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SONOS $e QazOr VORA Ou ay fe), i 7 + SMS ? ESCo|@ ConecCtada Os multiletramentos e as TICS Roxane Rojo (org.) Capituto 1 GENEROS DISCURSIVOS DO CIRCULO DE BAKHTIN — MULTILETRAMENTOS Roxane ROJO* Q Os multiletramentos e os textos contemporaneos Acontemporaneidade e, sobretudo, os textos/enunciados? contemporaneos ‘olocam novos desafios aos letramentos e as teorias, — Professora livre docente do Departamento de Lingufstica Aplicada (IEL/UNICAMP), : akin 2003[1959-61/1976]) autoriza fazer equivaler texto nie dos elementos que determinam o texto como enuncado: a sua idea (Intengao) €« ‘io dessa intengao” (p. 308), Mais que isso, 0 autor se aproxima bastante do conceito mais tbodeteito — estendid a varias linguagens — que estamos adotando aqui: “Se entendido 0 __2osentido amplo como qualquer conjunto coerente de signos, a ciéncia das artes (a musico- "8teorae a historia das artes plisticas) opera com textos (obras de arte)" (P. 307) inciado, ao dizer, por exem ROXANE ROJO iferramentos, articulado pelo Grupo de Nova Londres, Oconceito de mu ae satda, por meio do prefixo “imultin 5. ca justamente apne ue as praticas de letramento contemporaneas ‘ tis a stiplidade de linguagens, semioses ¢ midias an oI m lado, @ os textos multimodais Contemporan, tipos de“ vem: por ul : criagao de significado par oe nora pluralidade ¢ a diversidade cultural trazidas pelos aut mesg 0, a por outro, sontemporancos @ essa criacdo de significagao. Alem disso, 0 Grupo tgs col -a, ja em seus momentos iniciais (1996), uma questao aplicadg bk ra, ja em S Vidas 08 @ em mil a maior relevancia e que nos € car © que é ums educacto apropriada para mulheres, para indigenas, Pata im grantes padrao? O que € apropriado para todos no contexto de fatores a versidade local ¢ conectividade global cada vez mais critics? (New Londen Group, 2006[1996]: 10). O que seja, na contemporaneidade, uma educagao linguistica adequada 4 um alunado multicultural se configura, segundo a proposta, como aquela que possa trazer aos alunos projetos (designs) de futuro que considerem trés dimensoes: a diversidade produtiva (no ambito do trabalho), o pluralismo civico (no ambito da cidadania) e as identidades multifacetadas (no ambito da vida pessoal) (Kalantzis e Cope, 2006a). Um ambito relativamente abandonado nessa elaboragao tedrica € justamente o campo da (re)producao cultural. No ambito do trabalho, Kalantzis e Cope chamam a atengao para o fato de que a modernidade tardia ndo mais o organiza de maneira fordista, a partir da divisdo do trabalho em linha de producao ¢ da produgao e consumo de Massa, mas que, no pos fordismo, espera-se um trabalhador multicapacita- do ¢ auténomo, flexivel para adaptacao 4 mudanca constante. A logistica de negociar diferencas ¢ mudancas leva a organizacao do trabalho a um nova fase, a da diversidade produtiva, inclusive em termos de especializacio em nichos, de terceitizacao da producao e da customizagao do consum?: Para os autores, educar para essa realidade requer uma epistemologia euma pedagogia do pluralism: “Uma maneira particular de aprender € conbectt Omundo em que a diversidade local ea proximidade global tenham impor “Ancia critica” (Kalantzis ¢ Cope, 2006a: 130, traducao nossa). sim como a *pedagogia dos multi a edu” Sulstca contemporanea letramentos” que o grupo propde pata Ut GENEROS DISCURSIVOS DO CiRCULO DE BAKHTIN & MUI TILETRAMENTO: S «ambit da educacao para a éticae a Politic: noe 4, 0 pluralismo ¢ seri pi 10 civico s a a : os alunos a wre representat identidades multifaes a habilidade de pr acetadas apropriadas a dife oe modos de vida, espacos civicos e contextos de trab; daos se encontram, a ampliacao dos repertorios culturais junto de contextos em que a diferenca tem de ser negociada; [ idade de se engajarem numa politica colaborativa que combi: _ as em relacdes de complementaridade” (Kalantzis ¢ Cope. aa ferens 39, tradugao nossa). es, “a escola buscar desenvolver n lho em que cid 3000 apropriados. capac ainda para 0s autores, 0 fato de as pessoas atualmente viverem conco pnitantemente em muitas culturas hibridas, hoje altamente personalizadas provoca uma consciéncia altamente descentrada e fragmentada (idemida- iksmultifacetadas). A escola pode buscar um pluralismo integrativo, anti doro necessario a fragmentacao. “A diversidade precisa tornar-se a base paradoxal da coesao” (Kalantzis e Cope, 2006a: 145, traducao nossa). Deve buscar novas formas de consciéncia: “Constantemente ler 0 mun docriticamente para compreender os interesses culturais divergentes que informam significagdes e aces, suas relagdes e suas consequéncias” (Ka lantzis e Cope, 2006a: 147, tradugao nossa) Kalantzis e Cope (2006a) fazem uma anilise em detalhe desses trés ambitos da vida contemporanea nas sociedades globalizadas e indicam suas relagoes com as praticas de letramentos escolares e as decorréncias para o que elas sio hoje e para o que possam vir a ser no futuro. Por exemplo, ao analisarem oambito da cidadania — “o espaco onde a sociedade civil se relaciona com 0 Estado, em que as pessoas participam do governo” (Kalantzis