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Rev. Assoc. Psicanal. Porto Alegre, Porto Alegre, n. 38, p. 126-132, jan./jun.

2010

ENTREVISTA
ESTRUTURA É A
DA LINGUAGEM??
Alfredo Eidelsztein

O entrevistado deste número de nossa Revista é o psicanalista argentino Alfredo


Eidelsztein. Doutor pela Universidade de Buenos Aires, é docente de cursos de
pós-graduação nessa instituição desde 1995. Além disso, é membro de várias
instituições, tais como Sociedade Analítica de Buenos Aires; Apertura – Sociedad
Psicoanalítica de La Plata; Apertura – Sociedad Psicoanalítica de Buenos Aires;
Apertura – Sociedad Psicoanalítica de Salta; Apertura – Sociedad de Reflexiones
Psicoanalíticas de La Paz; e coordenador do capítulo argentino da Sociedade
Internacional para o Tratamento Psicológico das Esquizofrenias e Outras Psico-
ses.
Autor conhecido de diversos livros que testemunham um rigoroso trabalho de
formalização matemático-topológica da obra de Jacques Lacan. Dentre eles:
Las estructuras clínicas a partir de Lacan (vol. 1 e 2,) La pulsión respiratória
(organizador, 2004, ed. Letra Viva) e El grafo del deseo, este último publicado
inicialmente em 1995, reeditado em 2008 e vertido para o inglês em 2009.
A propósito do tema que ora nos ocupa, destacamos a obra Las estructuras
clínicas a partir de Lacan, lançada pela editora Letra Viva, de Buenos Aires, em
dois volumes, nos anos 2005 (primeira edição, segunda edição 2008) e 2008
(primeira edição) respectivamente. Trata-se de uma elaboração minuciosa dos
conceitos psicanalíticos desde a perspectiva lacaniana, visivelmente orientada
pela experiência clínica. O resultado disso é um texto que prima pelo rigor teó-
rico e pela precisão, sem descuidar do leitor; com sua abordagem acessível e
até mesmo didática, o autor nos conduz pela mão em seu percurso pela psica-
nálise. A nós, cabe nos deixarmos levar...
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Estrutura é a da linguagem

REVISTA: Ao longo do tempo, uma das críticas – por vezes, com tom
acusatório –, mais frequentes feitas à psicanálise, principalmente à teorização
lacaniana, é a utilização do estruturalismo francês como ponto de referência e
apoio. Como o senhor entende essa crítica e, qual, em sua opinião, então, a
importância do estruturalismo para a psicanálise?
EIDELSZTEIN: Evidentemente, essa pergunta se refere a Lacan, mas ele
não foi estruturalista, já que não participou da moda intelectual que leva esse
nome. Trabalhou e utilizou uma noção de estrutura apoiada em desenvolvimen-
tos de Claude Lévi-Strauss, muito útil para a teoria e a prática da psicanálise
que sustentou, desde o começo até o fim de seu ensino. A mesma consiste em
postular que todos os elementos com que se opera são “diferenciais últimos” e
seu funcionamento é considerado como regido por leis lógicas e matemáticas
(como na teoria matemática de grupos).

REVISTA: Será que poderíamos dizer que as chamadas estruturas clíni-


cas são menos rígidas que os “conceitos” que as orientam? Ou seja, os limites
que a linguagem nos impõe, inclusive para precisarmos os conceitos que utili-
zamos, são mais inflexíveis que a própria constituição dos “tipos clínicos”?
EIDELSZTEIN: As estruturas clínicas não são mais nem menos rígidas
que os tipos clínicos, implicam outra lógica. Partem de uma clínica em transfe-
rência que diferencia entre seus modos possíveis (do laço analista – analisante),
mas não tipifica os pacientes, nem os padeceres. Não coincide com nenhuma
psicopatologia. Não se refere às pessoas, mas aos laços transferenciais

REVISTA: Buscando dar maior inteligibilidade à psicanálise, Lacan, ao


longo de seu ensino, empregou com frequência as expressões: estrutura
psicótica, estrutura neurótica, estrutura histérica, estrutura obsessiva, estrutura
fóbica, estrutura paranoica, etc. Com a mesma finalidade, agregou o termo “es-
trutura” a vários conceitos psicanalíticos: estrutura do fantasma, estrutura do
sintoma, estrutura do chiste, etc. Contudo, a noção de estrutura também é
utilizada por outros autores contemporâneos, como Noam Chomsky, por exem-
plo, embora de forma diversa. Qual a concepção lacaniana de estrutura? Quais
as consequências em concebê-la de um modo ou de outro?
EIDELSZTEIN: Para Lacan, a estrutura é a da linguagem, que opera com
elementos significantes e com leis específicas. O conjunto dos elementos sem-
pre é de ao menos quatro, mas nunca constituem um todo completo. O que
caracteriza fundamentalmente seu funcionamento é a covariância. A estrutura
de Lacan não só não é completa como, além disso, carece de origem, centro e
fim.

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Alfredo Eidelsztein

REVISTA: Não obstante a ocorrência do termo “estrutura” na obra de


Lacan, segundo o senhor observa, ele jamais utilizou o sintagma “estrutura clí-
nica”; fica a cargo do leitor a decisão sobre a pertinência ou não da filiação
lacaniana de tal acepção. Com “estrutura clínica” se pretende estudar a clínica
psicanalítica mediante a aplicação da noção de estrutura. Mas, se a psicanálise
é a clínica do caso a caso – tornando, portanto, impróprio o uso de noções que
tendam a constituir classes ou agrupamentos de casos –, como entender a
concepção de “estruturas clínicas”?
EIDELSZTEIN: A clínica psicanalítica do caso a caso não é obstáculo à
constituição de conjuntos e-ou grupos; se fosse assim, nem sequer se poderia
falar de “clínica”, “psicanálise”, etc. Evitar os psicologismos uniformizantes não
obriga a um individualismo impossível de praticar, salvo em experiências místi-
cas. Convém, para pensar esses problemas, distinguir entre “particular”, a dife-
rença que é produto da relação, e o “singular” como único, irrepetível e sem lei.
Para mim o sujeito em psicanálise deve ser pensado como particular, não como
singular, para poder concebê-lo na relação “essencial” com o Outro, o A e o a.

REVISTA: Como se pode ler em seu livro, afirmar a existência de tipos


clínicos não implica configurar uma psicopatologia; nem sequer uma
psicopatologia psicanalítica. Por quê? O que são tipos clínicos? Em que estes
se diferenciam das categorias psicopatológicas? No que diz respeito à condu-
ção do tratamento, quais seriam as consequências dessas diferentes aborda-
gens diagnósticas?
EIDELSZTEIN: Como se afirmou antes, o tipo clínico é uma tentativa de
classificar os pacientes ou seus padeceres por semelhanças, e as estruturas
clínicas operam com uma lógica que permite estabelecer um conjunto finito de
modos da transferência, ou seja, do laço entre psicanalista e psicanalisante.
Psicopatologia classifica pessoas. Estudos clínicos dão conta das possibilida-
des da transferência, para nossa sociedade e cultura e no seio do dispositivo
analítico criado por Freud.

REVISTA: Quando o senhor trata de Las estructuras clínicas a partir de


Lacan, situa a Psicose e a Resposta Psicossomática dentro do setor compre-
endido pela holofrase. Fala que, para explicitar a lógica das relações entre psi-
cose e fenômeno psicossomático se deve partir do conceito de holofrase, levan-
do em conta que o sujeito não ocupa nelas o mesmo lugar, ou seja, a função do
sujeito do inconsciente se localiza diferentemente em cada caso. A falta de
intervalo deve distinguir-se em cada um deles. O senhor poderia se estender um
pouco mais no diagnóstico diferencial entre os quadros clínicos de psicose e
resposta psicossomática?
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EIDELSZTEIN: O sujeito de Lacan, assim como seu objeto a, habitam e


existem no intervalo entre S1 e S2. Tal como o exponho no livro, podem estabe-
lecer-se três modos de ausência do intervalo: 1) entre S1 e S2, 2) entre as duas
cadeias significantes e 3) entre a cadeia significante e o sujeito da enunciação.

REVISTA: O senhor situa o particular de cada caso no campo do intervalo


e o singular na clínica da psicose. E quanto à resposta psicossomática, ela
também está situada na singularidade? Quais seriam os fundamentos teórico-
clínicos para se situar o particular no intervalo e o singular provavelmente na
holofrase?
EIDELSZTEIN: O particular implica uma diferença inscrita como um nó
de uma rede; o singular, algo que não se articula a nenhum conjunto. Segundo
Lacan, é a lógica da metáfora paterna, a que provém do contexto legal (lei do
não-todo, e não a legalidade dos juízes, policiais e advogados), onde se inscre-
vem os casos particulares.

REVISTA: Como o senhor pensa a posição ética do analista na interven-


ção com a neurose em relação à eleição do objeto de desejo, no sentido em que
aponta no seu livro Las estructuras clínicas a partir de Lacan, de que não é um
objeto qualquer, diante de uma sociedade capitalista que oferece objetos do
mercado para troca?
EIDELSZTEIN: É no sentido da pergunta que cabe distinguir entre 1) o
objeto causa do desejo, a falta causando a busca desiderativa e, 2) o objeto do
fantasma ($ ◊ a), que, sendo uma interpretação do objeto causa, é, sim, encon-
trado na realidade, mas nunca cancela de todo a falta causante, mas renova o
circuito, o que se pode ler em:

REVISTA: O senhor coloca que a neurose de transferência está distante


da posição de Narciso, se trata de uma posição de perda, tenta dar conta da
falta do Outro pagando com o próprio desejo. Quais as consequências, na clíni-
ca da neurose, quando o analista se põe a interpretar o narcisismo, o benefício
do sintoma e a responsabilidade subjetiva?
EIDELSZTEIN: Quando o analista orienta a cura no sentido de considerar
o analisante como um Narciso, então a cura não inverterá o processo
culpabilizante da neurose. Não se deve esquecer que a demanda de análise
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supõe alguém que crê que o problema está nele e, consequentemente, um


enfoque responsabilizante será mais neurotizante.

REVISTA: Invocar a “responsabilidade do sujeito” ante seu padecer sinto-


mático ou reduzir o narcisismo do paciente tem sido uma tendência adotada
entre os analistas freudo-lacanianos. Pertinentemente, o senhor aponta as
consequências desastrosas de semelhante prática, em se tratando de neurose
de transferência, em especial o efeito neurotizante quando se reforça a castra-
ção imaginária: “Você não quer admitir sua falha”, “Você não quer reconhecer
que não se pode tudo”, “Você quer ser perfeito”, etc. A que se poderia atribuir tal
equívoco na condução da cura?
EIDELSZTEIN: À falta de um trabalho de distinção entre os legados de
Freud e de Lacan e a que nossa sociedade e suas estruturas de poder impuse-
ram, porque dele necessitam, a responsabilidade individual para ocultar as fa-
lhas do sistema. O capitalismo se sustenta em indivíduos responsáveis e não é
afeito às críticas ao sistema.

REVISTA: Sua afirmação sobre o que há em comum e o que se diferencia


nos recursos que temos para trabalhar com o paciente no campo médico, em
contraposição ao psicanalítico, nos pareceu interessante. O senhor preconiza
que o olhar e a escuta são as ferramentas do médico, já a ferramenta do psica-
nalista seria a da leitura da escuta. Por quê?
EIDELSZTEIN: O médico ocidental e moderno deixou de falar com seus
pacientes, devido à biologização e à degradação do valor da palavra. O psicana-
lista ocupa esse lugar deixado vazio, mas não só escutando, porém lendo no
que escuta segundo as leis que são admitidas como operantes na clínica da
psicanálise.

REVISTA: Poderíamos nos enganar ao simplificar a diferença entre neu-


rose e psicose na operância do mecanismo da forclusão. Como o senhor afirma
em seu texto Las estruturas clínicas a partir de Lacan (vol. 1), no campo do
intervalo, ou seja, na clínica da neurose e da perversão, a forclusão opera sobre
o significante do sujeito e na psicose cai sobre o significante do pai. Sendo
assim, o que estabeleceria a diferença dessas estruturas?
EIDELSZTEIN: Poder-se-ia apresentar a diferença também deste modo:
sendo “O”1 a estrutura e o Outro sua encarnação, então, no campo do intervalo, a

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Para maiores esclarecimentos sobre isso remeteos ao livro do autor referido acima.
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metáfora paterna cumpre a função de distinguir entre “O” e Outro. No campo das
psicoses, essa diferença não foi inscrita e, então, não opera. Assim, a mãe, o pai
ou outro parecem operar como sendo realmente o “O”, assim não se habilita que
outras figuras representem “O”, impedindo-se consequentemente a transferência.
REVISTA: Observa-se que, com a difusão do ensino lacaniano, o termo
“sujeito”, forjado por Lacan, passou a ser empregado indiscriminadamente pelos
psicanalistas em suas abordagens do que tem se chamado de clínica ampliada
(ou aberta) e até mesmo da clínica stricto sensu. Na leitura de sua obra Las
estructuras clínicas a partir de Lacan, tivemos a grata surpresa de encontrar
uma incursão meticulosa na psicanálise, e que, seja na psicanálise em intensão
ou na psicanálise em extensão, não abre mão do rigor no trato da acepção
“sujeito”. No campo do ensino e da transmissão, a importância do cuidado no
emprego desse termo nos parece mais visível. Mas, quando se trata da prática
psicanalítica, quais as consequências do descuido com o uso desse conceito?
EIDELSZTEIN: Ao confundir-se o sujeito com o indivíduo ou a pessoa, a
psicanálise se indistingue, por sua vez, da psicologia, na qual o psicólogo aten-
de um paciente. Na clínica psicanalítica, ao menos como eu a entendo, o sujei-
to se localizará entre psicanalista e psicanalisante, sem coincidir com nenhum
deles.

