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24 - A CONSTRUGAO| DA CIDADANIA Eunice Ribeiro Durham multiplicagio, no Brasil, de movimentos sociais de dife- rentes tipos tem suscitado um nntimero crescente de pesqui- sas debates que se prendem tanto a indubitavel importancia politica desse fenémeno quanto as dificuldades que vém sendo encontradas na sua interpre- tagao. A diticuldade deriva, em grande parte, do tato desses movimentos nao se enquadrarem nas expectativas que os estudiosos € os militantes politicos ha: viam construido sobre a torma pela qual deverta ocorter a transtormacio politica da sociedade brasileira © sobre os instru mentos adequados para essa transtorma ao. Os problemas interpretativos con: centram-se em duas questocs: de um lado, a base de classe desses movimentos, que congregam segmentos heterogéneos da populagao e, de outro, 0 fato de se constituirem como formas de mobiliza gao que oorrem tora do espago dos par tidos poliucos ¢ dos sindicatos. Por 1sso mesmo, @ tareta que se coloca perante as ciéncias socials nao € apenas a de re Ver os esquemas interpretativos que to- ram amplamente usados para explicar os rumos da historia recente do pais Nessa dupla tarefa, é preciso integrar dois modos distintos pelos quais os mo- vimentos tém sido analisados. A primeira delas, de cunho mats socioldgico © poli- tico, ‘procura © significado desses movi mentos, basicamente, em sua relevancia para a acio partidiria, em sua relagao com o Estado © em sua eventual impor tancia como instrumento de contestagao do regime. Tratase de uma visao “de fora” ¢ “para tora’ do movimento. A outra, de cunho mais antropolégico, preo- cupa-se tundamentalmente com o seu sig- nificado para aqueles que dele partici pam, procurando, portanto, uma interpre: tagio a parur “de dentro”. Insuticientes cada uma delas para uma andlise adequa da dos movimentos socias, € sua combr- nagao que deve fornecer os instrumentos para superar, de um lado, as limrtagoes de uma visio aprioristica da historia e, de outro, a restrigno de uma interpreta cao que, esmiugando internamente o obje: to, nao vé sua insercio no proceso mais amplo do qual taz parte Para realizar este upo de andlise pre pressuposicoes cisamos eliminar_ certas que se cristalizaram nas interpretagoes correntes. Nao é que elas sejam necessa Novos EsTUDOS Nf — jamente incorretas; mas é que sua ade- Guacao deve ser 0 objeto da anilise © nao Seu ponto de partida ou pressuposto, Em primeiro lugar, devemos evitar a de que os movimentos sociais sio Fee inferiores de mobilizagio, que de- vem evoluir para formas mais plenas e Srtisfatdrias de atuacio politica: a par Jiria e a sindical. Fsse tipo de pressu- posto freqiientemente se justapde a no- gio de que a emergencia desses movi- Inentos se explica pelo fechamento im- posto pelo regime aos canais normais de manifestaao politica ¢ de reivindicacées econdmicas que seriam os pattidos € 08 sindicatos. Os movimentos sociais apare- cem assim como substitutes (empobreci- dos) dos movimentos “verdadeizos”” Se é verdade que 0s movimentos so- iais assumiram grande relevancia poltti- ca no Brasil em um momento no qual o regime reprimia violentamente os parti- dos ¢ 0s sindicatos, ¢ se isso ocorreu tam- bem em outros paises da América Latina, no é menos verdade que movimentos de tipo semelhante ocorreram, na_mesma Epoca, tanto na Europa quanto nos Esta- dos Unidos, em situacao de liberdade po- litica, Mesmo na América Latina, a pu- janga dessas manifestagdes ¢, frequiente- mente, marca de momentos de maior de- mocratizagio. Por outro lado, a obser- vacio da situagio brasileira mais recente na qual uma relativa abertura do regime permitiv um espago de atuagio politica € sindical um pouco mais ampla, parece