimentages permanentes e de invencdes mais ou menos esponténeas e mais ou menos duradouras. Mais do que qualquer outro espaco, a cidade é 0 lugar privilegiado dessas praticas culturais e sociais inovadoras, embora desde h4 muito tenha sido considerada de formas bastantes contrastadas. A sua origem muitas vezes colonial fez dela o simbolo das desilusées, frustracdes, privacdes e sofrimentos que o romancista camaronense Eza Boto (Mongo Beti) tao bem descreveu jaem 1954 em Ville cruelle. Mas a cidade afticana, arrastada num crescimento vertiginoso misturando no seu cadinho residentes de todas as condicdes e de todas as origens, arrebatada pelo ritmo ofegante da economia de mercado, apresenta-se também como um laboratério de produces miltiplas e inesperadas. Nao é por acaso que os colonizadores e depois os Estados independentes nela multiplicaram, - 687 - sem éxito, alids, as tentativas de enquadramento e as medidas de controle. Nao sem crises (desemprego, fragmentacao das células familiares, delinquéncia etc.), a cidade foi e continua a ser o pélo privilegiado em que se elaboram sociabilidades inéditas que combinam a rejei¢ao do Estado, ou mesmo a contestago dos poderes estabelecidos, ¢ a integracdo dos individuos com base em comunidades reais ou imagindrias, existentes ou a criar, seletivas ou largamente abertas. a. Piedade e redes religiosas Um primeiro exemplo dessas sociabilidades novas, exemplo que se tornou clssico, ¢-nos dado pelas religides cuja andlise mostra como os processos sociais gerados pela rapidez da urbanizacio impuseram formas, expressdes e ritmos inéditos a dinamicas e praticas religiosas frequentemente muito antigas As interrogacées do cristianismo A evoluco paradoxal dos cristianismos africanos ilustra bem essas recom- posigSes permanentes do universo religioso. No momento das independéncias, existiam na Africa — salvo na Etiépia, em virtude da sua histéria religiosa muito particular — dois tipos de cristianismo: em primeiro lugar, aquilo a que poderiamos chamar as igrejas estabelecidas, a catélica e as protestantes, provenientes da inicia- tiva missionaria, reconhecidas e muitas vezes auxiliadas pelos poderes; a seguir, 0 cristianismos negros, nascidos dos messianismos e dos profetismos anticolo- niais. Esses dois cristianismos foram diversamente afetados pelas mutacdes da Africa contemporanea. A julgar exclusivamente pelos documentos periodicamente publicados pelo Simpésio das Conferéncias Episcopais da Africa e Madagascar, ficar-se-ia com a ideia de uma cristandade em grave crise e em constante recuo. E verdade que nao faltam indicadores dessa crise. Cristios ou nao, os intelectuais negros continuam a censurar o cristianismo por uma espécie de duplo pecado original: primeiro, o fato de se ter instalado na Africa por meio da violéncia, associando- se, voluntaria ou involuntariamente, a todas as espoliagdes e violéncias de que © continente foi vitima; em seguida, o eurocentrismo que continua a marcar a sua mensagem. Por essa razo, como constata Achille Mbembe (1985), “a moral crist, as atitudes e os comportamentos induzidos pelo cristianismo [...] sao percebidos, questionados e remetidos de novo para os locais onde sao elaborados como outras tantas bugigangas destinadas a domesticar a consciéncia dos negros”. De onde a voga, nomeadamente entre as elites politicas, das confrarias e sociedades secretas europeias ou asidticas. Essa constatacao est porém longe de dar conta de realidades muito complexas. J4 nos inicios dos anos 1950, os clérigos africanos procuraram demarcar-se da heranga missiondria e esse movimento de ruptura permanece muito vigoroso sob a batuta, nomeadamente, de padres camaronenses'. - 688 - Se é certo que, até agora, o aggiornamento das igrejas afticanas se preocupou sobretudo com questées espirituais e rituais, também se viram membros do clero empenhar-se ativamente numa reflexdo audaciosa consagrada aos problemas temporais da Africa atual: é 0 que se passa, por exemplo, com 0 camaronense Jean-Marc Ela, cujos trabalhos (L’Afrique des villages, 1982; La Ville en Afrique noire e Ma Foi d’Africain, 1985) so uma espécie de “teologia da libertacao” em embrido. Os exemplos do Monsenhor Neves em Angola, do Monsenhor Albert Ndongmo nos Camarées, do Monsenhor Joseph Malula em Kinshasa e do Monsenhor Desmond Tutu na Africa do Sul ilustram essa vontade, sem dtivida mais individual do que coletiva, de participar ativamente nos debates e nas lutas politicas. Por tiltimo, alicergadas na sua organizacao e numa indiscutivel riqueza material, as igrejas cristas da Africa nao hesitaram em erguer-se como anti- modelo face aos Estados e regimes pés-coloniais e conseguiram desempenhar © papel inédito de mediadores e de garantidores em processos de transigd0 democratica téo diversos como os do Benim, Gabao, Congo e Zaire. Em contrapartida, na sua maioria, os profetismos e igrejas sincréticas da era colonial deixaram que a sua mensagem politica se empobrecesse e, por vezes, foram a ponto de se identificarem com os despotismos neo-coloniais, como aconteceu com o aparelho kimbanguista no Zaire. Se é certo que a sua dimensao propriamente religiosa se manteve, o seu prestigio veio-lhes sobretudo do desenvolvimento de praticas terapéuticas nas suas fileiras. Assim, por exemplo, no interior da igreja harrista nasceu a Comunidade Terapéutica de Bregbo, por iniciativa do profeta Albert Atcho. Fundada por volta de 1948, esta comunidade tornou-se conhecida sobretudo a partir dos anos 1960 gracas as curas praticadas pelo profeta e a festa de 1° de novembro. Simultaneamente exorcista, curandeiro tradicional e profeta, Albert Atcho criou & sua volta uma verdadeira “rede da 4gua”, que agrupava na baixa Costa do Marfim e no Gana “chefes de 4gua” e “membros de agua” que receberam dele, com a gua miraculosa especialmente preparada, o poder de curar doencas benignas. A festa organizada desde 1° de novembro de 1948, atrai tanto as pessoas do povo como as mais altas personalidades do Estado e tornou-se uma “espécie de institui¢ao nacional da baixa Costa do Marfim” (Colette Piault), desempenhando um triplo papel: o de uma “assembleia politica em que se vé afirmada a unidade nacional e confirmada a autoridade do chefe de Estado”; o de ima “assembleia de aldeia, realizada numa pequena aldeia, em que se reinem as. pessoas vindas das outras terras [...] e que da s gentes do mato a possibilidade de se encontrarem entre si fora da atmosfera estranha das cidades e dos centros administrativos”; e, por fim, a de uma “assembleia religiosa”, a tinica assembleia regular da igreja harrista, que “permite afirmar 0 poder do seu clero, reforcar a sua coesdo, uniformizar os seus rituais e crencas”. Estas miiltiplas dimensdes, nas quais a terapia ocupa um lugar central, encontram-se também nas igrejas proféticas que a Africa viu se multiplicar desde os anos 1960. - 689 - O novo despertar do isla africano Quanto ao isla, uma leitura essencialmente politica e manifestamente redutora viu nele o empenhado, ou mesmo zeloso, “colaborador” da colonizagio, sobretudo nos territérios britanicos onde a administraco indireta era a regrae em. certas colénias da Africa Ocidental Francesa, como o Senegal. Nessa perspectiva, quando da independéncia, muitos paises de populac4o majoritariamente mugulmana nao hesitaram em optar por um Estado laico e alguns, em especial a Guiné de Sékou Touré e o Mali de Modibo Keita, partiram em guerra contra os chefes muculmanos acusados de serem defensores do “arcaismo”, representantes do “feudalismo” e “lacaios do imperialismo”. E notavel que, ja nos anos 1970, esses poderes ou os seus sucessores tenham adotado atitudes radicalmente opostas em face do isla. E que, contrariamente as convicgdes modernistas segundo as quais 0 “progresso” e o “desenvolvimento” da Africa arrastariam necessariamente consigo uma secularizagao da sociedade, o “isla negro” apresentava todos os sinais de uma religiao em pleno vigor e forte crescimento As miltiplas causas desse poder renovado devem ser procuradas nas di- namicas politicas, sociais e culturais préprias da Africa, e nao nos exemplos e incitagdes das outras partes da Umma nem também na mao diabélica de algum Estado petrolifero 4rabe. Assim, inimeros estudos de pormenor mostraram que, numa abordagem que privilegie a dimensio politica, a continua progressao do isla é um dos efeitos do “desencanto” subsequente & descolonizacao, tanto do “Estado demais” como da impoténcia do Estado e da hostilidade as praticas das classes dirigentes. O isla apareceu assim em primeiro lugar como a religiio popular por exceléncia, como a religiao dos pobres, das classes e categorias sociais excluidas do poder e da repartigao dos frutos da independéncia. Mas esté também associado a divisdo das classes superiores em segmentos antagénicos, como aconteceu no Mali, em que as querelas em torno da lingua de ensino (francés ou drabe) e da presenga ou auséncia de ensino religioso na escola ¢ a oposi¢ao entre a Unido Sudanesa-RDA e a Unido Cultural Mugulmana refletiam amplamente o conflito entre a burocracia do Estado e os comerciantes mugulmanos adeptos do wahhabismo. Por tiltimo, localmente, proclamando situar-se na continuidade das “guerras santas” do passado, o isla foi fermento dessas revoltas e desses confrontos populares que nao cessaram de agitar a Nigéria desde os anos 1960. Noutra abordagem mais atenta as relagdes sociais, é também claro que 0 isla se tornou uma das express6es mais fecundas das novas sociabilidades que se constituem em meio urbano. Ao papel jé antigo e sempre ativo do isla enquanto propiciador ou cimento da identidade “étnica”, por exemplo, entre os haussds € 08 ditilas, os chefes religiosos e os fiéis souberam acrescentar novas dimensoes: a de uma protegao social, material e afetiva 4 prova de fogo, em sociedades caracterizadas por uma grande inseguranga (no Senegal, segundo Christian Coulon, “ter um bom marabu é beneficiar de uma espécie de seguranga social”); ade uma sociabilidade de exclusio (para com os nao mugulmanos) e de integracdo (para com - 690 - todos os muculmanos) que tem como lugares, momentos e simbolos privilegiados a mesquita, 0 chefe religioso, as festas do isla, ou até o cha bebido em comum. ' A desforra do paganismo? Enquanto o cristianismo, os profetismos africanos e o isla tém em comum a sua hostilidade ao paganismo, este continua a gozar da adesao popular, sobretudo em meio urbano. As queixas antigas e reiteradas dos partidarios das ortodoxias contra a persisténcia de praticas pags no seio das religides reveladas € as campanhas recorrentes dos profetas contra os “feiticos” ha muito que vém provando o vigor das religides tradicionais da Africa negra. Mas a difusao destas assumiu tais proporcdes que houve quem falasse de uma “desforra do paganismo” (Abdou Touré e Yacouba Konaté). As investigagdes quantitativas muito apuradas realizadas sobre as praticas sacrificiais em Abidjan tiveram pelo menos 0 mérito de propor, mesmo se de maneira aproximada, a