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Capítulo 6

O balanço de pagamentos

6.1 Introdução
A análise das relações econômicas e financeiras internacionais
constitui a condição necessária para um adequado entendimento da
estrutura econômica de determinada nação. Isso porque os países
não são estruturas isoladas e mesmo os mais fechados acabam por
manter uma série de relações econômicas com outros países,
envolvendo trocas de mercadorias, fatores de produção e ativos.
Tais relações acabam tendo importantes implicações no cômputo de
determinados agregados macroeconômicos.

Os países não são estruturas isoladas. Eles mantêm uma


série de relações econômicas com outros países, envolvendo
trocas de mercadorias, fatores de produção e ativos (reais
e financeiros).

Assim, em uma economia aberta, a oferta agregada passa a ser


composta não apenas pela produção doméstica, mas também por
bens e serviços produzidos em outros países. Por outro lado, a
poupança total da economia, pode vir a incluir não apenas a
poupança interna, mas a poupança de não residentes, também
denominada de externa. Em outras palavras, a existência de
transações econômicas internacionais produz inúmeras implicações,
não só para as contas nacionais, como para a própria teoria
macroeconômica.
Nesse sentido, no sistema de contas nacionais, cuja metodologia
de referência foi apresentada no Capítulo 2, explicitamos a conta do
setor externo, em que são lançadas as importações, as exportações
e a renda líquida enviada ao resto do mundo (renda enviada menos
renda recebida) referente ao pagamento e recebimento relacionados
a fatores de produção. Da mesma maneira, na metodologia das
contas nacionais hoje adotada no Brasil (SNA 1993), também pode
ser encontrada a conta das operações correntes com o resto do
mundo, que contempla os mesmos lançamentos, além de outros
necessários para dar conta da inteiração cada vez maior entre as
diversas economias nacionais. Na verdade, essas contas
representam uma parte de uma conta mais ampla denominada
balanço de pagamentos, sendo que valem para esta peça contábil
os mesmos princípios que norteiam a elaboração das contas
nacionais, a saber, o princípio das partidas dobradas e o
princípio dos equilíbrios interno e externo.

No balanço de pagamentos são registradas todas as


transações econômicas que o país realiza com o resto do
mundo, em um determinado período de tempo, permitindo
avaliar sua situação econômica em relação às transações
internacionais.

A partir desse balanço, podemos avaliar quantitativamente, ou


qualitativamente, as diversas transações que o país mantém com
outros países, como a compra ou venda de mercadorias, a remessa
de lucros para o exterior por parte de empresas estrangeiras
instaladas no país, a atividade de turismo, os empréstimos
internacionais, os fluxos financeiros e os movimentos de capitais
especulativos dentre outros. Trata-se de uma conta que ocupa papel
cada vez mais importante no estudo da macroeconomia, tendo em
vista a intensificação, observada a partir dos anos 1980, do fluxo real
e financeiro entre os países, muitas vezes denominada globalização.
No Brasil, a responsabilidade pela elaboração do balanço de
pagamentos é do Banco Central do Brasil (Bacen), o qual segue
as diretrizes do FMI, buscando sempre manter a coerência
metodológica com o sistema de contas nacionais elaborado pelo
IBGE.

6.2 A estrutura do balanço de pagamentos


Conforme já destacado na introdução deste capítulo, o balanço
de pagamentos registra a totalidade das transações entre o país e o
resto do mundo. Em termos mais formais, o balanço de pagamentos
registra todas as transações entre residentes e não residentes de
um país em determinado período de tempo. Assim, antes de
iniciarmos a análise da estrutura dessa conta, é necessário que
tenhamos uma definição precisa desses dois termos.
Definem-se como residentes de um país todas as pessoas,
físicas ou jurídicas, que tenham esse país como seu principal centro
de interesse. Nesse sentido, podemos considerar como residentes
todas as pessoas que moram permanentemente no país (que têm
nele sua residência fixa), mesmo aquelas nascidas em outros
países; aquelas que moram no país, mas que estão
temporariamente em outros países (por motivo de turismo, negócio
ou qualquer outro); todas as empresas sediadas no país, inclusive
as filiais de empresas estrangeiras; e o próprio governo. Incluem-se
ainda, na categoria de residentes, embaixadas e consulados que se
encontram em outros países. Por exclusão, temos a definição de
não residentes.

O balanço de pagamentos registra todas as transações


entre residentes e não residentes de um país em
determinado período de tempo. Definem-se como residentes
de um país todas as pessoas, físicas ou jurídicas que tenham
esse país como seu principal centro de interesse.

Dadas essas importantes definições e lembrando que, quando se


trata de transações com o exterior, os registros são todos efetuados
em dólar norte-americano, que é atualmente o meio de pagamento
internacional, vejamos agora no Quadro 6.1 a estrutura completa do
balanço de pagamentos, de acordo com a metodologia adotada no
Brasil desde 2001 para essa peça contábil.1
Quadro 6.1 – Estrutura completa do Balanço de Pagamentos

Conta Corrente

1 – Balança Comercial [transações envolvendo mercadorias


tangíveis]
1.1 Exportações
1.2 Importações
2 – Balança de Serviços [transações envolvendo mercadorias
intangíveis]
2.1 Viagens e turismo
2.2 Fretes e Transportes
2.3 Seguros
2.4 Royalties
2.5 Outros
3 – Balança de Rendas [transações envolvendo fatores de
produção]
3.1 Lucros
3.2 Juros
3.3 Salários
4 – Transferências Correntes [são transferências e não
transações econômicas]
5 – Saldo do BP em transações correntes [ou simplesmente
saldo da conta corrente do BP] [5 = 1 + 2 + 3 + 4]
Conta Capital e Financeira

6 – Conta Capital
7 – Conta Financeira
7.1 Investimentos Diretos [inclui reinvestimentos e
empréstimos inter-companhia]
7.2 Investimentos em Carteira
7.3 Investimentos em Derivativos
7.4 Outros
7.4.1 Empréstimos e Financiamentos [inclui empréstimos
de regularização e amortizações]
7.4.2 Crédito Comercial
7.4.3 Moeda e Depósitos
7.4.4 Outros
8 – Erros e Omissões
9 – Saldo do Balanço de Pagamentos [9 = 5 + 6 + 7 + 8]
10 – Haveres da Autoridade Monetária – variação
[haveres estrangeiros líquidos e sob o controle da autoridade
monetária]
10.1 Reservas em Moeda Estrangeira [inclui títulos de alta
liquidez]
10.2 Reservas no FMI
10.3 Direitos Especiais de Saque [DES]
10.4 Ouro
10.5 Outros Haveres [qualquer outro ativo líquido em moeda
estrangeira]

