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As redes das agências de difusão artístico - culturais internacionais e o mercado

cultural global: um enfoque Ibero-americano

Cristiane Marques de Oliveira1

INTRODUÇÃO

O texto aborda as dimensões estratégicas de atuação das agências de difusão artístico-


culturais internacionais no mercado cultural global. A primeira parte, trata da
contextualização do mercado cultural global e a instrumentalização da Cultura por meio
da Diplomacia. Na segunda parte, expõe-se a perspectiva das redes como estrutura de
poder transnacional, traçando paralelos entre o conceito de soft power e princípios da
Teoria das Redes.

Em seguida, apresentam-se as principais agências de difusão artístico-culturais


internacionais europeias e sua correspondente brasileira. Realiza-se uma análise sobre a
presença das agências de Portugal, Brasil e Espanha no mundo, a partir de uma
perspectiva geoestratégica, com base no desenho das redes onde são demonstrados: o
número de agências pelo mundo, a abrangência geográfica de sua localização e as áreas
de influência. Também para análise são considerados os dados socioeconômicos do
Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e o Produto Interno Bruto (PIB) dos países
onde as agências estão presentes e ausentes.

Na última parte, são descritos e analisados alguns programas desenvolvidos por


agências europeias, com base nos preceitos de mutualidade e reciprocidade. Finalmente,
apresenta-se argumentação conclusiva a respeito da atuação das agências em
conformidade com suas capabilities2, à luz da Teoria das Redes.

A Teoria das Redes é utilizada na medida em que permite uma abordagem complexa de
representação das relações entre os atores, olhando para dimensões analíticas
fundamentais: os recursos, as estruturas sociais e as ações. Possibilita também a

1
Artista, gestora cultural, curadora e analista internacional. Doutoranda no Centro de Estudos
Interdisciplinares do Século XX (CEIS20) da Universidade de Coimbra.
cristianemarquesdeoliveira@hotmail.com.
2
Capacidades.

1
adaptação das variáveis e critérios de análise conforme a natureza do objeto em questão,
por meio da qual são obtidas informações sobre os fluxos das relações.

As informações sobre as agências foram obtidas em seus respectivos websites e


relatórios. Os dados sobre o IDH foram obtidos na base de dados da United Nations
Development Programme (UNDP), e o PIB no website da Fundação Alexandre de
Gusmão (FUNAG), com base no World Economic Outloook Database, do Fundo
Monetário Internacional (FMI). O desenho das redes foi concebido com a utilização do
software Gephi.

O Mercado Cultural Global e a Diplomacia Cultural

A Cultura do ponto de vista antropológico trata dos “hábitos, costumes e realizações de


um indivíduo, uma comunidade, um povo ao longo de sua história” (RIBEIRO, 2011:
29). Com a transformação das sociedades por meio do capitalismo global, ela emerge
também como alternativa de enriquecimento nacional à medida que “cria emprego e
gera renda” (ONU, 2015, website), e é considerada “um eixo estratégico de
desenvolvimento para os diversos países e continentes no novo século” (UNCTAD,
2012: 5).

O mercado cultural global é constituído pelas Indústrias Criativas que “compreendem


setores e processos que têm como insumo a criatividade (...) para gerar localmente e
distribuir globalmente bens e serviços com valor simbólico e econômico” (REIS, 2008:
23). Sua cadeia produtiva é composta por artistas, agentes culturais, instituições, entre
outros (BECKER, 1982). Na esfera das relações culturais internacionais compreende:

Within nations, the actors in international cultural relations are very diverse;
they include governments and their agencies (including those operating at the
municipal or regional level), organisations in the arts and culture sector
(institutions, associations, centres, foundations, venues and networks),
academic institutions, individual artists and cultural actors, as well as private
businesses operating in the marketplace for cultural goods and services (EU,
2014: 85).