e Cope, 2006a: 51, tradugdo nossa) —, os autores tracam as relagdes que as praticas esco bites de letramento sedimentadas mantiveram € mantém com o estado-na {20 da modernidade. Qualificando 0 nacionalismo como uma narrativa que “ctia, em trés dimensdes [temporal, espacial e estrutural], um sentido pro fundamente personalizado de pertencimento ao Estado-Nacao” (Kalantzis Cope, 2006a: 132, traducao nossa), os autores nos relembram que a esco atzacao teve um papel fundamental no estabelecimento dessa “ordem do “scurso”. Pela primeira vez na historia, 0 Estado tomaa seu cargo, oe ths Comunidades ¢ das familias, boa parte da socializacao das criangas. “Fa ROXANE ROJO dades eram diversas; suas expetiéncias de mundo, 7 ida ‘ nilias € com eram para socializar suas criancas rumo a uma § : variavam. Esco! See e Cope, 2006a: 134, traducao 0sSa): oe i. ( da escrita (praticas de letramento esco] dade’ nacional” izagao ¢ do ensino CATS" . inod,h, ye . mi nalingua nacional oficial; por meio do ensino da hist ie eu , origens nacionais e da geogt aba das fone se af, portanto, as raizes das praticas escolares de Tetramenty i. em nossas escolas e nos materiais didaticos. nels tramentos nao minimizaram seu carater normal; Encontram: dimentadas que vemos igadas aos le ; nee ae de forma social escritural? (Lahire, 1993) por exceléncig Na abordagem da leitura e da produgao de textos escritos, sio priorizadys trabalho tematico e estructural ou formal, ficando as abordagens discursivas.y aréplica ativa em segundo plano. A prioridade para a norma ea forma também € vista nos trabalhos de reflexao sobre a lingua, pautados na gramatica noma. tiva e baseados nas formas cultas da lingua padrao, nunca explorando diferen- tes variedades sociais ou geogréficas da lingua efetivamente em uso. Todas essas constatagdes fazem ver que as propostas escolares para os letra mentos ignoram e ocultam as formas sociais orais em favor, decididamente, das formas escriturais, Essa abordagem € apresentada a uma populacio es che enraizada em formas sociais orais de interagao, ainda que tramadasas ‘ormas letradas — sobretudo, em centros urbanos —, como, por exemplo,2 me e Pelo ornalismo televisivo, ao invés do impresso; pela re a poesia nel i, Tv, a invés da leitura do romance; pela cangao, ao in 2 consumidr) cane oa (nos servicos telefonicos de atendiment » a0 Invés da leitura de manuais de instrucao. * “Oconee macy Utilizady - 7 dog coneet 0 we da experiencia vividars conten tS eM base husserliana)Para eles, o “mmundo-da-vidhé ren “ autoconsciente: 1 otidiano; um mundo onde a transformacao ocorre de alee “BS Svindo a fins mea orEEEAMO,€ claro, e carzegado de tradcio CUE Dac Atteulo denominas 8 € PFiticos” (Cope ¢ Kalantcis, 2006: 206). TH a Lahire (1993 ram “ideologia d : soci (1993), oc ” Ssh esi ha forma escolar ae dlecorre da generalizacd0 cos “ no as relacdes ° caer ica deleted de campos riticns, Como uma fora sis "es aescolafoig cl imnicas as anes cece ce eee de apron C2 BAnizacae do taco ticdo de saberes eseriturais “4 las pra aPropriacg, no do te rays ao ds ahs icamente Tita e supon . as tam? “mpo especificos, destinados a gerit a frm as objetivados, isto € descontextualizados eu" GENEROS DI ISCURSIVOS DO CIRCULO DE BAKHTIN E MULTILETRAMENTOS Kalantzis e Cope (2006a: 134-135) nos lembram que, se vocé € um aluno tem de se confrontar com essas Praticas arraigadas e sedimentadas, se a bis toria nao faz sentido para vocé ou se a lingua nao desliza facilmente de sua poca ou caneta, vocé falhou e esta entao perversamente incluido no padrao de homogeneidade nacional, por meio de um tipo de exilio cultural thea uma forma de inclusao definida pela exclusao e marginaliza¢ao (Kalantzis : Cope, 1999; Phillipson, 1992). Os autores também assinalam que, na modernidade tardia, 0 nacionalismo agoniza premido por duas forcas relacionadas: a globalizacao e a politica da diversidade em nivel local. Vivemos tempos em que o paradoxo da glo- balizacao € que “a sua universalizacao produz diversificacao por vezes a0 ponto assustador da fragmentagao” (Kalantzis e Cope, 1999: 135, tradugao nossa). E a diversidade cultural global’, como fenémeno local, provoca a jus- taposicao e o choque de “mundos-da-vida” divergentes. Para os autores, a tinica saida para este paradoxo é€ criar uma cultura de civilidade entre as pessoas que vivem em grande proximidade global ou local (como nas es- colas), mas que nao sao do mesmo grupo de parentesco ou comunidade. E o que chamam de “pluralismo civico”: provocar a coesao-pela-diversidade, comprometer-se com o papel civico e ético das pessoas, o que, certamente, envolve letramentos criticos. Para os autores, isso significa que as escolas precisam ensinar aos alunos novas formas de competéncias nesses tempos, em especial “a habilidade de se engajarem em didlogos dificeis que sao parte inevitavel da negociacao da diversidade” (Kalantzis e Cope, 1999: 139, traducao nossa). No campo espe- te variedade cifico dos multiletramentos, isso implica negociar uma crescent de linguagens e discursos: interagir com outras Iinguas e linguagens, inter- pretando ou traduzindo, usando