Como podemos notar, o balanço de pagamentos oferece uma


estrutura bastante detalhada das operações que um país realiza
com o resto do mundo. Vejamos agora mais de perto o significado
de cada grupo de contas. A balança comercial (item 1) registra a
movimentação de mercadorias, ou seja, de bens tangíveis. Seu
saldo é dado pela diferença entre vendas de mercadorias efetuadas
pelo país ao exterior (exportações, conta 1.1) e compras de
mercadorias efetuadas pelo país no exterior (importações, conta
1.2). As exportações geram lançamentos a crédito, enquanto as
importações geram lançamentos a débito nessa balança. Se as
exportações excedem as importações, temos um superavit e,
ocorrendo o contrário, temos um deficit na balança comercial.
Existem duas maneiras de contabilizar as exportações e
importações. A primeira diz respeito ao conceito FOB (do inglês free
on board), que representa o valor de embarque da mercadoria. A
segunda diz respeito ao conceito CIF (cost, insurance and freight),
que inclui, além do custo propriamente dito das mercadorias, os
fretes e seguros relacionados ao seu transporte. Na balança
comercial, tanto as exportações quanto as importações são
registradas por seu valor FOB.
A balança de serviços (item 2) agrega as transações com
mercadorias intangíveis. E o que são mercadorias intangíveis?
Quando, uma empresa brasileira compra um serviço de transporte
de uma empresa estrangeira (por exemplo, um exportador brasileiro
de soja que compra os serviços de transporte de uma companhia
mercante inglesa), ele está comprando uma mercadoria, assim como
quem compra vinho ou petróleo, mas essa mercadoria não é
tangível, ou seja, não podemos percebê-la com a utilização de
nossos cinco sentidos (por isso, muitas vezes, ela é chamada de
balança de “invisíveis”). Durante muito tempo, essa conta agregou
também as rendas de capital (lucros, dividendos e juros enviados e
recebidos do exterior), que não são em realidade serviços, mas
transações relacionadas a fatores de produção. Entretanto, a partir
de 2001, a balança de serviços passou a contabilizar apenas os
serviços propriamente ditos, ou seja, transações econômicas
envolvendo transportes e fretes, turismo, viagens internacionais
em geral, serviços financeiros e de comunicação, royalties etc..
Por conta da antiga estruturação do balanço de pagamentos,
consagrou-se a terminologia que remete à natureza do “serviço”, ou
seja, para os serviços verdadeiros utilizava-se o termo serviços não
fatores, e para as rendas serviços de fatores, terminologia que
ainda faz parte do jargão macroeconômico, apesar de essas rubricas
já estarem em grupos distintos.
Atualmente, portanto, é a balança de rendas (item 3) que inclui
as transações relacionadas aos fatores de produção: pagamentos
ou recebimentos que se dão em função da utilização desses fatores,
como uma remessa de lucros ou dividendos (3.1), ou o
recebimento de juros (3.2) – que representam, no caso, a
remuneração devida à utilização do fator capital. Conforme
adiantado no Capítulo 4, atualmente, dado o elevado grau de
interação existente entre as diversas economias nacionais, essas
transações envolvem também o fator trabalho, uma vez que, por
exemplo, uma empresa brasileira pode, se achar conveniente,
utilizar força de trabalho de não residentes, de modo que terá de
remeter recursos ao exterior para o pagamento de salários (3.3),
sendo que o inverso também pode ocorrer.
O grupo seguinte é o das transferências unilaterais correntes
(item 4), que envolvem pagamentos ou recebimentos, tanto em
moeda quanto em bens, sem contrapartida, tais como as remessas
de recursos realizadas por pessoas que trabalham em outro país
aos seus familiares no país de origem, ou as doações de um país a
outro a título de ajuda humanitária ou reparação de guerra.2
Somando-se os saldos das balanças comercial, de serviços e de
rendas com o resultado líquido das transferências unilaterais
correntes, obtemos o chamado saldo do balanço de pagamentos
em transações correntes, ou simplesmente saldo em conta
corrente (item 5), que possui um importante significado econômico
para o país. Assim, se o país envia mais recursos do que recebe,
estes relacionados com as transações das quatro contas até aqui
analisadas, temos um deficit em transações correntes.
Evidentemente, o contrário representa um superavit.

A balança comercial registra as exportações e importações


de mercadorias tangíveis. A conta de serviços elenca as
despesas e receitas com mercadorias intangíveis como
transporte e seguro. A conta de rendas relaciona as
transações envolvendo fatores de produção, como
recebimento de lucros ou pagamento de juros. Finalmente, as
transferências unilaterais dão conta dos recebimentos,
remessas de recursos ou mercadorias sem contrapartida.
Somando o saldo desses quatro grupos de contas, chega-se
ao saldo do balanço de pagamentos em transações
correntes.

