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1
Cf. DIAS, Maria Regina T. Idéias de uma sociologia da indústria fonográfica. In: LASTÓRIA, Luiz A.
C. N. et al. (orgs). Teoria crítica, ética e educação. Campinas: Autores Associados; Piracicaba:
UNIMEP, 2001, p. 193-216.
2
Cf. ADORNO, T. W., HORKHEIMER, W. Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2006.
3
FREITAS, Verlaine. Indústria cultural: o empobrecimento narcísico da subjetividade. In: Kritérion,
Revista de Filosofia, v. 46, n. 112, jul./dez.. 2005. p. 334.
3
identidade individual, um espelho no qual recuperar o amor pela própria imagem4. Além
disso, alienado da totalidade pelas relações de produção, caracterizadas pela extrema
divisão do trabalho, o sujeito busca incessantemente aquilo que o conectará à
universalidade, que o fará sentir-se parte de uma coletividade5. É aqui que surge a
necessidade pessoal de algo que ofereça a realização da individualidade e sua inserção
no coletivo, que ao mesmo tempo contemple a necessidade social da manutenção da
ordem6; é a Indústria Cultural que realiza esta função. Todavia, se por um lado ela é
capaz de aumentar a coesão social e contribuir para a manutenção do sistema capitalista,
por outro lado ela frustra a realização pessoal que promete aos indivíduos, pois esta é
uma promessa que ela não pode cumprir: o que ela faz, no fundo, é promover e produzir
em série bens culturais para satisfazer ilusoriamente necessidades geradas pelo trabalho
e para manter nos consumidores a carência por novos produtos, enganando as pessoas
sobre a satisfação de suas necessidades. Seus produtos passam a idéia de satisfação de
necessidades legítimas, próprias dos indivíduos como seres livres (que podem escolher),
mas todas as opções são pensadas segundo o princípio da compra, que as torna todas
mercadorias iguais7. A expressão “liberdade de escolha”, para Adorno, significa na
verdade a liberdade de escolher sempre a mesma coisa8.
Assim, a Indústria Cultural realiza sua função ao criar necessidades artificiais de
consumo e criar vínculos sociais em torno deste mesmo consumo; ao promover
momentos de relaxamento e descanso do trabalho penoso e monótono para revigorar os
indivíduos para aquele mesmo trabalho; ao reforçar imagens estereotipadas e
conservadoras, de fácil acesso a todos; ao reprimir e recalcar a imaginação oferecendo
cultura sem esforço; ao impregnar o ócio com os elementos da lógica mecanizada do
trabalho; ao tratar a cultura como mercadoria9. E entre estas mercadorias culturais se
encontra a música.
Em seus textos “Sobre a música popular” (publicado originalmente em 1947) e
“O Fetichismo na Música e a Regressão da Audição” (de 1963), Adorno apresenta uma
análise minuciosa da música como produto da Indústria Cultural e das razões de sua
4
Id. Adorno & Arte Contemporânea. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. p. 18.
5
Id. 2005, p.338.
6
Cf. SILVA, Rafael Cordeiro. A atualidade da crítica de Adorno à indústria cultural. In: Revista
Educação e Filosofia, v.13, n.25, jan./jul.1999. p. 39.
7
FREITAS, 2003, p. 18.
8
ADORNO, T. W., HORKHEIMER, W., 2006, p. 138.
9
ADORNO, T. W. A indústria cultural. In: COHN, Gabriel (org). Adorno: Sociologia. 2. ed. São Paulo:
Ática, 1994, p. 93.
4
10
A música que logra sucesso comercial é regravada repetidamente, às vezes com o mesmo arranjo
original. No Brasil, por exemplo, não são raros também os casos de versões nacionais, com letras em
português, de sucessos estrangeiros. Pode acontecer, inclusive, de um sucesso internacional ter mais de
uma versão diferente em português.
11
Id. Sobre a música popular. 1994, p. 121.
12
ADORNO, HORKHEIMER, 2006, p. 113.
5
apresentado segundo normas rígidas que controlam todo tipo de espontaneidade. Assim,
Adorno classifica os hábitos de audição contemporâneos de regressivos, pois não há
autonomia individual na relação com a música popular, que é aceita sem resistência13.
