Você está na página 1de 22
http //nocabide wordpress. com/2007/03/19/microfisica-do-poder! FOUCAULT, Michel. Microfisiea do poder. Organizagao e Tradugdo: Roberto Machado, Rio de Janeiro: Ediges Graal, 1979. - Nao existe em Foucault uma teoria geral do poder. O que significa dizer que suas andllises no consideram © poder como uma realidade que possua uma natureza, uma esséncia que ele procuraria definir por suas caracteristicas universais. Ndo existe algo unitario e global chamado poder, mas unicamente formas dispares, heterogéneas, em constante transformagio, O poder nao € um objeto natural, uma coisa; € uma prética social e, como tal, constitida historicamente” (p. X) = Para Foucault “toda teoria ¢ provisoria, acidental, dependente de um estado de desenvolvimento da pesquisa que aceita seus limites, seu inacabado, sua parcialidade, formulando conceitos que clarificam os dados — organizando-os, explicitando suas interrelagdes, desenvolvendo implicagdes — mas que, em seauida, sio revistos, reformulados, substituidos a partir de novo material trabalhado, Nesse sentido, nem a arqueologia, nem, sobretudo, a genealogia tém oi objetivos fundar uma ciéncia, construir um teoria ou se constituir um sistema; o programa que elas formulam é o de realizar anélises fragment transformaveis” (p. XT) - “Uma coisa no se pode negar as anilises genealogicas do poder: elas produziram um importante deslocamento em relacdo a ciéncia politica, que limita ao Estado o fundamental de sua investigagao sobre o poder. (...) © que aparece como evidente é a existéncia de formas de exercicio do poder diferentes do Estado, a ele articuladas de maneiras variadas e que so indispensaveis inclusive a sua sustentagao ¢ atuagao eficaz” (p. XI) -"O que Foucault chamou de microfisica do poder significa tanto um deslocamento do espago da analise quanto do nivel em que esta se efetua. Dois aspectos intimamente ligados, na medida em que a consideragao do poder em suas extremidades, a atengio a suas formas locais, a seus iiltimos lineamentos tem como correlato a investigacao dos pracedimentos técnicos de poder que realizam um controle detathado, minucioso do corpo — gestos, atitudes, comportamentos, habitos, discursos” (p. XII) -"(..) 0 aparelho de Estado é um instrumento especifico de um sistema de poderes que no se encontra unicamente nele localizado, mas o ultrapassa e complementa”, (p. XII) “(.) quando em seus estudos Foucault foi levado a distinguir no poder uma situagao central € periférica e um nivel macro e micro de exercicio, o que pretendia era detectar a existéncia e explicitar as caracteristicas de relag6es de poder que se diferenciam do Estado e seus aparellios ‘Mas isso no significava, em contrapartida, querer situar o poder em outro lugar que nfo © Estado, como sugere a palavra periferia. O interessante da andlise é justamente que os poderes ‘nao estio localizados em nenhum ponto especifico da estrutura social. Funcionam como uma 1 rede de dispositivos ou mecanismos a que nada ou ninguém escapa, a que nao existe exterior possivel, limites on fronteiras. Dai a importante e polémica ideia de que o poder nao € algo que se detém como uma coisa, como uma propriedade que se possui ou nfo. (..) Rigorosamente falando, 0 pode nao existe, existem sim praticas ou relagdes de poder, O que significa dizer que o poder € algo que se exerce, que se efetua, que fimciona” (P. XIV) - “Foucault rejeita, portanto, uma concep¢ao do poder inspirada pelo modelo econémico, que o considera como uma mereadoria” (p. XIV € XV); - “A ideia bisica de Foucault é de mostrar que as relagbes de poder niio se passam fundamentalmente nem 0 nivel do direito, nem da violéncia, nem sao basicamente contratuais nem unicamente repressivas” (p. XV) poder possui uma eficécia produtiva, uma riqueza estratégica, uma positividade. E é justamente esse aspecto que explica o fato de que tem como alvo o corpo humano, nao para suplicia-lo, mutilé-lo, mas para aprimolé-lo, adestré-lo” (p. XVD) = “(.) tomar os homens forga de trabalho dando-thes uma utilidade econémica maxima; diminuigao de sua capacidade de revolta, de resisténcia, de lita, de insurreigao contra as ordens do poder, neutralizagio dos efeitos do contra-poder, isto ¢ tomar os homens doceis politicamente, Portanto, aumentar a utilidade econémica ¢ diminuir os inconvenientes, os perigos politicos; aumentar a forga econdmica e diminuir a forga politica” (p. XVI) - Poder disciplinar ou disciplina — *(...) ela nem é um aparelho, nem uma institnigao, na medida em que funciona como uma rede que as atravessa sem se limitar a suas fronteiras (...) B © diagrama de um poder que nio atua do exterior, mas trabalha o corpo dos homens, manipula seus elementos, produz seu comportamento, enfim, fabrica 0 tipo de homem necessirio a0 funcionamento e manutengdo da sociedade industrial e capitalista” (p. XVII) — tomar o homem “itil e décif” “A grande importincia estratégica que as relagdes de poder disciplinares desempenham nas sociedades modemas depois do século XIX vem justamente do fato de elas niio serem negativas, mas positivas, quando tiramos desses termos qualquer juizo de valor moral ou politico ¢ pensamos unicamente na tecnologia empregada. FE entio que surge uma das teses fundamentais da genealogia: 0 poder é produtor de individualidade. O individuo ¢ uma produgo do poder e do saber” (p. XIX) - “A acdo sobre o corpo, o adestramento do gesto, a regulagio do comportamento, a normalizagao do prazer, a interpretago do discurso, com o objetivo de separar, comparar, distribuir, avaliar, hierarquizar, tudo isso faz com que apareca pela primeira vez na histéria esta figura singular, individualizada — 0 homem — como produgiio do poder. Mas, também, ¢ a0 mesmo tempo, como objeto de saber. Das téenicas disciplinares que so técnicas de individualizago, nasce um tipo especifico de saber: as cigncias humanas” (p. XX) = Arqueologia dos saberes: “Todo conhecimento, seja ele cientifico ou ideolégico, s6 pode existir a partir de condigdes politicas que sAo as condigdes para que se formem tanto o sujeito quando 03 dominios de saber. A investigagao do saber ndo deve remeter a um sujeito de 2 conhecimento que seria sua origem, mas a relagdes de poder que Ihe constituem, Nao ha saber neutro, Todo saber € politico. (..) Mas porque todo saber tem sua génese em relacdes de poder” (. XxX =O fundamental na andlise é que saber e poder se implicam mutuamente: nao ha relagaio de poder sem constituigio de um campo de saber, como também, reciprocamente, todo saber constitui novas relagées de poder. Todo ponto de exercicio do poder é, ao mesmo tempo, um lugar de formagao de saber” (p. XXI) = “O saber funciona na sociedade dotado de poder. E enquanto é saber que tem poder” (p. Xx) - “Pareceu-me que em certas formas de saber empirico como a biologia, a economia politica, a psiquiatria, a medicina, etc, o ritmo das transformages no obedecia aos esquemas suaves continuistas de desenvolvimento que normalmente se admite (..) Nao sio simplesmente novas descobertas, € um novo regime no discurso e no saber.” @. 