Em termos concretos, a ocorrência de um deficit em transações


correntes no balanço de pagamentos, situação muito comum em
países como o Brasil, significa que, em determinado período, o país
“produziu” – por meio da venda de bens, serviços, recebimento de
rendas e recebimento de transferências unilaterais – uma
quantidade de divisas (atualmente dólares)3 insuficiente para pagar
as despesas em divisas contraídas no mesmo período.
Então surge a seguinte questão: como um país financia um
eventual deficit em transações correntes? Uma empresa pode tomar
empréstimos. Uma pessoa pode utilizar seu saldo do cheque
especial. Mas, e um país? A resposta pode ser encontrada nas
contas seguintes, principalmente nas contas que fazem parte do
item 7 (conta financeira) e na conta haveres da autoridade monetária
(item 10). Para antecipar, de modo resumido, a reposta dessa
pergunta podemos dizer que, quando um país apresenta um deficit
em sua conta corrente, o problema pode estar resolvido se, do ponto
de vista das transações com capital, o resultado for superavitário.
Para entender corretamente esta observação é preciso se lembrar
da diferença entre fluxos e estoques, que remete à diferença entre
transações correntes e transações de capital. Assim, por
exemplo, em determinado ano, o país pode ter tido um resultado
líquido negativo de seu fluxo de despesas e receitas correntes
(exportações e importações, pagamentos e recebimentos de
serviços e rendas, além das transferências), mas pode ter recebido
recursos em moeda forte em função, por exemplo, de investimentos
externos diretos que tenham sido feitos no país (não residentes
compraram ativos de residentes), ou ainda de empréstimos que
residentes tenham obtido junto a não residentes. Essas últimas
transações trazem divisas ao país tanto quanto as dos grupos 1, 2, 3
e 4, mas não são transações correntes, pois lidam com estoques de
riqueza (ativos).4 Assim, se o resultado líquido dessas transações for
superavitário em magnitude suficiente para compensar o deficit da
conta corrente, o país terá tido superavit em seu BP, apesar do
deficit registrado em sua conta corrente. Se isso não ocorrer, então o
país terá que abrir mão de parte de suas reservas (haveres) para
honrar seus compromissos em moeda forte. Vejamos agora em
detalhes cada uma das contas que integram esta segunda parte do
BP.
A conta capital (item 6) foi uma inovação em relação à
metodologia seguida pelo BP do Brasil antes de 2001, e foi adotada
pelo Bacen para que o país se adaptasse às diretrizes
metodológicas do FMI. A diferença entre esta e as contas
subsequentes, que integram a chamada conta financeira, é que, na
conta capital, registram-se apenas transferências unilaterais de
capital, enquanto que as restantes registram todas as demais
transações envolvendo capital (diferença semelhante a que existe,
no âmbito da conta corrente, entre as transações usuais e as
transferências correntes, razão pela qual também lá estas últimas
ficam em uma conta à parte). As transferências de capital estão
relacionadas com patrimônio de imigrantes e aquisições ou
alienações de bens não financeiros, tais como a cessão de
patentes e marcas. Assim, apesar do nome idêntico, ela não guarda
qualquer relação com a “conta capital” utilizada nas metodologias
anteriores. Essa conta não é muito expressiva e seu saldo, no Brasil,
tem sido pequeno em relação aos das demais contas.
A conta mais importante desta segunda parte do BP é, sem
dúvida, aquela que aparece no item 7, a conta financeira (conta
“movimento de capitais autônomos” na metodologia anterior). Como
o próprio nome sugere, essa conta registra as transações
envolvendo investimentos de qualquer tipo, empréstimos e
financiamentos entre países. Na conta investimentos diretos, ou
investimentos externos diretos (IED), como é mais conhecida
(item 7.1), contabilizam-se todas as aquisições e vendas de capital
produtivo entre residentes e não residentes em determinado
período. Incluem-se aí, portanto, as compras e vendas de empresas
nacionais, privadas ou estatais, as aquisições ou vendas de
participações societárias e a ampliação e/ou criação de capacidade
produtiva nova no país por iniciativa de empresas ou grupos
estrangeiros. Evidentemente, as aquisições entram com sinal
positivo, pois representam ingresso de divisas no país, enquanto as
vendas entram com sinal negativo. Existem também as operações
de compra e venda de capital estrangeiro em outros países,
realizadas por residentes. Tais operações também são registradas
na conta investimentos diretos, porém com os sinais trocados.
Quando o resultado dessa conta é positivo, o que costuma
acontecer em países menos desenvolvidos como o Brasil, que são
importadores líquidos de capital, isso significa que, no período em
questão, os investimentos no país constituíram uma fonte de
obtenção de divisas, as quais podem ser utilizadas para fazer face
aos compromissos externos registrados na conta corrente do
balanço de pagamentos. No Brasil, desde o início dos anos 1990, e
particularmente depois de 1994, a conta investimentos diretos
revestiu-se de extrema importância, não só em função do acelerado
e intenso processo de privatização, que contou com uma expressiva
participação do capital estrangeiro, como também em função das
inúmeras aquisições de empresas de capital privado nacional por
parte de grupos estrangeiros.
Ainda sobre essa conta é preciso registrar que os
reinvestimentos também são aí contabilizados. Reinvestimentos
são rendimentos proporcionados pelas empresas de capital
estrangeiro que, ao invés de serem remetidos para fora,
permanecem no país e são reinvestidos nas empresas. Na realidade
essa conta torna-se necessária em função justamente da existência
de lucros reinvestidos (registrados na conta de rendas), ou seja, de
rendimentos propiciados pelo capital estrangeiro no país e que,
portanto, encontram-se sob a forma de moeda doméstica, mas que
não se transformam em divisas, dada a decisão de seus detentores
de reinvesti-los no negócio. Na próxima seção, quando estudarmos
de modo mais detalhado a mecânica contábil do balanço de
pagamentos, ficará mais clara a natureza dessa conta. Finalmente, é
também nesta conta que se contabilizam os empréstimos inter
companhias. Assim, se uma empresa de propriedade de não
residentes operando no país recebe recursos de sua matriz no
exterior sob a forma de empréstimos, esses recursos são
contabilizados no BP como investimentos externos diretos.
A conta seguinte é a dos investimentos em carteira (item 7.2).
Ela registra todas as transações que envolvem ativos financeiros
propriamente ditos, como títulos públicos, commercial papers (títulos
de dívida privados) e ações. Elas constituem por isso obrigações e
direitos no curto prazo, pois para esses ativos existem mercados
secundários onde eles podem ser comprados e vendidos a qualquer
momento. Isso diferencia esses investimentos do grupo anterior, que
são investimentos de prazo mais longo. Por isso, muitas vezes,
utiliza-se também para este grupo de transações a denominação
capitais de curto prazo.5 Incluem-se ainda nessa conta os
investimentos em derivativos, que são aplicações financeiras
(futuros, opções e swaps) que têm como base ativos derivados de
outros ativos, os quais podem ser materiais como ouro, soja ou boi,
mas também podem ser financeiros como ações, moedas e taxas de
juros. Veremos mais adiante a forma específica de contabilizar esse
tipo de investimento no BP.
Os capitais de curto prazo vêm se tornando cada vez mais
importantes, não só em função dos avanços na tecnologia de
comunicação, que permite uma aproximação cada vez maior entre
instituições financeiras das mais diversas partes do mundo,
facilitando e estimulando esse tipo de operação, como,
principalmente em função da maior liberalização nas regras relativas
aos movimentos desses recursos, tendência essa que vem se
difundindo na maior parte dos países desde a década de 1980.
Particularmente para os países mais dependentes de capital externo
como o Brasil, essa modalidade de “investimento”, agora
extremamente facilitada pela desregulamentação, tem-se constituído
uma importante fonte de divisas, configurando uma forma não
desprezível de financiamento do deficit em conta corrente do
balanço de pagamentos. Ao mesmo tempo, porém, esse tipo de
recurso tem tornado muito vulneráveis as economias que dele fazem
uso intensivo. Além disso, a necessidade de manter continuamente
um ambiente macroeconômico “favorável” à sua permanência tem
transformado os capitais de curto prazo – boa parte deles mantidos
com finalidades especulativas – na variável praticamente
determinante das políticas monetária e cambial, que deveriam ser
operadas levando-se em conta variáveis de outro tipo como
crescimento, emprego e exportações. Voltaremos a este tema ainda
neste capítulo.
Chegamos assim ao último grupo (item 7.3) desta conta
financeira, o qual congrega todos os demais tipos de investimentos.
Dentre esses, o primeiro subitem é o que registra os empréstimos e
financiamentos (7.3.1). Figuram aí todos os empréstimos
contraídos no exterior e todos os financiamentos externos
obtidos por residentes, com exceção do crédito comercial, do
qual falaremos adiante. Da mesma maneira, incluem-se também
aqui, com os sinais invertidos, os empréstimos e financiamentos
concedidos por residentes a não residentes. Se uma empresa