medida de um fenémeno de observaco corrente. Da anilise dos problemas que levaram os citadinos a praticar sactificios, ressalta que os principais motivos sao as dificuldades especificas da vida urbana: procura de um emprego ou de uma promogao ou da preservacao das fung6es ocupadas; preocupacées ligadas a escola, quer se trate de conseguir um lugar num estabelecimento, quer se trate de ser aprovado num dos numerosos t concursos que dao ritmo a vida dos estudantes; problemas de satide; mas também miséria afetiva, bruxaria etc. Todas as categorias sociais estao bem representadas na esmagadora maioria dos citadinos que confessam praticar sacrificios, com uma forte predile¢4o entre os comerciantes ¢ artesdos, a pequena-burguesia assala- i tiada, os desempregados, os estudantes, os homens politicos ¢ os desportistas. O sacrificio nao é praticado apenas pelos “pagaos”, pois que metade dos cristéos e dois tergos dos muculmanos reconhecem recorrer a isso regularmente: Quando o sacrificio pée em competi¢ao os deuses de cé e os deuses de fora, ocosta- marfinense ou o africano comecam por se voltar para o lado dos seus antepassados, divindades, génios, espiritos, sempre e ainda vivos, perto dos homens, ciosos dos seus abragos reciprocos, das idas e vindas, das reencarnacées. Depois, aderem aos deuses de fora, freqiientam as suas igrejas e mesquitas, pelas aparéncias, pelo status social. Dizem abertura e didlogo, deuses de cé e deuses de fora: nao escolhemos 0s pais que temos, eles ai esto, para a etemnidade. Com 0 outro, dialogamos apoiando-nos nos nossos. (Abdou Touré e Yacouba Konaté, Sacrifices dans la ville. Le citadin chez le devin en Céte d'Ivoire, Abidjan, Editions Douga, 1990, p. 51). No entanto, h4 que ndo interpretar estas atitudes como regressos a uma qualquer “tradigéo”: com efeito, a cidade impoe metamorfoses de toda a espécie as antigas praticas religiosas, mas estas, por seu turno, operam uma assimilacao original da urbanidade e uma sacralizaco inesperada do espaco urbano. | - 691 - b. A musica moderna Por “mtisica moderna” devemos entender essa miisica de danca, sincrética na sua origem, reconhecida hoje como “africana” e que combina elementos europeus e americanos (a escala, certas harmonias ¢ instrumentos) com elementos africanos. Essa miisica constitui o exemplo perfeito de um produto cultural de massas, associado a sociabilidades particulares, como constatava em Brazzaville © sociélogo Georges Balandier no inicio dos anos 1950: (Os cafés, que so umas cabanas como as outras em cujo chao se colocaram alguns bancos e mesas de madeira, tornam-se lugar de encontro~-em substituicdo desses abrigos dos homens que dominam a vida das aldeias — onde se retinem camaradas © amigos. A garrafa de cerveja e 0 copo de tinto substituiram a cabaga de vinho de palma, mas reconhece-se a mesma necessidade de estar junto, confiadamente. Contudo, aos sébados a noite e aos domingos, aftouxados os constrangimentos, 05 citadinos negros dio livre curso a sua fome de alegria, de libertagao corporal, de comunicagéo com outrem. Em todos os bairros, em torno dos batuques que mantém temas folcléricos ou de orquestras improvisadas, as dancas nao param nunca. Os rufdos do bater dos tambores elevam-se por cima da cidade, trazendo consigo de quando em quando pedagos de reffdos. Lé ao longe, nos bairros europeus, instala-se o tédio dos domingos. (Afrique ambigué, Paris, Plon, 1957, p. 287). Antes de ser produzida em todos os paises africanos, esta miisica nasceu e desenvolveu-se em certos focos privilegiados, em especial na Gold Coast, sob a forma do highlife, e nos dois Congos, sob a forma da rumba Uma histéria antiga A histéria do highlife ganense, cujos primeiros éxitos antecedem de al- gumas décadas a emergéncia da rumba congolesa, é muito bem conhecida nas suas grandes linhas gracas aos trabalhos pioneiros de John E. Collins. A sua exis- téncia esta atestada desde finais do século XIX nos territérios fanti, onde varios fatores teriam contribufdo para o seu desenvolvimento: a influéncia das musicas estrangeiras (marchas militares, cangdes de marinheiros e cantos populares europeus, hinos religiosos etc.); a existéncia de uma clientela, a burguesia negra e mestica aculturada cujo nome e género de vida foram imediatamente associados a. essa misica (high life significa “alta roda”) e, por tiltimo, 0 fato de a assimilacao das influéncias estrangeiras ter transitado por intermediarios culturais negros, em especial os Kru da Libéria, que estavam instalados em grande nimero nos portos e tinham grande reputacao quer como marinheiros quer como guitarristas, e os negros das Américas. O papel decisivo destes iltimos, surgido com a instalagao da orquestra militar dos West India Rifles em Cape Coast, prolongou-se até os nossos dias, introduzindo sucessivamente nas cidades costeiras da Africa Ocidental os spirituals e os cantos de danga, e mais tarde o ragtime, o blues ¢ os ritmos afro- cubanos durante os anos 1920 e 1930, e, por tiltimo, a partir de cerca de 1950, - 692 - 0 calipso, o merengue, o chachaché, o pachanga, o rythm and blues, 0 twist, o soul, o reggae... Se 0 éxito do highlife, que foi imediato nos meios urbanos, foi tao rapido nas zonas rurais, tal deve-se ao fato de a nova miisica se adaptar muito bem as dangas e ritmos antigos: assim, por exemplo, a danga odonso, uma das varian- tes do highlife durante os anos 1920, nao era mais do que outro nome da danga aka odowe; para E. T. Mensah, “o rei do highlife” durante os anos 1950 e 1960 (J. E. Collins), 0 éxito do violao explicar-se-ia pela semelhanca com o seprewa, o alatide tradicional aka; a utilizagdo de instrumentos tradicionais pelas orquestras modernas e a associa¢do permanente da misica com a danga contribuiram para dar a estas novas misicas os tracos habituais e distintivos da africanidade, Além disso, a partir de 1950, mais ou menos, com a criag4o do Aka Trio por E. K. Nyame (1952), o pidgin, que era a lingua exclusiva do highlife foi sendo abandonado por alguns artistas em proveito da lingua aka, o que contribuiu para aproximar 0 highlife das classes populares urbanas: esse movimento foi acompanhado também nao propriamente por uma ruralizag4o dos conjuntos musicais (que continuavam instalados nas cidades), mas pelo menos por uma maior difusdo dessas formas musicais nas zonas rurais. A intensidade dos contatos entre a Gold Coast e as outras colonias britanicas da Africa Ocidental difundiu o highlife na Nigéria ja nos anos 1930 e, seguidamente, na Serra Leoa e na Libéria: a Africa Ocidental Francesa foi provavelmente tocada por intermédio das didsporas mercantil togolesa e administrativa daomense. Nesses diferentes paises que conheciam também formas de musica moderna, o highlife transformou-se por seu turno a ponto de a partir de 1970, a Nigéria, sobretudo gragas a Fela Anikulapo Kuti e A sua misica, o afro-beat, ter conquistado 0 papel de vanguarda até entao reconhecido ao Gana. A historia da rumba congolesa apresenta muitas particularidades relati- vamente a do highlife. Se este surgiu no seio da burguesia fanti antes de se tornar popular, a rumba congolesa foi desde inicio coisa de classes populares atraidas em massa para as cidades coloniais pela industrializag4o. Esta misica sofreu também a influéncia das modas de outras regides da Africa: antes de tudo, as de Angola, cujos emigrantes deram muitos musicos que se afirmaram no Congo, a exemplo de Oliveira nos anos 1940 e Sam Mangwana apés as independéncias; seguidamente, e sobretudo, as da Africa Ocidental levadas pelos coastmen que iam em busca de promogio social, em especial pelos kru boys e pelos clerks (empregados de escritério) da Gold Coast, do Togo, do Daomé ou da Nigéria, muito procurados antes da Segunda Guerra Mundial. © desenvolvimento da rumba corresponde também a uma necessidade de autonomia, ou inclusive a uma vontade de resisténcia em face dos poderes coloniais, que tinham como politica, j4 desde antes da Primeira Guerra, orientar e controlar os lazeres dos negros. Nas duas margens do Congo, os missionarios, com o incentivo da administracao, esforcaram-se por reativar as praticas culturais “tradicionais” (no Congo belga, durante muito tempo, s6 se toleravam as dangas e lutas tradicionais como atividades de lazer semanais) e desenvolver as que, vindas - 693 - da Europa, eram compativeis com os condicionalismos do trabalho assalariado (em 1913, os Padres do Espirito Santo criaram em Brazzaville um Clube de Jovens com a ambicSo de difundir a pratica do futebol). Paralelamente a estes lazeres sob vigilancia, assistiu-se 4 multiplicagéo dos “Congo bares”, lugares de uma sociabilidade essencialmente masculina e fundada em relagGes de trabalho ou de vizinhanca e em gostos comuns. E de notar também que a lingua privilegiada da rumba congolesa tenha sido j4 desde 1940, ao que parece, o lingala. Este, que comegara por ser a lingua do comércio fluvial antes da colonizagao, fora recuperado pelos belgas que fizeram dele a lingua da Forca Publica, isto é, a lingua da repressio: a associaco do lingala a rumba, em contrapartida, consagrou-o como lingua dos prazeres da vida e foi, mais do que uma reapropriagao, uma verdadeira subversio. Deve-se a Sylvain Bemba ter clarificado a cronologia algo confusa das lin- guagens musicais do Congo. Os primeiros Congo Bars, estabelecimentos perma- nentes, teriam surgido no inicio dos anos 1930 e teriam adotado imediatamente a rumba (danca introduzida, ao que parece, em Cuba por escravos da Africa Central, sendo que a palavra rumba pode ter tido como origem a palavra kongo nkumba, “umbigo”), que conhecera o triunfo na Exposi¢ao Internacional de Chica- go (1932). O seu desenvolvimento acelerado apés 1940 dever-se-ia 4 conjungao de varios fatores: a existéncia de poderosos meios de difusdo, em especial a Radio-Brazzaville, a antiga estacao da Franga Livre; a emulacao entre os grandes centros urbanos, em especial entre Kinshasa e Brazzaville; o casamento feliz entre 08 artistas congoleses e os “brancos de segunda” de Leopoldville. Com efeito, a colonizagao reservara ao capitalismo belga e aos seus aliados anglo-americanos os setores mais lucrativos da economia (minas e plantag6es), tendo confiado 0 comércio de retalho, que receava entregar a iniciativa dos africanos, aos “brancos de segunda”, portugueses e gregos. Estes viviam no limite da cidade europeia e das cidades africanas ou entre os negros, dos quais partilhavam os prazeres e os lazeres. Foram esses gregos (Moussa Benatar, os irmaos Papadimitriou, Antonépoulos etc.) que fundaram em Leopoldville, a partir de 1937, as primeiras gravadoras de discos da Africa negra. A criatividade dos africanos fez o resto. Nos anos 1950 assistiu-se A criacao dos grandes conjuntos profissionais: o African Jazz, com Joseph Kabasele e 0 “doutor” Nico Kasenda, em 1953; 0 OK Jazz, com Franco Luambo Makadi, em 1956; e, por tiltimo, em Brazzaville e com dissidentes das orquestras de Kinshasa, os Bantuus, em 1959. A rumba congolesa conheceu uma