03); ~ As rupturas referem-se a uma modificagdo nas reeras de formagao dos enunciados que s%0 aceitos como cientificamente verdadeiros. EZ uma questao de politica do enunciado cientifico. E preciso saber: “.. que efeitos de poder circulam entre os enunciados cientificos, qual ¢ seu regime interior de poder; como e por que em certos momentos ele se modifica de forma global” @. 04); - Genealogia para Foucault —“(..) isto é, uma forma de histéria que dé conta da constituigao dos saberes, dos discursos, dos dominios de objeto, etc. sem ter que se referir a um sujeito, seja cle transcendente com relago ao campo de acontecimentos, seja perseguindo sua identidade vazia ao longo da histéria” (p. 07); ~Importincia de cois conceitos - Ideologia: para Foucault essa palavra ¢ dificilmente utilizavel porque “ela esta sempre em oposigdo virtual a alguma coisa que seria a verdade (...) Segundo inconveniente: refere-se necessariomente a alguma coisa como o sujeito, Enfim, a ideologia esta em posigao secundaria com relagao a alguma coisa que deve funcionar para ela como infra-estrutura ou determinagao econdmica, material, ete” (p. 7) - Repressao: “Quando se define os efeitos do poder pela repressio, tem-se uma concep¢4o puramente juridica deste mesmo poder; identifica-se o poder a uma lei que diz nao. (..) O que faz com que © poder se mantenha € que seja aceito é simplesmente que ele niio pesa s6 como uma forca que diz nao, mas que de fato ele permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz diseurso. Deve-se consideré-lo como uma rede produtiva que atravessa todo 0 corpo social muito mais do que uma instancia negativa que tem como fungao reprimir” (p. 07 € 08) =... a verdade no existe fora do poder ou sem poder (...) A verdade € deste mundo, ela é produzida nele gracas a nuiltiplas coergées ¢ nele produz efeitos regulamentados de poder Cada sociedade tem 0 seu regime de verdade, sua “politica geral” de verdade, isto ¢, os tipos de discursos que ela acolhe ¢ faz funcionar como verdadeiro... 0 estatuto daqueles que tém o encargo de dizer =~ que—fumciona’ = como—verdadeiro” =p, 12). 3 =“. a verdade € centrada na forma do discurso cientifico ¢ nas instituigdes que o produzem; esta submetida a uma constante incitagao econémica e politica (necessidade de verdade tanto para a produgao econémica, quanto para o poder politico); é objeto, de varias formas, de uma imensa difusdo e de um imenso consumo (circula nos aparelhos de educago ou de informagao, cuja extensio no corpo social é relativamente grande, nio obstante algumas limitagées rigorosas); € produzida e transmitida sob o controle, nao exclusivo, mas dominante, de alguns grandes aparelhos politicos ou econémicos (universidade, exército, escritura, meios de comunicagao); enfim, ¢ objeto de debate politico ¢ de confronto social (as lutas ideolégicas)” @. 13). -“.. por verdade nao quero dizer 0 conjunto das coisas verdadeiras a descobrir ou a fazer aceitar, mas o conjunto de regras segundo as quais se distingue ao verdadeiro do falso e se atribui aos verdadeiros efeitos especificos de poder” (p. 13). Capitulo II — Nietzehe, a genealogia e a historia “A genealogia nao se opie a historia como a visio altiva eprofinda do filésofo ao olhar de toupeira do cientista: ela se ope, a0 contrario, ao desdobramento meta-histérico das significagoes ideais e das indefinidas teleologias. Ela se opte a pesquisa da ‘origem™ (p. 16); = Nietzsche aborda a questao da genealogia em dois momentos: a) A Gaia Ciéneia; b) Para Genealogia da Moral; c) Humano, demasiadamente humano. Porque recusar a pesquisa da origem? = “Porque, primeiramente, a pesquisa, nesse sentido, se esforga para recolher nela a esséncia exata da coisa, sua mais pura possibilidade, sua identidade cuidadosamente recolhida em si mesma, sua forma imével ¢ anterior a tudo 0 que é extemo, acidental, sucessivo. Procurar uma tal origem é tentar reencontrar 0 que era imediatamente, o aquilo mesmo de wna imagem exatamente adequada de si (.) € querer tirar todas as mascaras para desvelar, enfim, uma identidade primeira”. (p. 17), = “De fato, ela é apenas uma invencao das classes dominantes, O que se encontra no comeco historico das coisas nfo é a identidade ainda preservada da origem - & a disc6rdia entre as coisas, & © disparate. A historia ensina também a rir das solenidades da origem. A alta origem é 0 exagero metafisico que reaparece na concep¢ao de que no comego de todas as coisas se encontra o que hi de mais precioso e de mais essencial” (p. 18), - Fazer genealogia €“... demorar nas meticulosidades e nos acasos dos comecos; prestar uma atengfio escrupulosa a sua derrisoria maldade; esperar vé-los surgir, mascaras, enfim, retiras com 0 rosto do outro, nio ter pudor de ir procuré-las la onde elas esto, escavando os basfond, deixar- hes o tempo de elevar-se do labirinto onde nenhuma verdade as manteve jamais sob sua guarda, O genealogista necessita da historia para conjurar a quimera da origem...” (p. 19). -"La onde a alma pretende se unificar, Ié onde o Eu inventa para si uma identidade ou uma coeréncia, 0 genealogista parte em busca do comego - dos comegos inumeraveis que deixam esta suspeita de cor, esta marca quase apagada que néo saberia enganar um oll, por pouco histérico que seja; a andlise da proveniéneia permite dissociar o Eu e fazer pulular nos lugares e recantos de sua sintese vazia, mil acontecimentos agora perdidos” (p. 20) - “A genealogia nao pretende recuar no tempo para restabelecer uma grande continuidade para além da dispersio do esquecimento; sua tarefa nao é a de mostrar que 0 passado ainda esta ld, bem. vivo no presente, animando-o ainda em segredo, depois de ter imposto a todos os obstaculos do 4 percurso uma forma delineada desde o inicio” (p. 21) -“A genealogia, como anslise da proveniéncia, esta, portanto, no panto de articulagao do corpo com a historia, Ela deve mostrar o corpo inteiramente marcado de histéria ¢ a histéria arruinando 0 corpo” (p. 22). -*Colocando o presente na origem, a metafisica leva a acreditar no trabalho obscuro de uma destinagao que procuraria vir 4 luz desde o primeiro momento. A GENEALOGIA restabelece os diversos sistemas de submissao: nao a poténcia antecipadora de um sentido, mas o jogo casual da dominagao. A emergéncia se produz sempre em um determinado estado das forgas...” (p. 23) -“E preciso despedacar 0 que pemnitia o jogo consolante dos reconhecimentos, Saber, mesmo na ordem historica, nao significa “reencontrar” e, sobretudo, no significa “reencontrar-nos”, A historia sera “‘efetiva” na medida em que ela reintroduzir 0 descontinuo em nosso proprio ser” (p.27). ‘A historia “efetiva” faz ressurgir 0 acontecimento no que ele pode ter de tinico ¢ agudo. E preciso entender por acontecimento nao uma decisto, um tratado, um reino, ou uma batalha, mas ‘uma relagdo de forgas que se inverte, um poder confiscado...” (p. 28) -“Os historiadores procuram, na medida do possivel, apagar o que pode revelar, em seu saber, 0 lugar de onde eles olham, 0 momento em que eles esto, o partido que eles tomam — 0 incontrolivel de sua paixio” (p. 30). -“A genealogia € a historia como um cammaval organizado” (p. 34), “.,. esta identidade, bastante fraca, contudo, que nos tentamos assegurar e reunir sob uma mascara, € apenas uma parédia: o phural a