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INTRODUÇÃO
A Teoria das Redes é utilizada na medida em que permite uma abordagem complexa de
representação das relações entre os atores, olhando para dimensões analíticas
fundamentais: os recursos, as estruturas sociais e as ações. Possibilita também a
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Artista, gestora cultural, curadora e analista internacional. Doutoranda no Centro de Estudos
Interdisciplinares do Século XX (CEIS20) da Universidade de Coimbra.
cristianemarquesdeoliveira@hotmail.com.
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Capacidades.
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adaptação das variáveis e critérios de análise conforme a natureza do objeto em questão,
por meio da qual são obtidas informações sobre os fluxos das relações.
Within nations, the actors in international cultural relations are very diverse;
they include governments and their agencies (including those operating at the
municipal or regional level), organisations in the arts and culture sector
(institutions, associations, centres, foundations, venues and networks),
academic institutions, individual artists and cultural actors, as well as private
businesses operating in the marketplace for cultural goods and services (EU,
2014: 85).
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bens criativos no mundo, oito são países desenvolvidos, sendo o maior exportador a
Europa3 (UNCTAD, 2015). Portanto, trata-se de um mercado promissor, mas desigual.
No âmbito das ações empreendidas pelo Estado, a Cultura é utilizada para projetar a
imagem da nação no ambiente internacional por meio da Diplomacia Cultural, cujos
objetivos, à priori, são: o estabelecimento de relações amistosas com outros países,
promoção de trocas simbólicas, gerar spillover4, aproximar os povos e promover a paz
(AMORIM, 2015). As atividades desenvolvidas são:
Por outro lado, a Diplomacia Cultural trata da “utilização específica da relação cultural
para consecução de objetivos nacionais não somente cultural, mas, político, econômico
e comercial” (BRITISH COUNCIL, apud RIBEIRO, 2011: 33). Essa definição denota a
instrumentalização da Cultura a partir de critérios pragmáticos a serviço dos interesses
do Estado, caracterizando-a como recurso de soft power.
Na obra “O Futuro do Poder” Joseph Nye coloca as seguintes questões: “o que significa
exercer poder na era da informação global no século XXI? (...) quais recursos
produzirão poder?” (NYE, 2012: 13). A partir desse questionamento, articula um
discurso sobre as relações entre o poder, as redes e o capitalismo global.
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O país que lidera esse ranking é a Alemanha que fica atrás apenas da China, Estados Unidos e Hong
Kong (UNCTAD, 2015).
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“Hábitos de cooperação seriam instituídos a partir de áreas técnicas, nas esferas econômicas e sociais,
nas quais os interesses comuns podem surgir mais facilmente, e a consequente interação transbordaria
para a arena política” (BERGMANN; GUTENBERG, 2013: 5, tradução livre).
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recursos de soft power de um país são: “a cultura, seus valores políticos e sua política
externa” (NYE, 2012: 119).
Para Nye, as redes desempenham um importante papel devido a sua capacidade para
estabelecer vínculos transnacionais, no desempenho da comunicação num cenário de
interdependência, para manutenção e estabelecimento de status quo e projeção de poder
no sistema internacional.
A Cultura é para Castells fonte de poder, assim como o é para Nye. O seu papel nas
redes consiste na sua capacidade para influenciar as relações a partir de valores
compartilhados, e é a partir disso que se estabelece a articulação entre as redes e o soft
power:
Nye destaca que para funcionar o soft power “pode exigir a criação de uma entidade
específica” (BBC BRASIL, 2012, website), o que no âmbito da Diplomacia Cultural se
concretiza nas agências de difusão artístico-culturais internacionais.
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“It is a society that is structured in its dominant functions and processes around networks. In its current
manifestation it is a capitalist society” (CASTELLS, 1997: 15).
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As agências de difusão artístico - culturais internacionais são instituições híbridas,
geralmente compostas por um misto de atores governamentais, intergovernamentais e
não governamentais (NYE, 2012). As atividades que desempenham são: promoção das
artes, ensino da língua, atividades educacionais, entre outras ações de cooperação
cultural.
O British Council, instituição inglesa, iniciou suas atividades em 1934. O marco de sua
fundação foi logo após a crise de 1929 e o surgimento de movimentos totalitários na
Europa. Segundo a instituição, sua criação foi uma resposta de resistência e afirmação
da cultura inglesa em face desse cenário. Atualmente possui uma rede de agências
espalhadas por 107 países (BRITISH COUNCIL, 2018, website).
O Pro Helvetia é uma fundação de direito público que tem como missão apoiar e
divulgar as artes e a cultura suíças. As bases de sua fundação datam de 1888, a partir da
instituição da Federal Art Commission. Detém 05 escritórios regionais localizados na
África do Sul, Índia, Egito, China e Rússia, e mais 04 Centros Culturais na França,
Itália, e 02 nos Estados Unidos da América (PRO HELVETIA, 2018, website).
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Exteriores, e é regido por um patronato e um conselho. Sua missão é a difusão da
cultura e língua hispânica no mundo (EL PAÍS, 2018).