indicar um crescimento simultaneo (pelo menos durante um perfodo) dessas diver sas formas de mobilizagdo popular, que podem confluir em momentos € causas especiticos sem necessariamente se con- fundirem ou substituitem. Desse modo, devemos levar em consideragdo uma hi- pétese alternativa: a de que os movimen tos sociais constituem uma forma espe- cifica de mobilizaio popular com espago préprio, diverso daquele ocupado por partidos e sindicatos Podemos supor também que esse tipo de movimento tal- vex corresponda a transtormagies recen- tes da sociedade industrial capitalista, € que # mobilizagio crescente da sociedade que parece caracterizar 0 momento atual, se da tamto pela criagio de novas formas le atuagio quanto pelo fortalecimento daquetas anteriormenteexistentes. O Ptéprio fato das pessoas tenderem a par- ticipar de mais um tipo de mobilizagio refoiya essa suposig E preciso também reexaminar a tese ‘OUTUBRO DE 1984 de que os movimentos sociais sip provo- cados pela pauperizagio crescente das classes trabalhadoras. Nao hi como negar que a industrializagio recente do pais acentuou a concentragio da renda € ndo se pode duvidar que @ atual crise econd- mica venha provocando, nos tiltimos trés anos pelo menos, um acentuado rebaixa- mento do nivel de vida da populagto bra sileira Mas é dificil acreditar, como al- guns trabalhos cientificos. parece afir- mar, que toda a historia da industrializa- Gio ‘do pais tenha sido feita através de ‘um empobrecimento continuo das massas trabalhadoras. As intimeras pesquisas rea- Tizadas em Sio Paulo, desde o final da década de 50 com operirios, migrantes rurais, moradores da periferia e mesmo favelados, tém revelado que a maioria da populagio acreditava estar melhoran- do de vida, Apenas as_pesquisas mais recentes, realizadas nos iiltimos trés anos, mostram uma inversio dessa tendéncia, demonstrando a percepgao dos efeitos da atual crise econdmica, O fato de acredi- tar estar melhorando de vida nao impe- diu a populagio de construir uma visio critica de sua participacio nos frutos da industrializagao nem de claborar uma ava- liagio negativa da atuagio do Estado no atendimento de suas necessidades. Nao €, portanto, necessariamente, a miséria crescente, mas a conscigncia da pobreza que contribui para a mobilizagao popular. A serem verdadeiras essas observagoes, (05 movimentos sociais podem ser vistos através de uma ética um pouco diversa daquela que parece ter predominado até agora: isto €, nao como movimentos | de defesa contra o empobrecimento cres cente (o que, alids, também podem ser), mas como exigéncia de atendimento de novas necessidades e, portanto, como uma luta pela ampliagio do acesso 30 espago politico ¢ aos beneficios do de- senvolvimento econdmico. Dessa forma, as reivindicagoes que implicam uma am- pliagio do consumo coletivo surgem on- de sio mais facilmente atendidas (onde tem maiores chamas de vitéria) e nao onde sio mais necessérias em termos de caréncias da populacio. Essas observagGes, sao inteiramente congruentes com algumas interpretagées fe anilises que enfatizam a telagao desses movimentos com a natureza do proceso de urbanizagao € que tém sido particular- mente desenvolvidas por J. A. Moisés € ‘os pesquisadores ligados 20 CEDEC." De acordo com essa perspectiva, desde Ver opiate cole es tidate pore pede por Wiotses. Aiea ose Tet a Rig de Janeiro, Pare Feea ba? alegnee CEDEC Fare Tere, vo 25 MOVIMENSTOS SOCIAIS, A CONSTRUGKO DA CIDADAN 2% MIA ‘os anos quarenta ¢, mais especialmente, na década de 50, 0 aprofundamento da divisao social do trabalho telacionado a concentragao da populacao nas grandes metropoles provoca a emergéncia de ne: cessidades novas, associadas a novos pa droes de consumo que envolvem educa #0, transporte, atendimento_médico, equipamentos sociais € culturais. Cabe apenas enfatizar que esses novos padres de chnsumo sao vivides pela populagio, especialmente a de origem rural recente, como ‘“melhoria de vida’ Mas nao podemos restringir a andlise dos movimentos sociais aqueles que pos- suem uma base nitidamente popular, mesmo quando se trata especificamente de reivindicagées propriamente urbanas. O crescimento das cidades nao afeta ape- nas as camadas mais pobres, © as modi ‘cages concomitantes nos padrdes de con: sumo nao se restringem 4 necessidade de novos servicos pablicos, mas afetam pro: fundamente todo o modo de vida, pro- vocando a emergéncia de uma nova cul tura, no sentido antropolégico. O movie mento ferinista ¢ © movimento ecolbgi co séo os exemplos mais claros dessa transformagao cultural centro desta perspectiva, é ne- cessério reexaminar a questéo di base de classe dos movimen. tos sociais. Em primeiro lu yar, teinos © problema da propria hetero- peneidade dos setores de baixa renda que Constituem muitos desses movimentos € que incluem, freqiientemente, tanto ope- rérios como ambulantes, biscateiros, em pregados do comércio € de todos os ra mos de servigos fincluinde os domésti- cos), pequenos comerciantes e funciond rios priblicos Esse fato tem provocado a substituigio, na anise, de conceitos mais precisos come o de proletariado, por ter- mos alusivos ou descritivos que possuem uma fundamentagao tedrica muito menos dara “classes. populares”, “classes. tra- balhadoras”, ou, ainda mais penericamen: te, “os pobres", “o ovo”. Nessa substi- tuigio de terms 0 que estd em jogo € toda uma visio do processo historico que privilegiava © papel necessariamente re- voluciondrio do proletariado © que cen traré todas as perspectvas de transforma fo wxial na onyanianao politica desea Dentro desta perspectiva, 0 conceito para enquadrar_ teoricamente ogeneidade ¢ o de “exército in- J de reserva’ € esse tem se mos- utilizad dustri trado insuficiente. Nao & que essn, balhadores nao sejam, para capers exército de reserva”, mio denies 2 ponivel para as necessidades de smelt ao do parque industrial Mas 0 prion mecanismo de sua constituicio. soa pliagao constante € sua crescente heer geneidade interna nao podem ser enten didos apenas em termos de sua ‘funae. nalidade” para as necessidades de acum Jagao capitalista. O que temos € um pro- blema equivalente, mas obviamente di verso daquele encontrado nas sociedades desenvolvidas ¢ que, nelas, vem sendo abordado sob a rubrica da “‘sociedade pés-industrial”. Essa dificuldade de absorver a hetero: geneidade dos setores populares numa abordagem estruturada em torno das concepcies clissicas da luta de classes tem provocado a busca de novas linhas interpretativas. O que se tem saltentado nas andlises sobre os movimentos sociais E que esies, ao contrario da aco sindical, no organizam as pessoas 4 partir da sua insergio no processo produtivo {produ- Zindo assim um “corte’’ objetivo que acompanha de perto aquele operado, na teoria, pelo conceito de classe), mas di zem respeito @ esfera do consumo. Dessa forma, € 0 conceito de reproduan que permite relacionar of movirnentos sociais as relagies de classe A dificuldade reside no fato de que 0 concerto de reprodu da forca de trabalbu parece ser demasia- do resttito para explicar integralmente a heterogencidade social ¢ a complexidade de objetivos que caracterizam esses. mo- ta vimentos, assim como © conceito de re- producio das condicies de producao pa rece ser demasiado eral. Mesmo acei- undo a orientagio interpretativa propor cionada por essa abordagem, a compreen- sio de todas as tacetas © complexidades desses movimentos exige explicagdes complementares ou adicionais que déem conta da tluides especitica ¢ das