habita, almas inumeraveis nela disputam; o sistemas se entrecruzam e se dominam uns aos outros” (p. 34). “A historia, genealogicamente dirigida, niio tem por fim reencontrar as raizes de nossa identidade, mas ao contrario, se obstinar em dissipé-la, ela nao pretende demarear o territério nico de onde nés viemos, essa primeira patria a qual os metafisicos prometem que nos retomaremos; ela pretende fazer aparecer todas as descontimuidades que nos atravessam... Tratava- se, entio, de reconhecer continuidades nas quais se enraiza nosso presente: continuidades do solo, da lingua, da cidade...” (p. 34 € 35). -“Se a genealogia coloca, por sua vez, a questo do solo que nos viu nascer, da lingua que falamos ou das leis que nos regem, é para clarificar os sistemas heterogéneos que, sob a mascara de nosso eu, nos proibem toda identidade” (p. 35) - “A minha hipétese é que o tribunal nao é a expresso natural da justia popular mas, pelo contrario, tem por fungao histérica reduzi-la, domind-la, sufoca-la, reinscrevendo-a no interior de instituiges no interior de instituigdes caracteristicas do aparelho do Estado” (p. 39), - “Quem diz tribunal, diz que a luta entre as forgas em presenga est, quer queiram, quer nao, suspensa; que, em todo caso, a decistio tomada nao sera o resultado deste combate, mas o da intervengao de um poder que Ihes sera, a uns e avs outros, estranho e superior, que este poder esti em posigao de neutralidade entre elas e, por conseguinte, pode, ou em todo caso, deveria, reconhecer, na propria causa, de que lado esta a justiga, O tribuna implica também a existéncia de categorias comuns as partes em presenga (..) € que as parte em presenga aceitem submeter-se a 5 elas. (...) Todas essas ideias sao armas de que a burguesia se tem servido no exercicio do poder. por isso que me incomoda a ideia de um tribunal popular” (p. 60) = “(.) © ato de justiga através do qual se responde ao inimigo de classe nao pode ser confiado a uma espécie de espontaneidade instantinea, nao refletida, nao integrada a uma luta de conjunto. E preciso encontrar as formas de elaborar, pela discussio e pela informacio, esta necessidade de revide que existe, com efeito, nas massas. Em todo caso, o tribunal com sua tripartigao entre as duas partes ¢ a insténcia neutra, decidindo em fiangao de uma justiga que existe em si ¢ para si, me parece un modelo particularmente nefasto para a elucidagio, para a elaboragdo politica da justiga popular” (p. 62); -“E ato de justica popular uma acao feita pelas massas ~ uma parte homogénea do povo — contra 0 seu inimigo direto considerado como tal em revide a um dano precisa” (p. 63); = (.) um ato de justiga popular nao pode atingir a plenitude da sua significagio se nao for politicamente elucidado, controlado pelas proprias massas” (p. 63 e 63), - “Pessoalmente, a ideia que en quis introduzir na discussio € a de que o aparelho de Estado burgnés de justica, cuja forma visivel simbélica é o tribuna, tinha por fungao essencial introduzir € multiplicar contradig6es no seio das massas, principalmente entre proletariado € plebe nao ploretarizada e que, por isso, as formas desta justiga e a ideologia que esta ligada a elas devem toma-se alvo da nossa luta atual” (p. 68) - *Direi para concluir que a reutilizagao de uma forma como a do tribunal, com tudo o que ela implica (...) deve também passar pelo crive de uma critica muito severa; ¢ eu s6 vejo re-utiliza¢ao valida para cla no caso em que se possa, paralelamente a um processo burgues, abrir um contra- proceso que fuga aparecer como mentira a verdade so outro, € como abuso de poder as suas decisdes” (p. 68) - Segundo Foucault as fungdes dos intelectuais eram de dizer a verdade “aqueles que ainda nfo a via e emnome daqueles que nao podiam dizé-la: consciéncia e eloquéncia” (p. 70 € 71) = “Ora, 0 que os intelectuais descobriram recentemente € que as massas no necessitam deles para saber, elas sabem perfeitamente, claramente, muito melhor do que cles; ¢ elas o dizem muito bem. Mas existe um sistema de poder que barra, proibe, invalida esse discurso e esse saber. Poder que no se encontra gomente nas instancias superiores de censura, mas que penetra muito profundamente, muito sutilmente em toda a trama da sociedade” (p. 71) = Foucault afirma que talvez ainda nao saibamos o que é 0 poder: “Max e Freud talvez nao sejam suficientes para nos ajudar a conhecer essa coisa tao enigmética, a0 mesmo tempo visivel € invisivel, presente e oculta, investida em toda parte, que se chama poder” (p. 75) -*’Dominar’, ‘dirigit’, ‘governar’, ‘grupo de poder’, ‘aparelho de Estado’, etc, € tudo um conjunto de nogdes que exige andlise. Além disso, seria necessario saber até onde se exerce o poder, através de que revezamentos ¢ até que instncias, frequentemente infimas, de controle, de visilancia, de 6 proibigdes, de coergdes. Onde ha poder, ele se exerce. Ninguém ¢, propriamente falando, seu titular, e, no entanto, ele sempre se exerce em determinada diregao, com uns de um lado e outros do outro; nao se sabe ao certo quem o detém; mas se sabe quem nao o possui” (p. 75) - “(.) as relagdes entre desejo, poder e interesse so mais complexas do que geralmente se acredita e nao so necessariamente os que exercem o poder que tém interesse em exercé-lo, os que tem interesse em exercé-lo no o exercem € desejo do poder estabelece uma relacao ainda mais singular entre o poder ¢ o interesse. (...) E possivel que as lutas que se realizam agora ¢ as teorias locais, regionais, descontinuas, que esto ge elaborando nessas lutas e fazem parte delas, sejam 0 comego de uma descoberta do modo como se exerce o poder” (p. 77) - “Minha hipétese & que com o capitalismo nao se deu a passagem de uma medicina coletiva para uma medicina privada, mas justamente o contrério: que 0 capitalismo, desenvolvendo-se em fuins do século XVII e inicio do século XIX, socializou um primeiro objeto que foi o corpo enquanto forga de produgao, forga de trabalho. O controle da sociedade sobre o individuo nao se opera simplesmente pela consciéncia ou pela ideologia, mas comega no corpo, com o corpo. Foi no biologico, no somético, no corporal que, antes de tudo, investiu a sociedade capitalista. O corpo é uma realidade bio-politica” (p. 80); - Foucault destaca 3 etapas na formagio da medicina social: Medicina de Estado (Alemanha); ‘Medicina Urbana (Franca) ¢ Medicina da forga de trabalho (Inglaterra); - Medicina de Estado: desenvolveu-se sobretudo na Alemanha, no comego do século XVIII, ~ “Na Alemanha (...) se desenvolvera uma pratica médica efetivamente centrada na melhoria do nivel de satde da populagio” (p. 83); ~“A policia médica, que é programada na Alemanha, em meados do século XVIII, e que sera efetivamente posta em aplicagao no final do século XVIII e comego do XIX, consiste em: 1. “Um sistema muito mais completo de observagao da morbidade do que os simples quadros de nascimento e morte” (p. $3); 2. Um fendmeno importante de normalizagao da pratica e do saber médicos. (..) A medicina e o médico so, portanto, o primeiro objeto da normalizagao” (p. 83); 3. Uma organizagao administrativa para controlar a atividade dos médicos” (p. 84); 4. “A criagdo de funciondrios médicos