residente, considerando a taxa de juros interna muito elevada, busca
os recursos que necessita fora do país, ela acaba com isso trazendo
divisas à economia doméstica. Já se um não residente compra uma
empresa no país, mas não a paga integralmente à vista, parcelando
uma parte de seu valor, esta é uma operação de concessão de
financiamento operada por um residente em favor de um não
residente (neste caso não se trata evidentemente de saída de
recursos, mas de uma receita que já está auferida e ainda não
entrou no país, constituindo assim um lançamento com sinal
negativo no BP).
Até 2001, essa conta não contemplava os chamados
empréstimos de regularização, os quais eram registrados no grupo
10 (haveres das autoridades monetárias). Esses empréstimos dizem
respeito às divisas que entram no país em função de acordos
efetuados entre o país em questão e o Fundo Monetário
Internacional (FMI) ou outras instituições financeiras multilaterais
como o BIS (Bank for International Settlements) e o Clube de Paris.
Quando o país conta com esse tipo de recurso, é porque se viu na
contingência de solicitá-los em função de uma situação externa
extremamente frágil. Como esses empréstimos não decorrem de
transações normais entre os agentes econômicos, mas de uma
decisão de governo para a qual, regra geral, o país é empurrado por
total falta de alternativa e visando obter reservas para que seus
compromissos em moeda forte possam ser honrados, julgava-se
mais conveniente contabilizá-los na conta haveres da autoridade
monetária, em uma rubrica especial denominada “transações
compensatórias”. O Brasil assim contabilizava então os recursos
provenientes de tais empréstimos. A partir de 2001, contudo,
obedecendo a diretriz do próprio FMI, o Brasil passou a contabilizá-
los da mesma maneira que os empréstimos normais, ou seja, na
rubrica empréstimos e financiamentos.6
Ainda com relação a esta conta, deve-se observar que ela
também registra as amortizações, ou seja, todos os pagamentos
ocorridos, no período em questão, de parcelas referentes ao
principal dos empréstimos e financiamentos externos contraídos ou
concedidos. Os pagamentos referentes aos juros incidentes sobre
tais empréstimos e financiamentos, ou seja, aquilo que se costuma
chamar de serviço da dívida, não são registrados aqui, mas, como
já visto, na conta de rendas (item 3) localizada na parte de cima do
BP.
Finalmente, resta destacar que se incluem nessa rubrica os
atrasados, ou seja, o não pagamento de qualquer obrigação em
moeda estrangeira. Regra geral quando isso ocorre, é porque o país
não dispõe das reservas necessárias para honrar tal obrigação, nem
da ajuda dos organismos internacionais. Em outras palavras, um
lançamento dessa natureza nada mais representa que a decretação
de moratória pelo país. Apesar de ser uma situação pouco
confortável, o país pode escolher decretá-la, em vez de se submeter
às exigências impostas para a obtenção de recursos de organismos
internacionais de ajuda.
A conta seguinte (7.3.2) abriga os créditos comerciais. Esses
créditos referem-se a importações ou exportações de bens ou
serviços que não são integralmente pagas à vista, sendo ao
menos uma parte de seu valor parcelada. Por exemplo, um
exportador pode financiar a venda de suas mercadorias, de modo
que o país receba esses recursos não de uma só vez, mas em
parcelas. Da mesma forma um importador pode comprar
mercadorias desembolsando aos poucos os recursos necessários
para pagá-las. O que diferencia estes créditos dos financiamentos
da conta anterior é que aqui trata-se de financiar operações
correntes, enquanto lá estão envolvidas transações com capital,
como é o caso de uma compra de empresa.
A oferta de crédito é um dos elementos que pode determinar o
nível de exportações de um país. Se os exportadores não tiverem
nenhuma condição de oferecer crédito a seus clientes, ou seja, de
parcelar suas vendas, certamente perderão muitos negócios para
outros concorrentes que podem fazê-lo. A possibilidade de que isso
aconteça de forma adequada está ligada à política de crédito do
país, particularmente à política monetária, responsável pela
determinação da taxa de juros.
O item 7.3.3, moeda e depósitos, é um item que vem ganhando
importância nos anos recentes em função da intensificação dos
processos de abertura financeira. Eles referem-se à possibilidade de
que residentes mantenham legalmente recursos em divisas fora do
país e/ou que não internalizem recursos provenientes de vendas
realizadas a não residentes. Assim, por exemplo, um exportador
brasileiro de suco de laranja pode optar por não internalizar a
totalidade dos recursos obtidos com suas vendas, solicitando ao seu
cliente que deposite parte do valor das mercadorias em uma conta
bancária mantida fora do país. Neste caso, a parcela de valor que
não é internalizada entra com sinal negativo no BP e funciona como
se fosse um investimento que um residente fez fora do país
(portanto em divisas).
Finalmente, o item 7.3.4 que fecha a conta financeira e esta
segunda parte do BP abriga qualquer outro tipo de transação
envolvendo ativos que não se enquadre nas anteriores.
Teríamos com isso as informações necessárias para apurar o
saldo do BP, bastando somar o saldo da conta corrente com o saldo
da conta capital e financeira. Mas isso ainda não é possível, pois
precisamos de um lançamento adicional (item 8) por conta da
existência de erros e omissões. Se a contabilidade de uma
empresa tem um grau de complexidade nada desprezível, imagine a
contabilidade de um país. Os lançamentos a débito e a crédito
efetuados no BP provêm de diversas fontes de informação, gerando,
na prática, um total líquido diferente de zero. Segundo o Bacen, a
principal causa desse tipo de problema está nas discrepâncias
temporais das diversas origens dos dados utilizados. Ou seja,
apesar do completo respeito ao princípio das partidas dobradas, a
existência de dificuldades operacionais impede que o resultado final
de todos os lançamentos efetuados seja zero. Surge daí o
lançamento denominado erros e omissões, que é um valor de
chegada, ou seja, ele é calculado justamente para tornar nula, no
balanço de pagamentos, a somatória de débitos e créditos.
Cabe perguntar por que esse item está colocado exatamente
nessa posição, ou seja, como o último item antes da apuração do
saldo total do balanço de pagamentos (item 9). Para responder a
essa pergunta, precisamos relembrar alguns pontos. Como vimos, o
saldo em conta corrente do balanço de pagamentos (item 5) mostra
o resultado que o país obteve, no período em questão, a partir de
suas operações correntes. Se positivo, o país, ao longo de suas
operações de compra e venda de bens e serviços, pagamento e
recebimento de fatores de produção, e envio e recebimento de
transferências correntes levadas a efeito durante o período,
acumulou divisas, ou seja, produziu mais desses recursos do que
deles necessitou. Assim, ou o país utilizou esse superavit para
realizar investimentos em outras economias, ou lhes concedeu
empréstimos, ou decidiu aumentar as reservas em divisas do país
(variação na conta haveres da autoridade monetária). Ao contrário,
se o resultado for negativo, isso significa que no mesmo período, e
contando com suas operações correntes, o país não foi capaz de
gerar os recursos necessários para honrar seus compromissos em
moeda estrangeira. Terá, então, de obtê-los de outra forma: vai
tomar empréstimos, ou atrair investimentos estrangeiros e capitais
de curto prazo, ou vai consumir reservas, se as tiver, ou vai pedir
socorro ao FMI, ou, em último caso, simplesmente não vai pagar.
Com tudo isso, já deve ter ficado claro que o saldo do balanço
de pagamentos (item 9) deve ser idêntico à variação da conta
haveres da autoridade monetária (item10).7 Tendo em vista que
este último item pode ser considerado como uma “conta de caixa”,
podemos reputá-lo tal como as contas usuais de ativos das
empresas – ou seja, os acréscimos são lançados a débito (sinal
negativo) e as diminuições a crédito (sinal positivo) –, de onde se
deduz facilmente que a soma de ambos os saldos deve ser nula. De
fato, uma vez considerados os gastos e despesas correntes (cujo
saldo aparece no item 5) e as entradas e saídas de recursos
relativas à conta capital e financeira (itens 6 e 7), o resultado então
obtido é o saldo do balanço de pagamentos propriamente dito ou
saldo total do balanço de pagamentos. A conta haveres das
autoridades monetárias apenas demonstra esse resultado. Assim,
por exemplo, se o saldo total do balanço de pagamentos (item 9) foi
positivo em US$ 500 milhões, as reservas do país devem ter se
elevado nesse mesmo montante, o que estará registrado sob a
forma de um resultado devedor na variação da conta haveres (item
10).8
Contrariamente, um saldo negativo no balanço de pagamentos
significa que, no período em questão, o país teve de utilizar parte de
suas reservas (haveres) para saldálo. Pode ter acontecido de o país
não ter conseguido atrair os capitais ou obter os empréstimos e
financiamentos necessários para honrar seus compromissos
externos com importação de bens e serviços, fatores e não fatores, e
com amortizações de antigos empréstimos. Assim, teve de utilizar as
reservas para financiar o deficit no Balanço de Pagamentos.9 Dessa
forma, se chamarmos o saldo do balanço de pagamentos de BP e o
valor resultante das variações de haveres de R (de reservas),
diremos que:

BP = − R ou BP + R = 0

Ou seja, um saldo positivo no balanço de pagamentos implica um


saldo negativo na conta haveres, lembrando que um saldo negativo
nesta última significa uma elevação das reservas do país. É possível
ver também que o resultado do balanço de pagamentos em
transações correntes (TC) é igual ao sinal inverso da soma do
resultado da conta capital e financeira (CF) com o saldo das
variações de reservas (R), ou:

TC = − (CF + R)

Assim, resumidamente, poderíamos dizer que, em face de um


deficit em seu balanço de pagamentos em conta corrente, um país
pode tentar obter os recursos que faltam por meio de operações de
investimento, empréstimos ou financiamentos, ou mesmo a partir
dos capitais de curto prazo. É o resultado desse esforço que vai
determinar se o país vai ganhar ou perder reservas no período, ou
se terá ou não de pedir auxílio a instituições como o FMI ou
simplesmente não honrar os compromissos. Por isso a soma de CF
com R explica como o país resolveu seu problema de deficit em
transações correntes. Da mesma maneira, no caso de um superavit
em conta corrente, a soma de CF com R vai explicar que destino o
país deu aos recursos adicionais obtidos no período em questão.
Todavia, como já vimos, as imperfeições existentes no processo
de registro das informações podem fazer com que haja diferenças
entre os valores apurados para BP e a variação de R, de modo que
sua soma não seja nula. Como as contas referentes às reservas são
de controle muito mais preciso (exercido pelo Banco Central), parte-
se do pressuposto de que o erro deve estar nas contas que integram
as transações correntes ou o movimento de capitais, como de fato
dá a entender. Daí, portanto, a decisão de incluir os erros e
omissões exatamente antes do saldo total do balanço de
pagamentos. Uma vez já considerado o saldo do balanço de
pagamentos em conta corrente, podemos resumidamente dizer que:

A conta capital e financeira registra os investimentos,


empréstimos, financiamentos e demais capitais financeiros
entre países. Somando o seu saldo ao saldo do balanço de
pagamentos em transações correntes e considerando
eventuais erros e omissões, chega-se ao saldo total do
balanço de pagamentos. A variação apresentada pela
conta haveres das autoridades monetárias demonstra esse
resultado, ou seja, mostra seu impacto sobre o nível de
reservas.

Antes de passarmos à análise da sistemática contábil dos


lançamentos do balanço de pagamentos, cabe dizer algumas
palavras sobre os itens que compõem os haveres das autoridades
monetárias. O item 10.1, reservas em moeda estrangeira refere-se
às divisas propriamente ditas (moeda), incluindo-se aí os títulos de
alta liquidez que funcionam como quase moedas, uma vez que são
facilmente conversíveis em divisas. Os itens 10.2 e 10.3, reservas
no FMI e direitos especiais de saque (DES), dão conta dos
haveres líquidos que o país possui junto a esse organismo
multilateral. As reservas são em dólar americano e relacionam-se às
cotas detidas pelos países no Fundo. Os DES são um ativo emitido
pelo Fundo, que só funciona entre os bancos centrais dos diversos
países, mas que podem ser voluntariamente trocados por moedas
pelos países membros.10 Assim, apesar de estarem sob a guarda do
FMI, esses dois itens representam valores líquidos em moeda forte e
estão sob o controle do Banco Central. Por isso integram os haveres
da autoridade monetária de cada país. Os dois últimos itens que
completam esses haveres são o ouro (item 10.4) e qualquer outro
ativo em moeda estrangeira, desde que líquido (item 10.5, outros
haveres).

6.3 A contabilidade do balanço de pagamentos


O Quadro 6.2 indica a natureza dos lançamentos efetuados para
cada tipo de operação. O leitor deve notar que os lançamentos
indicados dizem respeito apenas às notações necessárias para cada
tipo de operação. Contudo, em respeito ao princípio das partidas
dobradas, sabemos que para cada um desses lançamentos deve
haver outro de sinal inverso em alguma outra conta desse mesmo
balanço.
Quadro 6.2 – Natureza dos lançamentos efetuados

Balança comercial
Exportações: crédito
Importações: débito
Balança de serviços
Operação dá origem à entrada de recursos: crédito
Operação dá origem à saída de recursos: débito
Balança de rendas
Operação dá origem à entrada de recursos: crédito
Operação dá origem à saída de recursos: débito
Lucros reinvestidos: débito
Transferências unilaterais correntes
Operação dá origem à entrada de recursos: crédito
Operação dá origem à saída de recursos: débito
Operação dá origem à entrada de mercadorias: crédito
Operação dá origem à saída de mercadorias: débito
Conta Capital
Operação dá origem à entrada de recursos: crédito
Operação dá origem à saída de recursos: débito
Conta Financeira
Operação dá origem à entrada de recursos: crédito
Operação dá origem à saída de recursos: débito
Haveres das Autoridades Monetárias (variação)
Redução nos haveres: crédito
Acréscimo nos haveres: débito