evolugio paralela 4 da sua homéloga no Gana: a partir dos anos 1970, comecou a perder terreno perante novos focos musicais de onde emergiram nomeadamente Pierre Akendegué, Alpha Blondy, Manu Dibango, Youssou Ndour ou ainda Salif Keita Linguagens miiltiplas As articulagdes entre estas miisicas e as sociedades globais afticanas so numerosas e revestem-se hoje como ontem de uma extrema complexidade. Ja nao 6 possivel rebaixé-las ao nivel infamante de uma série de ruidos ¢ furores noturnos - 694 - sem futuro, como faziam anteriormente os poderes coloniais. Nao poderemos também fazer dessas mtisicas 0 espelho perfeito da sociedade ou a expresso mais adequada das aspirag6es populares. E que nelas misturam-se, em propor¢des variéveis conforme os artistas e as épocas, a febre dos prazeres urbanos, o culto da elegancia, o retrato dos costumes, a critica politica e a li¢do de moral. Desde o seu nascimento, a mtisica moderna andou associada aos prazeres da cidade: mikolo nyonso feti na feti (“todos os dias sao festas sobre festas”), clama um misico congolés. Neste contexto nasceu ou desenvolveu-se uma certa forma de urbanidade que se exprimia pelo culto da elegancia. Nos dois Congos, os bares eas orquestras tinham uma clientela privilegiada, as das associacdes de elegantes com nomes significativos, como Melocongo, Estrela Juventude, Opereta Brazza, os Dandys, os Duques, os Existos ou Record da Alegria, para nos cingirmos & Brazzaville do periodo 1945-1950, “cujo valor central era sempre o vestuario, a roupa de classe”, segundo um testemunho da época. Eram sem diivida alguma 0s antepassados dos adeptos da SAPE (Sociedade dos Ambientadores e Pessoas Elegantes) dos anos 1980 e 1990. Ha interpretagdes contraditérias que veem nestes fenémenos coisas muito varidveis: procura da seducao e do prazer; vontade de reabilitagao social; recurso sistemdtico 4 zombaria em sociedades que exaltam o trabalho, os valores morais ou a exceléncia das ideologias (nado, desenvolvimento, socialismo etc.) Desde 0 inicio da misica moderna, o amor foi sempre um grande tema, simultaneamente privilegiado e mais explicito, embora, ao longo de quase um século, seja possivel apurar tendéncias e variantes regionais. O reportério das cang6es congolesas, um pouco mais estudado do que o do highlife, evidenciou uma riqueza incomparével nas concepgdes do amor. Desde a origem, a musica congolesa exprimiu com rara fineza o desequilibrio do sex ratio, caracteristica das cidades coloniais da Africa Central até meados dos anos 1950. Trazidos a forca, uns, atraidos, outros, pelas perspectivas do mercado de trabalho ou pela maior liberdade concedida aos individuos em compara¢ao com a vida das aldeias, os homens eram muito mais numerosos do que as mulheres nessas cidades. Assim, houve alguns decénios em que a nde umba (“jovem”, “mulher solteira”, e depois “mulher livre” ¢, finalmente, “prostituta”) foi rara e, por conseguinte, muito procurada, ou até inacessivel, mantendo com os homens essas relagdes t40 ambiguas, baseadas simultaneamente na paixdo, na suspeita e no édio, caracteristicas da “guerra dos sexos” (Claudine Vidal) presente na maioria das cidades africanas. O contetido politico da mtisica moderna aparece simultaneamente rico e muito diverso. Nao faltam os exemplos de cang6es, de cantores ou de orquestras politicamente engajados. Kwame Nkrumah foi provavelmente o homem politico que melhor soube atrair a si os artistas e explorar a imprevista eficacia da cancao moderna. Os éxitos eleitorais e politicos de Nkrumah muito deveram a intima associacdo entre o seu partido, o CPP, e varios conjuntos musicais, como o Axim Trio, Akan Trio, Ghana Trio, Farmer’s Brigade Band e a Worker's Brigade Band. Em 1950, quando ele foi preso, 0 Axim Trio encenou uma pega ¢ publicou uma - 695 - cangao em pidgin com o titulo Kwame Nkrumah nunca hd-de morrer e, no ano seguinte, apés a sua libertacdo, o Akan Trio fez o mesmo com Kwame Nkrumah, 0 homem de honra e o heréi. Se & certo que os misicos participaram ativamente na elaboragéo do mito de Nkrumah, este teve o cuidado de proteger os artistas e de multiplicar as medidas capazes de os proteger da exploracao das gravadoras, nomeadamente encorajando a criagio da Ghana National Entertainments Association (1960) ¢ da Ghana Musicians Association (1961). As relacées privilegiadas entre Nkrumah e os misicos prolongaram-se para muito além da sua queda e da sua morte: em 1974, 0 governo saido do golpe de Estado teve de proibir Kanana, uma cangio de King Pratt e da African Revolution que punha em miisica os ditos e os slogans de Nkrumah. Situacdes andlogas surgiram nos dois Congos, apesar de a respectiva miisica ter reputagao de ser mais festiva: enquanto Joseph Kabasele foi identificado ao projeto nacionalista e pan-africano de Lumumba na sequéncia de Indépendance Cha Cha e de Bana ya Afrika (Os Meninos da Africa), Franco foi associado ao regime mobutista, embora no se furtasse a tracar dele retratos pouco lisonjeiros. De maneira geral, a sujei¢ao dos talentos, caracteristica das ditaduras pés-coloniais, traduziu-se pela criacao de orquestras e a difusdo de cangées devocao dos “pais fundadores” da naga. Em reacio, a oposi¢do, por seu turno, encontrou na musica popular um suporte ideal, como evidenciam a violéncia das cang6es de Fela Anikulapo Kuti contra os Gentlemen e as Ladies, a corrupgao e as suas proprias relagdes tempestuosas com os poderes nigerianos. Do mesmo modo, na Africa do Sul, a luta contra o apartheid nao deixou de beneficiar do exilio e das composigdes comprometidas de uma Miriam Makeba ou de um Abdullah Ibrahim (Dollar Brand, na época) No entanto, a situag4o mais frequente é a da cangao que trata das transfor- magGes aceleradas da sociedade e dos novos comportamentos dos homens no poder. A formagao das classes e o endurecimento das clivagens sociais, tal como se mani- festam na corrida ao dinheiro e na competicao pelas mulheres, tornaram-se assim um tema de primeiro plano da misica africana desde as independéncias: Porque é que um homem que enriqueceu Troca de amigos...? Quando eram infelizes comiamos juntos Quando eram pobres bebfamos juntos Hoje tiveram sorte E repelem-nos, a nés, os pobres. (Mandola, por Lutumba e 0 OK Jaz, 1981.) Um ganhou dinheiro com 0 suor do rosto.[...] © outro encontrou uma heranga na familia [...] Este sactificou os seus pela bruxaria [...] Aquele, um escroque, pilhou as caixas do Estado. (Mbongo [isto é, 0 dinheiro], por Lutumba e 0 OK Jazz, 1979.) - 696 - E de notar também que as aspiragdes unitarias e os temas recorrentes do pan-africanismo, caidos em desuso entre os homens politicos, tenham sido sustentados a partir dos anos 1960 pelos misicos de todas as partes do continente. B. O recome¢o dos processos pan-africanos Institucionalizando-se na QUA, o pan-afticanismo perdera gradualmente um pouco da sua forca de irradiagao, em paralelo com as dificuldades e os fracassos desta instituigo. Mas a ideologia pan-africana manteve-se vivaz tanto em certos homens de Estado e na maior parte dos intelectuais como em amplas camadas da populacao, em especial nos jovens, cujas reivindicagdes em prol de um reforco das estruturas unitdrias encontravam eco em muitos artistas. A evolucdo das condigées sociais e das mentalidades nas didsporas antigas e recentes de origem africana contribuiu fortemente para essa reativacdo, para a qual apontava também a tomada de consciéncia dos novos desafios com que se via confrontada a Africa nos anos 1990. 1. Trabalho de meméria e reivindicagées sociais Paralelamente as investigagdes dos especialistas, um muito complexo trabalho da meméria nao cessou de agitar as sociedades africanas apés as independéncias, sem diivida em relacio com as desilusées nacionais, muito visiveis nos anos 1980, e com a acao de certos homens de Estado que retomavam Por sua conta os temas privilegiados do pan-afticanismo, mas também com © rejuvenescimento da populacao, que multiplicava 0 niimero de jovens impacientes de saber e de compreender e receosos de uma “assimilagao” ¢ de uma “ocidentalizacao” associadas a “globalizac4o”. Os questionamentos em torno do passado da Africa e, mais em geral, do passado dos negros giravam em torno dos momentos e processos que ja haviam atraido a atencao dos primeiros pan- africanos: a colonizacdo, o trafico negreiro e a escravatura dos negros, e, por tiltimo, as origens da Africa e o seu lugar na histéria da humanidade. Em 1984-1985, 0 centésimo aniversério da Conferéncia de Berlim deu lugar a intimeras reunides ¢ debates apaixonados sobre a partilha da Africa pelas poténcias europeias e sobre a necessidade de os africanos voltarem a coser 0 tecido dos seus territérios para poderem seguir em frente O capitéo Thomas Sankara, que entre 1983 e 1987 dirigiu o Burkina Faso, ostentava um radicalismo anti-imperialista e uma vontade pan-africana nos quais muitos reconheceram as posigdes de Kwame Nkrumah: Sankara suscitou © entusiasmo dos intelectuais e dos jovens ao lancar a ideia de um Instituto dos Povos Negros, que s6 foi criado apés a sua morte, o qual teria por missio repensar e conduzir a luta pela unidade africana. Por miltiplas razées, a questo da escravatura foi ganhando amplidao para se tornar uma espécie de lugar comum - 697 - nas consideragdes sobre as causas das dificuldades da Africa contemporanea. Isso deveu-se a principio ao trabalho impressionante (de vocagio turistica mas também pedagégica) feito em Gorée, apresentado a um ntimero cada vez maior de visitantes como ponto de passagem do odioso tréfico multissecular dos seres humanos: repercutido pelo enorme éxito da saga do escritor afro-americano Alex Haley, Roots (Raizes), o “fenémeno Gorée” e, com ele, a escravatura dos africanos assumiram a dimensio de um dos momentos mais importantes da historia mundial com a visita do Papa Joao Paulo II que, em 1992, visitou Gorée para estigmatizar 0 “crime odioso” e pedir perdao a Africa. Os anos de 1990 viram também varios homens de Estado de primeiro plano, em especial 0 nigeriano Moshood Abiola € 0 beninense Nicéphore Soglo, ambos campeées da luta pela democracia nos seus paises, apoderar-se da questo do trafic negreiro, impor o problema das reparagdes devidas a Africa e levar o debate ao conhecimento das camadas populares. A “Rota do Escravo”, do nome de um projeto internacional adotado pela UNESCO a pedido dos Estados africanos, tornou-se um tema mobilizador que levou todos os Estados costeiros a identificar os “locais de meméria do trafico” ea lancar neles programas de restauracdo. Nao foi por acaso que um dos éxitos musicais mais impressionantes e carregados de sentido desse periodo tenha ido beber plenamente no registro dos temas pan-africanos, ou mesmo pan-negristas, alguns dos quais remontavam ao tempo do trafico negreiro transatlantico e outros a época colonial (documento 101). Documento 101: “Nakomitunaka” (Pergunto muitas vezes) jo paro de perguntar Nao paro de perguntar Meu Deus, nao paro de perguntar Meu Deus, nao paro de perguntar