REVISTA: No seu livro o senhor propõe a não inclusão do fetichismo no


âmbito das perversões. Poderia desenvolver essa escolha?
EIDELSZTEIN: Penso as perversões como as localizações na fórmula do
fantasma, assim:

No fetichismo, o fetichista se localiza em $ frente ao fetiche como a.

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Alfredo Eidelsztein

REVISTA: O senhor chama a atenção para o fato de muitas leituras psi-


canalíticas conceituarem a perversão como psicopatia, transgressão ou desafio
à autoridade, ressaltando não ser essa a posição de Lacan. A perversão, segun-
do seu texto, se assemelha à posição de um crente, de alguém sustentado pela
fé, que requer e resguarda o Outro. Isso apresenta algumas dificuldades e obs-
táculos na transferência, dificuldades que o senhor chega a mencionar como
“impossibilidade da transferência analítica”. Como trabalhar, então, com sujei-
tos assim posicionados numa direção de cura que invista na via do sujeito e não
na direção do eu?
EIDELSZTEIN: Não há fórmula para esses casos; seguramente será gen-
te acometida por problemas conjunturais, mas não por sintomas no sentido da
psicanálise.

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Rev. Assoc. Psicanal. Porto Alegre, Porto Alegre, n. 38, p. 133-144, jan./jun. 2010

RECORDAR, O PENSAMENTO
REPETIR, ESTRUTURAL: UM MODO
ELABORAR DE INTERPRETAR O MUNDO

Ione Bentz 1

Freud, desde seus primeiros escritos, utilizava a palavra “estrutura” sem maio-
res restrições. Na verdade, nessa época, o significante “estrutura” estava mais
ligado à ideia de que haveria uma armação, um esqueleto que amparava, seja
um edifício, seja um corpo, por exemplo. No caso da psicanálise, sustentava o
que Freud chamou de aparelho psíquico. Mais precisamente, existe uma base
que produz uma série de sintomas mentais que compõem um conjunto de ele-
mentos representativos de determinado arranjo subjetivo, como a histeria ou a
neurose obsessiva.
Mas a psicanálise, como todos sabemos, sofreu uma série de influências de
outros campos de conhecimento, como a filosofia, a linguística e a antropologia.
E, desse modo, vários questionamentos foram aparecendo, inclusive o que exa-
minava a noção de estrutura. Deve-se, principalmente, a Jacques Lacan o esta-
belecimento do debate com o antropólogo Lévi-Strauss a respeito de uma propo-
sição sobre esse tema, e a discussão entre estrutura e estruturalismo. Lévi-
Strauss foi o grande inspirador de Lacan para promover o retorno à noção de

1
Pesquisadora e orientadora de teses e dissertações, vinculada à Pós-graduação stricto sensu
da Unisinos. Temática de pesquisa: Significação, Comunicação e Design; Professora nos níveis
de graduação e especialização; Doutora em Linguística e Semiótica pela USP; Pós-doutorado
pela Universidade de Paris-Sorbonne; Atuação em Direção e Coordenação e Pesquisa; Parecerista
de agências e revistas nacionais. E-mail: ioneb@unisinos.br
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Ione Bentz

estrutura – que já existia sob a pena de Freud – mas precisando que é na


estrutura da linguagem que o inconsciente opera. Amplia-se, assim, a discus-
são entre estrutura, tal como existia na proposta freudiana, e as proposições do
estruturalismo, corrente filosófica em voga, na França dos anos 50, portanto,
contemporânea das ideias iniciais de Lacan, que, mesmo não tendo aderido ao
“modismo”, não deixou de ser influenciado por ele. Isso fica evidente no texto de
1953, Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise, em que Lacan
precisa a ideia das estruturas de linguagem e suas incidências nas leis sociais
e de parentesco, afirmando que são esses elementos que fornecem os funda-
mentos objetivos do inconsciente.
Então, neste número da Revista, em que propomos o debate a propósito da
noção de estrutura, pareceu-nos necessário retomar, na seção Recordar, Repe-
tir, Elaborar, a discussão no que concerne a um dos elementos fundamentais do
estruturalismo, que é a vertente histórica, já que, em alguma medida, dela so-
mos tributários. Para tanto, propusemos à professora Ione Bentz o desafio de
contextualizar a noção do estruturalismo presente em Lévi-Strauss e sua influ-
ência na psicanálise. Ressaltando nesse texto que, mais do que uma proposi-
ção teórica, o estruturalismo evidencia a lógica de um pensamento, mais preci-
samente, a lógica do sistema psíquico estruturado como uma linguagem.
Ione Bentz, autora desse artigo, tem um currículo extenso nessa área; é profes-
sora titular e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Design da
Unisinos (RS); Mestre em Linguística e Letras pela PUC-RS; Doutora em
Linguística e Semiótica pela USP (1981); Estágio Pós-Doutoral em Linguística
e Letras - Paris VIII; Estágio de Pesquisa - Fundação Calouste Gulbenkian.
Dispõe de experiência em ensino, pesquisa e orientação nas áreas de Linguística
e Comunicação: Teorias da Linguagem (Discurso e Narrativa) e de Comunica-
ção - Mídias e Produção de Sentido (Teorias e Metodologias); Semiótica Aplica-
da ao Design; experiência em gestão de pesquisa e ensino, como Coordenado-
ra de Programa de Pós-Graduação, Diretora do Centro de Ciências da Comuni-
cação e Diretora da Unidade de Pesquisa e Pós-Graduação - Unisinos/RS; Par-
ticipação na Diretoria da COMPÓS (Associação Nacional de Programas de Pós-
Gradução em Comunicação).

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O pensamento estrutural...

À guisa de introdução, este texto responde à intenção de revisitar os funda-


mentos do pensamento estrutural como parâmetro de releitura de textos
teóricos importantes para o desenvolvimento das ciências humanas e sociais,
com forte protagonismo no processo formativo de estudiosos brasileiros, em
especial na segunda metade do século passado. A estrutura do texto teve a
pretensão de fazer com que dialogassem citações e interpretações, essas já
distanciadas das leituras iniciais fiéis ao texto pelo texto. Eis a primeira das
citações de referência literal:

Não existe um ‘estruturalismo’ ideal, a verdadeira teoria estrutura-


lista. [...] Uma filosofia nunca existe no momento decisivo em que
se projeta, embora seja esse o único instante em que a sua voz se
manterá íntegra. É sempre utópico tentar recuperar a pureza inici-
al, quando as palavras eram, ainda, o limiar de si próprias. Uma
filosofia só é o que na realidade é na medida em que se transforma
em múltiplos discursos que nela se originam (Coelho, 1968, p. VI).

Na esteira dos conceitos de pluralidade e combinatória sistêmica, parece


que os diversos sentidos que o estruturalismo tomou nas ciências, inclusive em
seus movimentos metodológicos centrais de busca de conjunções e disjunções,
são coerentes com as intensas e variadas críticas que pontuaram sua trajetória,
ao ser apropriado de modo mais ou menos ortodoxo pelas diferentes disciplinas
de conhecimento. Reconhece-se nelas o forte impacto que as teses estrutura-
listas trouxeram às discussões, reafirma-se a produtividade que essas teses
acarretaram, pois ficaram evidentes as diversidades e contradições que as mo-
tivaram, e anuncia-se que este texto não pretende recontar as peripécias da
história das ciências, pois seria uma atitude, além de pretensiosa, redundante,
pelo número de competentes textos críticos que já vieram à luz sobre esse
assunto.
O que se pode dizer, na origem, é que o postulado da inteligibilidade intrín-
seca apresenta pelo menos dois aspectos comuns: a noção de estrutura
abrangente, dinâmica e autorreferente; e as transformações possíveis, combinatórias
previsíveis no sistema, as quais lhe garantem o caráter de totalidade. A pretexto
de retomar o estruturalismo menos por suas teses ortodoxas ou revisionadas –
que o digam as características formuladas de antiempirismo, acronia, anti-
historicismo, antipsicologismo e antissociologismo –, a ideia foi de buscar pistas
importantes de como o pensamento estrutural se faz presente na base do pensa-
mento contemporâneo. Aliás, nada estranha essa presença, uma vez que o avan-
ço do conhecimento se dá na linha da história, é processo cumulativo e patrimônio
universal, portanto, sem limitações de ordem de tempo e espaço.
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O ‘estruturalismo’ – palavra encantada e enigmática que para al-


guns aparece como nova alienação – não designa um objeto preci-
so, definido, mas é o termo conveniente e indispensável, para en-
globar um certo tipo de atividade (segundo Barthes) e uma certa
forma de linguagem. O ‘estruturalismo’ não é propriamente uma
filosofia. Ou melhor: contém implícitas várias filosofias, que inevita-
velmente se explicitam, por vezes de um modo contraditório, neste
ou naquele autor (Coelho, 1968, p. X).

A opção foi iniciar pelas propostas saussurianas, reconhecidas na litera-


tura como a primeira experiência de descrição rigorosa de uma realidade social,
no caso a língua natural. As referências a outros teóricos – poucos, é verdade,
se olharmos os teóricos de prestígio que, em maior ou menor intensidade, aco-
lheram ou criticaram as teses estruturalistas – orientam-se por uma das
categorizações disponíveis na literatura, ou seja, a sua adjetivação em
fenomenológico (Merleau-Ponty), genético (Piaget) e de modelos (Lacan e Lévi-
Strauss). Esses autores, entre outros que poderiam ser citados, apresentam
como diferencial entre si, em sentido amplo, “o modo como estabelecem as
relações entre estrutura e sociedade”.
O pensamento estrutural, na sua origem, sempre se entendeu como plu-
ral pertinente às chamadas ciências humanas e referente à cultura, como termo
que nomeia o conjunto de produções humanas (objetos culturais), ou a maneira
de viver de uma sociedade. Esse conjunto contém em si vários sistemas que
correspondem às instituições sociais e seu funcionamento, escopo amplo que
vai da língua aos regimes políticos e às práticas cotidianas, das regras sociais
aos rituais e mitos, os quais povoam o sentir, o saber e o fazer humanos. É o
estatuto da linguagem e das linguagens.

Dissemos que ‘estruturalismo’ é sobretudo uma nova linguagem.


Este ponto pode parecer estranho a quem pensar que a linguagem
é apenas um instrumento de que cada um de nós se serve para
exprimir as suas ideias. Ora, não é nada disso. A linguagem é o
lugar onde essas ideias emergem sem que alguma vez deixem de
ficar ligadas a esse ponto de origem. Nenhuma linguagem é ino-
cente ou natural. Toda a linguagem contém implícita a sua própria
teoria (ou ideologia) (Coelho, 1968, p. X).

Os estruturalismos têm a pretensão de busca da inteligibilidade e transi-


tam pelos conceitos filosóficos, epistemológicos e operacionais, preocupados
que são com as observações empíricas. Por esses caminhos, pretendem che-
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O pensamento estrutural...

gar a uma gramática geral do conhecimento humano cujas regularidades


sistêmicas responderiam aos modos de pensar e ao aparecimento e desenvol-
vimento dos fenômenos culturais ou naturais. Essa ordem de racionalidade par-
te de noções configuradoras do sistema, como totalidade, solidariedade e auto-
nomia, e opera metodologicamente por identificação de descontinuidades e por
descrição de diferenças de ordem significativa, em busca de combinatórias e
permutas intrassistêmicas, sempre na perspectiva relacional.
Ao considerá-lo como pensamento dominante no século XX, é percebido
também como reação àquele dominante nos séculos imediatamente preceden-
tes; ao situar-se como não metafísico e não ideológico, o estruturalismo assu-
me a expectativa de conferir o estatuto de ciência às realidades investigadas,
qualquer que seja sua forma e natureza. É desse enquadramento que resulta a
convicção de que a ciência não se subdivide entre exatas e da natureza, entre
humanas e sociais. “Não há outra coisa que não a ciência; nem a quase-ciên-
cia, nem a ciência adjetivada têm procedência”.
Distinguir, classificar, relacionar é interpretar, e interpretar é compreen-
der. É fácil de perceber o caráter polêmico que esse tipo de epistemologia trou-
xe consigo; é também possível identificar o poder de suas propostas e argumen-
tos, como de resto acontece, em maior ou menor intensidade, com as demais
teorias, todas caudatárias de uma evolução histórica que é responsável pelo
avanço do conhecimento.

Na medida em que no ‘estruturalismo’ se procura distinguir com


nitidez ciência e ideologia, torna-se evidente que só no plano cien-
tífico é que o ‘estruturalismo’ pretende fundamentar a sua legitimi-
dade (Coelho, 1968, p. X).

A primeira viagem deve-se a Ferdinand de Saussure (1972) e tem como


paradigma o Curso de linguística geral. A metáfora interpreta essa obra como
um trajeto em fluxo, na qual partida e chegada se alternam sucessivamente e,
no percurso, respondem pelas ideias inovadoras que marcaram os anos 1900.
Trata-se do primado do racionalismo de uma ciência sem subjetividade, em
busca de uma gramática geral.
O ponto de partida de suas reflexões é a consciência da individualidade
absoluta, única, de cada ato expressivo, a que ele chama de fala; no interior de
um mesmo saber, os falantes sabem que a cada repetição de uma mesma frase
há toda uma variação, ou seja, “réplicas de uma mesma entidade”, definidas
essas entidades linguísticas como abstratas. Por outro lado, o caráter sistêmico
da língua impõe à linguística uma atitude sistemática que se articula pelo valor,
ou seja, que articula todas as associações opositivas possíveis e todas as pos-
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sibilidades de combinação sintagmática. ”O caráter sistêmico da língua impõe


igualmente que a linguística desenvolva suas pesquisas antes de tudo sobre o
plano onde coexistem as diferentes unidades e estruturas possíveis, isto é,
sobre o plano da contemporaneidade e da coexistência funcional”. A arbitrarie-
dade é tanto a condição e o coeficiente da mudança, quanto a estabilidade dos
sistemas linguísticos. Enfim, graças a isso, fica evidente o aspecto radicalmen-
te social da língua.