Esse segmento de mercado apresentou crescimento de 8,6% anuais de 2003 a 2012, e


comercializou um total de U$547 bilhões em bens e serviços criativos no ano de 2012
(UNESCO, 2015). Dados recentes demonstram que dos vinte maiores exportadores de

2
bens criativos no mundo, oito são países desenvolvidos, sendo o maior exportador a
Europa3 (UNCTAD, 2015). Portanto, trata-se de um mercado promissor, mas desigual.

No âmbito das ações empreendidas pelo Estado, a Cultura é utilizada para projetar a
imagem da nação no ambiente internacional por meio da Diplomacia Cultural, cujos
objetivos, à priori, são: o estabelecimento de relações amistosas com outros países,
promoção de trocas simbólicas, gerar spillover4, aproximar os povos e promover a paz
(AMORIM, 2015). As atividades desenvolvidas são:

os intercâmbios culturais, a promoção da arte e dos artistas, o ensino da


língua como veículo de valores, distribuição integrada de materiais de
divulgação, apoio a projetos de cooperação técnica, integração e mutualidade
de programação (RIBEIRO, 2011: 31).

Por outro lado, a Diplomacia Cultural trata da “utilização específica da relação cultural
para consecução de objetivos nacionais não somente cultural, mas, político, econômico
e comercial” (BRITISH COUNCIL, apud RIBEIRO, 2011: 33). Essa definição denota a
instrumentalização da Cultura a partir de critérios pragmáticos a serviço dos interesses
do Estado, caracterizando-a como recurso de soft power.

Soft Power, Redes e o Poder Transnacional

Na obra “O Futuro do Poder” Joseph Nye coloca as seguintes questões: “o que significa
exercer poder na era da informação global no século XXI? (...) quais recursos
produzirão poder?” (NYE, 2012: 13). A partir desse questionamento, articula um
discurso sobre as relações entre o poder, as redes e o capitalismo global.

O poder, de modo geral, é sinônimo de influência. Distingue-se entre militar,


econômico e brando (soft power) (NYE, 2012). O soft power é definido como “uma
forma de poder que se manifesta por meio da atração e persuasão que pode influenciar
os outros” (NYE, 2012: 118). Ele seria a capacidade para moldar crenças, percepções e
preferências das populações, inclusive no que consiste aos hábitos de consumo. Os

3
O país que lidera esse ranking é a Alemanha que fica atrás apenas da China, Estados Unidos e Hong
Kong (UNCTAD, 2015).
4
“Hábitos de cooperação seriam instituídos a partir de áreas técnicas, nas esferas econômicas e sociais,
nas quais os interesses comuns podem surgir mais facilmente, e a consequente interação transbordaria
para a arena política” (BERGMANN; GUTENBERG, 2013: 5, tradução livre).

3
recursos de soft power de um país são: “a cultura, seus valores políticos e sua política
externa” (NYE, 2012: 119).

As redes constituem um “conjunto de unidades sociais e de relações, diretas ou


indiretas, entre essas unidades sociais, através de cadeias de dimensão variável”
(MERCKLÉ, 2004, apud PORTUGAL, 2007: 23). Elas são compostas por diferentes
tipos de nós (atores) e laços (interações), conforme a sua natureza e constituição.

Para Nye, as redes desempenham um importante papel devido a sua capacidade para
estabelecer vínculos transnacionais, no desempenho da comunicação num cenário de
interdependência, para manutenção e estabelecimento de status quo e projeção de poder
no sistema internacional.

Manuel Castells também estabelece conexão entre as redes, o poder e o capitalismo


global, ao afirmar: “a sociedade em rede seria estruturada em suas funções e processos
dominantes em torno das redes, cuja manifestação atual é uma sociedade capitalista”5
(CASTELLS, 1997: 15).

A Cultura é para Castells fonte de poder, assim como o é para Nye. O seu papel nas
redes consiste na sua capacidade para influenciar as relações a partir de valores
compartilhados, e é a partir disso que se estabelece a articulação entre as redes e o soft
power:

In this complexity, the communication between networks and social actors


depends increasingly on shared cultural codes. If we accept certain values,
certain categories that frame the meaning of experience, then the networks
will process them efficiently (CASTELLS, 1997: 16).