Donde saiu a pele negra Donde saiu a pele negra Quem é 0 nosso primeiro antepassado Jesus, 0 filho de Deus, é branco Adao e Eva so brancos Todos os Santos s4o brancos Porqué Nao paro de perguntar N&o paro de perguntar Meu Deus, nao paro de perguntar | Meu Deus, nao paro de perguntar __Naigreja reparamos nisto As imagens de todos os Santos mostram brancos Todos os anjos sao brancos Se € 0 Diabo, a imagem representa um negro, hein Donde vem esta injustica Nao paro de perguntar Nao paro de perguntar - 698 - Meu Deus, nao paro de perguntar Donde veio a pele negra Donde veio a pele negra 5 colonialistas assim nos enganaram As estatuetas dos nossos antepassados, rejeitam-nas Os medicamentos indigenas, rejeitam-nos Mas na igreja reparamos Oramos, de rosario na mao Oramos, na igreja cheia de estatuetas Mas essas estatuetas sé representam brancos Porqué, meu Deus. | Meu Deus, nao paro de perguntar Nos, nés acreditamos nos profetas brancos | Mas eles nao acreditam nos profetas negros Porque nos criaste assim, meu Deus, A Africa vé muito bem Africa, j& ndo podemos recuar. Meu Deus, nao paro de perguntar Donde veio a pele negra Donde veio a pele negra Quem € 0 nosso primeiro antepassado Jesus, 0 filho de Deus, é branco Adao e Eva sao brancos Todos 0s Santos so brancos Porqué, meu Deus. Meu Deus, nao paro de perguntar |_Nos, nés acreditamos nos profetas brancos Mas eles nao acreditam nos profetas negros | Porque nos criaste assim, meu Deus, © antepassado de nés negros onde esta A Africa vé muito bem |_ Africa, ja nao podemos recuar. Fonte: Verckys, Orquestra Vévé, 1971, A partir dos anos 1970, assistiu-se também a uma redinamizacao dessas miltiplas redes transcontinentais nas quais 0 pan-africanismo nascente de finais do século XIX ¢ inicios do XX encontrara os seus militantes mais ativos. Comecou ela por provir das antigas “didsporas” de além-Atlantico, descendentes da escravatura e exprimiu-se plenamente nos Estados Unidos da América: sob a autoridade de personalidades influentes, como o pastor Sullivan e Andrew Young, e sob o impulso combinado de intelectuais pan-africanistas e de homens de negécios afro-americanos, organizaram-se “cupulas africanas/afro-americanas” em varios paises da Africa, que ofereceram oportunidades aos homens de negécio negros americans; ao mesmo tempo, a difusao do afrocentrismo —a abordagem da hist6ria e das evoluges contemporadneas da Africa e das outras partes do mundo tomando a Africa como “centro” ~ encontrava eco nas classes médias e popula- res negras americanas e reatualizava o seu interesse pelo continente africano. Em virtude das suas antigas interaces com a Africa, Brasil e os paises do Caribe, em especial Cuba, a Jamaica, Guadalupe e a Martinica, nao tiveram dificuldade em se reconhecer nesses argumentos renovados do pan-africanismo. Assim, nos anos - 699 - ee 1970 e 1980, o rastafarismo do cantor jamaicano Bob Marley nao se contentava com exaltar a resisténcia dos negros 4 escravatura e a exemplaridade da Eti6pia: celebrava também a emancipacao do Zimbabwe e apelava aos africanos para que se unissem para sempre. Em reacio, os artistas africanos come¢aram por seu turno a invocar a solidariedade com as Américas negras (documento 102). Documento 102: “Afriki” (Africa) segundo Alpha Blondy “Sam! Incendeie meu rabo Valai ai ai! } Deixamos a Africa negra | Para ir dar uma volta Eis-nos em Montego Bay, Kingston, Jamaica Para onde quer que eu olhe, vejo diulas Para onde quer que eu olhe Para onde quer que eu olhe, vejo bétés Para onde quer que eu olhe Para onde quer que eu olhe, vejo baulés Para onde quer que eu olhe Para onde quer que eu olhe, vejo asantes Para onde quer que eu olhe A Jamaica é a Africa! (5 vezes) De madrugada deixamos a Africa negra Para ir dar uma volta Eis-nos em Montego Bay, Kingston, Jamaica Para onde quer que eu olhe, vejo fulas Para onde quer que eu olhe Para onde quer que eu olhe, vejo baulés Para onde quer que eu olhe Para onde quer que eu olhe, vejo burkinabés Para onde quer que eu olhe Para onde quer que eu olhe, vejo wolofs Para onde quer que eu olhe A Jamaica é a Africa! (5 vezes) Para onde quer que eu olhe Para onde quer que eu olhe.”” | (Konaté, ¥. Alpha Blondy. Reggae e sociedade na Africa negra, Abidjan-Paris, CEDA e Karthala, 1987, p. 173). Mais inesperadas, manifestaram-se também reivindicagées identitarias fortes em varios Estados latino-americanos, como a Venezuela, a Colombia © Peru, onde os descendentes dos antigos escravos vindos da Africa, e durante muito tempo marginalizados, conseguiram ser reconhecidos como “comunidades” de pleno direito nas tiltimas décadas do século XX. Mas as novas “diésporas”, provenientes das correntes migratérias contemporaneas, nao Ihes ficaram atras. Manifestaram-se sobretudo no territério das antigas poténcias coloniais, que haviam sido também os principais fornecedores da escravatura, como os Paises- Baixos, o Reino Unido, Portugal ou a Franca, cujo parlamento votou em 2001, na sequéncia dessa agitacao pan-africanista e em relag4o com esses debates sobre a - 700 - historia e a meméria, uma lei que qualificava o trafico negreiro e a escravatura como “crime contra a humanidade”. 2. — Antigos e novos desafios No momento em que os Estados e as sociedades africanas estavam envolvidos na espiral das lutas pela “democratizacdo” apareceram novos desafios que deveriam ser, impreterivelmente, levados em considera¢ao. O mais importante era, sem diivida, nao a multiplicagao dos conflitos, mas a sua natureza e gravidade em termos de perdas humanas, de deslocamentos forcados de populagées, de violagdes extensas dos direitos humanos, de danos causados ao ambiente e de pilhagem incontrolada de recursos. certo que as primeiras décadas das independéncias tiveram 0 seu quinh4o de afrontamentos violentos: guerras de libertacao; guerras fronteiricas; guerras civis, algumas das quais, em especial no Congo-Kinshasa, na Nigéria, no Uganda, no Chade, em Angola e em Mocambique, haviam sido muito mortiferas. O paradoxo era que, no momento em que a parte austral do continente, que antes parecia um barril de pélvora, encetava com éxito o fim dos conflitos, outras partes reentravam em situacao de conflito, como aconteceu no Chifre da Africa, na Africa Central e na regido dos Grandes Lagos, enquanto a Africa Ocidental, até entao relativamente Ppoupada, conhecia por seu turno esse tipo de estragos. (Ver documento 103) Com efeito, no fim dos anos 1980 e no inicio dos anos 1990, assistiu-se ao fim de determinados conflitos que todas as condi¢ées internas da Africa, nomeadamente a impoténcia da OUA, e exteriores ao continente, em especial a Guerra Fria, haviam contribuido para exacerbar: no Uganda (1986), na Namibia (1988-1990), na Etiépia (1991), em Mocambique (1992), e também em Angola (1991), pais no qual, contudo, os confrontos iriam recomecar. Varios fatores pareciam encorajar essas evolugdes pacificas: 0 maior interesse suscitado pelo sistema das Naces Unidas, a frente do qual iriam estar sucessivamente dois diplomatas africanos (Boutros Boutros-Gali e Kofi Annan), como meio de resolver 08 conflitos; o fim da Guerra Fria com o colapso do bloco soviético e, por fim, a reducio significativa, pelo menos no plano oficial, do trafico de armas destinado a Africa: 0 valor oficial total desse tréfico diminuiu de 13 121 milhées de délares (perfodo de 1985-1988) para 4 739 milhdes de délares (periodo de 1989-1992)’, Se, malgrado estas tendéncias, houve conflitos que eclodiram em novas regies € se agravaram noutras, foi por, precisamente, terem surgido novas condigées, africanas e internacionais, que contribuiam por outro lado para firmar a disten¢do em varios Estados do continente. Na Africa propriamente dita, essas condigdes eram miiltiplas: a continua deterioracao da situagdo econdmica; o agravamento das desigualdades e das tensdes sociais; o endurecimento da competi¢io politica ligado a abertura do espaco politico; a instrumentalizagao do pluralismo politico no sentido dos particularismos de toda a ordem, étnicos, regionalistas e religiosos; © enfraquecimento da autoridade dos governos centrais, que abria caminho as operagées dos “senhores da guerra” e a todas as formas de separatismo. - 701 - Documento 103: Os principais conflitos armados dos anos 1960 a 1990 : Intervencoes Pais Datas Tipo Palses afetados _ (ntervense on 1963-1972 | Guerra Chifre da Africa. | Eritréia, Etiopia, 1983- Sul contra Norte Uganda, Chade. | ‘Estados arabes. Guerra de ibertagéo Etiopia 1962-1991 | da Er Chifre da Africa. | Somalia, URSS. Guerra do Ogaden. | Guerra | Guerra civil: Tanzania, Malawi, | podesia Mocambique | 1975-1992 Renamo contra Zimbabue, Africa RoGeS2) Frelimo do Sul. rica do Sul. 1975-1991 | URSS e Cuba. Angola Senge (eK). Africa do Sul, Zaire, 1992-2002 | Contra MPLA. la, Namibia. | Estados Unidos. Sudo, Ruanda, Uganda 1978-1986 | Guerra civil. Zaire, Tanzania, | Tanzani Quénia. 1977-1978 cera do : gaden. : Estados Unidos, Somalia 1978-1991 Ges cu Chifre da Africa. | Fosodos arabes, 1991-1996 | Guerra de clas. i Zaire, Uganda, Ruanda rgso-t994 | Guerra civil Uganda, Zaire. ne Tanzania. 7 5 Ruanda, Ruanda, Uganda, Zaire 1996-1997 | Guerra civil. Congo te alee mas Congo (8) | 1997 | _ | Congo (kK), Gabso, | mas Uganda, Ruanda Guerra de Africa Centrale | © furundi pelos Congo(k) | 1998-2002 | Estados, guerra / Austral, Grandes | PRIS, Fagen: Chade, Zimbabwe por Kinshasa. | Serra Leoa, Libéria 1990- | Guerra civil. Guiné, Costa do Marfim, Libéria, Guiné, Serraeoa | 1991- Guerra civi Coenatiene osaido) 1999-2004 Guerra civil. Africa Ocidental. Marfim Nota: As datas indicam 0 comeco e o fim do conflito respectivamente; foram excluidas as intervenes dos servicos especiais e dos mercenarios, - 702 - A scala internacional, o fim da “Guerra Fria” gerou paradoxalmente recur- Sos novos para as empresas politico-guerreiras: associado a reducao dos efetivos militares, 0 enxugamento de numerosos servigos secretos lancou no mercado especialistas da seguranca ¢ da desestabilizacao, muitos dos quais procuraram e conseguiram encontrar coloca¢ao nos conflitos afticanos. Constituidos em bandos de mercendrios ou em empresas privadas, como a famosa Executive Outcomes sul- africana, esses especialistas afluiram dos mais diversos paises, em especial da Africa do Sul, de Angola, dos Estados Unidos da América, da Franca, da Bélgica, do Reino Unido, dos Estados criados pela fragmentacao da Iugoslavia e da Unido Soviética. Simultaneamente, o poder crescente das firmas multinacionais, muitas vezes superiores em tudo ao dos Estados, dava-lhes a possibilidade de participar pelas vias mais diversas nesses conflitos, que as ajudavam a eliminar dirigentes africanos incémodos e hes facilitavam o acesso aos recursos, essencialmente mineiros, sem terem de se sujeitar ao controle dos Estados. Esta deriva guerreira no poupava os pequenos Estados, como o Congo-Brazzaville, a Libéria e a Serra Leoa, ao passo que a ela escapavam Estados de grandes dimens6es, com populacdes numerosas e