A grande descoberta de Saussure é a da linguagem como objeto


duplo, do caráter dialógico da linguagem, do diálogo como o único
campo onde a linguagem é possível (Coelho, 1968, p. XV).

É esse paradigma linguístico que inspira o desenvolvimento dos estudos


de cunho estruturalista em outras áreas do conhecimento, mais precisamente
nas chamadas ciências humanas e sociais. Foi assim na antropologia de Lévi-
Strauss, para quem “qualquer pormenor de cultura tem sentido em uma totalida-
de significativa”, e que passou a usar na etnologia técnicas e regras elaboradas
pela linguística. “Seria assim que um volume grande de dados etnográficos pas-
saria pela mediação racional de um modelo construído”. Parentesco e mitos
foram temas explorados a partir dessa perspectiva, resultando, respectivamen-
te, na descrição das estruturas elementares do parentesco e na compreensão
do mito como sistema. O parentesco foi considerado como uma linguagem,
feita de oposições e de relações entre seus elementos constitutivos; e como
sistema de natureza cultural que entra na cadeia de comunicação. É nesse
contexto que os mitos, expressões de cultura de uma dada sociedade, confe-
rem sentido a elementos aparentemente desordenados, ao trabalharem as suas
relações estruturais. Tais tipos de relações, por sua natureza social, postulam
limitações cujos termos, por incompatibilidade, produzem exclusões, mas tam-
bém inclusões necessárias. Vem daí a inspiração: “o fim último das ciências
humanas não é constituir o homem, mas dissolvê-lo”, ou seja, promover desse
modo a integração entre natureza e cultura.
No âmbito da psicanálise, Lacan valoriza a linguagem a ponto de quase a
ela reduzir a cultura. Portanto, a matéria de trabalho psicanalítico é a lingua-
gem, na busca da decifração do inconsciente. Se a linguagem é a língua menos
a fala, estabelece-se uma equação entre os dois termos, e é possível pensar em
uma gramática do inconsciente passível de ser descrita. Não há senão as diver-
sas expressões das estruturas profundas, que carecem de compreensão por
metodologia cujas operações de discernimento das unidades significativas e de
estabelecimento de relações entre elas resultam na elaboração do modelo
explicativo.
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O pensamento estrutural...

Piaget, por sua vez, é responsável por uma das formas de apropriação
das teses estruturalistas pela psicologia, com repercussão marcante na área
da educação. Esse processamento resultou da fusão entre as teorias existen-
tes, uma vez que não se alinha nem ao apriorismo, nem ao empirismo como
formas de explicação dos modos de conhecer. A linguagem como instituição
coletiva possui regras que se impõem aos indivíduos, de tal sorte que subme-
tem o próprio pensamento individual. Estabelece-se um diálogo produtivo entre
essa duas dimensões do fazer humano. Busca, assim, explicações para o de-
senvolvimento da inteligência humana, compreendida como um mecanismo de
adaptação do organismo a situações novas, ou seja, como reconhecimento da
existência de um processo de construção contínua de novas estruturas. De
natureza interacionista e dependente de inserções em determinados sistemas
de relações por assimilação e acomodação, a chamada epistemologia genética
sinaliza diálogo com os paradigmas então dominantes.
Também Merleau-Ponty, em releitura fenomenológica, exercita o entendi-
mento da linguagem como sistema de representação e a aplicação do conceito
de estrutura nas ciências humanas. “Ao conhecimento da língua, a fenomenologia
acrescentaria a experiência da língua em nós”. Um equilíbrio dinâmico é estabe-
lecido pela dialética entre a ciência objetiva da linguagem e a fenomenologia da
palavra. As repercussões dessa forma de apropriação aparecem na compreen-
são da sincronia e da diacronia e no sistema de formas de representação, na
corporalidade do significante, na relação entre significante e significado e no
conceito de estrutura, entre outros.
Enfim, é das teorias da linguagem que surge a inspiração que vem animan-
do os debates nas diversas áreas de conhecimento, em busca de “propostas
menos radicais ou redutoras” do que aquelas formuladas pelo estruturalismo
linguístico. Ganham, então, pertinência outros elementos igualmente inscritos na
ordem das realidades percebidas e representadas, e na ordem de práticas sociais
como forma de produção não necessariamente esgotada pelo produto em si.
O conjunto de todo o conhecimento crítico-reflexivo inspirado no paradigma
estrutural recebeu a denominação de pós-estruturalismo, termo suficientemen-
te abrangente para referir esse novo paradigma de diversidade crítica (os vários
estruturalismos).

Se a linguagem nos aparece como um sistema articulado é que


nela a diferença existe como elemento de origem (ou incompatibi-
lidade de origem), necessariamente irredutível a um princípio de
unidade. Enumeremos algumas dualidades da linguagem: a
dualidade articulatória acústica (emissor-receptor); a dualidade som-
sentido; a dualidade indivíduo-sociedade; a dualidade língua-fala; a
139
Ione Bentz

dualidade paradigma-sistema; a dualidade sincronia-diacronia, etc.


Abordaremos agora, apenas na medida em que disso nos pode vir
alguma utilidade para a compreensão do ‘estruturalismo’, algumas
dessas dualidades (Coelho, 1968, p. XV).

Para prosseguir, a oportunidade de uma metáfora como elemento


catalisador: a da viagem. Mas há viagens e viagens! Quaisquer que sejam elas,
denotadas ou conotadas, atualizam os sentidos virtuais de percurso, de movi-
mento e de escolhas. Ora, se há escolhas, há mais de um roteiro. A viagem
possível é ainda um virtual que se dá a conhecer na totalidade dos sentidos que
ela pode comportar, sentidos esses já conhecidos ou ainda por se darem a
conhecer. Em paradigma, permite que se selecione aquela que melhor serve no
momento; em sintagma, essa viagem será o que a outra não é. Apresentará um
conjunto de traços semânticos nucleares (semas), sem os quais não seria via-
gem, mas outra referência qualquer, e semas periféricos, dispensáveis, sim,
mas importantes para expressar as subjetividades as mais plurais.
“Nas ciências humanas, o homem falante e seus discursos são o objeto
fundamental do conhecimento”. Esse processo de subjetivação, porém, é da
ordem do racionalismo, em que a realidade representada é operada por um
sujeito ordenado que define, por oposição, um outro que não ele, no caso o
objeto. Trata-se de uma construção dinâmica em que a dimensão estruturante
está presente nas condições ofertadas pelos sistemas. “O sujeito é um parâmetro
metalinguístico independente de tal ou tal enunciado concreto”. É, entretanto,
nesses enunciados como práticas sociais que se materializam atos de fala.
Práticas são unidades complexas significantes e um de seus modos de mani-
festação são as narrativas.
“Histórias são contadas pelas linguagens; pensamentos, sentimentos e
percepções são compartilhados também pelas linguagens”. É essa posição
dual que coloca a linguagem na centralidade da cultura. As linguagens são ao
mesmo tempo meio e objeto, falam das coisas e de si mesmas, representam e
são representadas. Mas são os sistemas que permitem que o que significa seja
comunicado, multiplicando as operações metalinguísticas indefinida e sucessi-
vamente.
O reconhecimento dessas operações justifica a afirmação: “Os níveis da
língua-objeto, da metalinguagem, da metodologia e da epistemologia organizam
conhecimento científico”. Esses níveis não são, contudo, exclusivos desse tipo
de conhecimento, embora fora desse paradigma, não carecem de ser nomea-
dos ou disciplinados. É preciso, porém, que sejam reconhecidos ao se falar das
linguagens. Assim, viagens são representações que podem ser descritas pelas
línguas ou pelas linguagens; essa descrição pode ser definida metodológica e
140
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O pensamento estrutural...

identificada epistemologicamente. Tais processos podem ser de natureza cien-


tífica, mas podem também seguir o fluxo da linguagem corrente. Sim, viajar é
percorrer caminhos, caminhos que são rotas preestabelecidas que precisam
ser seguidas e que obedecem a leis inferidas nas relações de causa e efeito.
Ou quem sabe possam ser vistos como caminhos sem rotas fixas, em fluxos,
que obedecem ao saber do desejo e que se definem como experiência. São
modos diferentes de ver o mundo, todos possíveis, mas nem sempre todos
compatíveis entre si. Esse mesmo movimento poderia operar com
metalinguagem científica a definir viagens como sintagma nominal, explicável
pelo método gerativo em perspectiva pragmática ou lógico-matemática.
“Não há na língua senão diferenças”. O estruturalismo buscaria identificar
o sistema em que ‘viagens’ possa estar inserido; ali encontraria o conjunto de
todas as possibilidades sígnicas e que, como tal, poderiam atualizar-se
sintagmaticamente em determinados semas que não outros, em uma determi-
nada linguagem que precisaria ser reconhecida; essa operação seletiva encon-
traria expressão no sintagma pelo jogo dos funtivos de conjunção e disjunção.
Sua manifestação é um traço sempre positivo, de presença, em que está conti-
da a possibilidade de ausência. É no sistema e apenas nele que sinal positivo e
negativo convivem.

Para Saussure – e esta é uma afirmação nucelar –, na linguagem


não há elementos positivos, porque cada elemento define-se nega-
tivamente pelas diferenças que estabelece com todos os outros
elementos do sistema. Por conseguinte, numa língua apenas exis-
tem diferenças (Coelho, 1968, p. XVIII).

“Os signos são unidades de significação cujo significante e significado


são duas faces da mesma moeda”. O signo marcado pelo psicologismo (por
Saussure), evolui na direção de uma natureza social (pela qual Bakhtine é res-
ponsável, mas já presente em Saussure), embora o que lhe seja essencial seja
a indissociabilidade, condição de sentido e reconhecimento. O signo tem tal
relevância que apenas se opõe ao sinal, aqui compreendido como a não signifi-
cação. Tudo o que o homem produz é da ordem dos signos, logo é fundante do
processo de representação. Reconhecidos também como expressão e conteú-
do, esses dois componentes metaforicamente rompem essa relação, ou seja,
uma expressão pode atualizar diferentes conteúdos e um mesmo conteúdo pode
ser expresso por diferentes expressões. E isso se dá graças ao processo
semasiológico, de denominação, e ao processo onomasiológico, de definição.
“A sincronia é a atualização das interdependências em um dado recorte
na linha do tempo; a diacronia, um cotejo de sincronias”, ou uma nova forma de
141
Ione Bentz

escrever a história em que se rompe a linearidade causal do positivismo clássi-


co. Essa formulação põe em tela questões de organização sistêmica e o dina-
mismo evolutivo que, de certa forma, garante a qualidade estruturante em detri-
mento à estruturada, atribuída à metodologia estrutural no trato dos fatos da
língua-objeto.
“O texto é plural. Ele tem tantos sentidos que não tem nenhum”. Os
textos são sincronias que atualizam, a sua vez, algumas das possibilidades
que o sistema em que se inserem oferece. Tais relatos seriam narrativas ou
discursos que, na configuração de texto, se constituem em objetos culturais
escritos pela sociedade, essa mesma sociedade que significa e ressignifica
sucessivamente, entretecendo textos no processo conhecido como
intertextualidade. “Um texto não é senão ‘a soma’ de todos os textos lidos ou
escritos, ouvidos, vistos ou percebidos, inscritos materialmente por e entre tan-
tas linguagens”.
“Narrativa é uma sucessão de acontecimentos que se respondem uns
aos outros”, não necessariamente em ordem sequencial de acontecimentos
reais, e, esses como “textos são elos de uma cadeia de sentido e flutuante”.
Quem poderia fixá-la/los? Interessa fazê-lo? Talvez “o tempo em sua dupla
temporalidade: o tempo da escritura e o tempo da memória”. Aliás, é o encade-
amento temporal que responde às diferenças que se estabelecem entre sensa-
ção, percepção e significação, esse último termo definidor das relações de
representação simbólica que, por esse paradigma, é atribuível apenas ao ser
humano.
Tais espaços estruturantes não se mostram apenas no nível de superfície,
mas trazem, em nível profundo, outras condições de leitura. A polissemia, tal
como a conotação e a metáfora, são modos preferenciais de referir o mundo.
Quais seriam “as coisas não ditas”, mas implícitas? Quais as conotações
marcadas na pele textual, mas vivas no ato de leitura? Quantos textos imanentes
estão contidos em um só espaço material? Leitura é fruição, é expressão de
subjetividades cuja racionalidade estrutural pretende organizar. É possível fazê-lo,
desde que obedecidos os mesmos parâmetros com que são definidos os textos.
Há operações específicas de ordem da manifestação e do reconhecimen-
to. “A substância é a matéria recortada pela forma”. A pergunta que se põe a
seguir diz respeito à materialidade sensível em que os signos se atualizam em
termos de forma e substância. Esse primeiro termo define-se pelo valor
organizativo do sistema; o segundo pode referir a matéria sensível recortada,
como, por exemplo, a substância da língua natural, da cinésica e da proxêmica,
mas também pode referir os diversos atos que o sistema permite atualizar. É
nesse enquadramento que se situam a semiótica e a semântica, respectiva-
mente.
142
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O pensamento estrutural...

“O homem é um ser na linguagem”. Nessa perspectiva, somos seres na


linguagem que produzem signos em que emergem o referente, a expressão e o
conteúdo. O referente é termo constituinte do signo; a referência, alguma coisa
que está fora dele sem lhe ser estranho, ou melhor, a familiaridade pelo signo
estabelecida. Reconhecido esse termo como o que pela expressão atualiza o
conteúdo, torna-se termo absorvido, portanto, desaparece, e pode fazê-lo por já
ter estabelecido os parâmetros da interpretação.