Nye destaca que para funcionar o soft power “pode exigir a criação de uma entidade
específica” (BBC BRASIL, 2012, website), o que no âmbito da Diplomacia Cultural se
concretiza nas agências de difusão artístico-culturais internacionais.

As agências de difusão artístico-culturais internacionais como agentes da Diplomacia


Cultural

5
“It is a society that is structured in its dominant functions and processes around networks. In its current
manifestation it is a capitalist society” (CASTELLS, 1997: 15).

4
As agências de difusão artístico - culturais internacionais são instituições híbridas,
geralmente compostas por um misto de atores governamentais, intergovernamentais e
não governamentais (NYE, 2012). As atividades que desempenham são: promoção das
artes, ensino da língua, atividades educacionais, entre outras ações de cooperação
cultural.

A França iniciou suas atividades de Diplomacia Cultural no século XVIII, com a


Aliança Francesa no fim da Guerra Franco-Prussiana. O objetivo de sua criação foi
restabelecer o prestígio francês no mundo (NYE, 2012). Atualmente conta com uma
rede de “96 Institutos Franceses, mais de 300 Alianças Francesas, localizados em 161
países (...) e realizam 2.000 projetos culturais anualmente” (INSTITUT FRANÇAIS,
2018, website).

O British Council, instituição inglesa, iniciou suas atividades em 1934. O marco de sua
fundação foi logo após a crise de 1929 e o surgimento de movimentos totalitários na
Europa. Segundo a instituição, sua criação foi uma resposta de resistência e afirmação
da cultura inglesa em face desse cenário. Atualmente possui uma rede de agências
espalhadas por 107 países (BRITISH COUNCIL, 2018, website).

O Pro Helvetia é uma fundação de direito público que tem como missão apoiar e
divulgar as artes e a cultura suíças. As bases de sua fundação datam de 1888, a partir da
instituição da Federal Art Commission. Detém 05 escritórios regionais localizados na
África do Sul, Índia, Egito, China e Rússia, e mais 04 Centros Culturais na França,
Itália, e 02 nos Estados Unidos da América (PRO HELVETIA, 2018, website).

O Instituto Camões (ICa), instituição portuguesa, é um instituto público, integrado na


administração indireta do Estado, dotado de autonomia administrativa, financeira e
patrimônio próprio. Tem suas bases de fundação em 1929 com a Junta de Educação
Nacional, sendo responsável pelo desenvolvimento e execução da cooperação
portuguesa no âmbito cultural e educacional (INSTITUTO CAMÕES, 2018, website).

O Instituto Cervantes (IC) é uma instituição criada pela Espanha em 1991.


Administrativamente é um ente público, integrado ao Ministério de Assuntos

5
Exteriores, e é regido por um patronato e um conselho. Sua missão é a difusão da
cultura e língua hispânica no mundo (EL PAÍS, 2018).

A Rede Brasil Cultural (RBC) é um instrumento do Ministério das Relações Exteriores


brasileiro (Itamaraty). Ela é constituída pelos Centros Culturais Brasileiros (CCBs) que
são extensões de embaixadas, resultado de missões enviadas pelo Itamaraty na América
do Sul nos anos 1940. Também integram a rede cinco Núcleos de Estudos Brasileiros
(NEBs) na Guiné Equatorial, Guatemala, Paquistão e Uruguai (ITAMARATY, 2018,
website). Seu objetivo é difundir a língua portuguesa, de vertente brasileira, e a cultura
nacional no exterior.

As agências podem ser consideradas atores ideais6 para a operacionalização da


Diplomacia Cultural: 1) na medida em que detém recursos próprios, ou seja, capital,
infraestrutura e agentes especializados - indispensável ao exercício de inteligência
cultural adequada -; 2) detém relativa autonomia para aplicação dos recursos e definição
de estratégias para uso do soft power; e 3) são organizadas em redes transnacionais de
difusão cultural.