miiltiplas divisdes étnicas e religiosas, como a Africa do Sul e a Nigéria. Mas, mesmo localizado num Estado, um conflito afetava sempre os seus vizinhos e ameacava prejudicar a sua estabilidade, dado 0 carter transfronteirico das deslocagées dos refugiados, das redes de trafico de armas e das incursoes dos bandos armados, como acontecia em especial na regiao dos Grandes Lagos (Uganda, Ruanda, Burundi, Congo e Tanzania), no Chifre da Africa (Eritreia, Etidpia, Somalia, Sudo) e na Africa Ocidental (Libéria, Serra Leoa, Guiné-Bissau, Casamanga senegalesa, Costa do Marfim). Foi essa situago que estimulou a Procura a escala regional e continental das solucées coletivas para os conflitos e, simultaneamente, reativou as dinamicas pan-africanas. Paralelamente a estas evolucées politicas, os dirigentes africanos aper- cebiam-se de que, no ambito da “globalizac4o”, os velhos problemas de “desenvolvimento”, a que estavam acostumados, deixavam de lado um grande ntimero de novos desafios econémicos. Durante as reflexes feitas nos anos 1990 no quadro do “Programa do milénio para o renascimento afticano” patrocinado pelo presidente sul-africano Thabo Mbeki e do “Plano Omega” do seu homélogo senegalés Abdoulaye Wade e que iriam desembocar na NEPAD (Nova Parceria para o Desenvolvimento da Africa), a situa¢ao econémica constatada continuava desastrosa: “Enquanto, em meados dos anos 1960, o rendimento médio africano representava 14% do rendimento dos paises desenvolvidos, em 1997 essa relaco nao passava de 7%. Quanto a taxa de crescimento do PIB, o seu nivel anual médio entre 1965 e 1993 nao foi superior a cerca de 0,5% e era de longe inferior ao crescimento demografico (entre 2,9 e 4,1%). Em 1994, a Africa, que Tepresentava 12% da populacao mundial fornecia menos de 1% do PIB mundial. Esta constatacao catastrofica, dominada pelas estatisticas mais correntes, nao era nova e estava em perfeita sintonia com a época. No capitulo das novidades, assinalava-se, na abordagem dos peritos e responsaveis africanos, a tomada em - 703 - consideragéo do “empobrecimento histérico do continente”, a estigmatizacao dos “fracassos das liderangas politicas e econémicas em numerosos paises”, a insisténcia na emergéncia, desde o fim dos anos 1980, de uma “nova vontade politica dos dirigentes africanos”, e, por tiltimo, “o apelo aos povos africanos”, cujo destino era evocado de forma nao encantatéri ivilegiado de graves doencas endémicas. Nela prosperam bactérias e parasitas transportados por insetos, viajantes e outros vetores, principalmente devido 4 debilidade das politicas ecolégicas e 4s mas condiges de vida das populacées, Um dos principais obstdculos aos esforgos de desen- volvimento na Africa € a forte incidéncia das doengas transmissiveis, em especial o HIV/AIDS, a tuberculose e a maldria. A menos que controlemos estas epidemias para posteriormente as erradicarmos, ser-nos-4 impossivel valorizar verdadeiramente os recursos humanos do continente. No dominio da satide, a Africa suporta muito mal a comparacdo com o resto da comunidade internacional. Em 1997, as taxas de mortalidade das criancas e dos adolescentes eram de 105 e 167 por mil, respectivamente, em comparagao com 6 e 7 por mil, respectivamente, nos paises desenvolvidos. Sé hd 16 médicos por 100000 habitantes, quando o nimero é de 253 nos paises industrializados. A pobreza, que reflete 0 muito fraco nivel do rendimento per capita, é um dos principais fatores que impedem as populacées de superar os seus problemas de satide. (Nouveau partenariat pour le développement de l'Afrique, octobre 2001, pontos 125 ¢ 126, in Ben Hammouda, H. e Kassé, M. (eds.) Le NEPAD et les enjeux du développement en Afrique, Paris, Maisonneuve et Larose, 2002, p. 259). C. Novas dinamicas unitarias A questao das possiveis solucdes, que a maioria dos dirigentes s6 abordara no Ambito reduzido dos Estados “nacionais”, teria de passar a ser tratada em espacos muito mais latos, quer 4 escala dos agrupamentos regionais, quer a escala mais ambiciosa de todo o continente, cujas estruturas e mecanismos de integracao teriam necessariamente de ser revistos e reforcados. 1. Os agrupamentos regionais Com efeito, mantendo-se ciosamente fiéis 4 sua soberania, os Estados africanos tinham-se empenhado na constituicao de agrupamentos de vocagao técnica, monetéria e financeira, econémica e politica bastantes numerosos a escala das diferentes regides ou “sub-regides”. No contexto dos anos 1980 e 1990, s6 duas comunidades demonstraram alguma eficdcia: a CEDEAO (Comunidade Econémica dos Estados da Africa Ocidental, ECOWAS em inglés) e a SADCC - 704 - (Comunidade de Desenvolvimento da Africa Austral), cujo dinamismo iria servir para o relangamento da ideia pan-africana. Formada em 1975 pelo conjunto dos Estados independentes da Africa Ocidental (que eram15 na altura, tendo-se-Ihes juntado Cabo Verde, apés a sua separagao da Guiné-Bissau), a CEDEAO foi a primeira estrutura de integracao a superar efetivamente as clivagens entre paises “angléfonos”, “francdfonos” “lus6fonos” herdadas da colonizagao ea tentar federar as energias de Estados muito diversos pela dimensao, pela historia e pelas estruturas politicas e econdmicas. A CEDEAO foi criada apesar das reticéncias de alguns Estados “franc6fonos” que mantinham ligagées estreitas com a Franca e que tinham entre si poderosos lagos econdmicos e financeiros no quadro da Comunidade Econémica da Africa Ocidental (CEAO), a qual sucedeu em 1994 a Unido Econémica e Monetiria Oeste- africana. Este sucesso teve como principal artesao a Nigéria: apoiando-se no seu peso demografico e econdmico, gragas ao petréleo, a Nigéria pés em pratica uma diplomacia ativa, feita de press6es e promessas, para obter a adesao de todos os Estados oeste-africanos. O projeto recebeu também 0 apoio decidido do Togo e dos empresérios do setor privado reunidos no seio da Federagao Oeste-africana das Camaras de Comércio. O tratado fundador de 1975 limitava 0 seu campo de aco a economia, ado- tando como objetivo “a promogao da cooperagao e do desenvolvimento em todos 0s campos da atividade econémica”, de maneira a dar aos Estados a capacidade de contarem com as suas préprias forcas. Em 1979, juntou-se a isto a livre circulagao no interior do espago comum dos cidadaos de todos os Estados membros, bem como das mercadorias e dos capitais. Em 1981, foi aceito pelos Estados-membros um protocolo de nao agressao, tendo a maioria deles (13 no total) assinado um pacto de assisténcia muitua em matéria de defesa. A revisio do Tratado, realizada em 1993, alargou consideravelmente os dominios da cooperagéo em matéria econémica e integrou explicitamente a cooperacao politica. Passava a tomar-se como objetivos construir um mercado comum, adotar uma moeda tinica e estabelecer um parlamento oeste-afticano, bem como um conselho econémico e social e um tribunal de justi¢a da CEDEAO, objetivos que nao ficaram letra morta, embora ndo tenham faltado os obstéculos que retardaram a sua realizacdo, em especial, a consideravel extensdo do espaco econdmico assim constituido, as miiltiplas contradig6es e defeitos de ajustamento entre trés legados coloniais, a desarticulacio das redes de comunicacéo, a manutencao de relages cometciais preferenciais com as antigas poténcias coloniais e a mediocridade das trocas comerciais entre 0s parceiros, a violacao frequente dos principios da livre circulacao pelos Estados sempre ciosos da sua soberania, bem como 0 medo frequentemente agitado de ver a Nigéria exercer a sua soberania sobre 0 conjunto. Mesmo assim, a CEDEAO conseguiu dar origem a numerosas instituicdes econémicas, financeiras, sociais e culturais a escala oeste-africana e, sobretudo, mostrou-se muito ativa na gestdo dos conflitos e na manutengao da seguranca. - 705 - Com efeito, logo que a guerra civil na Libéria foi declarada, a CEDEAO propés-se em 1990 atuar como mediadora e mobilizar tropas dos Estados-membros para garantir um cessar-fogo e a manutengao da paz. Criado na altura, o ECOMOG (Grupo de Observadores Militares da CEDEAO) mais do que sobreviveu as numerosas criticas e prosseguiu ativamente as suas intervengoes nas crises posteriores por que passaram a Serra Leoa e a Costa do Marfim. © nascimento da SADC foi quase contemporaneo ao da CEDEAO. Com efeito, as suas origens remontam a duas reuniées realizadas em Arusha (1979) e em Lusaka (1980), durante as quais os “Estados da Linha da Frente” (Angola, Botswana, Lesoto, Malawi, Mocgambique, Namibia Swazilandia, Tanzania e Zambia) decidiram constituir a SADCC (Conferéncia para a Coordenacao do Desenvolvimento da Africa Austral), com 0 objetivo de harmonizar os seus esforcos de desenvolvimento e sobretudo reduzir a muito longa dependéncia das suas economias relativamente a da Africa do Sul do apartheid. O colapso do apartheid ea instauracao de um regime democratico na Africa do Sul levaram a SADCC a transformar-se em SADC em 1992 e a abrir as portas a novos membros: a Africa do Sul (1994), mas também a Ilha Mauricia (1995), as Seychelles e a Republica Democratica do Congo (1997). A coexisténcia no seio deste conjunto de Estados que dispunham de indiistrias mais ou menos fortes (Africa do Sul e Zimbabwe), de Estados mineiros (Angola, Congo-Kinshasa, Namibia e Zambia) e de paises agricolas parecia promissora para o seu futuro econémico. Mas, em virtude das suas origens, as preocupacées politicas assumiram nela um lugar de primeiro plano. Foram precisamente as questées politicas que puseram a SADC A prova. Accriacao, em 1996, de um “Orgio de Politica, Defesa e Seguran¢a” nao conseguiu obter a unanimidade. E, sobretudo, a guerra na Repiiblica Democratica do Congo opés, a partir de 1998, os Estados que acorreram em auxilio do Estado congolés (Angola, Namibia, Zimbabwe) aos que observavam, oficialmente, uma prudente expectativa. O mesmo se passou com a atitude a assumir face a politica de expropriagao fundidria conduzida pelo governo do Zimbabwe relativamente aos agricultores brancos, que embaracava outros Estados da SADC, em especial a Africa do Sul e a Namibia: estes haviam herdado do seu passado colonial estruturas agrarias to profundamente inigualitarias como as do Zimbabwe e temiam um efeito de contagio. Por tiltimo, a gravidade da epidemia da AIDS, com taxas de soro-positividade superiores a 25% (Africa do Sul), ou até 33% (Botswana, Swazilandia, Zimbabwe), constituia um grave desafio para o futuro. Contudo, © peso da Africa do Sul (33% da populac4o da SADC, 75% do seu PNB) somada ao ativismo e 4 eficacia da sua diplomacia africana fazia da organizagao uma das zonas de integra¢ao mais promissoras na Africa. Esse pais iria desempenhar, como a Nigéria, um papel de primeiro plano no relancamento da dinamica unitaria & escala continental. - 706 - 2. Da QUA 4 Unido Africana: a Africa e os desafios africanos do século XXI De fato, 0 novo contexto ~ caracterizado por aspiragdes sociais prementes, Por conflitos de tipo novo no interior dos Estados e entre os Estados, por mutacoes répidas