inime- ras variagGes que parecem caracterizé-los, € que nos Jevam ao campo da cultura Sio exatamente esses aspectos que nio podem ser reduzidos as necessidades da reproducio da torca de trabalho, aqueles que uina andlise “de dentro” dos movi mentos revela com maior clareze © que talves nos auxiliem a superar a enorme difiewidade que estamos encontrando em compreender essa nova sociedade que se constituindo de uma forma que construidos nao obedece aos esquem: no passado NOVOS ESTUDOS N° 19 m primeiro lugar, € importan- te refletir sobre’ o modo de constituiggo dos movimentos sociais e, especialmente, a forma de definigao ‘dos seus membros Os movimentos’ articulam-se (em dife- entes niveis e com amplitude diversa) em fungio de uma ou vérias reivindica- GGes coletivas que sao definidas a partir da petcepgio de caréucias comuns (que vio desde a auséncia de asfalto ao senti- mento de um tratamento discriminatério a0 nivel das relagdes sociais em seu con- junto). E a caréncia que define « coleti- vidade possivel, dentro da qual se cons- titui_a coletividade efetiva dos partici- pantes do movimento, Como as caréncias podem ser definidas de diferentes modos em diferentes niveis, 0s movimentos so- ciais constituem formas muito flexiveis de mobilizagio, que operam “cortes” muito diversos uns dos outros, definin- do coletividades de tipo muito diferente (desde ‘‘as mulheres”, “os homoysexuais” ou “os negros”, até “‘os moradores de uma rua”, ‘os’ freqiientadores de um parque piblico” ou “os usudtios de um setvigo”). Parece-me importante ressaltar essa flexibilidade e variedade possivel dos movimentos sociais que podem ser, por isso mesmo, mais dgeis ¢ diversificados (e, em outros aspectos, mais limitados) que partidos ou sindicatos. Nao precisam ser permanentes. Os militantes que se congregam num movimento, num deter- minado momento, podem se dispersar no seguinte para participar (ou nao) de mo- vimentos diversos, Nao ha porque tecti- minar ou criticat movimentos efémeros — ha que perguntar de sua efetividade @ dos saldos positives (ou negativos) que acumulam Retomnaremos, mais adiante, a questo da coletividade criada pela definigio de uma caréncia) No momento, queremos tratar de uma outra questio" 0 fato de que, apesar da heterogeneidade das bases que mobilizam € das reivindicagoes que formalam, 03 movimentos sociais pare- cem utilizar as mesmas formas de orga- nizacdo. A ampla literatura sobre os mo- vimentos sociais parece indicar a existén: Gia de dow modelos basicos de organiza- ‘do que as vezes se excluem, As vezes se lternam ou podem mesmo se sobrepor ASARBOSO, Ruth, “Mow —Temos, em primeito lugar, uma forma ToTahit WM atedde de organtzagio qae podemos chamar de SMG BMPR formal Implica na cleigic de uma dire Hs'DR ALMIDA. Myla toria exccutiva a qual compete promover Hema, ap Pails Faaifeiee gy Sa mobilzagao e encaminhar as reivindi oe i OuTUBRO DE 1984 cagdes Esse tipo de organizagio exive mecanismos de representagao e promove a constituigao de liderangas que “carte: gam” o movimento. Embora a agio do Estado constantemente reforce esse tipo de otganizagao, exigindo a presenca de “representantes oficiais”, ou estabelecen- do condigoes burocraticas para © reco- nhecimento do movimento, esse modelo hao deve ser visto como meta decorrén- cia de imposigao estatal. Ao contrario, organizagies formais desse tipo possuem profundas raizes populares © podem ser encontradas em instituig6es como sindi- catos, escolas de samba, clubes de fu- tebol, estando também presentes, de for- ma modificada, em centros de umbanda. Mesmo que nao se tenha, propriamente, originado nas camadas populares, 0 mo- delo formal € cettamente parte do patri- ménio cultural dessa populagdo € € am- plamente utilizado, por exemplo, na