Podemos, portanto, concluir que todo o conhecimento espontâ-


neo, que não seja produzido por um trabalho teórico, é necessari-
amente ideológico. E, por conseguinte, definiremos ideologia como
um tipo de conhecimento onde predomina a função prático-social,
dada a necessidade de dar aos homens uma visão do mundo que
permita a sua inserção social. Por outro lado, na ciência, o que
predomina é a função do conhecimento (Coelho, 1968, p. XX).

A dissociação referência e referente garante o estatuto da linguagem em


toda a sua plenitude, e permite espaços de significação amplos e diversifica-
dos, até porque atualiza a afirmação “as palavras não são as coisas”. É o voo
livre dos sentidos do mundo no ambiente, na natureza ou na cultura. É também
essa singela operação que garante o universo conotativo dominante a materia-
lizar os significados simbólicos. Metáforas e metonímias são estruturações
sígnicas de ordem sintagmática e paradigmática respectivamente, as quais res-
pondem também pelo conjunto conhecido na gramática normativa como figuras
literárias, tropos ou figuras de pensamento e de sentimento.
Interrompe-se a viagem, pelo simples motivo de que os pontos de ruptura
devam ficar dados para que se possa identificar, na cadeia infinita da matéria,
os modos como as narrativas se articulam e sucedem.

À guisa de conclusão, apresentam-se as fontes.


Este texto tem um tanto de memória formativa reavivada. São fragmentos
de inúmeras leituras de diferentes teóricos, formuladores e críticos do estrutura-
lismo, de intensa circulação em nosso meio nos anos setenta, especialmente.
As duas referências que seguem foram objeto de revisitação mais efetiva para,
em Ferdinand de Saussure, em Cours de Linguistique Générale, Édition criti-
que: Tullio de Mauro. Paris: Payot, 1972, atualizar alguns conceitos. A recupe-
ração do texto de Eduardo Prado Coelho – publicado na Introdução ao livro
Estruturalismo: antologia de textos teóricos. Barcelos: Portugalia Ed., maio de
1968 – presta homenagem ao esforço de crítica e apresentação de textos de
reconhecida relevância para a compreensão do “espírito de época” então domi-
143
Ione Bentz

nante, relevância essa ainda hoje reconhecida. Ainda sobre as aspas duplas:
nas citações intercaladas, são literais e referenciadas; no corpo do texto, são
memória e representação.

Porto Alegre, outubro de 2010.

Recebido em 10/10/2010.
Aceito em 17/10/2010.
Revisado por Otávio Augusto Winck Nunes

144
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Rev. Assoc. Psicanal. Porto Alegre, Porto Alegre, n. 38, p. 145-159, jan./jun. 2010

VARIAÇÕES NEUROCIÊNCIAS E PSICANÁLISE:


definindo discordâncias
para construir o diálogo
Benilton Bezerra Jr 1

O avanço das neurociências, nos últimos 20 anos, provocou forte impacto no


campo psicanalítico e precipitou um intenso debate acerca das relações
da psicanálise com a biologia e as novas ciências da mente. Ao final do século
XX, havia se tornado recorrente o discurso dos que queriam encerrar a “fraude
freudiana”, no museu dos equívocos pseudocientíficos (Webster, 1995; Torrey,
1992; Crews, 1995). Surpreendentemente, com a “década do cérebro” aconte-
ceu o oposto. Quando a biologia, impulsionada pelas tecnologias de visualização
cerebral, deu o salto em direção à descoberta de correlatos neurais de fenôme-
nos psíquicos, não só a psicanálise não foi retirada de cena, como se abriu um
novo horizonte de interlocução entre ciências do cérebro e ciências da subjetivi-
dade, tendo em seu centro o amplo projeto de naturalização da mente e da vida
social que caracteriza o cenário cultural e científico no início do século XXI – e
que interpela, aliás, não apenas psicanalistas, mas todo o campo das ciências
humanas, como prova o surgimento das neurodisciplinas (neuroética,
neuroteologia, neurofilosofia, neuroeconomia, neuroeducação, etc).
Frente ao novo quadro, os psicanalistas se dividiram inicialmente em duas
posições básicas. De um lado, os que viam no projeto de naturalização da
mente uma oportunidade. De outro, os que viam nele um perigo. Essa divisão

1
Psicanalista; Psiquiatra; Professor do Instituto de Medicina Social e pesquisador do Pepas –
Programa de Estudos e Pesquisas do Sujeito e da Ação, na Universidade do Estado do Rio de
Janeiro. E-mail: beniltonjr@gmail.com
145
145145
Benilton Bezerra Jr

não seguiu critérios teóricos ou institucionais. Defensores e críticos da aproxi-


mação entre psicanálise e neurociência se espalharam em todas as orienta-
ções existentes no campo. Se, no início do debate, era mais fácil encontrar
adeptos entusiasmados da integração entre psicanalistas ligados à IPA e ao
projeto da neuropsicanálise, e críticos ferrenhos do lado lacaniano, hoje esse
quadro mudou, e tornou-se muito mais complexo e nuançado. Não é difícil en-
contrar psicanalistas da IPA fortemente resistentes a esse projeto (Blass &
Carmeli, 2007) e psicanalistas de orientação lacaniana simpáticos a ele (Pommier,
2004).
Embora atualmente haja um amplo debate entre psicanalistas sobre o
tema, nem sempre fica muito claro o centro de gravidade da discussão, nem
sempre é fácil discernir com clareza o que está sendo posto em jogo quando se
defende ou critica a aproximação entre psicanálise e neurociência. Minha inten-
ção aqui é chamar a atenção para dois conjuntos de temas cujo alcance me
parece central para o debate. O primeiro bloco trata de três pressupostos cen-
trais das descrições neurobiológicas afinadas com o que Alain Ehrenberg (2004)
chama de programa “forte” das neurociências – que busca explicar em termos
fisicalistas as atividades da vida subjetiva, tanto individual quanto social, com
base na percepção de que o cérebro é o órgão da mente e da vida de relação2 .
Essa é a versão filosoficamente mais ambiciosa das neurociências, cientifica-
mente mais prestigiada e a de maior difusão social. Mas é também aquela com
a qual a psicanálise tem diferenças inconciliáveis. Essas diferenças se tornam
claras quando se aborda criticamente o reducionismo, o internalismo, e o indivi-
dualismo presentes nessa versão das neurociências. Por isso, a discussão de
suas premissas se impõe.
O segundo bloco aborda brevemente dois conceitos que renovaram a
neurobiologia contemporânea, e que estão na base da versão das neurociências
que nos interessa de perto: neuroplasticidade e epigênese. Esses são alguns
dos conceitos que, me parece, tornam possível a interlocução frutífera entre os
dois campos. Uma interlocução que permita pensar em formas de articulação
entre eles, congruentes no plano teórico e complementares no campo clínico, e
que ao mesmo tempo contorne tanto as tentações inconsistentes de tradução
ou redução de um vocabulário a outro, quanto a confusão de línguas que mante-
ve os campos à parte por um longo tempo.

2
O programa “fraco” enfatizaria a pesquisa dos aspectos biológicos presentes nas patologias
neurológicas e psiquiátricas, abdicando de discussões ontológicas ou epistemológicas em prol
da ampliação das formas de intervenção terapêutica.
146
146146
Neurociência e psicanálise...

Antes, porém, de seguir nessa direção, é interessante fazer um peque-


no desvio, para situar o debate em seu contexto mais geral. Para compreen-
der porque a biologia viu sua importância se expandir para além de seus domí-
nios tradicionais e se tornar a referência científica hegemônica na cultura, é
preciso olhar para o profundo e acelerado processo de rearranjo do quadro
político, social e antropológico que marcou a virada do século. O processo de
naturalização da vida em curso na cultura atual tem suas raízes fincadas além
dos limites da produção científica. É preciso lembrar que o valor social da
ciência não é definido no interior dos laboratórios, e, sim, no cenário histórico
que os rodeia.
No plano político, a retração das grandes narrativas políticas abriu novas
formas de organização da vida pública, na qual discursos e práticas voltados
sobre a vida biológica dos indivíduos ganharam importância e valor inéditos. As
utopias sociais perseguidas por sujeitos políticos cederam lugar a expectativas
de realização pessoal perseguidas por consumidores, nas quais saúde, boa
performance física, estética, cognitiva, etc., têm importância capital. Nesse ce-
nário, a neurociência, a biomedicina, a biotecnologia e a genômica vêm promo-
vendo o surgimento do que Nikolas Rose (2004) tem chamado de “cidadania
biológica”: cada vez mais, premissas e referências biológicas moldam e susten-
tam concepções acerca do que seja o cidadão, e justificam distinções entre
cidadãos plenos, potenciais, problemáticos ou impossíveis.
No nível socioantropológico, nota-se o surgimento de processos de orga-
nização de identidades ancoradas não tanto nos referentes simbólicos tradicio-
nais, mas em predicados ligados ao corpo e suas propriedades, fenômeno com-
plexo que deu origem à biossociabilidade, às bioidentidades, e às práticas de
bioascese (Rabinow, 1992; Ortega, 2008). A difusão, no imaginário social, de
vocabulários biológicos e neuroquímicos usados para a descrição de experiên-
cias, crenças, desejos e comportamentos vem paulatinamente transformando o
cérebro numa espécie de ator social, sede da identidade pessoal e locus da
experiência subjetiva, fazendo surgir uma verdadeira cultura do “sujeito cerebral”
– figura antropológica característica da neurocultura atual (Ehrenberg, 2004, 2008;
Bezerra e Ortega, 2006; Vidal, 2005, 2009).
Com o desenvolvimento das novas biotecnologias, fronteiras que tradicio-
nalmente distinguiam categorias como normal e patológico, natural e artificial,
vida e morte, mente e corpo, têm sido postas em questão. Os critérios habituais
de distinção entre elas tornaram-se polêmicos, dada nossa capacidade de inter-
ferir sobre eles. O poder de intervenção dessas tecnologias tem tornado a
regulação tecnológica da vida biológica, psíquica e social algo cada vez mais
familiar – o que se expressa não só na expansão continuada do consumo de
psicofármacos, mas também no uso de substâncias químicas para aprimora-
147
Benilton Bezerra Jr

mento cognitivo, nas práticas de brain-fitness, nas cirurgias de mudança de


sexo, etc. (Rose, 2003; Rabinow, 1992; Sibilia, 2002).
Estes são alguns dos elementos que ajudam a compreender por que, no
plano das ideias, a biologia vem se afirmando cada vez mais como a ciência do
homem total. Para os psicanalistas, portanto, o discurso biológico interessa,
porque sua relevância vai além do plano epistemológico e da discussão das
teorias da relação corpo-mente. O imaginário cultural e as relações sociais es-
tão impregnados de metáforas, discursos e técnicas biológicas, que influem
decisivamente nos processos de subjetivação, nos modelos de construção
identitária, nas formas de organização do mal-estar, na prescrição e proscrição
de condutas, etc. (Bezerra, 2002; Costa, 2007).

Psicanalistas diante da neurociência


Os psicanalistas que defendem a aproximação e o diálogo com as
neurociências podem dizer que estão, afinal, em ótima companhia. Afinal, essa
seria uma oportunidade de trazer de volta a psicanálise ao caminho do qual ela
nunca deveria ter se afastado – o caminho que Freud abandonou em 1895,
quando suas tentativas de correlacionar processos neurais a fenômenos psíqui-
cos falharam por falta de métodos de investigação adequados.
Para Mark Solms, o principal formulador da proposta da neuropsicanálise,
o problema de Freud não teria sido apenas a insuficiência do conhecimento
neurológico de sua época, mas, sobretudo, a ausência de técnicas adequadas
de investigação dinâmica do cérebro e a dificuldade de desenvolver um método
que lhe permitisse correlacionar achados clínicos, formulações teóricas e da-
dos neurobiológicos. Na impossibilidade de produzir evidências, ele teria sido
forçado a recorrer à imaginação, à metáfora e à especulação (Solms, 1986,
2000). Teria sido essa a verdadeira razão para o abandono do Projeto (Freud,
[1895] 1987), e o motivo pelo qual jamais desistiu de pensar numa reconciliação
futura entre neurobiologia e psicologia – ideia à qual repetidamente voltou, como
atestam passagens conhecidas nas quais afirma que “as deficiências de nossa
posição” e “toda nossa estrutura artificial de hipóteses” seriam varridas se pu-
déssemos “substituir os termos psicológicos por expressões fisiológicas e quí-
micas” (no Mais além do princípio do prazer, Freud, [1920] 1987, p. 81).
Com as neurociências atuais, a psicanálise estaria de volta ao seu pró-
prio futuro. Os novos instrumentos de investigação lançariam as bases para
uma psicanálise renovada, capaz de fazer face às críticas quanto à inconsistên-
cia científica de seus métodos de construção e aferição de hipóteses, de avali-
ação da eficácia clínica, etc. Entre os argumentos recorrentemente apontados
para justificar a integração entre os campos, destacam-se três: a) a possibilida-
de de fundar a teoria e a prática psicanalítica em bases aceitáveis para o modelo
148
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Neurociência e psicanálise...

científico atualmente predominante nos estudos sobre o mental; b) a necessida-


de de encontrar formas objetivas de validar a clínica psicanalítica frente às de-
mais formas de intervenção terapêutica; e c) a possibilidade de finalmente pro-
mover uma articulação sustentável entre dois planos da vida subjetiva: o ponto
de vista da primeira pessoa (a experiência tal como vivida pelo sujeito), e o ponto
de vista da terceira pessoa (as bases materiais necessárias à sua existência –
funcionamento neural, terreno genético, equilíbrio neuroquímico).
Tomemos dois exemplos de defensores da integração da psicanálise com
as novas ciências do mental. Para Eric Kandel (1999), ganham com essa apro-
ximação tanto a psicanálise quanto a neurociência A psicanálise pode esclare-
cer para a biologia da mente os fenômenos e funções que precisam ser estuda-
dos: afinal, memória inconsciente, mecanismos de defesa, motivação onírica
são objetos de estudo de neurocientistas porque foram antes definidos como
tais pelos psicanalistas. Mas o impacto seria ainda mais decisivo para os psica-
nalistas. Mesmo reconhecendo que ainda não existe qualquer explicação bioló-
gica satisfatória para a relação entre fenômenos psíquicos complexos e o funci-
onamento das redes neurais, Kandel aposta que estamos no início da constru-
ção de uma psicanálise biologicamente fundada:

A neurociência poderia fornecer uma nova fundação para o desen-


volvimento futuro da psicanálise, uma fundação talvez mais
satisfatória do que a metapsicologia (Kandel, 1999, p. 506).