nomeados pelo govemo com responsabilidade sobre uma regitio, seu dominio de poder ou de exercicio da autoridade de seu saber. (..) Aparece, neste momento, o médico como administrador de sate” (p. 4) - “Essa medicina de Estado que aparece de maneira bastante precoce (...) nao tem, de modo algum, por objeto a formagao de uma forga de trabalho adaptada as necessidades das indiistrias que se desenvolviam neste momento” (p. 84) ~ Medicina social: é representada pelo exemplo da Franca, em fins do século XVIII. - “BE com o desenvolvimento das estruturas urbanas que se desenvolve, na Franga, a medicina social” (p. 85) jasce 0 que chamarei de medo urbano, medo da cidade, anguistia diante da cidade que vai se caracterizar por varios elementos: medo das oficinas € fabricas que esto se construindo, do 7 amontoamento da populagao, das casas altas demais, da populacao numerosa demais; medo também das epidemias urbanas (..)” (p. 87); - “A medicina urbana com seus métodos de visildncia, de hospitalizagao, ete., nao é mais do que um aperfeigoamento, na segunda metade do século XVII, do esquema politico-médico da quarentena que tina sido realizado no final da Idade Média, nos séculos XVI e XVIL. A higiene piiblica é uma variagao sofisticada do tema da quarentena e € dai que provém a grande medicina urbana qne aparece na segunda metade do século XVIII e se desenvolve sobretudo na Franca” (p. 89) - Trés objetivos da medicina urbana: 1. “Analisar os lugares de actimulo e amontoamento de tudo que, no espago urbano, pode provocar doenga, lugares de formagao e difuisao de fenémenos epidémicos ou endémicos” (p. 89) 2.... controle da circulagao. Nao da circulagao dos individuos, mas das coisas ou dos elementos, essencialmente a agua ¢ 0 ar” (p. 90); 3. “Outro grande objetivo da medicina urbana ¢ a organizagio do que chamarei distribuigdes ¢ sequéncias” (p. 90); = “A medicina urbana nao € verdadeiramente uma medicina dos homens, compos ¢ organismos, mas uma medicina das coisas: as, agua, decomposigdes, fermentos; uma medicina das condigoes de vida e do meio de existencia” (p. 92) ~ Medicina da forea de trabalho: exemplo do modelo inglés; = “A medicina dos pobres, da forga de trabalho, do operario nao foi o primeiro alvo da medicina social, mas o ultimo. Em primeiro lugar o Estado, em seguida a cidade e finalmente, o3 pobres ¢ trabalhadores foram objeto da medicalizagao” (p. 93) - “De maneira geral, pode-se dizer que, diferentemente da medicina urbana francesa e da medicina de Estado da Alemanha do século XVII, aparece, no século XIX e sobretudo na Inglaterra, uma medicina que é essencialmente um controle da satide e do corpo das classes mais pobres para toma-las mais aptas ao trabalho e menos perigosas as classes mais ricas” (p. 97): - “Essa formula de medicina social inglesa foi a que teve futuro, diferentemente da medicina urbana e sobretudo da medicina de Estado. (...) Enquanto 0 sistema alemao da medicina de Estado era pouco flexivel e a medicina urbana francesa era um projeto geral de controle sem instrumento preciso de poder, 0 sistema inglés possibilitava a organizagio de uma medicina com faces € formas de poder diferentes segundo se tratasse da medicina assistencial, administrativa e privada, setores bem delimitados que permitiram, durante o final do século XIX e primeira metade do século XX, a existéncia de um esquadrinhamento médico bastante complexo” (p. 97 & 98) - “A partir de que momento o hospital foi programado como um instrumento terapéutico, instrumento de intervengao sobre a doenca e o doente, instrumento suscetivel, por si mesmo ou por alguns de seus efeitos de produzir cura?” (p. 99) ~_Viagens-inquérito_do_inglés Howard (1775/1780) e do francés Tenon_apresentaram_tais Caracteristicas: 1 “Definir, depois do inquérito, um programa de reconstrugdo dos hospitais”.(...) Considera-se que nenhuma teoria médica por si sé é suficiente para definir um programa hospitalar”, 2 “Bisse inquéritos do poucos detalhes sobre o exterior do hospital ou sobre a estrutura geral do edificioNao sao mais descrigdes de momumentos, como a dos viajantes classicos, nos séculos XVII ¢ XVIII, mas descrigdes funcionais" (p. 99 ¢ 100), 3 “Os autores dessas descrigdes funcionais da organizago nfo sfo mais arquitetos”. Tenon é médico e Howard tem uma competéncia quase socio-médico. “Surge, portanto, um novo olhar sobre o hospital considerado como maquina de curar e que, se produz efeitos patolégicos, de ser corrigide”. ((p. 101) - “Antes do século XVII, 0 hospital era essencialmente uma instituigao de assisténcia aos pobres. Instituigdo de assisténcia como também de separagiio e exclustio”. (...) “O hospital permanece com essas caracteristicas até o comeco do século XVIII e o Hospital Geral, lugar de internamento, onde se justapdem ¢ se misturam doentes, loucos, devassos, prostitutas, etc., € ainda, em meados do século XVII, uma espécie de instrumento misto de exclusio, assisténcia ¢ transformagao espiritual, em que a fungao médica nao aparece”. (p. 101 e 102) Como o hospital foi medicalizado ¢ a medicina péde tornar-se hospital? Purificando 0 hospital dos efeitos nocivos ¢ desordem que ele acarretava = “E desordem aqui significa doengas que ele podia suscitar nas pessoas intermadas e espalhar na cidade em que estava situado, como tanbém a desordem econdmica-social de que ele era foco perpétio” (p. 103). - “Os primeiros exemplos de organizagio foram vistos nos hospitais maritimos ¢ militares na Europa, por meio da disciplina, pois “Quando se forma um soldado nao se pode deixa-lo morrer”, em fungio dos custos que essa formagao ocasionou” (p. 104). = “A disciplina € uma técnica de exercicio de poder que foi, nfo inteiramente inventada, mas elaborada em seus primérdios fundamentais durante 0 século XVII. (..) sendo uma “nova maneira de gerir os homens, controlar suas multiplicidades, utiliza-las ao maximo e majorar efeito titil de seu trabalho e sua atividade, gragas a um sistema de poder suscetivel de controli-los” (p. 105), Assim, 0 que surge nessa época nas escolas e no exército: (p. 105, 106 e 107). 1 — Distribuicao espacial dos individuos. “E a individualizacao pelo espago, a insergao dos corpos em um espaco individualizado, classificatério, combinatério”; 2 — Disciplina exerce o controlo sobre 0 desenvolvimento € gestos. “E assim que nas oficinas aparece o famoso ¢ sinistro petsonagem do contra-mestre, destinado nao so a observar se o trabalho foi feito, mas como é feito, como ser feito mais rapidamente e com gestos melhor adaptados”; 3 ~ Vigilancia perpétua e constante dos individuos; 4 — Registro continuo. “E 0 poder de individualizagao que tem o exame como instrumento fundamental”. - “As razSes econdmicas, 0 prego atribuido ao individuo, o desejo de evitar que as epidemias se propaguem explicam o esquadrinhamento disciplinar a que esto submetidos os hospitais” (p. 107). - Duplo nascimento do hospital ~ Técnicas de poder disciplinar e médica e intervengao sobre meio. (p. 108, 109 € 110). 1 — 0 espago em que esta situado © hospital deve estar ajustado ao esquadrimento sanitario da cidade e a distribuicao intema do seu espaco deve ser ajustada, pois a estrutura espacial do hospital é um meio de interven¢ao sobre o doente. 