a escala da economia mundial e no funcionamento dos Estados africanos, pela renovacao gradual das equipes dirigentes ~ acelerou o processo de integraco, obrigando a OUA a conceber o seu “aggiornamento” e suscitando projetos pan- africanos alternativos. Jé em 1979 os responsaveis africans tinham acordado criar um comité de reviséo da Carta da QUA. Em 1980, uma alteracao a Carta propés-se definir trés novas miss6es essenciais: a manutencdo da paz e da seguranca, a protesdo dos direitos humanos ea répida resolucao das crises. A mudanca de atitude dos chefes de Estado s6 se tornou perceptivel em 1990, no auge do surto de democratizacao, quando adotaram a “Declara¢ao sobre a situa¢do sécio-econdmica na Africa e as mudangas fundamentais que estéo ocorrendo atualmente no mundo”. Conti- nuando preocupados com as questées relativas a seguranga, faziam suas as imagens entao em voga sobre a “marginalizacao da Africa” e comprometiam-se a “trabalhar m conjunto com vista 4 rapida resolucao de todos os conflitos que o continente conhece”, dando 4 OUA os meios adequados para “reduzir as tensées e resolver 0s conflitos existentes na Africa, com 0 objetivo tiltimo de criar as condigdes de paz, de estabilidade e de justica social que s4o imprescindiveis para garantir 0 desenvolvimento econémico e social dos povos africanos”. Retomando as ideias mestras do Plano de Agdo de Lagos, o tratado de Abuja, assinado em 1991, institufa a “Comunidade Econémica Africana” e, para garantir a sua aplicagao pratica, encarregava o secretariado da QUA de trabalhar com todos 0s Estados-membros com vista a “lancar bases sélidas para as Comunidades Econémicas regionais que deverao servir de pilares para a Comunidade Econdmica Africana”, cuja formacdo progressiva deveria estar concluida em 2028. Era, de certa maneira, um regresso as posigdes de 1963, salvo que agora se assumia claramente a ligacdo entre os agrupamentos regionais e a unio continental, da qual aqueles seriam outras tantas etapas e simultaneamente um laboratério. Em 1993, 0 “Mecanismo da QUA para a prevencao, a gestao e a resolucao de conflitos”, cujo princfpio fora adotado no ano anterior, surgiu efetivamente. Mas a aceleragdo dos acontecimentos a nivel continental voltou a surpreender os responsdveis africanos. J4 assoberbada pela guerra civil da Libéria e pelo conflito somali, a UA apenas péde assistir passivamente aos conflitos mais graves que © continente conheceu desde a sua independéncia: 0 genocidio ruandés (1994) e a guerra do Congo-Kinshasa (1998-2002). Coube ao chefe de Estado libio, Mouammar Kadhafi, precipitar a decisdo que visava substituir a OUA por uma organizacao mais ambiciosa e mais eficaz, a Unio Africana. Essa decisdo foi tomada durante a cipula extraordinaria reunida Por sua iniciativa em Syrte (setembro de 1999). Adotado em Lomé em julho de - 707 - 2000, o Ato Constitutivo entrou em vigor em maio de 2001 e a Unido Africana foi solenemente lancada em Durban em julho de 2002. A Declaracao de Syrte nao visava apenas acelerar 0 processo de unio escala da Africa. Embora 0 projeto inicial do seu promotor ~ a criag4o dos Estados Unidos da Africa, congregando 0s 53 Estados existentes ~ tenha sido consideravelmente alterado, 0 advento da Unio Africana consagrou uma nova abordagem dos problemas da integracéo, que visava “fazer face aos desafios multiformes com que se confrontam 0 nosso continente e os nossos povos, A luz das mudangas sociais, econémicas e politicas que ocorrem no mundo”. Especial atengdo era dada aos conflitos: segundo o Ato Constitutivo, “o flagelo dos conflitos constitui um obstéculo fundamental ao desenvolvimento sécio-econémico do continente”; € necessario “promover a paz, a seguranca e a estabilidade, como condicao prévia a execucao da nossa agenda no dominio do desenvolvimento e da integracao”. Para ld do reconhecimento da necessidade de “promover a boa governanca € 0 Estado de direito”, reconhecimento que se tornara habitual desde o inicio dos anos 1990, as principais inovagGes incidiam sobre varios pontos: a defini¢ao de uma politica comum de defesa; o direito de ingeréncia dos Estados-membros num pais da Unido culpado de crimes contra a humanidade; o direito de intervir para restabelecer e manter a paz e a seguranca num Estado-membro, a pedido deste; a participagao nos assuntos da Unido de “todas as componentes da sociedade civil, em especial as mulheres, os jovens e setor privado”; a instauragio, tanto 4 escala da Unido como dos Estados, da igualdade efetiva entre os homens e as mulheres. Os responsaveis africanos declaravam que se inspiravam no modelo da Unido Europeia. Contudo, decidiram admitir sem qualquer condicao todos os antigos membros da QUA, sem consideracao pelo estado da sua economia, nem por sua observancia das regras do Estado de direito. Ao proclamar que seria uma unio dos povos e nao uma simples unido dos Estados, a Unido Africana pretendia no ser uma mera repeti¢ao da defunta QUA. Assim, os Estados deveriam transferir algumas das suas competéncias para a Unido nos dominios prioritarios em que iam ser rapidamente implementadas politicas comuns: paz e seguranga continentais; integrac4o das economias ¢ coordenagio das politicas e das acdes de desenvolvimento; seguranca alimentar € erradicagéo da pobreza; protecdo do ambiente; luta contra as epidemias e pandemias; liberdade de circula¢ao dos homens, dos bens e dos capitais. Além disso, um parlamento representante dos povos participaria plenamente na tomada de decisées relativas 4 governanga, ao desenvolvimento e a integracao econémica. Seguindo o modelo europeu, instituiu-se também uma comissao, érgao chave da organizacao dotado de poderes mais extensos do que o secretariado da defunta QUA. A Unido Africana retomou a antiga reparticao da Africa em cinco “regides” (Norte, Oeste, Leste, Centro, Sul), mas acrescentou-lhe uma sexta “regio” constitufda pelas didsporas afticanas decorrentes do trafico negreiro e das migracdes contemporaneas. Numa altura em que persistiam a crispa¢io nacional e 08 particularismos étnicos e religiosos em certos paises, constituiu como que um - 708 - simbolo o fato de a Unido Africana ter sido langada em Durban: negros, brancos, indianos e mestigos, as diferentes componentes da “naco arco-fris” sul-africana acolhiam outros africanos, negros, brancos, mesticos, indianos, reafirmando assim, no alvorecer do século XXI, os valores da solidariedade continental que tinham feito a forga do pan-africanismo desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Documento 104: 0 renascimento africano segundo Thabo Mbeki e renascimento prépria alma, essa alma cativa e eternamente viva através das grandes obras de criag3o que so as pirdmides e esfinges do Egito, as construgdes de Axum, as ruinas de Cartago, as gravuras rupestres dos San, os bronzes e as mascaras do Benim, as esculturas dos Macondes e dos Shona. Um povo capaz de tanto génio nao pode de maneira nenhuma ser inferior aos outros povos. Deve poder ser o seu préprio libertador e encontrar as suas proprias solucées para sair das condicdes de miséria e de pobreza em que se encontra mergulhado |...]. Temos de promover essa redescoberta de si e essa estima de si, sem as quais nao poderiamos ser combatentes do renascimento [...]. Nenhum de nés que aqui estamos estava presente quando milhares de escravos negros foram embarcados a forca em Gorée ou Zanzibar. Contudo, todos sabemos que sobreviveram | 2 essa terrivel provacao, porque a sua determinacao e o seu instinto de sobrevivéncia | | eram mais fortes do que tudo. Do mesmo modo, os povos do Congo, do Quénia, do | Zimbabwe, da Argélia, da Namibia, da Africa do Sul, de toda a Africa [...] sobreviveram Porque recusaram o aniquilamento. A recusa de desaparecer, eis o espirito que durante séculos guiou 0 nosso povo. Esse ¢ 0 mesmo espirito de determinacao e de otimismo que nos deve animar hoje no nosso combate pelo renascimento africano. A Africa & um continente livre, livre das suas escolhas e do seu destino. Cabe pois aos africanos fazer a escolha do seu futuro.” “O inicio do renascimento do nosso continente deve passar pela redescoberta da nossa | | (Discurso pronunciado na inauguracao do Instituto para o Renascimento Africano, citado em Do- Nascimento, J. e Mawa-Kiese, M. La renaissance africaine et sa prospective, Pari, Editions Paari, 2001, p. 30) “0 novo mundo africano que o renascimento africano procura construir é um mundo de democracia, de paz e de estabilidade, de desenvolvimento sustentavel e de vida melhor para 0 povo, de auséncia de racismo e de sexismo, de igualdade entre as nagdes e com um sistema justo e democratico de governo internacional. Nenhum destes objetivos se realizaré por si proprio. Da mesma maneira que nos libertamos do colonialismo, assim também se verificara que o renascimento africano s6 sera vitorioso ‘como resultado de uma luta prolongada que teremos de ser nés proprios a travar [. Creio que se, anteriormente, como africanos, teriamos dito que todas estas coisas s40 necessarias, chegamos agora a um ponto em que muitos, no nosso continente, créem firmemente serem agora possiveis. [...] Sem diivida alguma, a vit6ria historica do nosso continente sobre o colonialismo e 0 apartheid tem algo a ver com isto. Sem essa vit6ria, seria impossivel um renascimento africano. Tendo conseguido esse éxito, criamos a possibilidade de afrontar de novo o desafio da reconstrucao e do desenvolvimento do nosso continente. Tal como toda a revolugao requer revolucionarios, assim também o Fenascimento africano tem de ter os seus militantes e os seus ativistas, que definirso © futuro que Ihes pertence de uma forma que contribuira para nos restituir a nossa | dignidade. A nossa primeira tarefa é pois transformar 0 nosso continente de acordo com essa visdo. A nossa segunda tarefa ¢ dar as maos a todas as outras forcas da mesma inspiragéo do nosso continente, convictos de que os povos da Africa partilham um destino comum, convictos também de que os povos de boa vontade em todo o mundo se juntarao a nds numa ofensiva sustentada de onde resultara que o novo século se tornara na historia 0 século da Africa.” (Thabo Mbeki "Prologue", in Makgoba, M. W. (ed.) African Renaissance. The New Struggle, Cape Town, Mafube & Tafelberg, 1999, pp. XVIIL-XXn, | - 709 - Paralelamente a gestacdo da Unido Africana, novas propostas emergiam com vista a assegurar 0 desenvolvimento A escala do continente. As reflexdes organizaram-se em torno de dois projetos, o “Plano Omega”, de Abdoulaye Wade, € 0 “Programa do Milénio para o Renascimento Afticano”, proposto pelos presiden- tes Abdelaziz Bouteflika, Thabo Mbeki e Olusegu Obasanjo. Da convergéncia desses projetos ia nascer a NEPAD (Nova Parceria para o Desenvolvimento da Africa), adotado pelos chefes de Estado afticanos em 2001. Renunciando as ambigées do Plano de A¢do de Lagos (1980), a NEPAD apresentava-se modestamente como um catélogo realista de miltiplos programas concebidos no espirito do liberalismo econdmico, social