Peter Fonagy (2003, 2005) exemplifica outro tipo de argumentação. Para


ele, a aproximação da psicanálise com as novas ciências da mente é não só
possível, como indispensável, porque num mundo em que a interdisciplinaridade
varre, sem qualquer cerimônia, antigas fronteiras entre saberes, tentar manter a
psicanálise ao largo de métodos empíricos consagrados seria um passo em
direção ao isolamento e ao suicídio. A adoção, já em curso por alguns, de méto-
dos comuns às ciências da mente (estudos laboratoriais sistemáticos, pesqui-
sas epidemiológicas, investigações qualitativas) seria a maneira de substituir
uma teorização fundada na imaginação e na retórica por uma pesquisa teórica
ancorada em achados objetivos replicáveis e revisáveis, dando origem a uma
psicanálise baseada em evidências – validada cientificamente e aberta à cola-
boração com outras disciplinas. Observações numerosas do ponto de vista da
terceira pessoa, ao invés de testemunhos subjetivos isolados, seriam mais ade-
quadas para validar as premissas teóricas e os resultados clínicos da psicaná-
lise. Pesquisas desse tipo têm podido, segundo Fonagy (2003), assegurar, com
base em evidências, a superioridade terapêutica da psicanálise tradicional fren-
te a formas alternativas de tratamento de crianças com transtornos emocionais
149
Benilton Bezerra Jr

graves, por exemplo. A única maneira de preservar a psicanálise, no século XXI,


de seu isolamento seria torná-la parte da “cadeia de conhecimento” que envolve
o estudo das relações entre mente, corpo e mundo (Fonagy, Roth e Higgit,
2005).
Para os críticos, porém, a história é outra. Blass e Carmelli (2007), por
exemplo, escrevendo no International Journal of Psychoanalysis, consideram
que a tentativa de fazer da psicanálise uma disciplina científica aos moldes de
outras no campo da medicina é inteiramente construída com base em falácias,
e põe em risco a própria natureza da teorização e da clínica psicanalíticas.
Torná-la uma “ciência empírica”, pautada pela referência a “critérios objetivos”,
diluiria a significação e o alcance da abordagem psicanalítica da vida subjetiva.
Reticências desse tipo dão frequentemente lugar à oposição aberta. Para Bassols
(2009), psicanalista lacaniano ligado à psiquiatria, a aproximação entre os dois
campos esbarra numa dificuldade inultrapassável: “entre a psicanálise e as
neurociências não há ponto de interseção, são campos disjuntos, sem conver-
gência nem objeto comum possível” – já que o real próprio à psicanálise “não se
superpõe nem se poderá localizar jamais no real objetivável, das neurociências”
(Bassols, 2009, p. 17). Para Eric Laurent (2009), a tentativa de traduzir em
termos neurais as descrições psicanalíticas das sutilezas da experiência subje-
tiva é, por definição, fadada ao fracasso. Dentro dos limites metodológicos pró-
prios aos estudos neurobiológicos, sentimentos e afetos são padrões comple-
xos de estados neurais e processos que ocorrem no organismo. Nessa pers-
pectiva não há como explorar a dimensão fundante, para a experiência subjeti-
va, da relação ao Outro ou do encontro com o real.
Há espaço, portanto, no debate atual, para todo tipo de posição. Isso
demonstra a necessidade de levar a discussão até seus pontos de impasse e
suas janelas de oportunidade. Vistas de perto, e dependendo do ângulo, as
neurociências se mostram adversárias ou companheiras de viagem da psicaná-
lise. Vejamos algumas dessas possibilidades.

Neurociências: três premissas a serem revistas


Um dos alvos de ataque do projeto de naturalização das neurociências
modernas é a descrição cartesiana da mente como uma res imaterial. O dualismo
metafísico de Descartes situava a esfera da vida psíquica dentro do indivíduo,
mas fora do mundo natural. Praticamente, nenhum neurocientista trabalha ex-
plicitamente com base nessa premissa. O australiano John Eccles (1980, 1994),
laureado com o prêmio Nobel e falecido em 1997, foi a mais famosa e talvez a
última exceção. Para o naturalismo, a mente faz parte do mundo, o psiquismo é
encarnado. Mas há duas maneiras muito distintas de compreender o que seja
naturalizar a mente. A versão do reducionismo fisicalista simplesmente reduz a
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Neurociência e psicanálise...

mente ao físico, localizando os processos mentais no cérebro do indivíduo. A


versão do naturalismo antirreducionista descreve a mente como um fenômeno
natural complexo, resultado da interação entre cérebro, corpo, ambiente e uni-
verso simbólico. O cérebro e os processos neurais aparecem como condição
necessária, mas não suficiente, para a emergência da vida mental e da experi-
ência subjetiva. Francis Crick, um dos ganhadores do prêmio Nobel pela desco-
berta do DNA, é um grande representante da primeira posição, e o autor desta
célebre passagem:

Você, suas alegrias e tristezas, suas memórias e suas ambições,


seu senso de identidade pessoal e livre arbítrio, são de fato nada
mais que o comportamento de um vasto conjunto de células nervo-
sas e suas moléculas associadas. Como a Alice de Lewis Carrol
poderia ter dito: você não é nada mais que um pacote de neurônios
(Crick, 1995, p. 3).

Patrícia Churchland, uma das criadoras da neurofilosofia, não fica atrás:


“As evidências hoje demonstram que é o cérebro, ao invés de alguma coisa não-
física, que sente, pensa e decide” (Churchland, 2002, p. 1). Essas duas passa-
gens nos permitem destacar com clareza três premissas que as neurociências
mainstream aceitam como evidentes: primeiro, a ideia de que, se a mente não é
imaterial, então ela é “nada mais que” os elementos físico-químicos que a tor-
nam possível, sendo viável, portanto, explicar a vida psíquica estudando o funci-
onamento do sistema nervoso, e do cérebro em especial (reducionismo fisicalista);
segundo, a descrição do cérebro como órgão não só necessário, mas suficiente
para a produção da vida mental (internalismo); e terceiro, a presunção de que se
pode explicar a experiência a partir da análise do cérebro individual de um sujei-
to (individualismo). Essas três premissas são inteiramente recusadas pela psi-
canálise, em qualquer de suas versões.
Crick (1995) e Churchland (2002) têm razão num ponto: a mente pode ser
legitimamente um objeto de investigação científica, e não apenas de estudo
psicológico ou de especulação filosófica ou teológica. Seu erro é supor que o
vocabulário do neural possa dispensar as descrições de outra natureza. É evi-
dentemente importante estudar as relações entre eventos mentais e processos
biológicos a eles associados, utilizando métodos e conceitos extraídos das
ciências naturais. É importante saber que mecanismos neurobiológicos são
acionados quando a angústia ou a melancolia paralisam o psiquismo, ou quais
condições genéticas tornam um sujeito mais vulnerável ao aparecimento da
esquizofrenia. Trata-se aqui do reducionismo metodológico próprio a qualquer
disciplina. Perda do objeto, supereu e masoquismo são conceitos que permi-
151
Benilton Bezerra Jr

tem descrever a psicodinâmica subjacente à depressão, com vistas a um pro-


cesso de reposicionamento subjetivo do paciente. Sinapse, serotonina e ativa-
ção do lobo frontal são noções que servem para abordar o mesmo evento de
outra perspectiva, com outro objetivo – fazer uso mais eficaz de medicamentos.
O reducionismo fisicalista pretende superar esse gap explicativo. Mas tentar
compreender a complexidade e a riqueza da experiência subjetiva a partir da
análise dos elementos objetivos indispensáveis à sua realização é como tentar
compreender o que é um filme analisando as características químicas do
celuloide, as funções mecânicas da máquina projetora, as propriedades materi-
ais da tela, ou o espectro cromático das imagens de cada quadro. Simplesmen-
te se perde de vista o que se está tentando entender.
Crick e Churchland pensam diferente. Eles afirmam que, no limite, se
poderá (um dia) dispensar o vocabulário da subjetividade, já que esta será exaus-
tivamente explicada pelo vocabulário físico. Ora, ainda não dispomos - e é dis-
cutível se algum dia teremos (Nagel, 1998) - de uma teoria unificada da mente,
com vocabulário neutro, terceiro, que possa dar conta ao mesmo tempo do
subjetivo e do neural. Deixando de lado essa conjectura, e voltando para nosso
estado atual, não é preciso ser psicanalista para compreender que é impossível
dar conta da qualidade da experiência vivida com descrições fisicalistas. Olhan-
do para o cérebro em sua materialidade neurobiológica, não temos como saber
(exceto perguntando ao sujeito que o possui) o que se passa no plano da subje-
tividade que dali emerge.
Uma boa parte dos neurocientistas assinaria embaixo dessa afirmativa:

É duvidoso que possamos chegar a uma melhor compreensão dos


processos mentais simplesmente observando os loci neurais que
são ativados enquanto os sujeitos levam a cabo uma tarefa (Kosslyn,
1999, p. 1283).

No entanto, “supreendentemente, a maioria dos pesquisadores que utili-


zam a ressonância magnética funcional (fMRI) têm apenas uma vaga ideia acer-
ca de quão confiáveis seus resultados são”, como dizem Bennet e Miller (2010,
p. 133). A impossibilidade de saltar da objetividade do neural para a complexida-
de da experiência subjetiva foi demonstrada de maneira muito sugestiva no co-
nhecido experimento de Newberg e d’Aquili (1999). Os dois pesquisadores
escanearam o cérebro de oito budistas e três freiras franciscanas, mostrando
que, durante a meditação ou a oração contemplativa, em ambos os grupos se
observa aumento de atividade neural no córtex pré-frontal, e diminuição de ativi-
dade no lobo parietal posterior superior: quer dizer, o mesmo conjunto de even-
tos neurais. Quando solicitados a falar do que sentiam, os budistas falaram da
152
152152
Neurociência e psicanálise...

experiência do vazio, as freiras, da presença viva de Deus: ou seja, experiências


subjetivas qualitativamente diferentes. Ao contrário do que dizem Crick e
Churchland, cérebros não pensam, não imaginam, não se assombram. Eles
tornam possível a existência de sujeitos que, agindo no mundo, constroem as
realidades, as regras e os valores, e que organizam o sentido daquilo que expe-
rimentam. Mas eles próprios não podem ser agentes, muito menos sujeitos,
como assinalaram Bennet e Hacker (2003).
Outro ponto frágil presente na posição de Crick e Churchland é a presun-
ção de que o cérebro seja condição suficiente para a constituição da mente e da
vida subjetiva (a ideia de que a mente surge da atividade cerebral), e que é no
cérebro que se passa a vida subjetiva (é o cérebro que raciocina, infere, sente,
decide). Eles tomam como evidência científica o que, na verdade, é uma premis-
sa filosófica, ou seja, a ideia de que a fonte de nossa experiência subjetiva está
dentro de nós. Mas essa premissa é opcional, e é recusada por muitos, apesar
das enormes diferenças existentes entre eles. É possível dizer, por exemplo,
que tanto para psicanalistas, como Lacan e Winnicott, quanto para filósofos e
neurocientistas, como Francisco Varela (1991) e Alva Noe (2009), a experiência
subjetiva não está localizada no cérebro, porque não está localizada em lugar
nenhum. Ela se situa no laço entre sujeitos, no espaço potencial entre a
interioridade e a exterioridade, ela emerge como efeito da ação do organismo no
mundo, e da inscrição do sujeito em certo universo simbólico.
Para Alva Noe, um crítico dessas posições, a visão adotada pela
neurociência hegemônica é, na verdade, apenas a versão contemporânea da
ideia filosófica tradicional que descreve a mente, a consciência e o eu como
situados no mundo interno, estando ligados de maneira contingente (mas não
necessária) ao mundo externo. É como se a vida mental consciente e inconsci-
ente acontecesse no cérebro mais ou menos como o processo de digestão se
passa no interior do trato gastrointestinal. Mas a vida subjetiva não é fruto de
processos internos de elaboração de estímulos vindos do ambiente ou do interior
do organismo. É algo diferente disso. É algo que emerge quando o indivíduo é
lançado no mundo físico e simbólico e “se vira como pode”, respondendo com
descargas hormonais e sentidos linguísticos às injunções que a vida lhe impõe. A
experiência subjetiva simplesmente não acontece no mundo interno, muito me-
nos dentro da cabeça. Nesse sentido, diz Noe, ela é mais parecida com a dança
do que com a digestão: só acontece na ação, na relação do sujeito com um outro,
num universo simbólico que desenha o seu sentido e o seu valor. O mentalismo
da posição cartesiana (e de algumas versões da psicanálise) ou o cerebralismo
de Crick (1995) e Churchland (2002) são apenas dois lados da mesma moeda.
Um terceiro ponto a ser destacado, associado aos anteriores, é a pressu-
posição de que basta observar o funcionamento do indivíduo para se deduzir um
153
Benilton Bezerra Jr

conhecimento integral do que sejam as marcas definidoras de sua experiência.