Na música, até os improvisos seguem uma norma14. Como não é preciso fazer esforço
para ouvir as músicas padronizadas, é a distração que orienta os hábitos de audição15.
Ocorre uma pseudo-individuação sociológica (e não técnica) até das peças musicais ao
se enfatizar os tipos de música e os conjuntos que tocam, o que configura uma técnica
de rotulação que “providencia marcas comerciais de identificação para diferenciar” o
que não é diferente16. As próprias letras das músicas não passariam de slogans
comerciais17. Como, em decorrência da estandardização (exigida pelo mercado), as
músicas são semelhantes entre si e devido ao fato de serem mercadorias (sem vínculo
real com os indivíduos além do comércio), a Indústria Cultural lança mão de alguns
artifícios para dar relevância às canções e incentivar o seu consumo, conferindo um
caráter fetichista à música, que passa a ser gostada como se possuísse existência própria
e criando a ilusão de identificação entre o ouvinte e a música. A promoção é um deles: a
repetição incessante de um hit nas rádios (e atualmente na TV) quebra a resistência ao
musicalmente idêntico e as reações habituais tornam-se automatizadas18. Não só as
músicas são promovidas desse modo, mas as personalidades e os estilos também. A
repetição dá ao hit importância psicológica, força a recordação, impõe o material
musical, complementando a estandardização. Assim, qualquer música pode ser um
“sucesso”, desde que tenha o apoio das agências de divulgação e promoção, tenha um
detalhe diferente19 das outras e a mesma estrutura dominante. Todavia, a Indústria
Cultural enfrenta um desafio intransponível: as gravadoras querem hits ao mesmo
tempo idênticos e diferentes20: “a música deve ser sempre nova e sempre a
13
ADORNO, T. W. O fetichismo na música e a regressão da audição. In: ________. Textos Escolhidos.
São Paulo: Nova Cultural, 2000. p. 95.
14
No texto “A indústria cultural” (1994), Adorno afirma que o modelo dos dramas da Indústria Cultural,
no qual o personagem se mete em confusões somente para sair delas em seguida, de volta à ordem
“natural” das coisas, tem seu correlato na música de entretenimento, quando se entra em apuros [jam]
rítmicos, que logo em seguida se desfazem com o retorno do compasso certo.
15
Id., 1994, p. 136.
16
Ibid., p. 124.
17
Id., 2000, p. 92.
18
O termo utilizado no meio da promoção musical que ilustra este processo é “música de trabalho”:
aquela faixa do disco que será promovida, quer dizer, repetida inúmeras vezes nas rádios e nos programas
de TV para servir de propaganda para o disco.
19
Os detalhes diferentes podem ser um estilo musical “inovador” ou um artista “novo”, muitas vezes
descobertos por meio de caça-talentos, festivais ou programas de auditório.
20
ADORNO, 1994, p. 126.
6
21
Id., Moda intemporal – sobre o jazz. In: ________. Prismas: crítica cultural e sociedade. São Paulo:
Ática, 1998, p. 123.
22
Id., op. cit., p. 132 et seq.
7
Referências
________. Sobre a música popular. In: COHN, Gabriel (org). Adorno: Sociologia. 2.
ed. São Paulo: Ática, 1994. p.115-146. (Coleção Grandes Cientistas Sociais, 54)
23
Alguns exemplos são aquelas pessoas que têm o habito de assoviar ou cantarolar alguma peça familiar,
a popularidade dos karaokês e similares, e o deleite que acompanha tal exibição.
24
ADORNO, 2000, p. 102.
25
É comum o sentimento de “Como eu pude gostar disso?!” que às vezes acompanha quem revisita os
gostos e modismos do passado não muito distante.
26
Id., 1994, p. 144.
27
Referência ao termo inglês jitterbug, que nomeia os fãs mais entusiasmados de música popular norte-
americana, que se comportam como insetos sem vontade própria.
28
Ibid., p. 146.
8
________. Moda intemporal – sobre o jazz. In: ________. Prismas: crítica cultural e
sociedade. São Paulo: Ática, 1998. p.117-130.
FREITAS, Verlaine. Adorno & Arte Contemporânea. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2003. (Coleção Passo-a-passo, 17)