Assim, por exemplo, se o país exporta recebendo à vista US$


100 mil, creditamos a conta exportações (1.1) nesse valor.
Respeitando o princípio das partidas dobradas temos de debitar
outra conta no mesmo valor (ou duas ou mais contas, desde que a
soma dos débitos seja igual a US$ 100 mil). Como o país recebeu à
vista, então a conta a ser debitada é a variação de reservas (10).
Note que a variação das reservas foi positiva.11 Se, eventualmente,
o exportador tivesse tido condição de oferecer a seu cliente um
financiamento, de modo que o país não estivesse recebendo à vista
tais recursos, então a conta a ser debitada seria a conta crédito
comercial (7.3.2), que integra o item outros (7.3) da conta financeira
(7). Se, em outra operação o país importa, pagando à vista US$ 100
mil, a conta importações (1.2) é debitada e, reversamente, é
creditada a conta variação de reservas (10). No caso de o país ter
obtido, por exemplo, financiamento de uma parcela do valor dessas
importações, o lançamento a crédito será feito na conta haveres
(10), que registrará a parcela que foi paga à vista, e na conta crédito
comercial (7.3.2), que registrará a parcela que será paga em data
futura. A partir desses exemplos simples e com a ajuda do resumo
apresentado no quadro anterior, fica fácil identificar quais são os
lançamentos a débito e a crédito que cada tipo particular de
operação exige.
Contudo, algumas operações específicas merecem um
comentário adicional. A primeira envolve os lucros reinvestidos, que
entram no item 3.1 da balança de rendas. Se lembrarmos que os
lucros remetidos produzem lançamentos a débito, o lançamento a
débito dos lucros reinvestidos mostra-se pouco intuitivo, já que
nossa primeira reação é imaginar que o lançamento deveria ser feito
a crédito, uma vez que os recursos não saíram do país. Todavia, por
uma convenção contábil, decidiu-se tratar esses lucros como os
demais, considerando-os como remetidos. Assim, o lançamento é
feito a débito na conta lucros (3.1). Contudo, como tal operação não
gerou saída de divisas, a conta a ser creditada não pode ser a
variação de reservas (10). A conta que então é creditada é a
investimentos diretos (7.1) que pertence à conta financeira (7). Ao
fim e ao cabo, tudo se passa como se tivesse acontecido o seguinte
movimento: em um primeiro momento o país remeteu lucros de,
digamos, US$ 10 milhões; foi então debitada a conta lucros da
balança de rendas e creditada a conta variação de reservas (10); em
um segundo momento o país recebeu de volta esses mesmos
recursos sob a forma de investimentos; foi então creditada a conta
investimentos diretos (7.1) e debitada a conta variação de reservas
(10). Se repararmos bem, o resultado final da conta variação de
reservas nessa operação é zero, e o que sobra é um lançamento a
débito na conta rendas e um lançamento a crédito na conta
investimentos. Como de fato a movimentação de divisas não existe
nesse caso (portanto, não existem os dois lançamentos, que se
cancelam em termos de valor na conta variação de reservas),
simplesmente debita-se a conta lucros e credita-se a conta
investimentos diretos.
Outra operação que merece uma observação especial relaciona-
se aos empréstimos inter companhia. Se uma empresa residente
toma empréstimos no exterior, a conta debitada é a conta haveres
(10) e a conta creditada deveria ser a conta empréstimos e
financiamentos (7.3.1), integrante do item outros (7.3) da conta
financeira (7). Contudo, se essa empresa tiver obtido esses recursos
não por meio de um empréstimo qualquer, mas por meio de um
empréstimo efetuado por sua matriz no exterior, então esse recurso
é considerado um investimento, pois parte-se do princípio que a
referida matriz julgou interessante apoiar sua filial no país, o que
significa investir nele. Assim, a conta debitada é de fato a conta
haveres (10), mas a conta creditada não é a conta empréstimos e
financiamentos (7.3.1), e sim a conta investimentos diretos (7.1).
Finalmente cabem algumas observações sobre a forma de
contabilizar as transferências unilaterais (4). Apesar do termo
unilateral, tais operações devem respeitar, como quaisquer outras, o
método das partidas dobradas. Suponhamos que um não residente
mande para seus familiares no país recursos no valor de US$ 5 mil.
Tal operação resultou em entrada de divisas e, portanto, deve gerar
um lançamento a débito na conta variação de reservas (10). E qual
conta deverá ser creditada? A conta transferências unilaterais (4).
Suponhamos agora que o país tenha sido abalado por uma
catástrofe natural, como um terremoto, e que, em função disso,
tenha recebido ajuda em espécie do exterior, como alimentos e
medicamentos. O que acontece nesse caso? Bem, mais uma vez é
creditada a conta transferências unilaterais (4). E qual conta é
debitada? Nesse caso, a conta de importações (1.2), pois tudo se
passa como se o país tivesse importado aquelas mercadorias que
lhe chegaram sob a forma de ajuda humanitária. Contudo, como tal
operação não gerou saída de divisas, não é a conta variação de
reservas (10) que é creditada, mas sim a conta transferências
unilaterais (4).
Vejamos agora em conjunto os vários tipos de operação que um
país pode fazer com outros países em determinado período, para
percebermos, a partir de um exemplo concreto, de que maneira se
fecha um balanço de pagamentos. Suponhamos, então, as
seguintes operações realizadas pela economia H no ano X:

A. Residente exporta mercadorias, recebendo à vista US$ 350


milhões;
B. Residente exporta mercadorias no valor de US$ 100 milhões,
recebendo US$ 50 milhões a prazo e tendo os US$ 50 milhões
adicionais depositados em sua conta corrente no exterior;
C. Residente importa mercadorias, pagando à vista US$ 200
milhões, e financiando US$ 100 milhões;
D. Residente importa mercadorias no valor de US$ 100 milhões e
paga fretes no valor de US$ 10 milhões;
E. Residente paga a não residente royalties no valor de US$ 20
milhões
F. Turistas gastam US$ 30 milhões no país;
G. Não residentes compram passagens aéreas de empresa
residente no valor de US$ 5 milhões;
H. Residente remete US$ 50 milhões de lucro ao exterior;
I. Lucros de US$ 20 milhões são reinvestidos no país;
J. Empresa de residente operando fora do país remete ao país
lucros no valor de US$ 5 milhões.
K. Residentes pagam um total de US$ 50 milhões de juros a não
residentes;
L. Empresas de residentes contratam trabalho fora do país e
pagam salários de US$ 15 milhões;
M. Organização social operada por residentes recebem ajuda do
exterior para o desenvolvimento de projetos sociais no valor de
US$ 5 milhões;
N. País envia medicamentos a país vizinho abalado por terremoto
no valor de US$ 4 milhões;
O. Imigrantes no país remetem recursos a seus familiares no
exterior no valor de US$ 6 milhões;
P. Famílias deixam o país e levam patrimônio de US$ 5 milhões
Q. Empresa não residente adquire empresa residente no valor de
US$ 25 milhões;
R. Empresa do país empresta US$ 10 milhões a sua filial no
exterior;
S. Não residentes investem US$ 50 milhões em derivativos no
país, com margem de 10%;
T. Residentes liquidam operações em derivativos no exterior, com
perda de US$ 10 milhões;
U. País emite e vende títulos da dívida pública no exterior no valor
de US$ 25 milhões;
V. Residentes pagam amortizações de empréstimos no valor de
US$ 35 milhões;

Para entendermos como são contabilizadas essas operações no


balanço de pagamentos, vejamos no Quadro 6.3, passo a passo, os
lançamentos necessários para registrar corretamente todas essas 22
operações.
Quadro 6.3 – Lançamentos Contábeis relativos às Operações do BP
da Economia H no ano X (em US$)

Operação Conta(s) debitada(s) Conta(s) creditada(s)


A Haveres – 350 milhões Exportações – 350
milhões
B Crédito Comercial – 50 Exportações – 100
milhões milhões
Moeda e Depósitos – 50
milhões
C Importações – 300 milhões Haveres – 200 milhões
Crédito Comercial – 100
milhões
D Importações – 100 milhões Haveres – 100 milhões
Fretes e Transportes – 10 Haveres – 10 milhões
milhões
E Royalties – 20 milhões Haveres – 20 milhões
F Haveres – 30 milhões Turismo – 30 milhões
G Haveres – 5 milhões Viagens e turismo – 5
milhões
H Lucros – 50 milhões Haveres – 50 milhões
I Lucros – 20 milhões Investimentos Diretos –
20 milhões
J Haveres – 5 milhões Lucros – 5 milhões
K Juros – 50 milhões Haveres – 50 milhões
L Salários – 15 milhões Haveres – 15 milhões
M Haveres – 5 milhões Transferências
Correntes – 5 milhões
N Transferências Correntes – Exportações – 4 milhões
4 milhões
O Transferências Correntes – Haveres – 6 milhões
6 milhões
P Conta Capital – 5 milhões Haveres – 5 milhões
Q Haveres – 25 milhões Investimentos Diretos –
25 milhões
R Investimentos Diretos – 10 Haveres – 10 milhões
milhões
S Haveres – 5 milhões Investimentos em
Carteira – 5 milhões
T Investimentos em Carteira Haveres – 10 milhões
– 10 milhões
U Haveres – 25 milhões Investimentos em
Carteira – 25 milhões
V Empréstimos e Haveres – 35 milhões
Financiamentos – 35
milhões

Vejamos agora no Quadro 6.4 como ficou a estrutura do Balanço


de Pagamentos para esse país no ano X.
Quadro 6.4 – Balanço de Pagamentos da Economia H no ano X
(US$ milhões)