2 —Transformagao do sistema de poder no interior do hospital, em especial concedendo mais poder a atuagaio médica em detrimento de religiosos que comandam o hospital. 3 — Registro das acées hospitalares. “Constitui-se, assim, um campo documental no interior do hospital que nao é somente um hugar de cura, mas também de registro, actimulo e formacao de saber” (p. 110). = "Se existe uma geoarafia da verdade essa € a dos espacos onde reside, e nao simplesmente a dos lugares onde nos colocamos para melhor observé-la* (p.113) = “Podemos entiio supor na nossa civilizagao € ao longo dos séculos a existéncia de uma tecnologia da verdade que foi pouco a pouco sendo desqualificada, recoberta e expulsa pela pratica cientifica e pelo discurso filoséfico. A verdade ai nao aquilo que é, mas aquilo que se da: acontecimento. (...) Deste acontecimento que assim se produz impressionando aquele que o buscava a relagio nao é do objeto ao sujeito do conhecimento. E uma relagao ambigua, reversivel, que luta belicosamente por controle, dominagao e vitoria; uma relagao de poder” (p.114 e 115) da verdade e do conhecimento: (p. 116 € 117) 1 — O estabelecimento e¢ a generalizagtio do procedimento do inquérito na pratica politica e na pritica judiciaria, civil ou religiosa; 2 — Procedimentos juridico-politico péde se incorporar a uma tecnologia que permitia um inquérito sobre a natureza; 3- No elemento da verdade, constatada por instrumentos possuidores de fungao universal, a quimica e a eletricidade permitiram que fenémenos fossem produzidos (experimentacao). - “Por muito tempo e ainda em boa parte nos nossos dias, a medicina, a psiquiatria, a justiga penal, € a criminologia ficaram nos confins de uma manifestagio da verdade nas nommas do conhecimento, ¢ de uma produgao da verdade na forma de prova: esta tendendo sempre a se esconder sob aquela ¢ procurando através dela justificar-se”. A crise dessas disciplinas coloca em questiio a norma “sujeito-objeto”. (p.118) 0: de = Exemplo de crise na Medicina ~ “Até pouco tempo o hospital foi um lugar ambi constatagao para uma verdade escondida e de prova para uma verdade a ser produzida. (...) Dai toda uma séria de problemas que atravessaram o pensamento ea pratica dos médicos” (p.118 € 119). Entretanto, depois de pesquisas e constatagées “O meio hospitalar nao tem mais que ser para a doenga o lugar favoravel para um acontecimento decisive. Ele permite simplesmente uma 40 redugao, uma transferéncia, um aumento, uma constatagao. A prova se transforma em teste na estrutura técnica do laboratorio e na representagao do médico” (p.120) - Psiquiatra_e_o interior do espago asilar: “Antes do século XVII a loucura nfo era sistemoticamente intemmada e era essencialmente considerada como uma forma de erro ou de ilusao. (..) A pratica do intermamenta no comeco do século XTX, coincidin com o momento em que a loucura é percebida menos com relagdo ao erro do que com relagao a conduta regular e normal” (p.1120 € 121) - “Em todo caso, me parece que todos os grandes abalos que sacudiram a psiquiatria desde o fim do século XTX, essencialmente colocaram em questao 0 poder do médico. Seu poder € 0 efeito que produzia sobre o doente, mais ainda que seu saber e a verdade daquilo que dizia sobre a doenga” (p.123) - Formas de Despisiquiatria: “reduzir a doenga a sua realidade estrita”, “tomar a producao da Joucura em sua verdad a mais intensa possivel, mas fazendo de maneira que as relacoes de poder entre médico e doente sejam investidas equitativamente nesta produgio” ou a psicanalise — “retirada para fora do espago do asilo a fim de apagar os efeitos paradoxais do sobre-poder psiquidtrico” (p.124 e 125) - Antipsiquiatria: “Como se pode ver tudo € questio de poder: dominar 0 poder do louco, neutralizar o poder que de fora possa se exereer sobre eles, estabelecer um poder terapéutico ¢ de adestramento, de ‘ortopedia’. Ora, ¢ precisamente a instituigo como lugar, forma de distribuigao e mecanisno destas relagdes de poder que a antipsiquiatria ataca” (p.126) ~ “No caso da prisdo nao haveria sentido em limitarmo-nos aos discursos formulados sobre a prisdo, Hé igualmente aqueles que vém da prisdo: as decisdes, os regulamentos que so elementos constituintes da prisio, o funcionamento e a permanéncia da instituigéo, E tudo isto que € preciso 20 mesmo tempo recolher ¢ fazer aparecer” (p.130) - Punicio a vigilancia: “A mitologia do soberano nao era mais possivel a partir do momento em que uma certa forma de poder se exercia no corpo social. O soberano tomava-se entdo um personagem fantastico, 20 mesino tempo monstruoso e arcaico” (p.131) ~ Delingdéncia: A sociedade sem delingdéncia foi um sonho do século XVII que depois acabou. A delingdéncia era por demais util para que se pudesse sonhar com algo to tolo ¢ perigoso como uma sociedade sem delinquéncia. “Sem delinguiéncia nao ha policia.” (p.139-138) =O humanismo se engana, assim, ao estabelecer a separagao entre o saber e poder. Eles esto integrados, © nfo se trata de sonhar com um momento em que o saber nao dependeria mais do poder, o que seria uma maneira de reproduzir, sob forma utopica o mesino humanismo. Nao € 1 possivel que 0 poder se exerga sem o saber, nao € possivel que o saber nao engendre poder” (p.142) Capitulo IX Poder = Corpo - “Bur acho que 0 grande fantasma é a ideia de um corpo social constituido pela universalidade das vontades. Ora, nao é consenso que faz swgir o corpo social, mas a materialidade do poder se exercendo sobre 0 proprio corpo dos individuos” (p.146) =O corpo se tornou aquilo que esta em jogo numa luta entre os filhos e os pais, entre a crianga e as instancias de controle. A revolta do corpo sexual é contra efeito dessa ofensiva. Como é que 0 poder responde? Através de uma exploragao econémica (¢ talvez. ideolégica) da erotizagaio, desde os produtos ara bronzear até os filmes pomnogrificos...” (p.147) - A coeréncia nao resulta do desvelamento de um projeto, mas da logica de estratégias que se opdem umas as outras. B pelo estudo dos mecanismos que penetraram nos corpos, nos gestos, nos comportamentos, que é preciso construir a arqueologia das ciéncias hnmanas. Ela encontra, assim, um das condigdes de sua emergéncia: o grande esforgo de disciplinarizagao e de nonnalizagao realizado pelo século XIX. Freud sabia bem disso, Em materia de normalizagao, ele tinha consciéneia de ser mais forte que os outros” (151) - “Legislar para toda a cigncia é o projeto positivista. Eu me pergunto se em certas formas de marxismo ‘renovado’ nao se caiu em tentagao semelhante, que consistiria em dizer: o marxismo, como cigncia das cigncias, pode fazer a teoria das cigncias e estabelecer a separacao entre ciéncia € ideologia. Ora, essa posigao de arbitro, de juiz, de testemunha universal, é um papel a que me recuso absolutamente, pois me parece ligado a instituigio da filosofia” (p. 154) - “Achar um lugar para a geografia seria o mesmo que dizer que a arqueologia do saber tem um. projeto de recobrimento total e exaustivo de todos os dominios do saber, o que de modo algum é 0 que tenho em mente, A arqueologia do saber € simplesmente um modo de abordagem” (p. 155- 156) - “Metaforizar