cons- tituigio das associagdes de moradores. ‘Ao lado desse modelo se coloca um ‘outro, que se encontra em expansao: é ‘© que denominaremos “‘comunitério”. E aquele que evita a institucionalizagao de representagio e exige uma participacdo permanente de todos, tanto no processo de tomada de decisio como na prépria execugo. As Comunidades Eclesiais de Base constituem um exemplo tfpico da tentativa de implementar esse modelo. Embora esse dltimo modelo pareca ser mais recente, seja visto como mais de- mocritico © seja amplamente defendido como mais popular, no é preciso supor que este tipo de organizagao necessaria- mente elimine o anterior, ou que com ele nao possa conviver. Os movimentos de moradores, pot exemplo, utilizam muitas vezes ambas as formas em momentos versos ou para fins diferentes, Mas esta segunda forma, embora ndo necessaria- mente mais importante, apresenta, de modo mais claro que a outra, um aspecto que € fundamental nos movimentos so- ciais a énfase na sgualdade, na consti- tuigao da coletividade Sabemos que nogio de igualdade constitui um dos polos de referéncia da idéia de democracia, sendo 0 outro o da libetdade. Embora ambas as nogdes es. tejam ptesentes nos movimentos sociais, pareve certamente haver um. privilegia mento do primeiro sobre 0 segundo Trabalhos come o de Ruth Cardoso exploraram com muita competéncia esse aspecto. dos_movimentos sociais © Mas podemos refletir um pouco mais sobre 27 MOVIMENTOS SOCIAIS, A CONSTRUGAO DA CIDADANIA ye mo a tie “See | | esta realidad paradoxal dos movimentos Que se caracterizam (da perspectiva das Glasses sociais) pela heterogenculade, ao mesmo tempo que entatizam, nas rela goes internas € no plano simbolice, ryualdade heterogencidade ea desigual dlide tornanse elementos cons tutes da vida urbana que inte exit 1 extraerdhinat Cerbalos nas) metropoles latino amet canas Tavem parte, portant, di expe riéncia de vid mais amediata che popula Gio penetfam inelutavelmente no» pro importante prios movimentos soctars f Investigar, entio, esse processo de erie a nade uma igualdaske (mith a?) que se consubstancia au categoria Comunidade, ferme esse que permeia t0 do o discurse.proauriho pelos mogimen tos soctais Podemos dizer que a cons: trugio dessa igualdade se di atraves de uma negatividade especitica’ Vimos: que fos mos imentos se articulam pela formu lagi de uma carevicia coletina Os tnd viduos mais divetsos tornam se ia medida que sofrem a mesma can igualdade da caréncu tevobre a hetero geneidade das positividades (dos bens das capacidades, do trabalho, dos recur sos cultutais) No mowimento mesma eat todos se tornam iguais agindo em conjunto, esses tuals vt vem a experiéncia da comunshade Os movimentos sociats se constituem, por tanto, como um lugar privilegiado onde a nog abstrata adn sgnialdade peste ser referida a uma experiencers concreta de vida A igualdade constiturse, desta for ma, come representasao plena, concteti via A zada na comunidade Fes vivencis da comunidade, isto € da coletinidade de sguais ctinda pela agio conjunta de fodos se da numa dimensao propria que imphca uma novidade muito importante © reconhecimente da pessoa fum plano pablo ¢ nado privado Na vida sociedade come a nossa parte indi ferenciada da massa} s6 € plenamente re: conhecide como pessoa, os grupos primanos que se estraturam na vida pevada 4 urbana de (© indhiviktuo, como swento, os patentes 8 amigos, ov vizinhos Na estera publ: ca, tende a ser despersor nado € tiguta endedor de torga de cabalhe somprador de mercadortas, heneticiario do INPS, usuario do transporte coletivo eleitor, homem massa Nos movimentos sociais de cuabeo oo onde se valori¢n a participacio de todos m, onde todos devem tala, cialit, 0 que pottece estar ocortenda é sm proceso