interlinguas especificas de certos contex- tos, usando inglés como lingua franca; criando sentido da multidao de dia- letos, acentos, discursos, estilos e registros presentes na vida cotidiana, no mais pleno plurilinguismo bakhtiniano Ag invés da gramatica como norma paraa lingua padrao, uma gramatica contrastiva que, como Artemis, permi- te atravessar fronteiras. as, abertas perpétua transformagao, —__—_ ‘as essencializadas. Em nossa perspectiva, as cultw “Paco para tratar também desses aspectos Crelacion; neste tem Te ctitico ne, . Dao tere MOs es GENEROS DISCURSIVOS DO CIRCULO DE BAKHTIN E MULTILETRAMENTOS A reflexao aqui desenvolvida pode se beneficiar grandemente das teorias pakhtinianas, como um enfoque global de juncao, hibridacao e reinterpre tacdo transdisciplinar da contribuigao de diferentes campos (pedagogia, semiotica, linguistica aplicada, antropologia, sociologia). Utilizaremos aqui algumas ferramentas conceituais elaboradas pelo Circulo de Bakhtin paraa andlise dos enunciados situados, em especial os conceitos de género discursivo e suas dimensoes (tema, contetido tematico, forma composicional, estilo) & alguns outros conceitos relacionados, importantes para detectar tanto a flexibili dade dos enunciados nos géneros como a reflexao e refragao ideologica que deles resulta: apreciacao valorativa, plurilinguismo, polifonia, vozes, cronotopo, dis- curso citado e réplica ativa. Cabe sublinhar que esse exercicio de reflexio nao sera feito de dentro da teoria bakhtiniana, como um exercicio de aplicacao aum novo objeto impensado pela teoria do Circulo, mas de maneira trans- disciplinar, buscando dotar de uma unidade complexa os varios construtos tedricos de diferentes disciplinas que se voltaram para o estudo dos textos, discursos e culturas nos multiletramentos. Desafios do texto contemporaneo: textos/enunciados multissemidticos O Circulo de Bakhtin (em especial, 0 proprio Bakhtin, Volochinov e Medvié- dev), com sua rica e fecunda producao, privilegiou, em sua reflexao e teori Zacao, como era proprio de seu tempo, 0 texto escrito, impresso, literario e, quase sempre, can6nico (a excecao aqui fica por conta do tratamento dado por Bakhtin (2008[1965]) a obra de Rabelais). O texto contemporaneo, multissemiotico ou multimodal, envolvendo diversas linguagens, midias e tecnologias, coloca pois alguns desafios para a teoria dos géneros de discur sodo Circulo, Desafios, Nao impedimentos! Consideremos, por um momento, as novas formas de producao, configuragao €circulacao dos textos, que implicam multiletramentos. As mudangas rela- tivas aos meios de comunicacdo e a circulagao da informacao, o surgimento £aampliacao continuos de acesso as tecnologias digitais da comunicagao eda informacao provocaram a intensificagdo vertiginosa e a diversificagao Aacirculacao da informacdo nos meios de comunicacao analogicos e digitais, ROXANE ROJO smo, distanciam-se hoje dos meios impresgos, Muito smo, implicando, segundo alguns autores (Chart ignificativas nas manciras de que, por isso ne Jetivos, 2002), mudancas $ s sociedades. Provocaram, portanto, novas -autoria. Para Chartier (1998: 88-91), Attier, 19g9 morosos € SC! . ST Produain Beaudouin, ate rcular textos na Sttuacge, fazer cil : de producao de leitura o novo suporte do texto [a tela do computador] permite usos, manus intervencoes do leitor infinitamente mais spanned € mais livres gy que qualquer uma das formas antigas do Te O leitor nao é mais constran. gido a intervir na margem, no sentido literal ou no sentido figurado, Fee intervir no coracao, no centro. Que resta entao da definicao do sagra oa supunha uma autoridade impondo uma atitude de reveréncia, de obedigncig ou de meditagao, quando o suporte material confunde a distingao entre 9 autor ¢ o leitor, entre a autoridade e a apropriacao? eins ¢ Poderiamos aqui, nao mais falar de leitor-autor, mas de lautor. Evidentemen- te, isso cria novas situagées de producao de leitura-autoria, que, segundo Beaudouin (2002: 207), caracterizam-se pelo fato de que o texto eletrénico altera as relacdes entre leitura e escrita, autor e leitor; al- tera os protocolos de leitura. Uma de suas particularidades € a de que leitura eescrita se elaboram ao mesmo tempo, numa mesma situacdo e num mesmo suporte, o que é nitidamente diverso da separacao existente entre a produ cao do livro (autor, copista, editor, grafico) e seu consumo pelo leitor nas eras do impresso ou do manuscrito. Isso porque, a internet, por sua estru- tura hipertextual, articula espacos de informacao a ferramentas de comu- \nicacao, propondo um conjunto de dispositivos interativos que dao lugar’? Novos escritos (traducao nossa). Esses “novos escritos” obviamente dao lugar a novos géneros discursive quase diariamente: chats, Paginas, twits, posts, ezines, epulps, fanclips etc. Eis se da porque hoje dispomos de novas tecnologias e ferramentas de igak eat ue, convocando novos letramentos, configuram os enunciado® 1 7 mu seios ou em sua multiplicidade de modes 7 - lem das possibilidadesta eo ay vce irom oo dentricsede sas oe multimidiaticas ease " 0 basta ma a leitura do texto verbal eset