as transformagdes do discurso através de um vocabulario temporal conduz necessariamente a utilizacao do modelo da consciéncia individual, com sua temporalidade propria Tentar a0 contririo decifra-lo através de metiforas espaciais, estratégicas, permite perceber exatamente os pontos pelos quais os discursos se transformam em, através de e a partir das relagdes de poder” (p. 158) = “Com o panoptismo, eu viso a um conjunto de mecanismos que ligam os feixes de procedimentos de que se servem o poder. © panopstismo foi uma invengao tecnoldgica na ordem do poder, como uma maquina a vapor o foi na ordem da produgao, (..) Fez-se nesses lugares a experimentagao da vigilancia integral, (...) © panoptismo nao foi confiscado pelos parelhos de 2 Estado, mas estes se apoiaram nessa espécie de peqnenos panoptismos regionais e dispersos. (..) © poder nao tem por fungao tinica reproduzir as relagdes de reprodugao. As redes da dominacao 0s circuitos da exploragao se recobrem, se apéiam ¢ interferem uns nos outros, mas coincide’ (p. 160) - “Cada vez mais me parece que a formagio dos discursos e a genealogia do saber devem ser analisadas a partir nao dos tipos de consciéncia, das modalidades de percep¢ao ou das formas de ideologia, mas das téticas e estratégias de poder” (p. 164-165) - Duas caracteristicas surgiram com o tempo: O carater local da critica que “indica na realidade algo que seria uma espécie de produgao tesrica auténoma, nao centralizada, Istoé, que nao tem necessidade, para estabelecer, sua validade, da concordéncia de um sistema comum” ¢ a critica local se efetua através do retomo do saber sendo verdade que nos tiltimos anos “ encontramos frequentemente, ao menos ao nivel superficial, toda uma tematica do tipo: no mais o saber mas a ‘vida, nao mais 0 conhecimento mas o real, nao mais o livro mas a frip, etc” (p. 169). Surge entao a insurreigao dos saberes dominados -“Portanto, os saberes dominados sio estes blocos de saberes historicos que estavam presentes € mascarados no interior dos conjuntos foncionais ¢ sistematicos e que a ctitica pode fazer reaparecer, evidentemente através do instrumento da erudiga0”. Os saberes dominados também podem ser entendidos como “saberes que tinham sido desqualificados como nao competentes ou insuficientemente elaborados: saberes ingénuos, hierarquicamente inferiores, saberes abaixo do nivel requerido do conhecimento ou da cientificidade” (p. 170). = “Nos dominios especializados da erudi¢ao como nos saberes desqualificados das pessoas jazia a meméria dos combates, exatamente aquela que até entao tinha sido subordinada, (..) Delineou-se assim 0 que se poderia chamar uma genealogia, ou melhor, pesquisas genealogicas miltiplas, ao mesmo tempo redescoberta exata das lutas e memoria bruta dos combates” (p. 170-171). ~ Ao libertar da sujeicao os saberes histéricos, “As genealogias nao sao, portanto retornos Ppositivistas a uma forma de ciéncia mais atenta ou mais cxata, mas anti-ciéncias. (...) Trata-se da insurreigdo dos saberes nao tanto quanto ao contetido, os métodos e os conceitos de uma ciéncia, mas de uma insurreicdo dos saberes antes de tudo contra os efeitos dos poderes centralizadores que estao ligados instituiggo e ao funcionamento de um discurso cientifico organizado no interior de uma sociedade como a nossa” (p. 171). - A questo das genealogias sera: “A anilise do poder ou dos poderes pode ser, de uma maneira ou de outra, deduzida da economia?” (..) De modo geral, em um caso temos um poder politico que encontraria no procedimento de troca, na economia da circulagao dos bens 0 seu modelo formal e, 1no ontro, © poder politico teria na economia sua razao de ser histérica, o principio de sua forma conereta € do seu fimcionamento atual” (p.174-175) 13 ~*Se o poder se exerce, o que é este exercicio, em que consiste, qual é sta mecanica?” (p. 176) (.) 1-0 poder € essencialmente repressivo € 2 — 0 poder é combate, confronto e guerra por outros meios. ~ Logo, “As relagdes de poder na sociedade tem essencialmente por base uma relagao de forga estabelecida; (..) No interior desta paz civil, as lutas politicas, os confrontos a respeito do poder, com 0 poder e pelo poder (...) tudo isso deve ser interpretado apenas como continuagées da guerra (..) € 0 final da politica seria a ultima batalha, isto é, s6 a ultima batalha suspenderia finalmente o exercicio do poder como guerra prolongada” (p. 176). ‘Afirmar que a soberania ¢ o problema central do direito nas sociedades ocidentais implica, no fundo, dizer que 0 discurso e a técnica do direito tiveram basicamente a fungao de dissolver 0 fato da dominagao dentro do poder para, em seu Ingar, fazer aparecer duas coisas: por um lado, os direitos legitimos da soberania , por outro, a obrigagao legal da obediéncia, O sistema do direito ¢ inteiramente centrado no rei e é, portanto, a eliminagio da dominagio de suas consequéncias” (p. 181) - “0 sistema do direito, o campo judiciario so canais permanentes de relagdes de dominagio técnicas sujeigao polimorfas. O direito deve ser visto como um procedimento de sujeigao, que ele desencadeia, ¢ nao como uma legitimidade a ser estabelecida, Para mim, o problemas ¢ evitar a questio- central para o direito — da soberania e da obediéncia dos individuos que the sto submetidos e fazer aparecer em seu lugar o problema da dominagao e da sujeigao” (p. 182) ~ Precaugies metodolégicas: “(..) em vez de orientar a pesquisa sobre o poder no sentido do edificio juridico da soberania, dos aparelhos de Estado ¢ das ideologias que o acompanham, deve- se otienté-la para a dominagiio, os operadores materiais, a formas de sujeiglo, os usos © as conexdes da sujeigdo pelos sistemas locais e os dispositivos estratégicus. E preciso estudar o poder colocando-se fora do modelo do Leviata, fora do campo delimitado pela soberania juridica e pela instituigao estatal. E preciso estud4-lo a partir das técnicas ¢ taticas de dominacao” (p. 186) - “Mas no século XVII e XVIII, ocome um fendmeno importante: o aparecimento, ou melhor, a invengao de uma nova mecanica de poder, com procedimentos especificos, instrumentos totalmente novos e aparelhos bastante diferentes, 0 que é absolutamente incompativel com as relagoes de soberania” (p. 187) - “Contra as usurpagdes da mecdnica disciplinar, contra a ascenstio de um poder ligado ao saber cientifico, estamos hoje numa situagdo tal que o tinico recurso aparentemente sdlido que nos resta 6 exatamente o recurso ott o retomo a um direito organizado em tomo da soberania” (p. 190) 14 Foucault comega o primeiro parigrafo esclarevendo a diferenga entre uma medicina privada, sujeita ao mercado e uma politica médica calcada na coletividade, com alicerces em um modelo estrutural de poder. Segundo o autor, o século XVIII evidencia o desenvolvimento de uma medicina francesa e ewopéia com bases mercadolégicas, isto ¢, clientela privada, crescimento de cuidados médicos por parte das familias ¢ seus membros, uma medicina centrada no diagnéstico, dentre outras caracteristicas. Essa medicina niio pode ser desvinculada da organizagao de uma politica de saide, bem como de uma anélise politico-econdmica das doengas. Em suma, ambas as medicinas a que