e cultural, susceptiveis de serem financiados separadamente. Durante esses debates, Thabo Mbeki inspirou-se constantemente na experiéncia vitoriosa dos combatentes da liberdade na Africa do Sul para voltar a por em relevo a nocao de “renascimento africano” (African Rebirth, African Renewal, African Renaissance. Documento 104). Essas afirmag6es pareceram novas as geracdes africanas nascidas apés as independéncias e surpreenderam o mundo exterior, mas, na realidade, iam beber no viveiro ideolégico alimentado constantemente desde o século XVIII por numerosos intelectuais, pensadores e homens de Estado como Anthony Amo, Edward W. Blyden, Nnamdi Azikiwe, Kwame Nkrumah, Léopold Sédar Senghor, Julius Nyerere ou Kenneth Kaunda. A complexidade dos processos sociais e culturais que percorrem a Africa desde as independéncias constitui um dos sinais mais seguros da vitalidade do continente. Hoje como ontem, a Africa negra, vista do exterior, continua a suscitar imagens contraditérias. Concebidas por olhares estrangeiros, na sua maioria apressadas, prisioneiras do espetacular, sensiveis aos dramas do quotidiano, impressionadas pela sucessao e pela precipita¢io dos acontecimentos, essas percepsdes, © mais das vezes, foram negativas e pessimists quanto ao futuro do mundo negro. Ora, no temos razio para nos desesperar pela Africa. Sem menosprezar a crénica do tempo curto e dos acontecimentos que passam, o olhar perscrutador do historiador tende a demorar-se em periodos de maior duracao, no interior dos quais os fatos ganham sentido. A efervescéncia perceptivel a todos os niveis da vida social na Africa prende-se com um prazo mais longo caracterizado por uma vontade tenaz de sobreviver as provacdes mais temerosas, como 0 trafico negreiro e 0 choque colonial, por uma capacidade permanente de inovar, tanto com os recursos préprios, como recorrendo a recursos bebidos no exterior, numa palavra, por uma aptido constante para surpreender. As numerosas atitudes individuais aliadas a estratégias coletivas foram e continuam a ser os procedimentos inventados para contornar as faléncias econémicas, para evitar, contestar e rejeitar a pesada tutela de Estados ditatoriais ou ainda para afirmar raizes e identidades miltiplas. Assim, contra 0 desencanto, ao observarmos 0 movimento real das sociedades africanas, cabe proclamar hoje, como em outros tempos o declarou Frangois Rabelais: “A Africa sempre traz alguma coisa nova.” -710- NOTAS * Elikia M’Bokolo ‘R. P.M. G. Hegba, Emancipation d’Eglises sous tutelle. Essai sur ’ée post-missionaire, Paris, Présence Africaine, 1976. J.-M. Ela, R. Luneau et C. Ngendakuriyo, Voici le temps des héritiers. Eglises d'Afrique et voies nouvelles, Paris, Karthala, 1981. * Copson, R. W. Africa’s Wars and Prospects for Peace, Londres, M. E. Sharpe, 1994, p. 168. -711- LEITURAS COMPLEMENTARES Dependéncias, desenvolvimento e globalizacdo AMIN, S. Laccumulation a I'échelle mondiale, Paris, Anthropos (nova edi¢ao, 1988), 1970. Le développement inégal. Paris, Edig6es de Minuit, 1973. O desenvolvimento desigual. Rio de Janeiro, Forense Universitaria, 1976. La déconnexion. Pour sortir du systéme mondial. Paris, La Découverte, 1986. . Les défis de la mondialisation. Paris, LHarmattan, 1996. BENMESSAOUD TREDANO, A. Intangibilité des frontiéres coloniales et espaces étatiques en Afrique. Paris, L.G.DJ., 1989. BRUNEL, S. L’Afrique. Un continent en réserve de développement. Paris, Bréal, 2004. DJIENA WEMBOU, M.-C. LOUA, a l'aube du XIXe sitcle: bilan, diagnostic et perspectives. Paris, LG.DJ., 1995. DURUFLE, G. Lajustement structurel en Afrique: Sénégal, Céte d'Ivoire, Madagascar. Paris, Karthala, 1988. Futurs Africains. Afrique 2025. Quels futurs possibles pour l'Afrique au sud du Sahara?. Paris, Karthala, 2003. GASTELLU, J. M. Riches paysans de Cote d'Ivoire. Paris, LHarmattan, 1989. HUGON, P. Analyse du sous-développement en Afrique noire. exemple du Cameroun. Paris, PU.E., 1968. économie africaine. Paris, La Découverte (4.4 edigao), 2004, LABAZEE, P. Entreprises et entrepreneurs du Burkina Faso. Vers une lecture anthropologique de l'entreprise africaine. Paris, Karthala, 1988. MEILLASSOUX, C. Anthropologie économique des Gouro de la Cote d'Ivoire, Paris-La Haye, Mouton, 1964. NKRUMAH, Kwame. Challenge of the Congo. A Case Study of Foreign Pressures in an Independent State, Londres, Panaf, 1969. NZUZI, L. Urbanisation et aménagement en Afrique noire, Paris, Sedes, 1989. SANDBROOK, R. The Politics of Africa’s Economic Stagnation. Cambridge University Press, 1985. VALLEE, O. Le prix de l'argent CFA. Heurs et malheurs de la zone franc. Paris, Karthala, 1989. Construcées estatais e recomposic6es politicas AMSELLE-J.-L. e M’BOKOLO, D. (eds.) Au coeur de lethnie. Ethnicité, tribalisme et Etat en Afrique Paris, La Découverte, 1999. ARNOLD, G. Historical Dictionary of Civil Wars in Africa. Lanham e Londres, The Scarecrow Press, 1999. BA, A., KOFFI, B. e SAHLI, F. LOrganisation de !'Unité Africaine, de la charte d’Addis Abeba a la Convention des droits de homme et des peuples. Paris, Silex, 1984. BAYART, JF. Etat au Cameroun, Paris, Presses de la Fondation Nationale des Sciences Politiques, 1985. Etat en Afrique. La politique du ventre. Paris, Fayard, 1989. BENOT, Y. Idéologies des indépendances africaines. Paris, Frangois Maspéro, 1969, BIERSCHENK, T. e OLIVIER DE SARDAN, J.-P. Les pouvoirs au village. Le Bénin rural entre démocratisation et décentralisation. Paris, Karthala, 1998. -712- COOPER, F. Africa Since 1940. The Past of the Present. Cambridge, University Press, 2002. COPANS, J. La longue marche de la modernitéafricaine. Savoirs,intllectuels, démocrate. Paris, Karthala, 1980. COQUERY-VIDROVITCH, C., GOERG, O., MANDE, I. e RAJAONAH, F. (eds.) Etre étranger et migrant en Afrique au XXe siécle. Enjeux identitaires et modes d’insertion. Paris, L;Harmattan, 2003, DALOZ, J.-P e QUANTIN, P. (eds.) Transitions démocratiques africaines. Dynamiques et contraintes (1990-1994). Paris, Karthala, 1997. DELANCEY, M. W. e MAYS, T.M. Historical Dictionary of International Organizations in Sub-Saharan Africa. Lanham e Londres, The Scarecrow Press, 1994. DIARRA, S. Les faux complotsd'Houphouet-Boigny. Fracture dans le destin d’une nation. Patis, Karthala, 1997. DIOR A. B. La société wolof. Paris, Karthala, 1981 DIOR M. C. € DIOUE, M. Le Sénégal sous Abdou Diouf. Etat et société. Paris, Karthala, 1990, DIOR M. C. (ed.) Sénégal. Trajetoires d’un Etat. Dacar-Paris, Codesria e Karthala, 1992. DOZON, J.-P. Fréres et sujets. La France et l'Afrique en perspective. Paris, Flammarion, 2003. GLICKMAN, H. (ed.) Political Leaders of Contemporary Africa South of the Sahara. A Biographical Dictionary. Westport-Londres, Greenwood Press, 1992, JOSEPH, R. (ed.) State, Conflict and Democracy in Africa. Bouldet-Londres, Lynnie Rienner Publishers, 1999, KANE, O. e TRIAULD, J.-L. (eds.) Islam et islamismes au sud du Sahara, Paris, Karthala, 1998. MARIE, A. (ed.) L’Afrique des individus. Itinéraires dans l'Afrique contemporaine (Abidjan, Bamako, Dacar, Niamey). Paris, Karthala, 1997. MARTIN, D.-C. Tanzanie, Linvention d'une culture politique. Paris, Presses de la EN.S.P.¢ Karthala, 1988. MBEMBE, A. Les jeunes et U'ordre politique en Afrique noire. Paris, 1985. M’BOKOLO, E. e SAINTENY, P. Afrique. Une histoire sonore, 1960-2000. Paris, INA-REI, Frémeaux et Associés, 2001. MEDARD, J.-F. Etats d’Afrique noire: formations, mécanismes et crises. Paris, Karthala, 1991 PERROT, C.-H. ¢ FAUVELLE-AYMAR, F-X. Le retour des rois. Les autorités traditionnelles et Etat en Afrique contemporaine, Paris, Karthala, 2003, POURTIER, R. Le Gabon. Paris, LHarmattan, 1989, TOULABOR, C. Le Togo sous Eyadema. Paris, Karthala, 1986, VAN WALRAVEN, K. Dreams of Power. The Role of the Organization of African Unity in the Politics of Africa, 1963-1993. Leyde, The Netherlands Foundation for the Advancement of Tropical Research, 1997. VERSCHAVE, F-X. La Frangafrique. Paris, Stock, 1988. WAUTHIER, C. Cing présidents et l'Afrique. De Gaulle, Pompidou, Giscard d’Estaing, Mitterrand. Quarante ans de politique africaine. Paris, Le Seuil, 1995. Um renascimento africano? Les littératures africaines de langue portugaise. A la recherche de l'identité individuelleet nationale. Paris, Fundacao Calouste Gulbenkian, 1985. AJAYI, J. E A., GOMA, L. K. H. e JOHNSON, G. A. The African Experience with Higher Education Londres, James Currey, 1996. BANQUE MONDIALE. “Afrique sub-saharienne. De la crise & une croissance durable. Etude prospective 4 long terme. Washington, 1989. BANHAM, M., GIBBS, J. e OSOFISAN, F. (eds.) African Theatre in Development. Oxford, James Currey, 1999, - 713 - BARBER, K., COLLINS, J. e RICARD, A. West African Popular Theatre. Oxford, James Currey, 1997. BEIK, J. Hausé Theatre: A Contemporary Art. Nova lorque e Londres, Garland Publishing, 1987. BEMBA, S. Cinquante ans de musique du Congo-Zaire (1920-1970). De Paul Kamba a Tabu Ley. Paris, Présence Africaine, 1984, BENDER, W. Sweet Mother. Modern African Music. Chicago University Press, 1992. BIDIMA, J.-G. La philosophie négro-africaine. Paris, PU.R, (Que Sais-Je?), 1995. CHEVRIER, J. Littérature négre. Paris, Armand Colin, 1984. COLLINS, J. Musicmakers of West Africa. Washingotn, The Three Continent Press, 1985. COPLAN, D. In Township Tonight! South Africa’s Black City Music and Theatre. Joanesburgo, Ravan Press, 1985. COULON, C. Les musulmans et le pouvoir en Afrique noire. Religion et contre-culture. Pai 1983. CHRETIEN, J.-P. e TRIAUD, J.-L. (eds.) Histoire d'Afrique. Les enjewx de mémoire. Paris, Karthala, 1999. FALOLA, T. Nationalism and African Intellectuals. Rochester, University of Rochester Press, 2001. HASTINGS, A. A History of African Christianity (1950-1975). Cambridge University Press, 1982. ILBOUDO, P. G. Le Fespaco (1969-1989). Les cinéastes africains et leurs oeuvres, Ouagadougou, Edigdes La Mante, 1988. KANE, O. e TRIAULD, J.