Como bem demonstraram Newberg e d’Aquili (1999), a experiência mística ou
religiosa, embora possa solicitar a ativação das mesmas áreas cerebrais, tem
seu conteúdo determinado pelos laços culturais nos quais os indivíduos estão
ancorados. Não podemos compreender o significado de uma experiência (religi-
osa, amorosa, política) em termos individuais. O sentido do vivido é dado pelo
laço linguístico, social. Tudo o que se passa na experiência do sujeito é singu-
lar, mas nem por isso podemos concluir que é individualmente constituída (mui-
to menos cerebralmente). A singularidade de cada sujeito emerge no processo
de resposta que cada indivíduo tem que construir à interpelação feita a ele pelo
conjunto das regras, práticas, injunções e ideais que compõem o mundo simbó-
lico no qual ele é inserido ao nascer. No humano, o biológico está inelutavelmen-
te referido ao campo simbólico e ao horizonte imaginário no qual a existência do
indivíduo acontece. No humano, a constituição do sujeito social engloba a biolo-
gia do indivíduo.
Pesquisas mostram que a oxicotina está associada à experimentação
de sentimentos amorosos e de confiança (Kosfeld, Zak e Fehr, 2005). Daí a chamá-
la de “molécula do amor”, e achar que analisando seu metabolismo num indivíduo
poderemos descobrir algo sobre a natureza do amor e do sentimento de confian-
ça, há uma grande diferença. O que dizer da experiência, recentemente realiza-
da por Zamboni et alli (2009), cujo objetivo foi o de entender a relação entre a
ativação de certas áreas cerebrais e a adoção, por parte do indivíduo, de certas
posições políticas – cada uma correspondendo a um padrão distinto de funciona-
mento neural (conservadorismo: ativação do córtex pré-frontal dorsolateral; indivi-
dualismo: junção temporoparietal e córtex pré-frontal medial)? Pode-se concluir
alguma coisa desse tipo de pesquisa? Certamente sim, mas nada acerca do que
seja a experiência de escolha, por parte de um sujeito, de uma visão política da
vida, nada do que seja para ele sentir-se um radical ou um conservador.

Interlocuções possíveis: plasticidade e epigênese


Apesar dessas (e outras) necessárias ressalvas, no entanto, vem se cons-
truindo nos últimos anos um frutífero diálogo entre psicanalistas e neurocientistas
que recusam a perspectiva reducionista. Dois conceitos recentemente desen-
volvidos no campo da biologia são particularmente importantes nesse contexto.
O primeiro deles é o de plasticidade neural, que não só descreve o neural como
imbricado na vida de relação com o ambiente, como acentua a importância
dessa interação na própria constituição (e reconstrução) biológica do sistema
neural. É a plasticidade a responsável por alterações criativas produzidas no
sistema nervoso como resultado da experiência, de lesões ou de processos
degenerativos. Como afirmam Ansermet e Magistretti:
154
154154
Neurociência e psicanálise...

A plasticidade permite deste modo explorar ao extremo o espectro


de possíveis diferenças, dando inteiramente lugar ao imprevisível
na construção da individualidade, o indivíduo podendo ser conside-
rado como biologicamente determinado para ser livre, quer dizer
para realizar uma exceção (Ansermet e Magistretti, 2004, p. 22).

Com uma formulação como essa, estamos distantes do eu como um


pacote de neurônios, de Crick (1995), e do cérebro que pensa e sente, de Patrí-
cia (Churchland, 2002). A experiência deixa marcas estruturais e funcionais nas
redes neurais, tornando obsoleta a estrita distinção entre causalidade psicológi-
ca e causalidade biológica:

A plasticidade mostra que a rede neuronal se mantém aberta a


mudanças, à contingência: o cérebro deve então ser pensado como
um órgão altamente dinâmico interagindo ao mesmo tempo com o
ambiente e com a vida psicológica de cada pessoa (Magistretti e
Ansermet, 2007, p. 138).

Com essa visão, a atividade neural surge como condição necessária,


mas não suficiente para a determinação da experiência, já que, mais além das
funções mentais que ela torna possível, o que emerge como efeito da ação livre
no mundo é a função subjetiva instituída pela linguagem, que dá origem à
imprevisibilidade do sujeito e implica, portanto, a irredutibilidade de sua experi-
ência às causas que lhe dão origem.
Um conceito diferente, mas de algum modo relacionado com o de
plasticidade, e cujo alcance para os psicanalistas ainda estamos muito longe
de poder apreciar, é o de epigênese. A introdução desse conceito na genética
molecular tornou a noção de determinismo orgânico, determinismo genético em
particular, uma noção a ser revista. Cada organismo tem, ao nascer, um leque
de possibilidades inatas dadas pela configuração de seu DNS. Mas o que deter-
minará que uma se realize, enquanto outra não, é a interação do organismo com
o meio ambiente. Ao mostrar como a expressão dos genes é influenciada pelo
ambiente, a noção de epigênese situou o impacto da subjetividade e da vida de
relação sobre o organismo num plano inimaginável há até pouco tempo atrás.
Pesquisas com animais (Rogers, 2002) mostram como mesmo em animais o
desenvolvimento de diferenças sexuais, por exemplo, não é determinado por um
programa inato, mas envolve a interação de diversos eventos específicos (liga-
dos à conduta da mãe, sobretudo) cuja presença ou ausência define o modo
como o legado genético se expressará no filhote. Evidentemente, não se trata
de aplicar o modelo animal ao humano. Mas quando Rogers aponta para o papel
155
Benilton Bezerra Jr

das relações com o ambiente como decisivas para a definição de traços mascu-
linos ou femininos, ela acentua a necessidade de não se tomar o biológico
(mesmo o genético) como autônomo ou determinante, independente da vida de
relação do organismo com o meio. No caso do sujeito, tudo se torna ainda mais
complexo pela incidência decisiva da ordem do desejo e da fantasia. O bebê
humano pode ou não encontrar no olhar, na voz e nos cuidados maternos a
presença daquilo que sirva de garantia do seu ser enquanto sujeito. O que está
em jogo é a afirmação do quanto o sujeito, tanto quanto seu cérebro, se encon-
tram na dependência decisiva do Outro, e abertos à imprevisibilidade. Se, para a
subjetividade, a biologia é requerida, para a biologia humana a subjetividade é
constituinte. Desse modo, tanto a plasticidade quanto a epigênese são concei-
tos que permitem entrever como, contrariamente a toda forma de determinismo,
contingência, diversidade, imprevisibilidade e singularidade são características
inultrapassáveis da experiência subjetiva, quer a abordemos por meio de descri-
ções psicanalíticas, quer por meio de descrições biológicas.

Conclusão
O diálogo entre a psicanálise e as neurociências é mais do que possível,
é inevitável. Não se trata mais de discutir se, mas como esse diálogo deve ser
efetivado. Quando se pode deixar de lado o dualismo que opõe o psiquismo ao
corpo, ou o reducionismo que procura restringir a validade das descrições do
psiquismo a este ou àquele vocabulário, ou ainda à aspiração de produzir uma
perspectiva consiliente3 que subsuma o psíquico e o físico num único vocabulá-
rio, afastamos o maior empecilho a esse diálogo. Podemos procurar congruência
ou compatibilidade entre as descrições neurais e as psicanalíticas sem abrir
mão das diferentes teorias e métodos. O embate epistemológico segue, com as
necessárias interpelações recíprocas, críticas conceituais e demarcações dife-
renciais de objetos, enquanto se constrói, na clínica, um horizonte de interven-
ção articulado com base em um horizonte que pode ser comum: o de se colocar
as ferramentas de ambos os campos a serviço da restauração, preservação ou
ampliação da capacidade normativa psíquica e social dos pacientes, na clínica
tradicional e nos novos campos de atuação – como no caso da clínica psicana-
lítica com pacientes neurológicos (Openheim-Glucksman, 1997; Klautau et alli,
2009).

3
Consiliência, termo cunhado em 1840 por William Whewell, tornou-se amplamente conhecido
a partir da publicação em 1998, por Edward O. Wilson, do livro Consilience: the Unity of Kowledge.
No livro, o autor defende a tese de que a ordem do mundo e os eventos e processos que nele
ocorrem (físicos, biológicos e humanos) têm uma base unificada que pode ser explicada por leis
naturais.
156
156156
Neurociência e psicanálise...

Ao longo dos parágrafos anteriores sugeri que o termo neurociências en-


globa perspectivas diferentes, muito distintas uma da outra, quanto às suas
premissas filosóficas e consequências teóricas. Há uma neurociência com a
qual é preciso discutir nossas diferenças inconciliáveis. Há outra com a qual é
possível conversar sobre possíveis caminhos compartilhados. É preciso lembrar
também que “A psicanálise”, como um campo homogêneo, obviamente, é uma
ficção. Nos tempos que se seguirão, provavelmente a discussão sobre a rele-
vância das neurociências ajude não só a organizar melhor as afinidades e dife-
renças entre psicanalistas e neurocientistas, como também a esclarecer o que
há de comum e de diverso na concepção que os analistas têm entre si quanto
ao que seja a natureza, o sentido e os fins de sua teoria e de sua prática.

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Recebido em 20/08/2010
Aceito em 17/09/2010
Revisado por Valéria Rilho

159
Rev. Assoc. Psicanal. Porto Alegre, Porto Alegre, n. 38, p. 160-170, jan./jun. 2010

VARIAÇÕES

DESABRIGADOS DA PALAVRA1

Ieda Prates da Silva2

P roponho a discussão de algumas questões relacionadas ao atendimento de


adolescentes, em minha experiência clínica, num serviço de saúde mental
voltado à infância e à adolescência3. Mais especificamente, adolescentes com
histórias de abandono familiar e em situação de abrigamento institucional, por
apresentarem a chamada “conduta antissocial”: episódios repetitivos de
agressividade, afronta a figuras de autoridade na escola e nos abrigos, dificulda-
des escolares e, não raro, expulsão ou evasão da escola, pois ali se encontram,
entre outras questões, em defasagem idade-série. Nessa defasagem, eles se
veem em meio a uma turma de crianças menores, onde se infantilizam ou se
impõem pela ameaça e por atos de violência.
Poderíamos nos perguntar: ao abrigo de que estariam essas crianças e
adolescentes institucionalizados? Em primeiro lugar, estariam ao abrigo da lei.
Nossa legislação é bastante avançada em termos de proteção à infância e à
adolescência, sendo reconhecida como tal para além de nossas fronteiras. Mas
se opõe a tal avanço o desconhecimento dos termos da lei por muitos profissi-
onais e instituições, a falta de investimento em políticas públicas, a escassa
formação e remuneração dos trabalhadores sociais, além da fragilidade dos
vínculos parentais, a situação de precariedade em que vivem as famílias e a

1
Trabalho apresentado na Jornada de Abertura Ato e transgressão, realizada em Porto Alegre,
abril de 2010.
2
Psicanalista; Membro da APPOA; Coordenadora de Ensino do CAPSi de Novo Hamburgo/RS. E-
mail: iedaps@uol.com.br
3
Centro de atenção psicossocial para a infância e adolescência (CAPSi) de Novo Hamburgo/RS.
160
Desabrigados da palavra

crescente desresponsabilização dos pais em relação à vida e à educação de


seus filhos. Há um fosso enorme entre as prerrogativas do ECA (Estatuto da
Criança e do Adolescente) e suas garantias legais, e a quase total ineficácia
dos programas de proteção e acolhimento às crianças e adolescentes em situ-
ação de vulnerabilidade social.
A palavra abrigo tem o sentido de proteção em relação aos rigores do
tempo, dos danos ou perigos que possam ameaçar a vida, a integridade ou o
bem-estar de alguém. Necessita de abrigo alguém que esteja indiscutivelmente
em risco, em perigo, em necessidade de proteção, e aqui, no caso em questão,
abrigo por parte do Estado ou de seus agentes. Em princípio, esses sujeitos
abrigados estariam sendo protegidos de situações de abandono, negligência,
maus-tratos ou abusos de pais e familiares por eles responsáveis. Estariam
abrigados da exposição a situações de violência, precariedade ou descaso
parental.
Desde o ano passado, pelas alterações que a lei 12.010 trouxe ao ECA,
não consta mais no texto do Estatuto da Criança e do Adolescente a expressão
“abrigamento” ou “abrigo”, atribuída à institucionalização de crianças e adoles-
centes. E, sim, os termos: “acolhimento institucional”, “inclusão em programas
de acolhimento familiar”, ou “colocação em famílias substitutas”. No lugar de
“abrigamento” aparece a palavra acolhimento. E acolhimento institucional vem
como última medida protetora, quando esgotadas todas as possibilidades de a
criança ser reinserida na família ou na rede familiar, ou ainda, ser acolhida por
famílias substitutas. A institucionalização aparece como medida última e, ainda
assim, como recurso temporário, transitório. Trânsito – tanto no sentido do tem-
po, como no sentido de passagem, de ponte entre uma situação indesejável,
mas necessária, e outra situação mais apropriada àquele sujeito em constitui-
ção; situação que deverá ser buscada ou construída junto aos recursos familia-
res e sociais: encontrar um ambiente familiar para que aquele sujeito em desen-
volvimento possa se estruturar da melhor maneira que lhe seja possível.
Quem acolhe recebe algo que lhe é endereçado. Essa mudança do termo
abrigamento para acolhimento supõe, portanto, um endereçamento e uma de-
manda; responsabiliza-se aquele que acolhe pelo ato de acolher, de tomar o
outro a seus cuidados; traz a dimensão de acompanhamento. Também me pa-
rece que acolhimento implica que se acolha (aquele que vem para ser recebido
e acompanhado) como ele vem, como chega, como pode. E por isso, pelo
menos em tese, poderia contribuir para diminuir os efeitos idealizadores e sua
contraface – os sentimentos de fracasso resultantes de toda a idealização –,
tão frequentes nas instituições.
Na lógica do abrigamento, também é comum haver distanciamento e oposi-
ção, quando não franca hostilidade entre a instituição e a família, o que não
161
Ieda Prates da Silva