nove, 0 «le constitaigie de pee sows ma esferd pwbira atraves Jo jopo do matue recouheciments que ocore tn ternamente, de cada opinar, de rast Kata passage dt pessoa, da dimension privada pane a pubhea, pode sera exph coayito de any Later sinnificativo, que fom extraordiniria Hrequénes carte depoimentos dos partiapanten desses movnentos ode viverem essa experién cin como um enrauccimento pessoal, uma intensiticagto de sua qualidade de superior No movimento as pessoas se conhecem, amplum sua socubslidade, aprenden a tala’, isto é a bormular was sobre sia experiencia de inte, elas tornam coletiva qquestoes vida Basic {e dessa lorma integtann) as expetiencias individuas © fragmentadas, encecradas nos luniies da vida prvada © mesmo parece oxorer, embora de maneira menos intensa, nos movimentos que denominc: de formais ¢ & 1880 que exige 0 reconbecimento do carater_ple- namente social dos movimrnentos (como enfatiza Tilman Evers no seu trabalho mats recente) | E.asso porque criam uma nova pritter coletiva que pasa a tazer parte integrante da vida socal © funda menta novas representagdes Mais. ain. da, consutuinde uma forma de pessoa amphia a vivencia individual € teformala 4 propria vida privada Inport in terna dos mosimentos soctats cfta limita ses que devem ser revonhecidlas. En primeito lugar, porque sua utiliagae ple fas exorre em grupos peyuenos O. cfescimento dos movimentos tende, por tanto, « ocorrer antes pela mulupheagio dos grapos de que por sua ampliagio numa especie de solidariedade mecanica durkheimiana que cru problemas muito serios para a atuagiy conjunta ampliada A teadencia a sexmentagay e pulyenaa: io © ngravada pelo tate de que as dec ses, nesse Lipo de organtzagite, 50 pokem set tomadas par consenses, ¢ que provo- ca trequientes cisoes internas, adem de discussies snterminavers ¢ inconclustvas Finalmente, dala 4 importanca inegavel ess valortzagin pelos mem de ocorrer uma inversio peculiar dos movimentos © su 105 dhs grupo. PO Rewin nstrumentos da mobilvayao, em vee dt secede wad dicagses passam a ser consideradas mubilizayde sero sastrumente da NOVOS ESTUBOS N° 1 4 Soest spec do proble ba ean Se tralb Chane, Pie! ede Tanne Ciba. OUTUBRO DE 984 dicagio Fssas limitagGes se manifestam claramente quando se examina a outra dimensio do movimento, a sua face “externa” ‘om efeito, os movimentos so plena- mente sociais, no apenas por suas carac- teristicas internas, mas, inclusive pelo fato de estarem voltados “para fora”, es- tabelecendo novos canais de comunicagio dos individuos com a sociedade € 0 Es- tado Sem isso, seriam antes seitas que movimentos. O. reconhecimento_ mituo dos individuos como pessoas que se dé internamente, exige uma reagio comple- mentar que deriva do cardter necessaria- mente publico do proceso — & 0 reco- nhecimento do movimento pela socieda- de © pelo Estado A ampla utilizaggo dos meios de co- municagao de massa por parte dos movi. mentos sociais, além de sua eficécia poli tica, parece prender-se a essa necessidade de serem reconhecidos pela sociedade, na sua face de “opiniao publica”. Ao mesmo tempo, a resposta as suas reivindicagdes por parte dos poderes. piblicos, mesmo que negativa, € importante porque signi fica 0 reconhecimento por parte do Es- tado. E, se nesse confronto, como tem sido apontado, o Estado é legitimado, legitima-se também o proprio movimen. to, nessa relagao especular aparentemente essencial a um proceso no qual o que parece estar em jogo, € uma nova forma de cidadania,* Mas a colocagao do problema da cida. dania ¢ da relagao com o Estado exige a andlise de uma outra dimensao, que se manifesta na atilizagio de uma categoria amplamente utilizada no discurso dos participantes dos movimentos. a catego: ria dos direstos Nos