-L. (eds.) Islam et islamismes au sud du Sahara, Paris, Karthala, 1998. KESTELOOT, L. Histoire de la literature négro-africaine. Paris, Karthala-AUF, 2001 LABAN, M. Angola. Encontro Com Escritores. Porto, Fundagao Antdnio De Almeida, 1991. - Cabo Verde. Encontro com Escritores. Porto, Fundacdo Anténio de Almeida, 1992 - Moambique. Encontro com Escritores. Porto, Fundacao Anténio de Almeida, 1998. LINDFORS, B. Popular Literature in Africa, 1991 MAZRUI, A. A. The Africans: A Triple Heritage. Boston, Little Brown, 1986. MOUMOUNI, A. Léducation en Afrique. Paris, Frangois Maspéro, 1964. MUDIMBE, VY. The Invention of Africa. Gnosis, Philosophy and the Order of Knowledge. Londres, James Currey, 1988 RICARD, A. Littératures d’Afrique noire. Des langues aux livres. Paris, Edigdes CNRS e Karthala, 1995. TURINO, Tom. Nationalists, Cosmopolitans and Popular Music in Zimbabwe. Chicago University Press, 2000. WATERMAN, C. Juju: A Social history and Ethnography of an African Popular Music. Chicago University Press, 1990. , Karthala, -714- BIBLIOGRAFIA GERAL Esta bibliografia completa as anteriores mantendo o seu carter seletivo e a intengdo de sugerir novas orientagbes de leitura ede trabalho. Para mais informacGes, pode recorrer-se, por exemplo, A Cambridge History of Africa e & L’Afrique noire de C. Coquery-Vidrovitch e H. Moniot que indicam excelentes estudos bibliogréficos. I. Instrumentos de trabalho A. Atlas e cronologias AJAYI, J. EA. et CROWDER, M. (eds.) Historical Atlas of Africa. Londres, Longman, 1985. FAGE, J. An Atlas of African History. Londres, Edward Amold, 1° edigao 1958, 1978. FREEMAN-GRENVILLE, G. S. P. Chronologie of African History. Londres, Oxford University Press, 1973. MCEVEDY, C. The Penguin Atlas of African History. Harmondsworth, Penguin Books, 1980. MURRAY, J. Cultural Atlas of Africa. Oxford, Phaidon Press, 1981. B. Fontes publicadas COLLINS, R. O. African History. Texts and Readings. New York, Random House, 1971. CORNEVIN, R. Les mémoires de l'Afrique des origines a nos jours. Paris, Robert Laffont, 1972. ROBINSON, D. et SMITH, D. Sources on the African Past. Case Studies on Five Nineteenth-Century African Societies. Londes, Heinemann, 1979. II. Debates tedricos e metodoldégicos History in Africa. A Journal of Method. Publicagao anual da Aftican Studies Association, a partir de1974, HENIGE, D. P. The Chronology of Oral Tradition. Quest for a Chimera. Oxford, Clarendon Press, 1974. JEWSIEWICKI, B. et NEWBURY, D. (eds.) African Historiographies. What History for Which Africa?. Londres, Sage Publications, 1985. LAYA, D. La tradition orale. Problématique et méthodologie des sources de Uhistoire africaine. Niamey, Centre régional de documentation pour la tradition orale, 1972. MAUNY, R. THOMAS, L--V. et VANSINA, J. (eds.) The Historian in Tropical Africa. Londres, I.A.1.~ Oxford University Press, 1964. PERROT, C.-H. (ed.) Sources orales de l'histoire de l'Afrique. Paris, C.N.R.S., 1989, TEMU, A. et SWAI, B. Historians and Africanist History: A Critique. Post-Colonial Historiography Examined. Londres, Zed Press, 1981. VANSINA, J. De la tradition orale. Essai de méthode historique. Tervuren, M.R.A.C., 1961. Ill. Histérias gerais ALEXANDRE, P Les Africains. Introduction une longue histoire et a de vieille civilisations de Vaube de 'humanité a nos jours. Paris, Editions Lidis, 1981. COQUERY-VIDROVITCH, C. et MONIOT, H. L’Afrique noire de 1800 & nos jours. Paris, RU.R- Nouvelle Clio, 1* edicao 1974, 1992. CURTIN, P, FEIERMAN, S., THOMPSON, L. et VANSINA, J. African History. Londres, Longman, 1978. -715- DAVIDSON, B. Africa, History of a Continent. Londres, Weidenfeld & Nicolson, 1966. - Les Africains. Introduction a Uhistoire d'une culture. Paris, Le Seuil, 1971. Versio portuguesa: Os africans, uma introdusdo a sua histéria cultural. Lisboa, EdigGes 70, 1981 DESCHAMPS, H. (ed.) Histoire générale de l'Afrique noire. Paris, PU-E, 2 volumes, 1970-1971. FAGE, J. D. et OLIVER, R. (eds.). The Cambridge History of Africa. Cambridge University Press, 8 volumes, 1977-1988 HARTWIG, G. W. et PATTERSON (eds.) Disease in African History: An Introduction Survey and Case Studies. Durham, Duke University Press. 1978 ILIFFE, J. The African Poor. A History. Cambridge University Press, 1987. KAKE, I. B. et M’BOKOLO, E. Histoire générale de l'Afrique. Paris, A.B.C., 12 volumes, 1977. KIZERBO, J. Histoire de Afrique noire. D'Hier & Demain. Paris, Hatier, 1* edigao 1972, 1978. Versio portuguesa: Historia da Africa Negra. Lisboa, Europa-América, 2 volumes, 1972. KONCZACKI, Z.A. etJ.M. (eds.) An Economic History of Tropical Africa. Londres, Cass, 2 volumes, 1977. OLIVER, R. The African Experience: Major Themes in African History from Earliest Times to the Present. Londres, Harper Collins, 1992. Versio em portugues: A Experiéncia Africana. Rio de Janeiro, Editora Jorge Zahar, 1994. UNESCO. Histoire générale de l'Afrique. Paris, Unesco, 8 vols. © primeiro é de 1980. Versao em portugués: Histéria Geral da Africa. S4o Paulo, Atica, varias datas. Histoire générale de l'Afrique, édition abrégée. Paris, Unesco, 8 volumes, 1986, WICKINS, PL. An Economic History of Africa. From the earliest times to the partition. Le Cap, Oxford University Press, 1981. IV. Exemplos de histérias regionais e nacionais AJAYI, J. E.A. et CROWDER, M. (eds.) History of West Africa. Londres, Longman, 2 volumes, 1974. BIRMINGHAM, D. et MARTIN, P. M. (eds.) History of Central Africa. Londres, Longman, 2 volumes, 1983. CISSOKO, S.-M. Histoire de l’Afrique occidentale. Moyen-Age et Temps Modernes. (VIle sitcle-1850) Paris, Présence Africaine, 1966. HARLOW, V. et CHILVER, E.M. (eds .) History of East Africa, volume II. Oxford, Clarendon Press, 1965. ILIEFE, J. A Modern History of Tanganyika. Cambridge University Press, 1979, LOW, D. A. et SMITH, A. (eds.) History of East Africa, volume I. Oxford, Clarendon Press, 1976. OLIVER, R. et MATHEW, G. (eds.) History of East Africa, volume I. Oxford, Clarendon Press, 1963. ROBERTS, A. A History of Zambia. Londres, Heinemann, 1976. SURET-CANALE, J. Afrique noire occidentale et centrale. Patis, E 1972. WERE, G. S. et WILSON, D. A. East Africa through a Thousand Years: AD 1000 to the Present Day. Londres, Evans Brothers, 1968. WILSON, M. et THOMSON, L. The Oxford History of South Africa. Oxford, Clarendon Press, 2 volumes, 1969-1971. WORONOFE J. (ed.) African Historical Dictionaries. Londres, Metuchen, 1 volume por pais, em via de publicacao, 1974 ions Sociales, 3 volumes, 1958- V. Paises africanos de lingua portuguesa ALEXANDRE, V. Velho Brasil, novas Africas: Portugal e o Império (1808-1975). Porto, Afrontamento, 2000. 716 - CARREIRA, A. Cabo Verde. Formagdo e extingdo de uma sociedade escravocrata (1460-1878). Praia, Instituto Caboverdeano do Livro e do Disco, 2* edi¢ao, 1983. CHABAL, P, BIRMINGHAM, D., SEIBERT, G. , ANDRADE, E. S.A history of postcolonial Lusophone Africa. Londres, Hurst & Co, 2002. CLARENCE-SMITTH, G. The third portuguese Empire 1825-75. A study in economic imperialism. Manchester UP. 1985. Versao portuguesa: O terceiro império portugués. Lisboa, Teorema, 1990. FERREIRA, M. E. A Indistria em tempo de guerra (Angola 1975-91). Lisboa, Cosmos e Instituto da Defesa Nacional, 1999. FURTADO, C. A transformagdo das estruturas agrérias numa sociedade em mudanga. Praia, Instituto Caboverdeano do livto e do disco, 1993. GEFFRAY, C. La cause des armes au Mozambique. Anthropologie d’une Guerre Civile. Paris, Kathala, 1990. Versio portuguesa: A causa das armas. Porto, Afrontamento, 1991. HENRIQUES, I. C. Sao Tomé e Principe - A invengfo de uma sociedade, Lisboa, Vega, 2000 Commerce et Changement en Angola au XIXéme siécle. Imbangala et Tshokwe face & la modernité. Paris, Harmattan, 2 volumes, 1995. Versio portuguesa: Percursos da Modernidade em Angola, Dindmicas comerciais e transformagdes sociais no século XIX. Lisboa, IICT/ICP, 1997. HODGES, T. e NEWITT, M. Sao Tomé e Principe: from plantation Colony to Microstate. London, Westview, 1988. LESOURD, M. Etat et Société aux iles du Cap-Vert. Alternatives pour un Petit Etat Insulaire. Paris, Karthala, 1995. LOPES, C. Ethnie et rapports de pouvoir en Guinée Bissau. Genéve, Institut Universitaire d'Etudes du Développement, 1983. Verso portuguesa: Etnia, Estado e relagdes de poder na Guiné-Bissau. Lisboa, Edigdes 70, 1982. NEWITT, M. A history of Mozambique. London, Hurst & Co, 1995. Verséo portuguesa: Histéria cde Mogambique. Lisboa, Publicages Europa-América, 1997. PELISSIER, R. Naissance de la Guinée. Portugais et Africains en Sénégambie (1841-1936). Orgeval, 1986. Versdo portuguesa: Histéria da Guiné. Portugueses e Africanos na Senegdmbia (1841-1936) Lisboa, Estampa, 2 volumes, 1989. . Lanaissance du Mozambique. ORGEVAL, 2 volumes, 1984. Verso portuguesa: Histéria de Mogambique: formagao e oposi¢ao (1854-1918). Lisboa, Estampa, 2 volumes, 1988. Les guerres grises. Résistance et révoltes en Angola(1854-1941). Ed. Pélissier, Orgeval, 1978. Versio portuguesa: Histéria das campanhas de Angola. Lisboa, Estampa, 2 volumes, 1986. RUDEBECK, L. Problémes du Pouvoir Populaire et de Développement. Transition difficile en Guinée-Bissau. Upsala, Scandinavian Institut of African Studies, 1982. SEIBERT, G. Comrades, Clients and Cousins. Colonialism, Sociatism and Democratization in Sao Tomé and Principe. Leiden, Leiden U. CNWS, 1999. Verso portuguesa: Camaradas, Clientes e Compadres. Colonialismo, Socialismo e Democratizasao em S.Tomé e Principe. Lisboa, Vega, 2001. VI. Atualizacdes African Economic History, Boston, a partir de 1976. Cahier d’études africaines, a partir de 1960. International Journal of African Historical Studies, a partir de 1968. Islam et sociétés au sud du Sahara, a partir de 1987. Journal of African History, a partir de 1960. Notre librairie, a partir de 1968. Politique africaine, a partir de 1981 Revue frangaise d'histoire d’outre-mer, a partir de 1959. -717- Este livro é, antes de mais nada, um manual de historia africana e dirige-se a um Piblico diversificado de estudantes de histéria, de literatura, de ciéncias sociais e politicas, de direito e de economia. A originalidade da sua abordagem deve See on enna eet en one ae ee ete EOE Go a cue tae ORR Cesena (eo) A tarefa do leitor sera sem diivida facilitada, tornando-se mesmo aprazivel, gracas 4 utilizagao de numerosos documentos, textos de época, insubstituiveis e sempre apresentados no seu contexto hist6rico; dados estatisticos reorganizados e quadros Cee i Gee ace are ont eet culturais, com as incertezas faceis de imaginar; bibliografia que, longe de procurar ser exaustiva, visa suscitar o interesse e indicar pistas “para ir mais longe”; enfim, CS mn euch eee oe een renter eet (o>) Trata-se aqui de histéria, quer dizer, de uma operacao preocupada nao sé em construir os fatos passados e de os restituir com rigor e clareza, mas também de 0s ordenar de maneira a tornar inteligiveis os caminhos que, através do tempo, afeicoaram e produziram as sociedades africanas até as do nosso tempo. O conhecimento de uma tal histéria ajudar4, com toda a certeza, na Africa, nas “didsporas” africanas, como alhures no mundo, a evitar ¢ a combater as COTO Sn oes Ic no hon renee ete eee eee ELIKIA M“BOKOLO. COE ST ROR oe cers nb Rant ete seeeatt sr teoee Pa SSE necator nee eat ee SM Laie Cr wee eT Ren somes ey com o velho esquema da divulgacao de conhecimento unidirecional, de Norte para Sul. O projeto resulta da velha constata¢ao de que 0 pouco que lemos no Brasil sobre estes povos e culturas do “Sul” sao textos oriundos do eixo Estados Unidos-Europa. O mesmo vale para o que eles léem sobre o Brasil. © lugar de onde se fala nao é terreno neutro na constituicao do saber, assim nossa proposta € criar um dialogo Sul-Sul sem intermediarios ao Norte. Fortalecer nossos lacos certamente mudaré os termos de nossa interlocucdo com os intelectuais e os CoS ee eerie OC Ce Reet el creme ta nosso didlogo ser4 multidirecional: Port-au-Prince, Maputo, Delhi, Salvador, ea mL aS eee aT mE eee eT Cidade do Cabo, Manaus, Dakar, Jacarta, Recife, Luanda e outras veredas Sen Ce Tes

Você também pode gostar