ve ae selves ex ! oo e Scrito — € preciso coloca-lo em rela¢ Conj i atic unto de signos de Sutras modalidades de linguagem (image™ estatic _, GENEROS DISCURSIVOS DO CIRCULO DE BAKHTIN E MULTILETRAMENTOS. movimento, som, fala) que o cercam, ou intercalam ou impreg imagem cm Inclusive, esses fextos multissemidticos extrapolaram os limites dos am m. ere digitais e invadiram hoje também os impressos (jornais”, revistas, jivros didaticos) jgso se da devido a linguagem digital que, indiferente ou alheia as maltiplas semioses, reconfigura todas as modalidades de linguagem ¢ midias, topol6- gicas ou tipoldgicas (Lemke, 1998a) indiferentemente, em um codigo numé rico binario. As midias digitais facilitam a modificacao e recombinagao de contetidos oriundos de quaisquer midias, porque os processos de digitaliza gio reduzem qualquer contetido informativo, originado de qualquer midia, codificado em qualquer linguagem, a um codigo numérico/binario comum, oqual pode ser manipulado de forma automatizada. Ainda segundo Chartier (1998: 93), “esta revolucao, fundada sobre uma rup- tura da continuidade e sobre a necessidade de aprendizagens radicalmente novas, e portanto de um distanciamento com relacao aos habitos, tem mui- to poucos precedentes tao violentos na longa historia da cultura escrita”. Uma dessas novas aprendizagens de novos habitos ¢ saber lidar com o fun- cionamento hipertextual do texto contemporaneo. Para Lemke (1998a), 0 hipertexto permite que saltemos de um texto a outro e de um ponto de saida amiltiplos portos de ancoragem, por meio da inser¢ao de lincagens permi tidas em ambiente digital. Ja quanto a hipermidia, ele declara: A proxima geracao de ambientes de aprendizagem interativos incluira ima- gens visuais, som, video e anima¢ao, todos praticos quando houver velocida- de e capacidade de armazenamento, que permitirao acomodar essas formas de significagao topologicas densamente informativas”. [...] Essas midias mais topologicas ndo podem ser indexadas ¢ inter-referenciadas por seu contetido interno [...] mas precisam ser tratadas como “objetos” integrais. Mesmo assim, como objetos, elas podem se tornar nodulos para hiperlinks, e assim nasce a hipermidia (s. raducao nossa). As capacidades de criacao (autoria) hipermidia e de anélise critica hiper- iia correspondem de perto as capacidades tradicionais de producao de texto e de leitura critica, mas precisamos entender o quanto, no passado, hh pli Por exemplo, o projeto grifico-editorial do jornal Folhade Paulo. ote-se que, em 2013, 0 que Lemke vaticinava ja se tornou realidade ha tempos. ROXANE ROJO deeducagao para Jetramento foram extremamente resp S ti nossas tradigoes ver o que os alunos precisarao no futuro além do que tivas, de ee a ora. Segundo ele, nao ensinamos os alunos nem meg; = tamos hes aie em sua escrita, que dra arquivos de ima integrar Cae ideoclipes, efeitos sonoros, audio de voz, musica, os fotogr: ‘fess mais especializadas (como formulas matematicas, arilcone s produgdes multimidia, nao faz mais mesmo 0 noe fez, falar de integrar essas outras midias ‘na’ escrita representag\ e tabelas etc.). “Para tals sentido, se é que um dia (hipermidia)” (Lemke, 1998a, sp.) Isso porque o texto [escrito] pode ou nao ser a espinha dorsal de uma obra multimidia, O que realmente precisamos ensinar, € entender antes de poder ensinar, ¢ como diferentes letramentos, diversas tradi¢des culturais combinam essas diferentes modalidades semioticas para produzir significados que sao mais do que a somatoria do que cada uma delas pode significar em separado. Cha- mei isso de ‘multiplicar significagao’ (Lemke 1994a, no prelo), pois as opsdes de significados para cada midia se multiplicam cruzadamente numa explo sao combinatoria; na significagao multimidia as possibilidades de significa do nao sio meramente aditivas (Lemke, 1998a, s.p). E, ainda para Lemke (1998a), 0 conceito de “género” parece ser um organi- zador de um possivel enfoque, pois um letramento é sempre letramento em algum género, que precisa ser de- finido em termos dos sistemas de signos que o compdem, das tecnologias materiais envolvidas, do contexto social de produgao, circulagao e uso desse Senero em particular. Pocemos ser letrados no genero relatorio de pessuis* rae Ou no género apresentagao empresarial; em cada caso, $40 muito ve renee a letradas especificas e as comunidades comunicat! Sp., tradugao nossa) Ce i i ee Consideravel nos multiletramentos, a quest4o da . trabalhos que se ae fntanto, nao tem sido condignamente rene - Contemporaneos, pane ecg ea re zis, 2006[2000)), "upo de Nova Londres (em especial, Cope € saci » COMO muitas outras pesquisas, toma como base, Pt v Note-se a proximacao, Neste trec! teste trecho, da terminologia do autor a do Circulo a -_ GENEROS DISCURSIVOS DO CIRCULO DE BAKHTIN E MULTILETRAMENTOS almente, 0 trabalho de “semiotica social” de Kress (2003, 2006, 2 kress¢ Van Leeuwen (1996, 2001). Estes esto, por sua ver, forte ) b geados na linguistica sistémico-funcional de Halliday, Mai vpotante uma projecao de ane gramatica elaborada para a lingua (falada on a ta) para outras imine e midias (ou