Mapeamento geoestratégico das agências Ibero-americanas

As agências ibero-americanas estão presentes em 94 países do mundo. Estão ausentes


em 99 Estados7, sendo a maior parte deles localizados na África e Ásia. A partir dessa
constatação, apresenta-se a questão: quais os critérios que determinam a presença ou
ausência dessas agências nos países e regiões do mundo?

6
Nota: neste estudo não se adentra o mérito de eficiência e eficácia de atuação das agências citadas.
7
Considera-se para a métrica os 193 países reconhecidos pela ONU.

6
Figura 1. Rede das agências de difusão artístico-culturais internacionais ibero-
americanas no mundo

Elaboração própria (abril/2018).

A ilustração acima mostra a rede das agências de difusão artístico-culturais


internacionais ibero-americanas: ICa, IC e RBC, e os países onde elas estão presentes.
Quanto maior o número de países onde a agência está presente, maior a circunferência
do seu nó. Os laços indicam a ligação das agências aos países, e evidencia a
coexistência de diferentes agências em um mesmo país e suas regiões de abrangência.

A RBC está presente em 24 países e sua maior área de abrangência é a América do Sul,
seguida da África. IC está presente em 448 países e a sua maior área de abrangência é a
Europa, seguida da Ásia. O ICa, está presente em 71 países e sua maior área de
abrangência é a Europa, seguida da África.

8
Exclui-se a Síria cuja unidade encontra-se fechada momentaneamente (IC, 2018, website).

7
O ICa e o IC coexistem em 35 países, sendo 20 deles localizados na Europa. O ICa e a
RBC coexistem em 14 países, a maior parte deles localizados na África, e cuja maioria
integra a Comunidades dos Países de Língua Portuguesa (CPLP)9. No Líbano estão
presentes o IC e a RBC. Segue abaixo gráfico que demonstra a presença das agências
por continente:

Gráfico 1. Presença das agências por continente

Elaboração própria (abril/2018).

A presença das três agências em Israel e na Itália, pode ser vista em razão do
posicionamento estratégico que esses países ocupam na região mediterrânea. A presença
da RBC na Itália também pode ser motivada pelos laços culturais existentes entre os
dois países, de acordo com a intensa imigração italiana ao Brasil ocorrida no início do
século XX.

A forte presença das agências Ibéricas na Europa pode ser vista como resultante da
atratividade que o bloco da União Europeia exerce nos dois países, de acordo com as
políticas de integração e políticas culturais transnacionais promovidas por instituições
interestatais10 (DEWEY; SINGH, 2010). Inclusive ICa está presente na Espanha, assim
como IC em Portugal.

9
África do Sul, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe.
10
Europa Criativa; European Cultural Foundation; Council for Europe; Education, Audiovisual and
Culture Executive Agency (EACEA).

8
As duas agências Ibéricas estão presentes no Brasil, mas a agência brasileira está
presente somente na Espanha. O ICa e IC estão presentes na Austrália e Estados Unidos
da América, enquanto a RBC não está presente em nenhum dos dois países.

Observa-se que é importante ao ICa estar presente nos países lusófonos, os quais, cabe
ressaltar, foram colonizados por Portugal nos séculos XV e XVI. A partir disso, pode-se
afirmar que é relevante à instituição a manutenção de influência nessas regiões. Por sua
vez o IC não tem presença na América hispânica, o que pode indicar que não se
considera como critério de aproximação o compartilhamento da mesma língua e/ou o
histórico de dominação colonial na região.

A presença marcante da RBC na América do Sul pode ser vista em razão do seu status
quo como liderança regional e potência média emergente, que elege essa região como
área de influência prioritária. Apresenta-se a seguir análise da presença e ausência das
agências nos países de uma perspectiva socioeconômica, com base nos dados do PIB e
IDH dos países.

Gráfico 2. Presença das agências nos países de acordo com o IDH

Elaboração própria (abril/2018).