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Nota: neste estudo não se adentra o mérito de eficiência e eficácia de atuação das agências citadas.
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Considera-se para a métrica os 193 países reconhecidos pela ONU.
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Figura 1. Rede das agências de difusão artístico-culturais internacionais ibero-
americanas no mundo
A RBC está presente em 24 países e sua maior área de abrangência é a América do Sul,
seguida da África. IC está presente em 448 países e a sua maior área de abrangência é a
Europa, seguida da Ásia. O ICa, está presente em 71 países e sua maior área de
abrangência é a Europa, seguida da África.
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Exclui-se a Síria cuja unidade encontra-se fechada momentaneamente (IC, 2018, website).
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O ICa e o IC coexistem em 35 países, sendo 20 deles localizados na Europa. O ICa e a
RBC coexistem em 14 países, a maior parte deles localizados na África, e cuja maioria
integra a Comunidades dos Países de Língua Portuguesa (CPLP)9. No Líbano estão
presentes o IC e a RBC. Segue abaixo gráfico que demonstra a presença das agências
por continente:
A presença das três agências em Israel e na Itália, pode ser vista em razão do
posicionamento estratégico que esses países ocupam na região mediterrânea. A presença
da RBC na Itália também pode ser motivada pelos laços culturais existentes entre os
dois países, de acordo com a intensa imigração italiana ao Brasil ocorrida no início do
século XX.
A forte presença das agências Ibéricas na Europa pode ser vista como resultante da
atratividade que o bloco da União Europeia exerce nos dois países, de acordo com as
políticas de integração e políticas culturais transnacionais promovidas por instituições
interestatais10 (DEWEY; SINGH, 2010). Inclusive ICa está presente na Espanha, assim
como IC em Portugal.
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África do Sul, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe.
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Europa Criativa; European Cultural Foundation; Council for Europe; Education, Audiovisual and
Culture Executive Agency (EACEA).
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As duas agências Ibéricas estão presentes no Brasil, mas a agência brasileira está
presente somente na Espanha. O ICa e IC estão presentes na Austrália e Estados Unidos
da América, enquanto a RBC não está presente em nenhum dos dois países.
Observa-se que é importante ao ICa estar presente nos países lusófonos, os quais, cabe
ressaltar, foram colonizados por Portugal nos séculos XV e XVI. A partir disso, pode-se
afirmar que é relevante à instituição a manutenção de influência nessas regiões. Por sua
vez o IC não tem presença na América hispânica, o que pode indicar que não se
considera como critério de aproximação o compartilhamento da mesma língua e/ou o
histórico de dominação colonial na região.
A presença marcante da RBC na América do Sul pode ser vista em razão do seu status
quo como liderança regional e potência média emergente, que elege essa região como
área de influência prioritária. Apresenta-se a seguir análise da presença e ausência das
agências nos países de uma perspectiva socioeconômica, com base nos dados do PIB e
IDH dos países.
O gráfico 2 demonstra que as agências estão presentes em 43% dos países que
apresentam IDH muito alto; 24,71% alto; 22,35% médio; e 9,41% baixo11. Dos países
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Gráfico elaborado a partir da lista dos países no site da UNITED NATIONS DEVELOPMENT
PROGRAMME (UNDP), dados de 2015.
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europeus com IDH muito alto, elas estão ausentes na Islândia, Noruega e Dinamarca12,
os quais apresentam PIBs inferiores à média mundial que em 2017, foi de U$ 409,75
bilhões13.
A média do PIB nos países onde as agências estão presentes, nesse mesmo ano, foi de
U$801,85 bilhões, ou seja, quase o dobro da média mundial. Por sua vez a média do
PIB nos países onde as agências estão ausentes foi de U$53,29 bilhões, bem abaixo da
média mundial. O país com o menor PIB onde ao menos uma das agências (ICa) está
presente é São Tomé e Príncipe (U$360 milhões), e o país com maior PIB onde as
agências estão ausentes é a Arábia Saudita (U$707,38 bilhões).
A respeito da presença das três agências em Israel e na Itália, destaca-se que ambos os
países apresentam IDH classificados como muito alto. Em relação ao PIB, apesar de
Israel não apresentar valores superiores à média mundial, ele está próximo desse
número com U$339,99 bilhões. Por sua vez a Itália apresenta um PIB de U$1.807,43
trilhões, ou seja, quatro vezes superior à média mundial.
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Dados de 2017: Islândia U$ 22,97 bilhões; Noruega U$391,96 bilhões; e Dinamarca U$304,22 bilhões
(FUNAG/FMI, 2018).
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Cálculo elaborado a partir das informações publicadas pela Fundação Alexandre de Gusmão, com base
no World Economic Outlook Databases, do Fundo Monetário Internacional. Nota: Não foram informados
valores dos PIBs de Andorra, Cuba, Egito, Paquistão e Síria. Estão ausentes da lista: Mônaco, Coreia do
Norte, Ilhas Caimã, Lichenstein, Somália e Anguila.