Conta Corrente

1 – Balança Comercial: + 454 − 400 = + 54


1.1 Exportações: + 350 (A) + 100 (B) + 4 (N) = + 454
1.2 Importações: − 300 (C) − 100 (D) = − 400

2 – Balança de Serviços: + 35 − 10 − 20 = + 5
2.1 Turismo: + 30 (F) + 5 (G) = +35
2.2 Fretes e Transportes: − 10 (D) = − 10
2.3 Seguros: 0
2.4 Royalties: − 20 (E)
2.5 Outros: 0
3 – Balança de Rendas: − 65 − 50 − 15 = − 130
3.1 Lucros: − 50 (H) − 20 (I) + 5 (J) = − 65
3.2 Juros: − 50 (K)
3.3 Salários: − 15 (L)
4 – Transferências Correntes: + 5 (M) − 4 (N) − 6 (O) = − 5

5 – Saldo do BP em transações correntes = + 54 + 5 − 130 − 5


= − 76
Conta Capital e Financeira

6 – Conta Capital: − 5 (P)


7 – Conta Financeira: + 35 + 20 − 35 = + 20
7.1 Investimentos Diretos: + 20 (I) + 25 (Q) − 10 (R) = + 35
7.2 Investimentos em Carteira: + 5 (S) − 10 (T) + 25 (U) = + 20
7.3 Outros: − 35 + 50 − 50 = − 35
7.3.1 Empréstimos e Financiamentos: − 35 (V)
7.3.2 Crédito Comercial: − 50 (B) + 100 (C) = + 50
7.3.3 Moeda e Depósitos: − 50
7.3.4 Outros: 0
9 – Saldo do Balanço de Pagamentos: − 76 − 5 + 20 = − 61
10 – Haveres da Autoridade Monetária (variação) = + 61

Como demonstra o balanço de pagamentos, o país apresentou,


no período em questão, um deficit em sua conta corrente de US$ 76
milhões. Tal deficit foi decorrente, principalmente, do resultado da
balança de rendas, deficitária em US$ 130 milhões. Assim, apesar
do superavit de US$ 54 milhões na balança comercial e de US$ 5
milhões na balança de serviços, o resultado geral foi negativo, tendo
contribuído para tanto também o resultado deficitário das
transferências correntes (US$ 5 milhões). Conforme já discutido, um
deficit em transações correntes tem de ser financiado de alguma
forma. No caso em estudo, o movimento de capitais contribuiu
positivamente, pois o resultado conjunto das contas capital e
financeira foi um superavit de US$ 15 milhões. Contudo, esse valor
não foi suficiente para compensar o deficit apurado na conta
corrente do BP, resultando em um saldo do BP negativo em US$ 61
milhões. Assim, a incapacidade da economia H de, no período X,
gerar com suas operações correntes e de capital o montante
necessário de divisas para enfrentar todas as suas despesas em
moeda forte no mesmo período, fez com que as reservas do país se
reduzissem em montante idêntico ao do deficit no BP, o que para
uma conta como a Haveres, significa um resultado positivo.
(Deixamos para o leitor o exercício de conferir que o resultado da
conta Haveres é exatamente esse, ou seja, uma variação positiva de
US$ 61 milhões).12
Suponhamos, agora, que as reservas detidas pelo país não
fossem suficientes para cobrir esse resultado negativo. Nesse caso,
ele teria duas opções: ou tentaria obter um empréstimo de
regularização dos organismos internacionais como o Fundo
Monetário Internacional (FMI), ou decretaria moratória, elevando o
estoque de débitos em atraso – em ambos os casos, o lançamento
seria a crédito na conta empréstimos e financiamentos (7.3.1). O que
é melhor fazer? A resposta a essa pergunta não é nada simples. De
fato trata-se de uma questão extremamente polêmica e que divide
os economistas.
Há aqueles que julgam que se deve fazer de tudo para evitar
uma decretação de moratória,13 visto que as consequências são
extremamente ruins para o país. Segundo essa visão, ficar
inadimplente perante o mundo implica fechar a porta dos
investimentos, empréstimos e financiamentos externos por um longo
período de tempo, período que pode durar tanto quanto dure a
recuperação da credibilidade do país no exterior. Considerando que
a falta de financiamento externo pode comprometer seriamente o
crescimento do país, esses economistas acreditam que em uma
situação extrema, o melhor a fazer é submeter-se
incondicionalmente às exigências dos organismos internacionais, de
modo a obter os recursos necessários para cobrir o deficit do
balanço de pagamentos.
Os que defendem a posição contrária acreditam que, em casos
como esse, as exigências que são normalmente feitas pelos
organismos internacionais acabam, regra geral, por comprometer o
desenvolvimento do país durante um período também longo de
tempo, com o agravante da perda de soberania na condução da
política econômica. Isto posto, parece que o melhor mesmo é evitar
que se chegue a tal situação, pois, uma vez nela, não há saída
indolor possível. O Brasil tem uma longa história de moratórias, que
se inicia já no século XIX e se aprofunda no século XX, e de
retomadas, em que o país recupera sua credibilidade e volta a se
endividar. Tem também uma longa história de pedidos de socorro e
de cartas de intenção assinadas e, muitas vezes não cumpridas,
com os organismos multilaterais. Há mesmo quem diga que a
história econômica de nosso país é a história de nossa dependência
de capitais externos. A histórica vulnerabilidade do Brasil aos
constrangimentos impostos pelo comportamento das contas
externas mostra, portanto, quão importante é o balanço de
pagamentos como instrumento de aferição do desempenho
macroeconômico e das perspectivas de um país.
Discutidas a estrutura e a mecânica contábil do balanço de
pagamentos, resta ainda uma importante questão. Como se sabe, os
lançamentos do balanço de pagamentos são feitos em moeda
estrangeira, no caso o dólar americano (daqui por diante apenas
dólar), que é, atualmente, a moeda de referência para as
transações internacionais. Entretanto, a moeda usada pelos
residentes é a moeda doméstica, o Real no caso brasileiro. Em
outras palavras, da mesma maneira que os importadores e
residentes em viagem ao exterior precisam de dólares para realizar
suas operações, assim também os exportadores, investidores,
especuladores e turistas não utilizam o dólar no mercado nacional.
Dessa forma, quase toda entrada de divisas no país tem de ser
convertida em moeda doméstica, assim como toda saída implica
conversão da moeda doméstica para o dólar. Surge então a
necessidade de algum parâmetro que permita operar essas
conversões. Esse parâmetro é dado pela taxa de câmbio, que
estudaremos a seguir, em conjunto com os diferentes modos (ou
regimes cambiais) segundo os quais os governos podem gerir esse
importante preço da economia.