O gráfico 2 demonstra que as agências estão presentes em 43% dos países que
apresentam IDH muito alto; 24,71% alto; 22,35% médio; e 9,41% baixo11. Dos países

11
Gráfico elaborado a partir da lista dos países no site da UNITED NATIONS DEVELOPMENT
PROGRAMME (UNDP), dados de 2015.

9
europeus com IDH muito alto, elas estão ausentes na Islândia, Noruega e Dinamarca12,
os quais apresentam PIBs inferiores à média mundial que em 2017, foi de U$ 409,75
bilhões13.

A média do PIB nos países onde as agências estão presentes, nesse mesmo ano, foi de
U$801,85 bilhões, ou seja, quase o dobro da média mundial. Por sua vez a média do
PIB nos países onde as agências estão ausentes foi de U$53,29 bilhões, bem abaixo da
média mundial. O país com o menor PIB onde ao menos uma das agências (ICa) está
presente é São Tomé e Príncipe (U$360 milhões), e o país com maior PIB onde as
agências estão ausentes é a Arábia Saudita (U$707,38 bilhões).

A respeito da presença das três agências em Israel e na Itália, destaca-se que ambos os
países apresentam IDH classificados como muito alto. Em relação ao PIB, apesar de
Israel não apresentar valores superiores à média mundial, ele está próximo desse
número com U$339,99 bilhões. Por sua vez a Itália apresenta um PIB de U$1.807,43
trilhões, ou seja, quatro vezes superior à média mundial.

A partir desses dados, observa-se que as agências apresentam preferências por se


estabelecerem em países com melhores PIBs e IDHs. Também buscam se estabelecer
em regiões onde há compartilhamento de valores e certa identificação cultural, como é o
caso de ICa e IC na Europa. Em outros casos, pode-se levar em conta o histórico de
relações coloniais e o interesse por manter áreas de influência.

Discurso, Ação e Reciprocidade na Cooperação Cultural

No ano de 2018, o British Council lançou no Brasil o programa “Pontes”, realizado em


parceria com a empresa brasileira Oi Futuro. Por meio desta ação, a empresa destinou
recursos financeiros aos festivais brasileiros que integrassem em sua programação
produções artísticas inglesas, as quais, em grande parte, foram pré-selecionadas pelo
BC.

12
Dados de 2017: Islândia U$ 22,97 bilhões; Noruega U$391,96 bilhões; e Dinamarca U$304,22 bilhões
(FUNAG/FMI, 2018).
13
Cálculo elaborado a partir das informações publicadas pela Fundação Alexandre de Gusmão, com base
no World Economic Outlook Databases, do Fundo Monetário Internacional. Nota: Não foram informados
valores dos PIBs de Andorra, Cuba, Egito, Paquistão e Síria. Estão ausentes da lista: Mônaco, Coreia do
Norte, Ilhas Caimã, Lichenstein, Somália e Anguila.

10
Apesar de o nome “Pontes” sugerir uma via de conexão entre os dois países, pode-se
observar que a proposta apresentou condicionantes que acabaram por favorecer a
agência inglesa, são elas: 1) a iniciativa foi financiada, ao que indica o edital,
exclusivamente com recursos da empresa brasileira, sem deixar explícito qualquer
contrapartida da instituição inglesa; 2) os recursos destinados aos festivais custeavam
parcialmente o necessário à realização das atividades, o que “forçava” a
complementação de recursos por parte dos festivais com verbas oriundas de outras
fontes nacionais; 3) não foram previstas ações de intercâmbio no sentido inverso, ou
seja, proporcionar a mobilidade de artistas brasileiros com destino ao Reino Unido.

Diante disso, considera-se que o fluxo de recursos seguiu direção unilateral. Foi
manipulada a oferta e demanda por produções artísticas em favor das produções
inglesas no mercado cultural brasileiro, além disso, os curadores locais tiveram suas
escolhas artísticas influenciadas com base na oferta de capital, o que estabeleceu
dirigismo curatorial.