contribui em absoluto para que se trabalhe no sentido de operar alguma mudan-


ça possível na situação que levou à institucionalização da criança ou adolescen-
te. Na maioria das vezes, o retorno à família costuma se dar sem que nada,
absolutamente nenhum efeito de transformação na situação familiar ou parental,
nenhuma modificação no discurso familiar, se tenha operado. A criança volta
para a mesma situação precária de onde saiu e espera-se, como por milagre,
que essa breve separação produza mudanças benéficas e definitivas.
Mas em que a psicanálise pode contribuir nestas reflexões ou
constatações?
Neste ano em que nos dedicamos, na APPOA, ao estudo do seminário
do Ato Psicanalítico (Lacan, [1967-68] 2001), pensarmos sobre a dimensão do
ato na psicanálise e sua contribuição para a clínica e para o social pode nos
ajudar a avançar no trabalho com a clínica psicanalítica na saúde pública.
Parto de uma vinheta clínica: trata-se de um menino que está agora com
12 anos, e que vem ao CAPSi há dois anos e meio, encaminhado por uma
instituição de abrigamento do município, devido a questões de agressividade,
dificuldades sérias de relacionamento nessa instituição e na escola, na qual ele
ficava por um período diário bastante reduzido. O pedido do abrigo era por uma
avaliação e tratamento psiquiátrico. Esse pedido é endossado pela escola que,
a cada crise do menino, demanda o aumento na medicação. Ele tinha 10 anos
quando chegou, e já com um histórico de passagem por várias instituições de
abrigamento, assim também como por diferentes escolas. Vou chamá-lo de
Ronei. Ele não apresentava maiores entraves na aprendizagem, mas extrema
dificuldade na convivência. Sua história não é muito distante das histórias de
vida da maioria dos adolescentes que atendemos no CAPSi, mas, ao mesmo
tempo, – e como não poderia deixar de ser – completamente singular: ele nas-
ceu quando sua mãe tinha a idade de apenas 13 anos. Nenhuma menção a pai
em sua certidão de nascimento, nem sequer “pai desconhecido”. Consta o nome
da mãe e dos avós maternos. No lugar cabível aos avós paternos, está escrita a
palavra “ignorados”.
Ele foi criado pelos avós maternos e, quando tinha 3 anos, o avô, que era
sua maior referência, faleceu. A partir daí, ficou aos cuidados da avó, uma se-
nhora alcoolista e que era violenta com esse neto – como já fora com a filha. A
mãe sai de casa logo nos primeiros meses de vida do filho, para viver com um
novo companheiro, com quem tem logo a seguir uma filha. Quando Ronei tem 7
anos, é atendido no posto de saúde e apresenta hematomas e escoriações pelo
corpo e cortes na cabeça, pelas agressões da avó e de seu companheiro. É
então abrigado pela primeira vez numa instituição. Durante o período de
abrigamento, sua avó materna vem a falecer, e ele é encaminhado algum tempo
depois para morar com a mãe. Esse convívio é muito difícil, recheado de brigas
162
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Desabrigados da palavra

e fugas do menino. Como solução, a mãe o envia para passar férias com a avó
paterna, a quem ele não conhecia, numa cidade do interior, com a intenção de que
ele ficasse permanentemente aos cuidados dessa avó. A avó inicialmente o aceita,
mas poucos meses depois ele é mandado embora, por problemas de comporta-
mento. A mãe, desta feita, procura o Conselho Tutelar, entregando o filho “para que
o Conselho Tutelar decidisse sua vida, porque ela não conseguia mais cuidá-lo”.
Ele vai novamente para um abrigo, em nosso município e, logo em segui-
da, para um lar social numa cidade vizinha (uma instituição na qual uma mulher
ou um casal acolhem, numa casa, algumas crianças e se responsabilizam pelo
seu cuidado e tutela). A partir daí, ele perde o (frágil) vínculo com a mãe, e passa
a chamar de mãe a essa cuidadora, intitulada como “mãe social”. Chega para
tratamento um pouco antes de ir para esse lar social. Em função da mudança
de cidade, troca mais uma vez de escola e conseguimos, a custo de muitas
negociações, que se mantenha vindo ao CAPSi. Nada na vida desse menino é
preservado. No entanto, ele se preserva, lutando. Briga em todos os espaços
que frequenta: nas escolas, no CAPSi, nos abrigos e na família, em suas breves
passagens por lá. Tudo na sua vida é plural e descontínuo: mães, avós, mães
sociais (passa por várias, no espaço de alguns meses), professoras, escolas,
abrigos. Menos o pai, que não é plural, tampouco singular. Dele não há rastro. A
não ser pela presença do avô materno, que parece ter exercido um misto das
funções parentais nos seus três primeiros anos de vida, não há referências
paternas em sua história, nem sequer um nome.
Nos diferentes lugares por onde passou, se repete uma euforia inicial,
compartilhada por ele, pelas pessoas que dele cuidam, e até pelos técnicos das
instituições de proteção: as coisas começam muito bem, ele está ótimo, as
pessoas o amam, ele mudou completamente, agora tudo vai dar certo!
A que leva essa idealização apressada e fantasiosa? Ao mais rotundo
fracasso: logo começam as brigas e as queixas em relação a Ronei, seguidas
de uma ameaça explícita: “Se você não melhorar, vai ter que ir para outro lugar”.
Em meio a essa sequência de fracassos anunciados, vamos tentando
trabalhar com ele e com a instituição abrigadora de um lado, e com a mãe, de
outro, na aposta de que uma reaproximação, ou melhor, uma aproximação,
algum tipo de vínculo, alguma possibilidade de resgate da história familiar se
efetive, já que esse é o desejo anunciado insistentemente por ele.
Mais adiante em seu tratamento, numa sessão conjunta entre ele e a
mãe, esta lhe fala pela primeira vez de seu pai: conta-lhe que ele morreu quando
Ronei tinha dois meses de vida, e que este se parece um pouco com o pai. Ele
pergunta então o nome de seu pai, e ela lhe diz. A partir daí, inicia-se um proces-
so de aproximação entre Ronei e a mãe, pois já há um nome que pode ocupar
um lugar terceiro nessa relação.
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Ieda Prates da Silva

Enquanto trabalhávamos e já se tinha algum êxito nessa aproximação


gradativa, em visitas dele à mãe nos finais de semana, para conviverem, e desta
à instituição para vê-lo, o lar social precipita sua saída, mandando-o em definiti-
vo para a casa da mãe, porque “não o aguentava mais”. Ela o “aceita”, muito
feliz, pois “agora tudo será diferente”. Nesse meio tempo, Ronei passou por
duas internações em hospital psiquiátrico, por pura atuação da instituição de
abrigamento, que solicitou avaliação psiquiátrica com vistas à internação, a um
psiquiatra de fora do CAPSi.
Durante o tratamento no CAPSi, uma terapeuta do serviço se dedica à
escuta deste menino, enquanto outros profissionais se ocupam da escuta e
intervenções primeiramente com as diferentes “mães” no Lar – o que se dá na
própria instituição abrigadora – e depois com a mãe biológica, para a qual ele
retornaria. Acontece que essa escuta e a intervenção terapêutica ampliada, di-
gamos assim, fica dificultada pela ausência de algo que Lacan [1967-68 (2001)]
marca de saída, para que se legitime o ato analítico: a instalação do sujeito
suposto saber. O que parece ocupar o lugar do suposto saber não é da ordem
de um sujeito, mas do objeto, neste caso, o medicamento. É sempre à medica-
ção que é demandado, não o lugar de suposto saber, mas de suposto poder: o
remédio vai fazê-lo parar, vai fazer de Ronei um outro, que não aquele menino
que cobra do grande Outro um significante que lhe ateste seu pertencimento,
sua filiação. A possibilidade de que ele encontrasse, nas instituições, referênci-
as capazes e dispostas a bancarem esse significante, é o que permitiria que a
inclusão social pudesse se efetivar, retirando-o dessa situação de estar à deriva.
Inclusão social no sentido que Cristina Ventura3 nos traz, ao dizer: “... a inclu-
são social está diretamente ligada à oferta de possibilidades para ancoragem
subjetiva e experiência de pertencimento para estes meninos.”
Lacan ([1967-68] 2001), ao falar do ato, nos coloca primeiramente frente
à questão do ato sexual: a impossibilidade de o sujeito escapar ao confronto
com a castração. Por mais que tentemos negá-la, escamoteá-la, apagá-la ou,
no melhor das hipóteses, simbolizá-la, não poderemos nos furtar aos efeitos da
castração. A castração é esse efeito da linguagem que nos humaniza, nos apri-
siona e liberta ao mesmo tempo. Somos seres incompletos, sujeitos divididos
por obra e força da linguagem, e estaremos, a partir daí, isto é, desde sempre,
numa maior ou menor alienação em relação ao nosso desejo. Não poderemos
saber nunca totalmente de que se trata o nosso desejo, e levaremos a vida

3
Esta citação faz parte do um e-mail que circulou no grupo
capsinareforma@yahoogrupos.com.br, em 05/05/2009.
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Desabrigados da palavra

tentando decifrá-lo. A vida toda tentando responder à interpelação fundamental –


e fundante – que nos vem do campo do Outro: “O que queres?”.
E só há uma via para tentarmos dar conta, pelas mais diversas formas –
que dependerão da história singular e da estruturação de cada um –, dessa
interpelação do Outro: pela via do significante.
Ana Costa (1998) traz algo preciso e precioso para avançarmos nessa
questão do ato e do significante:

No meu ponto de vista, o aspecto revolucionário da clínica lacaniana


não está numa proposta de intervenção sobre um significante
incorpóreo, sobre o equívoco per se da palavra, sobre uma pretensa
função paterna tão etérea e simbólica, que pudesse aliviar o sujeito
de precisar se ocupar dos resíduos do corpo. O aspecto revolucio-
nário está em propor que todo o laço social (também entre analista
e analisante) dispara a atividade pulsional, constituindo esse corpo
coletivo em que é impossível decidir o que é do sujeito e o que é do
Outro. Nesse lugar se produz o sintoma (Costa, 1998, p.14).

Proponho tomarmos os atos desses adolescentes como produtos desse


corpo coletivo; ou seja, que não os leiamos como signos, mas como sintomas.
Portanto, não como atos a serem interpretados, mas como significantes a se-
rem decifrados, no sentido mais freudiano do termo. No seminário do Ato Analí-
tico, Lacan ([1967-68] (2001) trabalha a relação entre ato e significante. Num
certo momento, ele diz:

... é que não há ação alguma que não se apresente, de saída e,


antes de tudo, com uma ponta significante, que é o que caracteri-
za o ato, sua ponta significante, e que sua eficiência de ato, nada
tem de comum com a eficácia de um fazer. Algo que atinge essa
ponta significante. Pode-se começar a falar do ato, simplesmente,
sem perder de vista [...], por um lado, que seja no campo analítico,
a saber, a propósito do ato falho, que tenha justamente surgido que
um ato que se apresenta como falho, seja um ato, e unicamente
pelo fato de que seja significante; por outro lado, que um psicana-
lista presida precisamente (limitemo-nos a esse termo, por agora)
uma operação dita psicanálise que, em seu princípio, ordena a
suspensão de todo ato (Lacan, [1967-68] 2001, p.76-77).