6.4 Taxa de câmbio e regimes cambiais

6.4.1 Taxa de câmbio


Define-se taxa de câmbio como o preço, em moeda nacional, de
uma unidade de moeda estrangeira. Tomando o caso brasileiro, a
taxa de câmbio do real em dólar indica qual é o preço, em reais,
de US$ 1,00.14 Suponhamos então a seguinte taxa de câmbio: R$
1,50/US$ 1,00 (ou simplesmente R$ 1,50). O que ela indica? Ela
indica que é necessário R$ 1,50 para comprar US$ 1,00 (ao revés,
ela indica também que cada unidade de moeda brasileira compra, a
essa taxa, 67 centavos da moeda americana).
Uma elevação dessa taxa, digamos de R$ 1,50 para R$ 1,60,
representa uma desvalorização nominal da taxa de câmbio, que no
caso, é de 6 % aproximadamente.15 Um movimento desse tipo no
preço da moeda estrangeira indica que, após a mudança, a moeda
nacional vale menos do que antes, já que se precisa agora de uma
maior quantidade de moeda nacional para adquirir uma unidade de
moeda estrangeira. Se, ao contrário, supusermos uma queda na
taxa, teremos então uma valorização nominal na taxa de câmbio.
Uma valorização cambial indica que a moeda nacional vale mais do
que antes, já que agora se adquire uma unidade de moeda
estrangeira com uma menor quantidade de moeda nacional.

No Brasil, a taxa de câmbio representa o preço, em moeda


nacional, de uma unidade de moeda estrangeira. Uma
elevação da taxa de câmbio representa uma
desvalorização. O oposto, uma valorização.

As valorizações e desvalorizações da taxa de câmbio têm


importantes implicações sobre as transações entre residentes e não
residentes e, consequentemente, sobre o balanço de pagamentos.
Para entender melhor tais implicações, consideremos um exportador
que exporte, à vista, mercadorias no valor de US$ 10.000,00. Assim
que recebe os US$ 10.000,00, o exportador vai até o Banco Central
e troca seus dólares por reais de acordo com a taxa de câmbio
vigente.16 Vamos supor que ela esteja em R$ 1,50. O exportador
receberá então R$ 15.000,00. Consideremos agora uma elevação
da taxa de câmbio para R$ 1,60 (desvalorização de 6%) tal como no
exemplo inicial. Se o exportador, mais uma vez, exporta US$
10.000,00 em mercadorias, ele vai agora receber, em troca de seus
US$ 10.000,00, não R$ 15.000,00, mas R$ 16.000,00, ou seja, tudo
o mais constante, ele aumentou o seu poder de compra no mercado
interno. Em outras palavras, a desvalorização acabou por estimular
as exportações, já que em moeda nacional as mercadorias
exportadas ficaram mais caras, elevando a renda de quem as vende.
O leitor não terá dificuldades em verificar que a desvalorização
acaba por prejudicar as importações (fica como exercício considerar
o impacto da mesma mudança na posição inversa, ou seja, a de um
importador que importa uma mercadoria que custa os mesmos US$
10.000,00).
Concluindo, tudo o mais constante, desvalorizações cambiais
tendem a estimular as exportações e desestimular as importações,
ao passo que valorizações tendem a desestimular as exportações e
estimular as importações. Note que utilizamos nessas afirmações o
termo tudo o mais constante (ou coeteris paribus). De fato, o
estímulo ou desestímulo às exportações e importações, bem como
os resultados efetivamente alcançados por essas operações,
dependem não só da política cambial, ainda que essa possa ter
papel preponderante, mas igualmente de uma série de outros
fatores, como a política tarifária (ou política comercial),17 a inflação
nos países com os quais se realizam as trocas, os ganhos de
produtividade nos setores exportadores e as condições de
financiamento das operações.

Uma desvalorização cambial tende a desestimular as


importações e estimular as exportações, pois, no mercado
interno, encarece os bens importados e aumenta a renda dos
exportadores e, no mercado externo, barateia os bens que o
país exporta.

Mas nos referimos até agora à taxa nominal de câmbio. No


entanto, entre os economistas e nos meios empresariais e de
negócios julga-se mais correto considerar a taxa de câmbio em seu
conceito real. De forma bastante simples, podemos considerar a
taxa de câmbio real a partir da seguinte fórmula:

onde:
E = taxa de câmbio real
e = taxa de câmbio nominal
P* = índice de preços no país estrangeiro;18
P = índice de preços no mercado nacional.

A partir do conceito de taxa real de câmbio assim definida,


estamos considerando tanto a inflação interna quanto a externa. A
ideia é simples. A inflação interna tende a encarecer os produtos de
exportação e tornar mais baratos os produtos importados. Já a
inflação externa tende a encarecer os produtos que importamos e
estimular nossas exportações. Suponha, por exemplo, que a inflação
nos Estados Unidos tenha sido de 5% em determinado período.
Quem exportava para lá US$ 100,00 agora passa a receber, em
média, US$ 105,00. Em outras palavras, se quisermos considerar o
comportamento da taxa real de câmbio ao longo de um período
temos de nos preocupar não só em descontar da variação nominal
do câmbio a elevação interna dos preços, como também descontar
desse desconto a inflação sofrida pela moeda estrangeira (no caso,
o dólar americano).

No cômputo da taxa de câmbio real, temos de levar em


conta tanto a inflação interna quanto a infl ação externa, isto
é, a inflação do país cuja moeda estamos considerando no
cálculo da taxa de câmbio (inflação dos Estados Unidos, se
estivermos calculando a taxa de câmbio da moeda doméstica
em relação ao dólar americano).

Vejamos um exemplo simples. Suponhamos que, no período 1, a


taxa de câmbio do país H tenha sido de $ 1,00 e que, no início do
período 2, tenha mudado para $ 1,10 (valorização nominal do dólar
de 10% e desvalorização nominal da moeda doméstica de 9,1%).
Suponhamos ainda que, no período 1, a inflação interna tenha sido
de 20%, enquanto a externa (dos Estados Unidos) tenha sido de
5%. O Quadro 6.5 mostra o que acontece com a taxa real de
câmbio.
Quadro 6.5 – Exemplo de variação da taxa real de câmbio

Podemos notar que, apesar da desvalorização nominal de 9,1%,


que implicou uma valorização nominal do dólar de 10%, em termos
reais tivemos uma valorização da moeda doméstica de
aproximadamente 3,9%. Essa valorização decorre do fato de que o
crescimento nominal do câmbio em 10% não foi suficiente, mesmo
considerando a inflação externa de 5%, para compensar a elevação
interna dos preços da ordem de 20%. Assim, tudo mais constante,
tal comportamento do câmbio tenderá a desestimular as exportações
e estimular as importações, já que está tornando mais cara a moeda
doméstica.
Contudo, o conceito de taxa de câmbio real apresentado enfrenta
alguns problemas de ordem teórica e prática. Em primeiro lugar,
existe uma série de outros fatores importantes no cálculo da taxa de
câmbio real, tais como o grau de abertura da economia, a
preferência dos consumidores e os ganhos de produtividade no
setor exportador. A análise de todas essas variáveis, porém, escapa
aos objetivos deste livro, ficando como sugestão ao leitor
interessado a consulta de um bom livro de comércio internacional.
Em segundo lugar, a inflação é um cálculo médio que inclui uma
série de bens e serviços, muitos dos quais não são comercializados
no mercado internacional. Assim, uma inflação anual de 20% não
significa que todos os bens e serviços produzidos no país tenham
aumentado 20%. Um bem que esteja sendo exportado pode até ter
tido seu preço reduzido.19 Concluindo, existe algum grau de
arbitrariedade na utilização da fórmula apresentada. Entretanto, sua
apresentação serve para demonstrar que uma valorização ou
desvalorização nominal pode não significar muita coisa.20 O conceito
de dólar PPP (ou PPC) está também intimamente ligado a todas
essas questões. Voltaremos a esse ponto na seção 6.4.4.

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