Fatos como esse evidenciam pontos de atenção quanto a mutualidade14 e a reciprocidade


das ações de cooperação cultural e os impactos econômicos e culturais que podem
sofrer os países receptores das atividades que as agências implementam. Essa
preocupação é justificada, e, de acordo com a Declaração Universal sobre a Diversidade
Cultural da Organização das Nações Unidas (2002):

os bens culturais são mercadorias distintas das demais e, por isso, é


necessário reforçar as capacidades de criação e de difusão em escala mundial,
ante aos desequilíbrios atualmente produzidos no fluxo e no intercâmbio de
bens culturais em escala mundial (ONU, 2002: art. 10º).

Em reconhecimento à existência de desigualdade nas relações culturais internacionais, a


agência Pro Helvetia lançou em 2017, o Programa “Coincidência”. O objetivo da
atividade é desenvolver ações junto aos países da América Latina sob o discurso de
“estabelecer um relacionamento mais coordenado e menos imperialista nos países onde
atua” (ESTADÃO, 2017). Contudo, na visão dos críticos, “evidentemente, seu interesse
primordial é promover os artistas suíços” (ESTADÃO, 2017).

14
“Mutuality is a term often linked to cultural relations (...) It refers to the building of sustainable
relations that are mutually beneficial both to the host and foreign country” (FISHER, 2011: 12).

11
CONCLUSÃO

Diante do exposto, acredita-se que as redes das agências de difusão artístico-culturais


internacionais são atores capazes de influenciar o mercado cultural global, tanto em seu
aspecto material (econômico), quanto imaterial (político e estético). Elas podem gerar
assimetrias nas relações culturais internacionais e reforçar as desigualdades no comércio
internacional de bens e serviços culturais, primeiro: em razão de sua constituição em
rede, o que permite a articulação transnacional e interdependente, e o fluxo de recursos,
ideias ou práticas; e, segundo: conforme sua capacidade infraestrutural e de recursos.

Igualmente, compreende-se que os países que contam com o trabalho dessas agências
detém vantagens no mercado cultural global, à medida que elas exercem suas atividades
de maneira contínua e sistemática, o que gera arrecadação e rentabilização de recursos
ininterruptamente, assim, retroalimentando sua infraestrutura e a esfera da produção
artística doméstica, o que consequentemente, pode promover balança comercial de bens
e serviços culturais superavitária para os países que representam, em detrimento dos
países receptores das ações desenvolvidas.

Desse modo, considera-se que os Estados são atores chaves para a contenção das
assimetrias nesse mercado, constando sob sua responsabilidade o desenvolvimento de
políticas públicas adequadas para promoção da cultura e das artes nacionais no exterior,
e a busca por constituir acordos de cooperação cultural equilibrados.

Verifica-se ainda, que os agentes culturais especializados são atores essenciais nessa
cadeia produtiva, pois ocupam posições estratégicas na intersecção de diferentes redes
artístico-culturais, possuindo um elevado número de laços, além de obter acesso a
informações e recursos variados. São também detentores de capital social15, o que os
torna capazes de articular ações instrumentais que podem produzir retornos materiais e
imateriais, de modo que influenciam diretamente as forças de oferta e demanda do
mercado cultural em benefício das instituições e Estados que representam.

15
“recursos embutidos em uma estrutura social os quais podem ser acessados e/ou mobilizados para ações
propositais” (LIN, 2001: 12).

12
A partir das perspectivas de Nye e Castells sobre as redes como estrutura de poder
transnacional e da Cultura como fonte de poder, infere-se que a Diplomacia Cultural
pode ser utilizada como instrumento para alcançar e/ou manter recursos (capital, status
quo, soft power) no sistema internacional, e exercer dominação, seja ela de natureza
política, econômica ou ideológica, ou todas elas conjuntamente.

Isto posto, acredita-se que a grande tarefa que se apresenta trata do meticuloso exame
das ações de cooperação cultural estabelecidas entre as agências de difusão artístico-
culturais e os países receptores, com especial atenção na cooperação norte-sul, no
intuito de identificar se elas são de fato mútuas e recíprocas, ou se, ao contrário, não
passam de discursos e tentativas de dissuasão imbuídos de caráter imperialista.

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