Primeiramente destaco a diferença entre o ato, na sua dimensão psica-


nalítica, e a ideia de ação motora, de motilidade, de se pôr em movimento (o
165
Ieda Prates da Silva

corpo). Se o ato tem a ver com deslocar-se, o movimento em questão é o do


sujeito em relação à cadeia significante. Há algo que se desloca, ou se produz,
na cadeia significante, por efeito do ato. Lacan nos aponta que, antes e depois
do ato, o sujeito não se encontra na mesma posição.
A outra dimensão que o autor ressalta no parágrafo citado logo acima é a
que trata do ato se constituir como ato falho: enquanto um tropeço, uma falha,
uma fenda que desvela algo do não revelado. O ato como efeito do inconsciente,
despontando ali quando o sujeito se revela na sua falta, na sua incompletude; ali
quando o sujeito se vê surpreendido. O ato antecipa algo que já estava e, ao
mesmo tempo, que só pode se efetivar no encontro com o Outro, o Outro da
linguagem. Há algo da alteridade que se presentifica através do ato.
Retomo agora a questão do ato e do significante no trabalho clínico com
os adolescentes em situação de abandono parental e social, para pensar os
efeitos disruptivos e desorganizadores – com consequências no desenvolvimen-
to da aprendizagem, na conduta e nas relações sociais. Abandono, aqui, não se
refere exatamente à ausência das figuras parentais, mas à impossibilidade ou
dificuldade dos pais – ou substitutos – de cumprirem a função que é a de inscre-
ver simbolicamente seu filho na história familiar e cultural; função que é de filiação,
de pertencimento. Nós, seres humanos, só nos estruturamos a partir do laço
social, do laço com o outro. Esse outro é, primeiramente, o agente materno,
portanto grande Outro, pois dele depende não só nossa sobrevivência, mas a
instalação de um processo que, ao longo da infância, atribui razão e sentido a
nossa existência; sentido que será reescrito na adolescência, mas a partir de
uma matriz inscrita no corpo e no psiquismo da criança.
Sabemos que, ao mesmo tempo em que o agente materno tem como fun-
ção atender às necessidades da pequena criança, terá que desejá-la: desejar que
ela viva, que cresça, que se eduque; enfim, ter sonhos para ela. É nesse desejo que
a criança se verá capturada. Caminho tortuoso de alienação-separação, que é con-
dição para que o próprio sujeito possa chegar a uma posição desejante.
Tal processo requer certas condições, mas que não são condições
normativas – determinados modelos de família, por exemplo –, e, sim, condi-
ções formativas: a sustentação de funções parentais que possibilitem a
estruturação da criança e sua transformação em adulto com condições míni-
mas de viver, de se relacionar com os semelhantes e de se responsabilizar
pelos seus atos.
As condições formativas a que me refiro dizem respeito a que o adulto
não decline de seu lugar de grande Outro frente à criança: lugar de transmissão
do código e da lei simbólica, sustentando em ato e palavra sua função em
relação às crianças e adolescentes, ao mesmo tempo em que possa suportar
sua condição de castrado (Outro barrado).
166
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Desabrigados da palavra

Quando os adultos se omitem de sua responsabilidade em relação à


função de tal envergadura, deixam o sujeito em estruturação sem referências –
reais e simbólicas – para se situarem no mundo. Isso pode levar a criança, e
principalmente o adolescente, a se lançar em atos impulsivos e repetitivos, atos
violentos, transgressores, que, ao mesmo tempo em que atestam a fragilidade
da lei simbólica, buscam inscrevê-la.
E é esse um primeiro sentido que me ocorre em relação à expressão
com a qual intitulei meu trabalho, desabrigados da palavra: o sujeito que se
encontra desabrigado de um significante que inscreva a lei nele, assim também
como significantes que o inscrevam numa família, numa descendência geracional,
num sobrenome – enfim, num passado e num porvir.
O desabrigo está também no fato de que a palavra se encontra, para
esse sujeito, privada de sua potência significante, de sua potência simbólica,
por ser ou uma palavra que não vale nada, ou uma palavra que só funciona na
sua literalidade. Por exemplo: as combinações feitas com Ronei, ou acertadas
com os monitores do abrigo, não tinham nenhuma validade; eram esquecidas,
negadas, ou seu descumprimento tinha sempre justificativas e racionalizações
as mais diversas. De outro lado, se surgia a expressão “Eu te odeio e vou te
matar”, num momento de raiva ou de revolta do menino, era escutada de forma
literal pelo seu entorno, como confirmação de um ódio mortal e que o levaria a
exterminar realmente o outro, na primeira oportunidade.
Mas há ainda outra face desse desabrigo da palavra, que aparece quan-
do não se lhe oferece a escuta que venha a possibilitar significar ou ressignificar
seus atos, a partir da captura dos mesmos numa cadeia discursiva que não
esteja encerrada, de antemão, no terreno das certezas, no saber de um Outro
não barrado, que o rotula, o define e o exclui.
Um Outro que não se fixe no lugar transferencial que o adolescente inici-
almente propõe, mas que aposte na dimensão significante de seu ato, poderá vir
a enlaçá-lo a seu desejo, contextualizado em sua história de vida. E, quem
sabe, relançando-o a outros caminhos que não aqueles aparentemente determi-
nados por sua trajetória pregressa. Trata-se de abrir caminho para o apareci-
mento da palavra do sujeito, e flechá-la com a elasticidade simbólica que permi-
te o surgimento do não sabido, do engano, da dúvida ou do inesperado. Uma
aposta de que aquele sujeito que escutamos possa se tornar vulnerável ao fato
de que, quando ocupamos a palavra, não temos como saber nem controlar o
que vamos dizer, mas Isso fala em nós, e nós temos a ver com isso. Desde
Freud (1925) se sabe que alegar que algo não foi intencional não nos livra da
responsabilidade ética em relação a nosso desejo (e também a nossos atos):
passagem da condição de objeto do desejo do Outro para a condição de sujeito
desejante.
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Ieda Prates da Silva

Oferecer uma escuta à palavra do sujeito, nesse contexto, tem um cará-


ter revolucionário, num meio em que tudo já está sabido, classificado, julgado e
decidido, mar discursivo em que costumam navegar as instituições sociais.
Como não há uma aposta na potência da palavra, nestes casos, o reclame
social e institucional é pela contenção do adolescente. Medicação e internação
são os primeiros recursos buscados, nesse ideal de contenção ou repressão,
saída que privilegia o encobrimento no lugar do desvelamento.
Mas o que se quer encobrir? Não será, em primeiro lugar, nossa surdez
social? Temos que refletir um pouco sobre o que está a nossa frente, ao invés de
nos deixarmos levar pela carga máxima de emoção que essas situações extre-
mas (miséria, abandono, histórico de violência) costumam produzir.
Em segundo lugar, não se tratará de encobrir o gozo que muitas vezes
impera ali, seja um gozo perverso ou um gozo maternal? Quantas vezes não
nos deparamos com o gozo pérfido de uma posição de poder sobre o corpo ou
o destino desse adolescente, ou o gozo de se deixar embalar pela ideia grandi-
osa de ser a mãe total, salvadora e compensatória das perdas desse menino?
Aí está um ponto importante: o discurso social de vitimização desses
meninos, em que eles teriam de ser compensados de suas perdas e seus pró-
prios atos transgressores seriam vistos como tentativas de compensação. Os
adultos, nesta via, se incluem no quadro dos devedores, ficando tentados a
assumir uma posição de doação infindável, sem corte. Implicam-se num paga-
mento afetivo ou material que, longe de honrar a dívida simbólica, revela a cren-
ça numa dívida a ser paga na realidade dos objetos ou dos cuidados
maternais.Tomarmos as perdas exclusivamente pela via da frustração e da pri-
vação dificulta, a esses adolescentes, a assunção, ainda que tardia, da opera-
ção de castração: defrontarem-se com a falta estrutural, para além das carênci-
as reais de sua vida; fenda que não está ali para ser preenchida, mas bordeada
pela linguagem.
Sustentar uma posição de escuta a esses adolescentes é ato de valor
subversivo, no sentido de que subverte a ordem social vigente: que ora os con-
dena (restringindo-se a intervenções de repressão e punição), ora os absolve
(derivando para ações de superproteção e minimização de seus atos). Escutá-
los sem cair na tentação fácil que essas oposições oferecem não é tarefa sim-
ples. Mas a psicanálise nos ajuda aqui: propomos contrapor ao aprisionamento
e à angústia, que a impulsividade sem contornos significantes pode levar estes
adolescentes, o caráter libertador que o resgate da sua palavra e da sua história
poderá lhes trazer.
Agora, para termos a chance de conectá-los a seu ato e às consequências
que dele advêm – para o outro e para ele próprio – é preciso que nós, adultos,
estejamos primeiramente conectados com nossos próprios atos e discursos
168
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Desabrigados da palavra

perante esse sujeito, responsabilizando-nos pelo lugar de fala e de intervenção


que nos cabe, aceitando correr os riscos.
Esses atos dos adolescentes a que me refiro aqui só poderão se consti-
tuir verdadeiramente como atos na medida em que estejam referidos a uma
cadeia significante, e isso só se fará possível se houver a escuta desses sujei-
tos – escuta que possibilite a eles próprios se escutarem no que dizem. Ao
significá-los precipitadamente como atos delinquentes, que visam à destruição
do outro ou à anulação da lei simbólica, se elimina a possibilidade de tomá-los
como atos em sua relação ao significante. Ou seja, na sua dupla face: como
denúncia de uma inscrição simbólica que não se deu (ou se deu precariamen-
te), e como chamamento a um significante que possa retirá-lo de sua condição
de objeto do Outro; tentativa, portanto, de operar essa função simbólica faltante.
O problema é que para a criança, e para o adolescente em certa medida,
esse significante, essa palavra portadora da lei, tem que estar sustentada por
alguém. Alguém que diga: “É comigo!” O que chamamos, em psicanálise, de
função terceira ou função paterna. Mas o que costumamos testemunhar, muitas
vezes, na fala dos adultos encarregados desses adolescentes que perambulam
de casa em casa, de um abrigo para outro, de uma escola para outra escola, é
a perigosa posição de “não é comigo”. Repetem-se indefinidamente expres-
sões, tais como: “Não posso mais”, “Não estou preparado para isto”; ou o clás-
sico: “Não sou pago para isto!”. São palavras que têm efeitos de atos: atos de
rejeição, mas principalmente de destituição e desistência.
Então, tendo a pensar que os desabrigados da palavra também se afigu-
ram frente ao social e frente a eles próprios, como estando desobrigados da
palavra. Seja porque (se supõe) eles não têm nada a dizer, ou “têm dificuldade
de se expressar”, ou porque seus atos falariam por eles; ou, ainda, porque “não
adianta escutá-los, pois só dizem mentiras”, ou “não admitem o que fazem”.
Mas qualquer ser humano que esteja desobrigado da palavra pagará um preço
muito alto por tal desimplicação subjetiva.
Na medida em que apostamos na escuta desses sujeitos – tanto os
adolescentes “problemáticos”, quanto os adultos envolvidos na situação – e
lhes devolvemos a palavra (a sua palavra), os confrontamos com a realidade de
que somos todos seres de linguagem. Portanto, estamos inexoravelmente
responsabilizados por nosso lugar de fala: por aquilo que dizemos – mesmo
sem o saber – e por aquilo que fazemos, mesmo sem querer.

REFERÊNCIAS
COSTA, A. Da interpretação ao ato. Revista da Associação Psicanalítica de Porto
Alegre – Ato e Interpretação, Ano VIII, nº 14, março de 1998. Porto Alegre: APPOA/Artes
e Ofícios. 169
Ieda Prates da Silva

FREUD, S. La negacion. [1925] In: ______. Obras completas de Sigmund Freud.


Madrid: Biblioteca Nueva, V.III, 1983.
LACAN, J. O seminário, livro 4: a relação de objeto [1956-1957]. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed., 1995.
LACAN, J. O seminário, livro 10: a angústia [1962-63]. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Ed., 2005.
LACAN, J. Seminário: o ato psicanalítico [1967-1968]. Escola de Estudos Psicanalí-
ticos. Publicação para circulação interna, 2001.

Recebido em 10/09/2010
Aceito em 20/11/2010
Revisado por Sandra D. Torossian

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NORMAS PARA PUBLICAÇÃO

I APRECIAÇÃO PELO CONSELHO EDITORIAL


Os textos enviados para publicação serão apreciados pela comissão edi-
torial da Revista e consultores ad hoc, quando se fizer necessário.
Os autores serão notificados da aceitação ou não dos textos. Caso se-
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II DIREITOS AUTORAIS
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III APRESENTAÇÃO DOS ORIGINAIS


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tos do autor, serão indicadas por algarismos arábicos ao longo do texto.

IV REFERÊNCIAS E CITAÇÕES
No corpo do texto, a referência a autores deverá ser feita somente menci-
onando o sobrenome (em caixa baixa), acrescido do ano da obra. No caso de
autores cujo ano do texto é relevante, colocá-lo antes do ano da edição utiliza-
da.
Ex: Freud ([1914] 1981).
As citações textuais serão indicadas pelo uso de aspas duplas, acresci-
das dos seguintes dados, entre parênteses: autor, ano da edição, página.

V REFERÊNCIAS
Lista das obras referidas ou citadas no texto. Deve vir no final, em ordem
alfabética pelo último nome do autor, conforme os modelos abaixo:
OBRA NA TOTALIDADE
BLEICHMAR, Hugo. O narcisismo; estudo sobre a enunciação e a gra-
mática inconsciente. 2. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1987.
LACAN, Jacques. O seminário, livro 5: as formações do inconsciente
[1957-1958]. Rio de Janeiro: J. Zahar Ed., 1999.

PARTE DE OBRA
CALLIGARIS, Contardo. O grande casamenteiro. In: CALLIGARIS, C. et
al. O laço conjugal. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 1994. p. 11-24.
CHAUI, Marilena. Laços do desejo. In: NOVAES, Adauto (Org). O desejo.
São Paulo: Comp. das Letras, 1993. p. 21-9.
FREUD, Sigmund. El “Moises” de Miguel Angel [1914]. In: ______. Obras
completas. 4. ed. Madrid: Bibl. Nueva, 1981. v. 2.

ARTIGO DE PERIÓDICO
CHEMAMA, Roland. Onde se inventa o Brasil? Cadernos da APPOA,
Porto Alegre, n. 71, p. 12-20, ago. 1999.
HASSOUN, J. Os três tempos da constituição do inconsciente. Revista
da Associação Psicanalítica de Porto Alegre, Porto Alegre, n. 14, p. 43-53, mar.
1998.

ARTIGO DE JORNAL
CARLE, Ricardo. O homem inventou a identidade feminina. Entrevista
com Maria Rita Kehl. Zero Hora, Porto Alegre, 5 dez. 1998. Caderno Cultura, p.
4-5.

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
KARAM, Henriete. Sensorialidade e liminaridade em “Ensaio sobre a
cegueira”, de J. Saramago. 2003. 179 f. Dissertação (Mestrado em Teoria Lite-
rária). Faculdade de Letras, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul, Porto Alegre. 2003.

TESE DE DOUTORADO
SETTINERI, Francisco Franke. Quando falar é tratar: o funcionamento da
linguagem nas intervenções do psicanalista. 2001. 144 f. Tese (Doutorado em
Lingüística Aplicada). Faculdade de Letras, Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul, Porto Alegre. 2001.

DOCUMENTO`ELETRÔNICO
VALENTE, Rubens. Governo reforça controle de psicocirurgias. Disponí-
vel em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff01102003 23.htm>. Acesso
em: 25 fev. 2003.
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