modalidades de linguagem), como a pintura, a fotografia, o cinema, o video, a musica, a danga etc. Te se de uma extensao do conceito de modalidade de lingua (oral ¢ escrita) a outras semioses, organizadas ¢ materializadas em outras configuragoes ¢ outras lo gicas, estendendo, por exemplo, o conceito de gramatica a uma “gramatica visual”. O proprio Kress (2006) afirma que “ha regularidades de estrutura e regularidades de um tipo ‘gramatical’ nas diferentes modalidades...” (Kress, 2006: 202, tradu¢ao nossa). ede Em outras semidticas (como em Santaella, 2001; Wisnik, 1989), o termo “modalidade” ou “modo” € utilizado | 1a referir diferentes qualidades de percep¢ao sensorial provocadas por diversas formas de producao dos senti- dos, em que se envolvem “tecnologias” diferenciadas. Por exemplo, Santaella (2001) distingue, com base nesses critérios, as modalidades pré-fotografica (pintura, gravura), fotografica (fotografia, cinema) e pos-fotografica da ima- gem (imagem digital, video) e Wisnik (1989), as masicas modais, tonais € seriais. Dirlamos que, por mais criticas que se possa ter a uma ou a outra abordagem, elas se aproximam mais da producao, recepcao ¢ circulacao das linguagens que da extensao de uma gramatica elaborada para a lingua a ou- tos modos de significacao. De saida, este taltimo enfoque traz o problema de chamar excessivamente a atencao para as formas e relagOes entre as formas das diferentes modalidades”, em detrimento dos temas, € para as regulari- dades em detrimento da variedade ¢ dos hibridos. Na esteira dessas abordagens de proje¢ao linguistica, 0 projeto dos multi. letramentos, nos textos do Grupo de Nova Londres (New London Group, 2006/1996]: 26) e de Cope e Kalantzis (2006: 212-219), vai propor uma gra- de analitica para cinco modalidades (linguistica, visual, espacial, gestual ¢ onal, interpessoal e textual de Halliday: as funcdes de ee (1998b) ¢ os trés sistemas principals para Leeuwen (1996), por exemplo — de sistemas relativos atitude: po Em geral, baseadas nas fungdes ideaci a orientacao e organizagao, em Lemke SSe dainteracio de significados em imagens em Kr “ema de contato, sistema de distancia social € dois conjuntos 'mensao horizontal e dimensao vertical. ress e Van ROXANE ROJO ), que se base justamente nas propostas de Kress ¢ Van e sonora), 2 4 eri i i UW ps 4 jmediatamente, pulverizar os enunciados multisse ie ¢ cea laamia se (ena “materiali ” di : ie (l is elementos formats (sua “materialidade”, diz Kress, 2006) +, 0s em seus , : representagao do modelo na figura 1 hs MULTIMODAL MODO DE SIGNIFICACAO Design lementos de signfcagbo ee Design lingua, inculnde: : + ele coe linguis- / Yecattsoe mettre Conmanace cue cone ; D Mocaldade ee tico > endovande + Bon Nomina de processos : {arta de ntormagio 5 eles de oernls oc 1 eles de conrnca lbs ALGUNS ELEMENTOS | flemeror se DE DESIGN * Ecossistema Elementos de esignifeagso | Design Seneagto us, seopifea : taiscomo: ementos que + Senitcagio / espacial caret consttuen: arcutetonica + Penpectie © Comportamento oa ecores 5 corpo tea Design\, gure tundo visual. \. MODO DE Design gestual SIGNIFICAGAO ” MULTIMODAL 4e, sistemas de sigifcaglo integrados ‘dos textos multimiaiaeletrnicos FIGURA 1: Os sistemas in i multimodais e seus elementos *Serem considerados (adaptada de Grupo de Nova Londres, 2006{1996I: 26) Ja no texto de Cope semioses aparecem r da mesma teoria, tai oo : ingusse ¢ Kalantzis (2006), as elementos das ling | dis : ise, 1 clacionados a niveis e categorias de oa is Como: ) sci tl ; ciag# Leiaie as significagoes referem-se a que? (ree — rela Ori Clagoes anaforicas e déiticas no linguistico € sons 8 Jo: COS € represe, : exe? Presentacdes icdnicas no sonoro eno visuals Po . i GENEROS DISCURSIVOS DO CIRCULO DE BAKHTIN E MULTILETRAMENTOS. if @ social: como as significacdes conectam as pessoas que envolvem? (interagao) — processos, atributos/circunstancias ¢ lugar do enunciador no linguistico; tempo, tonalidade e acompanhamento na musica, por exemplo; @ organizacional: como as significacdes se conectam? (organizagao formal) — midia, entonacao e género no linguistico e ritmo, pro- sédia, altura e género" no sonoro (musica), por exemplo; @ contextual: como os significados se encaixam no mundo mais am- plo da significagao? (ancoragem e remissao) — referenciacao (no- vamente) ¢ intertextualidade no linguistico e motivos e refroes na musica, por exemplo; @ ideolégico: a quais interesses a significagao esta destinada a servir? (relagdes de poder) — autoria, contexto e responsabilidade no linguistico e intensidade no sonoro, por exemplo (Cope e Kalant- zis, 2006: 212-219). Nao € preciso detalhar o modelo de analise para que percebamos 0 grau de fragmentacao, formalizacao e descontextualizacao a que ele pode levar. Parte-se do pressuposto de que certos fendmenos de cada semiose (ritmo e intensidade na musica, por exemplo) poderao estar ligados apenas a certos efeitos de sentido e nao a outros. Seria mesmo preciso colocar efeitos sono- ros naturalisticos — como a vaca mugindo na gravacao de Gismonti de 0 Trenginho do Caipira de Villa-Lobos — para referenciar em musica? Alias, 