Foucault se refere - privada ¢ coletiva — possuem uma estratégia global entre si, fenémeno este que iri denominar “noso-politica”. Esta nao surgiu no século XVIII, mas veio a tona submetida a novas regras. Porém, o autor chama atengdo para uma questo fundamental: a noso-politica nao deve ser responsabilidade apenas dos aparellios do Estado, mas também de multiplas politicas de saude existentes em diferentes grupos sociais como religiosos, sociedades filantrépicas, cientificas, etc. A saiide € problematizada no século XVIII a partir de esferas muiltiplas onde o Estado intervém diretamente, resistindo ou nao as solicitagdes por parte destas. Essa intervengao nao era uniforme, contudo, a nosso-politica, apesar de possuir miiltiplas diregées, surgia como um objetivo geral na esfera social. Uma das marcas principais € o deslocamento dos problemas de saude a assisténcia, Até o fim do século XVII, os encargos coletivos de doengas eram feitos por meio de assisténcia as classes menos favorecidas, com excegao de epidemias ¢ épocas de quarentena em grandes portos. Essa medicina tida como servigo era dirigida aos pobres doentes, economicamente sustentada por fundagées de caridade, Ta em relagio a0 funcionamento dos hospitais nessa mesma época, a drea onde este tipo de assisténcia atuuava era limitado, restrito apenas a ajuda material, bem como o enquadramento administrativo. “...Na figura do ‘pobre necessitado’ que merece hospitalizagio, a doenga era apenas um dos elementos em um conjunto que compreendia tanbém a enfermidade, a idade, a impossibilidade de encontrar trabalho, a auséncia de cuidados...” (pag 195) Mas € preciso, também, chamar atengao para um outro processo, mais geral que o primeiro e que nao € 0 seu simples desdobramento: o surgimento da satide e do bem —estar fisico da populagio em geral como umn dos objetivos essenciais do poder politico...” (pag 196) 15 “No momento em que os procedimentos mistos de assisténcia so decompostos e decantados, ¢ em que se delimita, em sua especificidade econdmica, o problema da doenga dos pobres, a sade e o bem-estar fisico das populagées aparecem como um objetivo politico que a ‘policia’ do corpo social deve assegurar ao lado das regulagdes econémicas e obrigagoes da ordem. A stbita importancia que ganha a medicina no século XVIII tem seu ponto de origem no cruzamento de uma nova economia ‘analitica’ da assisténcia com a emergéncia de uma ‘policia’ geral da saude”. (pag 197) “Qual o suporte desta transformagiio? A grosso modo, pode-se dizer que se trata da preservagio, manutengio ¢ conservagiio da ‘forga de trabalho". Mas, sem divida, o problema é mais amplo: ele também diz respeito aos efeitos econémico-politico da acumulagao dos homens. grande crescimento demografico do Ocidente enropeu durante 0 século XVIII, a necessidade de coordend-lo € de integri-lo 20 desenvolvimento do aparelho de produgao, da urgéncia de controla-lo por mecanismos de poder mais adequados € mais rigorosos fazem aparecer a ‘populagio’ (..)” (pig 198) ‘A familia nfo deve ser mais apenas uma teia de relagdes que se inscreve em um estatuto social, em um sistema de parentesco, em um mecanismo de transmissio de bens, Deve-se tomar um meio fisico denso, saturado, permanente, continuo que envolva, mantenha e favoreca © corpo da crianga (..)” (pag 199) *..A nova ‘conjugalidade’ é, sobretudo, aquela que congrega pais e filhos, A familia ~ aparelho estrito € localizado de formagao — se solidifica no interior da grande ¢ tradicional familia- alianga. E, ao mesmo tempo, a saiide — em primeiro plano a satide das criangas ~ se tora um dos objetivos mais obrigatérios da familia’. (pag 199) “A politica médica, que se delineia no século XVIII em todos os paises da Europa, tem como reflexo a orgenizagio da familia, ou melhor, do complexo familia-filhos, como instancia primeiro e imediata da medicalizagaio dos individuos (...)” (pag 200) “..A velha nogio de regime entendida como regra de vida e como forma de medicina preventiva tende a se alargar ea se tomar o ‘regime’ coletivo de uma populagao considerada 46 em geral, tendo como triplice objetivo: 0 desaparecimento dos grandes surtos epidémicos, a baixa taxa de morbidade, o aumento da duragdo média de vida e de supressio de vida para cada idade, Esta higiene, como regime de saude das populagdes implica, por parte da medicina, um determinado niimero de intervengdes autoritarias ¢ de medidas de controle”. (pag 201) “A medicina como técnica geral de satide, mais do que como servigo das doengas e arte das curas, assume um lugar cada vez mais importante nas estruturas administrativas ¢ nesta maquinaria de poder que, durante o século XVIII, nao cessa de se estender ¢ de se afirmar. O meédico penetra em diferentes instancias de poder. (..)” (pag 202) “O excesso de poder de que se beneficia 0 médico comprova, desde 0 século XVIII, esta interpretagdo do que é politico e médico na higiene (..)” (pag 202) “0 médico se toma o grande conselheiro € 0 grande perito, se nfo na arte de governar, pelo ‘menos na de observar, corrigir, melhorar 0 ‘corpo’ social e manté-lo em um permanente estado de saiide. E € sna fungao de higienista, mais que seus prestigios de terapeuta, que Ihe assegura esta posigao politicamente privilegiada no século XVII, antes de sé-la econdmica © socialmente no século XIX”. (pig 202) “A reforma dos hospitais, mais particularmente os projetos de sua reorganizagdo arquiteténica, institucional, técnica, adquiriu importincia no século XVIII, gragas a este conjunto de problemas que articulam o espaco urbano, a massa da poptilacao com suas caracteristicas biologicas, a célula familiar densa e 0 corpo dos individuos”. (pig 207) “Michel Foucanit: Estudando as origens da medicina clinica, eu havia pensado em fazer um estudo sobre a arquitetura hospitalar na segunda metade do século XVIII, epoca do grande movimento da reforma das instituigdes médicas. Eu queria saber como o olhar médico havia se institucionalizado; como ele se havia inscrito efetivamente no espago social; como a nova forma hospitalar era ao mesmo tempo 0 efeito € o suporte de um novo tipo de olhar (..)” (pag, 209) 7 Sobre o panopticon: “O principio & na periferia, uma construgao em anel; no centro, uma torre; esta possui grandes janelas que se abrem para a parte interior do anel. A construgao periférica é dividida em celas, cada uma ocupando toda a largura da construgio. (...) Em suma, inverte-se 0 principio da masmorra; a luz ¢ o olhar de um vigia captam melhor que o escuro que, no fundo, protegia”. (pag 210) “(.) Nestes temas de vigilineia e, particularmente, de vigilancia escolar, parece que os controles da sexualidade se inscrevem na arquitetura, No caso da Escola Militar, a luta contra a homossexualidade e a masturbacao é contada pelas proprias paredes”. (pag 213) “Nesta epoca, os médicos eram, de certa forma, especialistas do espago. (.) Eles foram, jntamente com os militares, os primeiros administradores do espago coletivo. (..)” (pags 213 214) “(.) Ora, as mudangas econémicas do século XVII tormaram necessario fazer circular os efeitos do poder, por canais cada vez mais sutis, chegando aos proprios individuos, seus corpos, seus gestos, cada um de seus desempenhos cotidianos. (...)” (pig. 214) “(.) © poder, na verdade, no se exerce sem que custe alguma coisa. (..) Se a violencia for ‘grande, ha 0 risco de provocar revoltas, ou, se a intervengio for muito descontinua, ha o riseo de permitir o desenvolvimento, nos intervalos, dos fenémenos de resisténcia, de desobediéncia, de custo politico elevado (...)” (pag 217) “(.) 