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Apesar de o nome “Pontes” sugerir uma via de conexão entre os dois países, pode-se
observar que a proposta apresentou condicionantes que acabaram por favorecer a
agência inglesa, são elas: 1) a iniciativa foi financiada, ao que indica o edital,
exclusivamente com recursos da empresa brasileira, sem deixar explícito qualquer
contrapartida da instituição inglesa; 2) os recursos destinados aos festivais custeavam
parcialmente o necessário à realização das atividades, o que “forçava” a
complementação de recursos por parte dos festivais com verbas oriundas de outras
fontes nacionais; 3) não foram previstas ações de intercâmbio no sentido inverso, ou
seja, proporcionar a mobilidade de artistas brasileiros com destino ao Reino Unido.
Diante disso, considera-se que o fluxo de recursos seguiu direção unilateral. Foi
manipulada a oferta e demanda por produções artísticas em favor das produções
inglesas no mercado cultural brasileiro, além disso, os curadores locais tiveram suas
escolhas artísticas influenciadas com base na oferta de capital, o que estabeleceu
dirigismo curatorial.
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“Mutuality is a term often linked to cultural relations (...) It refers to the building of sustainable
relations that are mutually beneficial both to the host and foreign country” (FISHER, 2011: 12).
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CONCLUSÃO
Igualmente, compreende-se que os países que contam com o trabalho dessas agências
detém vantagens no mercado cultural global, à medida que elas exercem suas atividades
de maneira contínua e sistemática, o que gera arrecadação e rentabilização de recursos
ininterruptamente, assim, retroalimentando sua infraestrutura e a esfera da produção
artística doméstica, o que consequentemente, pode promover balança comercial de bens
e serviços culturais superavitária para os países que representam, em detrimento dos
países receptores das ações desenvolvidas.
Desse modo, considera-se que os Estados são atores chaves para a contenção das
assimetrias nesse mercado, constando sob sua responsabilidade o desenvolvimento de
políticas públicas adequadas para promoção da cultura e das artes nacionais no exterior,
e a busca por constituir acordos de cooperação cultural equilibrados.
Verifica-se ainda, que os agentes culturais especializados são atores essenciais nessa
cadeia produtiva, pois ocupam posições estratégicas na intersecção de diferentes redes
artístico-culturais, possuindo um elevado número de laços, além de obter acesso a
informações e recursos variados. São também detentores de capital social15, o que os
torna capazes de articular ações instrumentais que podem produzir retornos materiais e
imateriais, de modo que influenciam diretamente as forças de oferta e demanda do
mercado cultural em benefício das instituições e Estados que representam.
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“recursos embutidos em uma estrutura social os quais podem ser acessados e/ou mobilizados para ações
propositais” (LIN, 2001: 12).
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A partir das perspectivas de Nye e Castells sobre as redes como estrutura de poder
transnacional e da Cultura como fonte de poder, infere-se que a Diplomacia Cultural
pode ser utilizada como instrumento para alcançar e/ou manter recursos (capital, status
quo, soft power) no sistema internacional, e exercer dominação, seja ela de natureza
política, econômica ou ideológica, ou todas elas conjuntamente.
Isto posto, acredita-se que a grande tarefa que se apresenta trata do meticuloso exame
das ações de cooperação cultural estabelecidas entre as agências de difusão artístico-
culturais e os países receptores, com especial atenção na cooperação norte-sul, no
intuito de identificar se elas são de fato mútuas e recíprocas, ou se, ao contrário, não
passam de discursos e tentativas de dissuasão imbuídos de caráter imperialista.
Bibliografia
AMORIM, Celso. Cultura e Soft Power. São Paulo: Centro de Pesquisa e Formação do
SESC São Paulo, 2015. Palestra.
BBC BRASIL. Interesse por cultura brasileira cria chance de fortalecer economia
via soft power. Acedido em: 05 de maio de 2018. Disponível em:
<http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2012/04/040423_brazilian_softpower01_rp.s
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BECKER, Howard S. Art Worlds. University of California Press. Los Angeles, 1982.
BRITISH COUNCIL. Annual Report and Accounts 2016–17. Acedido em: 14 de abril
de 2018. Disponível em: <https://www.britishcouncil.org/sites/default/files/annual-
report-2016-17.pdf>.
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CASTELLS, Manuel (1997). An introduction to the information age, City analysis of
urban trends, culture, theory, policy, action, 2:7, pp. 6-16.
NAN Lin, COOK, Karen and BURT, Ronald S. Social Capital: Theory and Research.
Ed. Aldine de Gruyter. New York, 2001.
NYE, Jr. Joseph S. O futuro do poder. Tradução Magda Lopes. Ed. Benvirá. São
Paulo, 2012.
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ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A CULTURA E EDUCAÇÃO
(UNESCO). Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural. 2002. Acedido em
20 de janeiro de 2018. Disponível em:
<http://unesdoc.unesco.org/images/0012/001271/127160por.pdf>.
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