0 que quereria dizer “referenciar” em musica? Alem disso, separam-se em niveis diversos de anilise 0 “social”, 0 “contex~ tual” € 0 “ideologico”, o que causa estranhamento a qualquer analista do discurso ou tedrico da enunciacao. Oterceira problema € a busca de isomorfismo ou de funcionamento seme- te em processos de semioses diversas’. No minimo, ja Lemke (1998b) iq — sejam os generos linguisticos, sejam os musicais Formal dos textos e nao aos efeitos de sentido que 3 a ~ egg SE 86:0 lugar do género na teo! pos €&lusivamente ligado a organizagio £°ssam provocar laverdede fi tribui : erdade, fizemos, com nossos alunos — a quem agradece Pulgdes —, muitas tentativas de analise a partir desta grade, enunciados, mos as valiosas discuss0es € con todas infrutiferas e mutiladoras =, “desconfiava” que CT te complementares: ROXANE ROJO. amos significagao de duas maneiras fundamental men @ Jassificando coisas em categorias mutuamente exclusivas ¢ cl a (2)distinguindo variagdes de grau (ao invés de tipo) em varios Continugg diferenga. ae : de A Tinguagem opera principalmente da primeira maneira, que chamo de Iogica, A pereepoao visual e gestual/espacial (desenhar, dancar) [e, acrescen tamos, sonora] opera principalmente da segunda maneira: a topologica, Con ja disse, a real criacdo de significagao geralmente envolve combinacoes i: diferentes modalidades semioticas e, logo, também combinacoes desses dois modos gerais. [..] (SP) Ou seja, nao podemos analisar semioses topologicas a partir de Categorias criadas para analisar semioses tipologicas. Alem disso, 0 autor, neste mesmo texto, ainda alertava: Nossas realidades vividas nao podem ser completamente representadas de maneira puramente tipolégica; pessoas demais ficam sem voz quando nao hi outras maneiras de criar significagao. O potencial topologico dos letramen- tos multimidia pode ajudar a dar voz, dignidade e poder a pessoas reais ht- bridas, Pode minar um sistema ideologico que limita as identidades pessoais a um pequeno ntimero de “gavetas” disponiveis e aprovadas socialmente e deixar que nos mostremos e vejamos uns aos outros em um universo multi dimensional de possibilidades humanas reais muito mais amplo [...] (6P.)- Esses argumentos descartam a maior parte, se nao a totalidade das propos tas recentes de analise dos funcionamento e composi¢ao dos textos multis: semisticos. Podera a teoria de géneros de discurso do Circulo de Bakhtin. — apesar de ter sido pensada no contexto de textos escritos, impress0s, s € canonicos — enfrentar o desafio colocado nesta tarefa? O Textos/enunciados multissemidticos: desafios er a teoria dos géneros de discurso e: _ ee + 0 Mesmo que nos ativéssemos ao texto de 1952-53/1979 de Bakhtin (Bake 2003a{1952-53/1979}) vrisoeni™ , a Lespost: i iti arater_multiss Co dos textos/enune! Evin eeeoeee iar forveme ‘iados contemporaneos nao parece desafiar orte GENEROS DISCURSIVOS DO CIRCULO DE BAKHTIN E MULTIL ETRAMENTOS onceitos € categorias propostas pela teoria dos géneros. Além disso, se ampliarmos nossas leituras bakhtinianas sobre os géneros para rete aii apresentam um foco mais concentrado na flexibilidade, no plurilinguismo ivocalidade dos ¢ ia em géne 9 ena plurivec alidade dos enunciados em géneros, como o texto de 1934 35/1975 (0 discurso no romance), mais amplas ¢ eficazes se tornam nossas fer para a analise dos textos contemporaneos. osc yamentas ysandooartificio de um diagrama que ja utilizamos em outros textos publi- cados para sintetizar a teoria dos géneros presente em Bakhtin (2003a [1952 Situagao de linguagem comunicacaio Esfera de circulagdo Tempo e lugar histéricos Participantes (relages sociais) Apreciacdo valorativa “Genero do discurso Tema - (Aueiable designs) Forma composicional : Unidades linguisticas (estilo) Figura 2: Elementos da teoria bakhtiniana dos géneros discursivos. Ou seja, as praticas de linguagem ou enunciacoes se lao sempre de manei ra situada, isto é, em determinadas situagdes de enunciacao ou de comu nicacao, que se definem pelo funcionamento de suas esferas ou campos de -ursos (cientifico, jornalistico, literario, artistico, de en. ‘as ou Campos variando circulacao dos di tretenimento, intimo, familiar assim por diante). Essas esfer € seu funcionamento estao elas mesmas situadas historicamente, de acordo com 6 tempo historico e as culturas locais(ou-globais). Assim, a Maneira de se fazer jornalismo no Brasil de hoje nao €a mesma) que a da In- slaterra ou a do Brasil do inicio do século XX. O funcionamento das esferas define os participantes Possiveis da emng: cho dos i suas possibili acy de cjrculagiod ae rores) assim como sl ilidades de re ~ (locator ess! vce insticucionals): Define também um leque de egy ais amento de uma esfera (nao an Se fala gy discursos ociais (InterPE” js no funcion ‘ ossivels dos rematicos po jugar) qualquer coisa Lagat inada mecani ‘ to, a enunciagto.nto € ae hs t 7 Pelo funcig. No entanto, ote esferas, pois o que val substancialmente definir a ae namento social do/texto € sobretudo a apreciagao de yay ju m enuncia jo co tema leu : i eras . oak cio axiologica (etica, politica, estética,afetiva; Bakhtin/Volochino, ‘sr5n) ques