14 o olhar vai exigir muito pouca despesa, Sem necessitar de armas, violéncias fisicas, coagdes materiais. Apenas um olhar. Um olhar que vigia € que cada um, sentindo-o pesar sobre si, acabaré por interiorizar, a ponto de observar a si mesmo; sendo assim, cada um exercerd esta vigildncia sobre e contra si mesmo, Férmula maravilhosa: um poder continuo ¢ de custo afinal de contas inrisdrio. (...)” (pag 218) “ (.) 0 poder nao € substancialmente identificado com um individuo que o possuiria ou que o exerveria devido a seu nascimento; ele toma-se uma maquinaria de que ninguém ¢ titular. Logicamente, nesta maquina ninguém ocupa o mesmo lugar; alguns lugares sao preponderantes e permitem conduzir efeitos de supremacia. De modo que eles podem assegurar uma dominagao de classe, na medida em que dissociam o poder do dominio individual”. (pag 219) 18 “A questiio do poder fica empobrecida quando € colocada tmicamente em termos de legislaga0, de Constituigao, on somente em termos de Estado ou de aparelho de Estado. © poder é mais complicado, muito mais denso e difusso que um conjunto de leis ou um aparelho de Estado, Nao se pode entender o desenvolvimento das forgas produtivas proprias ao capitalismo, nem imaginar seu desenvolvimento tecnolégico sem a existéncia, ao mesmo tempo, dos aparethos de poder”. (pag 221) “(.) Como se explica que, em uma sociedade como a nossa, a sexualidade nao seja simplesmente aqnilo que permita a reprodugio da espécie, da familia, dos individuos? (...) 0 sexo sempre foi o micleo onde se aloja, juntamente com o devir de nossa espécie, nossa “verdade’ de sujeito humano(...)” (pig 229) “A confissio, o exame de consciéneia, toda uma insisténcia sobre os segredos ¢ a importancia da came nao foram somente um meio de proibir o sexo ou de afasti-lo o mais possivel da consciéneia; foi uma forma de colocar a sexualidade no centro da existéncia de ligar a salvagao a0 dominio de seus movimentos obscuros. O sexo foi aquilo que, nas sociedades cristas, era preciso examinar, visiar, confessar, transformar em discurso”. (pag 230) “(..) Ora, meu problema sempre esteve do lado de um outro pélo: a verdade, Como o poder que se exerce sobre a loucura produziu o discurso ‘verdadero’ da psiquiatria? O mesmo em relagao a sexualidade: retomar a vontade de saber onde poder sobre o sexo se embrenhou, Nao quero fazer a sociologia histérica de uma proibi¢ao, mas a histéria politica de uma produgao de ‘verdade”. (pag 230) “De modo geral, eu diria que o interdito, a recusa, a proibigéo, longe de serem as formas essenciais de poder, siio apenas seus limites, as formas frustradas ou extremas, As relagoes de poder sio, antes de tudo, produtivas”. (pig 236) 19 “(.) A partir do momento em que ha uma relago de poder, hé uma possibilidade de resistencia, Jamais somos aprisionados pelo poder: podemos sempre modificar sua dominagao em condigdes determinadas ¢ segundo uma estratégia precisa”. (pag 241) “Através do termo dispositive tento demarcar, em primeiro lugar, um conjunto decididamente heterogéneo que engloba discursos, instituigdes, organizagdes arquitetonicas, decisoes regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados cientificos, proposi¢des filosoficas, morais, filantropicas. Em suma, 0 dito e 0 nao dito so os elementos do dispositive, O dispositivo €arede que se pode estabelecer entre estes elementos”. (pag 244) “G.) © dispositivo, portanto, esté sempre inscrito em um jogo de poder, estando sempre, no entanto, ligado a uma ou a configuragdes de saber que dele nascem mas que igualmente o condicionam. £ isto, o dispositivo: estratégias de relagdes de forca sustentando tipos de saber sendo sustentadas por eles”. (pig 246) “Geralmente se chama instituigao todo comportamento mais ou menos coercitivo, aprendido. Tudo que em uma sociedade fimciona como sistema de coergio, sem ser um enunciado, ou seja, todo 0 social nao discursivo ¢ a instituigao”. (pag 247) “(.) De modo geral, penso que € preciso ver como as grandes estratégias de poder se incrustam, encontram suas condigdes de exercicio em microrrelagdes de poder. Mas sempre ha também movimentos de retorno, que fazemn com que as estratégias que coordenam as relagées de poder produzam efeitos noves e avancem sobre dominios que, alé o momento, no estavam concemidos”. (..) (pag 249) “Nas historias comuns, pode-se ler que a sexualidade fora ignorada pela medicina e sobretudo pela psiquiatria e que finalmente Freud descobriu a etiologia sexual das neuroses. Ora, todo mundo sabe que no ¢ verdade, que o problema da sexualidade estava inscrito na medicina e na psiquiatria do século XIX de forma manifesta e relevante (..)” (pag 261) 20 “(.) A pattir do momento em que se disse ao homem: com seu sexo, vocé nao vai simplesmente fabricar prazer, vocé vai fabricar verdade. Verdade que sera a sua verdade, a partir do momento em que Tertuliano comegou a dizer aos cristios: em vossa castidade...” (pag 262) “Certamente, na Idade Média ou na Antiguidade greco-romana, sempre existiram tratados que se apresentavam como conselhos ao principe quanto ao modo de se comportar, de exercer o poder, de ser aceito e respeitado pelos stiditos, conselhos para amar e obedecer a Deus, introduzir na cidade dos homens a lei de Deus, etc.” (..) (pig 277) “(.) Por um lado, movimento de concentragéo estatal, por outro de dispersio © dissidéncia religiosa: é no encontro destes dois movimentos que se coloca, com intensidade particular no século XVI, 0 problema de como ser governado, por quem, até que ponto, com qual objetivo, com que método, ete. Problemética geral do governo geral”. (pag 278) “(.) Enquanto a doutrina do principe ou a teoria juridica do soberano procura incessantemente marcar uma descontinuidade entre 0 poder do principe e as outras formas de poder, as teorias da arte de governar procuram estabelecer uma continuidade, ascendente e descendente”. (pag 281) “(.) A introdugio da economia no exercicio politico seré © papel essencial do govemno”. (..) (p4g281) “Foi através do desenvolvimento da ciéneia do governo que a economia péde centralizar-se em uum certo nivel de realidade que nés caracterizamos hoje como econdmico, foi através do desenvolvimento desta ciéncia do governo que se péde isolar os problemas especificos da populagao; mas também se pode dizer que foi gragas 4 percepeao dos problemas especificos da populagao, gracas ao isolamento deste nivel de realidade, que chamamos e economia, que o problema do governo péde enfim ser pensado, sistematizado e calculado fora do quadro juridico da soberania (..)”. (pig 288) “(..) Este Estado de governo que tem essencialmente como alvo a populagao e utiliza a instrumentalizagio do saber cconémico, comesponderia a uma sociedade controlada pelos dispositivos de seguranga”. (pag 293) a 22

Você também pode gostar