movimentos sociais, de modo ge. ral, a passagem do reconhecimento. da caréncia para a formulagao da reiyindica Gio 6 mediada pela afirmagio de um di reito. Os habitantes da periteria atitman seu diresto i gua luz, espoto, assistér! médica, as mulheres reiteram seu directs a igualdade, os homosexuals a0 se ver, tambem ay maes que trabatham tem direita ay creches, assim como os indios As suas terras © todos tém o direito a protegao contra a violencia A transformacio de necessidades © ca Féncias em direitos, que se opera dentro dos movimentos sociais, pode ser vista come um ample proceso de revise € Fedetiniyio do espago da cidadania € preciso Jembrar a imensa importat que 4 afirmayao de direitos “naturais inaliengveis, tomados como auto-evider tes, desempenhou na tormulagio da ideo logia democratica produzida pelas revo- Jugdes burguesas A primeita emenda da consutuigao americana é 0 exemplo mais coerente desse proceso Nesse tiltimo caso, tratava-se de uma codificagio aca bada e completa, promovida pelo legis adore que traduziu uma experiéne concreta de gestdo coletiva da coisa pui- blica ocorrida nas colénias americanas. ‘Aqui 0 processo € diferente. Nao te. mos uma tradigdo democratica desse tipo, nem uma tradigao de gestio coletiva na vida politica. Os direitos que constam das nossas leis foram importados € sem- pre se mostraram inoperantes. Mas veri- ficamos agora a ocorréncia, entre nds, de um proceso de construgio coletiva de um conjunto de direitos que esta sendo realizado pelos movimentos sociais. E isso nao através de uma codificagio com- peta ¢ acabada de uma realidade exis tente, mas como o reverso de uma defi- nigéo cumulativa de caréncias que séo definidas como inaceitiveis. Isto €, pare- ce que estamos vivendo um processo de construgio coletiva de uma nova cidad nia, detinida por um conjunto de direi- tos, romados como auto-evidentes, que € pressuposto da atuagio politica ¢ fun- damento de avaliagao da legitimidade do poder ‘esse sentido, 0 confronto com o Es- tado nao & apenas um reconhecimento de sua legitimidade (embora seja também isso), mas uma avalracdo dessa legitimi- dade, que € medida por sua capacidade de respeitar © promover os direitos que a populacao esta se atribuindo: Feces aspectos que acabamos de apon- tar podem nos ajudar a entender um pro- blema mais especttico. mas muito impor- tante a dificuldade de absorgdo desses evimentos pelos partidos politicos odos og movimentos sociais pa- recem sentir a necessidade absoluta de declarar, de inieto, seu caréter apartidario E. por suas conexdes partidarias através de dois. pro- ambos. considerados sao estabelecidas cessos anTagonicos co chentelisme a direita ea empiticos infiltragdo militante a esquerda Tanto hum caso Como eM vULIO, © carater “es paints” deriva do fato de serem conside Fidos, pelos. participantes, come tentatt yas de usar oy movimentos para fins poli definides tora dele © nao por ele, Come ido desses movimen- por ele. Como 0 est 2 MOVIMENTOS SOCIAIS. A CONSTR tos tem sido feito, majoritariamente, por investigadores que se identificam com a “esquerda”, a andlise desses aspectos fre- qientemente sofre uma deformagio pe culiar. 0 clientelisino tende a set reco nbecido, mas é denunciado como tenta: tiva de manipulagio dos movimentos € deplorade como indicador de uma defi ciéneia do grav de “conscigncia” atingido pelos participantes. Por outro lado, a importincia de participagao de organiza dores provenientes da Igreja catélica ou de grupos politicos militantes tende a ser minimizada, valorizando-se o carater “es- pontineo” ¢ “‘genuinamente popular” da Inobillzacio. Neste caso, os investigado- res adotam e reproduzem a “linguagem oficial” dos movimentos. E, entretanto, essas infiltragdes e mani- pulagdes (que alids, contribuem para com- plicar a questo da base de classe desses movimentos) sao parte integrante do pro- cesso de mobilizagao ¢ elementos impor- tantes para entender o cardter plenamen- lesses_movimentos. Sdo esas s “‘clandestinas” que es- tabelecem elos entre mobilizagdes restri- tas, centradas no interesse de alguns, com forcas sociais e politicas mais universali- zantes, presentes no conjunto da socie- dade. E importante por isso tentar en- tender porque elas sempre ocorrem “na sombra”. Esse ocultamento das conexdes politi cas que envolvem posigdes partidarias ov confessionais parece corresponder, no plano externo, ao proceso interno de eliminagio das diferencas entre 0s parti- cipantes, na criagio (mitica) da comuni- dade dos iguais. Mostramos que o princi- pio em jogo consiste em criar um espago de igualdade desconsiderando as-miltt- plas diferencas que existem, em outros planos, entre os “‘carentes". As distin des partidérias € contessionais.consti- tuem exatamente diferengas que preci- sam ser ocultadas. Sem que se apaguem esas diferencas, € impossivel realizar a passagem fundamental que consiste em catacterizar caréncias especificas, vividas por alguns como manifestacao da negacao de um direito de todos (isto 6, de toda a sociedade). Uma clara atiliagdo parti- daria imeditamente cindiria 0 conyunto dos “‘carentes”, impedindo a formagio da comunidade de todos os sguais (na caréncia) Diferengas que so acultadas nao de- Sgeareccm: Mas, deslegitimizadas, impe- portanto de se degladiarem em pu bccn blico, resvalam para o es das fofocas, das acusagies pessoni que caracterizam a pritica desses see mentos tanto quanto a vivéncia da unay com a qual cocxistem. Desse modo, oy movimentos tendem a apresentar uma dupla face: a publica, que enfatiea igualdade, a unido, 0 consenso, e a ocul ta, das cisées, diverpéncias, acusagies miituas, discriminagdes que $6 sio reco hecidas para serem deploradas, mas que conttibuem muito para 0 sabor, ait sidade € 2 dramaucdade dese pri coletiva Retomando a questio desse fingulo, € possivel entender melhor tanto as poten: ialidades como as limitagies dos movi mentos em termos da construgao de uma sociedade democritica, De um lado, eles criam um espago (restrito) onde & posst vel a vivéncia da igualdade, permitindo a representagio da utopia € elaboram os direitos que definem uma nova cidade nia. Mas, por outro lado, restringem a experiéncia democratica 3 pratica da de- mocracia direta nos pequenos grupos Come no desenolem mecansmos pata reconhecer posigies divergentes perm finde sua tonvivéncia, de una lade, dex legitimam a negociagio, que s6 pode ser vista como rendigao ou manipulagio, de outro, podeny rewvalar para mecanismos autoritirios de imposigio de um consen. 50 que deve ser obtide a qualquer custo como nica base legitima de atuagao cole: tiva, A dificuldade que encontram em institucionalizar (ou mesmo reconhecet) mecanismos de representacao cria obsté- culos i ampliagio € articulagio dos ni- cleos, fornecendo uma visio paroquial fortalecendo os componentes corporati- vos priprios de reivindicacies particu! ristas Inversamente, ¢ na medida mesma tem que promovem a coleuvizicio de ex perigncias individuais, mostram-se extte mamente sensiveis as possibilidades de mudanga que parecem estar presentes nessa nova sociedade em gestagao, Por isso tudo, sem idealizar nem de negrit os movimentos sociats, devemos tomé-los como reveladr sina dos novos tempos, € lugar privilegiado para se ten- far entender © que esta ocorrendo com a nossa sociedade PAGO informal Eunice Ribgixy Durham € fdepen de ideas Sas ~~ Novos Estudos Cobrap, Séo Paulo fn 10, pp. 2430, out. 4 scopilogs, pres Novos estuD0s N°" a

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