jnterlocutores fazem uns dos outros € de simesmos Oude s lugares sociais ¢ do conteudo rematico em pauta, que apreciado ae seul : : tivamente, transforma-se €™ tema (irrepetivel) do enunciado. © funcionamento.das esferas também define “maneiras espectficas de dizer) enunciar”, de discursar, cristalizadas e tipicas desse campo social — 0s géne- ros de discurso (para o Grupo de Nova Londres, available designs). Esses modos de dizer cristalizados também sio apenas re lativamente estaveis, € nao padres imutaveis aserem seguidos modelarmente: eles variam deacordo com os tem- pos, as culturas € lugares enunciativos € as situagoes especificas de enuncia- gio. Se assim nio fosse, nao poderiamos estar discorrendo sobre os “textos contemporineos”, No entanto, eles “formatam” os modos de enunciar. Bakhtin (1988[1934-35/1975]) indica que ha estratégias de flexibilizagao do genero e do estilo, empregadas, por exemplo, no romance polifonico de Dos- toiévski, que sio 0 hibridismo ea intercalacdo de géneros, vozes ¢ linguagens sociais, provocando o plurilinguismo ¢ a plurivocalidade, Portanto, exercer uma pratica de linguagem situada significa, entre outtas coisas, selecionar e operar nos parametros (flexiveis) de géneros discus vos. Mas 0 género em que se da o enunciado no é, como querem alguns, apenas um formato. Ele define formas de composigao do enunciado est estilo — no dizer de Bakhtin (2003b[1952-53/1979], “a selecao operada nos ae da lingua — recursos lexicais, fraseologicos € : gramaticais” i oa da composicao de um tema, ou seja, de certos efeitos — pela vontade enunciativa do locutor e dependentes 4 . apreciacao de valor sobre significacdes ou parceiros interlocutores. intese so ue uma sintese em larguissimos tracos e muito breve, mas ara repensar o funcionamento dos enunciados contempo = A Trata-se aqui de Janos da base p: GENEROS DISCURSIVOS Do CIRCULO DE BAKHTIN MULTILETRAMENTOS, eos. SE considerarmos que 0 que neles esta.cm questao, entre tos, €4 emergéncia historica recente de novas midia e que permitem novos usos concomitantes de sas, teriamos de considerar de que maneira a: asmidias podem ser tratadas na teoria acima Outros aspec de novas tecnologias linguagens ou semioses diver 's modalidades de linguagem e brevemente exposta. Em primeiro lugar, € preciso lembrar que tecnologias e ; midias selecionam (mais ou menos) modalidades ou semioses Pertinentes, em um enfoque um pouco diferente do de Kress (2006), que analisa as modalidades em termos dematerialidade e midia. Queremos dizer, Por exemplo, que o impresso per mite imagens estaticas e escritas, mas nao sons ou imagens em movimento; atransmissao radiof6nica permite sons e fala, mas nenhum tipo de imagem, seja estatica, em movimento ou grafica. Outras midias (televisiva e, sobretu- do, digital) aceitam o conjunto das semioses Ppossiveis. Em segundo lugar, cabe notar que muitas esferas hoje se valem das diversas midias e tecnologias em seu funcionamento: a jornalistica, a publicitaria, a religiosa, a artistica etc. Outras so ainda mais aferradas A tradicao da cul- tura da escrita ¢ do impresso, como a juridica ea cientifica, Ora, as esferas que se valem de diferentes midias (impressa, radiofénica, televisiva, digital) para a circulacao de seus discursos também selecionam diferentes recursos semisticos e diversas combinatorias Ppossiveis entre eles para atingir suas finalidades e ecoar seus temas, provocando mudancas nos generos. E 0 caso de uma noticia em midia digital, que combina livremente, Aescolha do “autor”, a escrita em hipertexto, com fotos e imagens, videos, albuns fotograficos e, por vezes, audio em podcast. Entao, as midias e as tec- nologias sao escolhas, e de caso bem pensado, das esferas de circulacdo de discursos. Mas tém, de imediato, efeito nas formas de composicao e nos esti los dos enunciados, inclusive em termos de multimodalidade. Como ficaria entao, agora, nosso diagrama? Aparentemente, ele nao sofre grandes mudancas, ou seja, nao era mesmo afinal um grande desafio a teoria dos géneros de discurso as mudancas nos textos e nas formas de circulacao dos discursos na contemporaneidade. A teoria, desde que se muna de conhecimentos sobre as varias semioses, pa- Tece capaz de articula-las de maneira consistente, visando a significacao e abrindo mao da fragmentagao ou do formalismo de outras propostas. Priticas de linguagem Situagio de comunicagao Esfera de circulagao Tempo e lugar histéricos Midias e tecnologias Participantes (relagdes sociais) Contetido tematico Apreciaco valorativa Género do discurso Tema (Available designs) Forma composicional (modalidades) Unidades semisticas (estilo) Figura 3: Elementos da teoria bakhtiniana dos géneros discursivos revisitados. Para terminar este capitulo, buscaremos testar essa ampliacao da teoria bakhtiniana na andlise de um enunciado multimodal ¢ hibrido: 0 videoclipe de “Dor de verdade” de Marcelo D2. Desafiando a teoria: hibridos de culturas O e de linguagens em um videoclipeS Figura 4: Tela de abertura do videoclipe, Com os créditos, Trata-seaquide um impress, portanto ndo polemos eft ‘amente mostrar o objeto de andlise. GENEROS DISCURSIVOS DO CIRCULO DE BAKHTIN E MULTILETRAMENTOS, O videoclipe foi realizado para divulgacao (televisiy, cangdes de trabalho do cp de Marcelo D2 “ ‘ac digital) de uma das Meu samba é assim”, de 2006. Financiado pela Sony BGM (RJ), gravadora multinacional do cp a qual o artista estava ligado na ocasiao, podemos dizer que se trata de um produto da esfera artistico-musical, no campo da musica pop, financiado ¢ distribut do pela industria cultural, no ambito da cultura de massa “Meu samba € assim” ¢ 0 segundo cD em que Marcelo D2 propoe a hibri dacao de seu “rap” com 0 samba e o Pagode, Para esta cancao, convidou os sambistas Arlindo Cruz e Zeca Pagodinho, para um trabalho em colabora- cao. No enunciado em circulacao nas midias, os sambistas aparecem como “participantes” do videoclipe®*, mas, na verdade, sao autores do samba que cederam a Marcelo D2. Sobre ele, o “rapper” “comps” o “rap”. O resultado foi divulgado por meio do videoclipe. Na anilise, s6 esta situacdo de producao do enunciado ja gera muitas questoes. Qual € a autoria, afinal? Marcelo D2? Arlindo Cruz e Zeca Pagodinho? Os trés? Se os trés, por que tal autoria nao aparece assim nos créditos? O que Tecortar para analise? As letras do samba ou do rap, como frequentemente se faz em linguistica ¢ linguistica aplicada? O samba? O rap? O hibrido? Afinal, qual o género sob anilise? Ora, o género do enunciado é um videoclipe de divulgacéo — premiado, alias” — de um hibrido de samba e rap, destinado a apreciadores de rap, samba e pagode, potenciais compradores do cp de Marcelo D2. O autor premiado do videoclipe é seu diretor, Johnny Aratijo, em colaboracio com Jacques Cheviche. Ecomo se produz um videoclipe? Conrado Almada, também produtor/dire- tor de clipes comerciais, em entrevista a Pixeloide, declara: Pedimos ao leitor que acesse 0 videoclipe para melhor compreensio da discussao que se segue (chttp//Avww.youtube.com/w atch’v-nTSFUOtyj>, acesso em 30 abr. 2013) Verimagem clos eréditos do videoclipe Vencedor na categoria videoclipe do Prémio Multshow 2007. Nao foi o primeiro clipe premiado de Johnny Aratjo feito para Marcelo D2. A imprensa nao perdoou: “Marcelo D2, prémio de me- hor clipe por ‘Dor de verdade’, um prémio que, a rigor, nao € dele, mas do diretor Johnny Aratijo, sete: E por uma musica que nao ¢ dele, parceria de Zeca Pagodinho e Arlindo Cruz” (chttp:// globo globo, com/cultura/mat/2007/07/04/296629168.asp», acesso em 30 abr. 2013). Alias, essa éa Gnica critica da imprensa que atribui a autoria aos sambistas; em todas as outras, eles passam por Participantes ou figurantes do videoclipe O processo de eriagao de um clipe varia muito dependendo da banda ¢ dg as diretor. No meu caso, cu reeebo a musica a ser trabalhada, converso com a banda a respeito do que eles querem atingir com o clipe ¢ a partir dai tiro meu tempo pra pensar. Esse tempo varia de uma a duas semanas, quando entao cu desenvolvo uma ideia ¢ a apresento para a banda. A partir do Ok da banda pra ideia, inicia se o processo de produgdo propriamente dito (http://www. pixeloide.com.br/2009/07/o-mineiro-conrado-almada-virou. noticia_3L.htmb'’, acesso em 23 jul. 2010, link indispontvel). Ou seja, o autor (diretor) realiza um briefing com seus clientes (0 artista e sua gravadora), ouve o produto a ser divulgado/vendido e, a partir desses dados, roteiriza um clipe, pensando tanto em seus temas, como nas formas de composi¢do ¢ no estilo. Avaliando um clipe de diretor estrangeiro, na mesma entrevista, Conrado Almada esclarece: Esse clipe tem o casamento perfeito das imagens com a musica. Nao ha nenhuma grande sacada técnica nem um roteiro mirabolante, mas é de um bom gosto visual extremo. A técnica usada € 0 stop motion fotografico mes- clado com filmagens normais transformadas em stop motion na edicao. O diretor apresenta a banda de forma bastante despretensiosa, caminhando por ruas, cafés e parques de Nova York, eventualmente cantando a mtsica. Os pontos fortes sao o ritmo da edi¢ao, a refinada fotografia em preto € branco e a composic¢ao desses fotogramas na tela (énfase adicionada). Parece, entao, que os grandes passos para os efeitos de sentido do tema em um videoclipe sao 0 roteiro e a montagem. Almada menciona questoes de estilo, ligadas a técnicas de edicéo e montagem, como a escolha do preto e branco, da técnica de stop motion, dos tipos de tomada etc. A forma de com- posicdo parte dos clipes roteirizados, isto ¢, pequenas tomadas que vao ser mixadas na montagem e alinhadas com a misica que se tematiza. No caso de “Dor de verdade”, Aratijo também escolhe o branco e preto e roteiriza tomadas com os sambistas vestidos a carater: os autores do samba (Pagodinho sentado em uma mesa tomando cerveja e Arlindo tocando seu 8 Infelizmente, o blog Pixeloide saiu do ar enquanto blog ¢ continua apenas no Twitter, como mi croblog. No entanto, se quiser saber mais ¢ conhecer o mineiro Conrado Almada, vocé pode acessar a entrevista realizada com ele no Programa Curta da Rede Minas TV, em duas partes no YouTube. Disponivel em

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