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histórico do
messianismo no
judaísmo antigo:
diversidade e
coerência
RODRIGO F. DE SOUSA
A
s ideias messiânicas, de configurações diversas ao longo dos tempos, e
naristas como o de Canudos e o Contestado (Godoy, 2005, pp. 100-1), têm origens
a se desenvolver no Brasil.
RODRIGO F. DE
SOUSA é professor
no Programa de
Pós-graduação em
Ciências da Religião
da Universidade
Presbiteriana
Mackenzie.
Recentemente, alguns estudiosos têm Essas forças determinam os contornos es-
tentado minimizar a importância do mes- pecíficos do messianismo para cada grupo
sianismo na constituição do judaísmo social judaico. O conceito de ideologia ,
primitivo. Um expoente dessa linha de conforme proposto por Ricoeur (1989),
pensamento é Charlesworth, que afirma oferece o paradigma teórico básico para a
que a fragmentação e a variedade de con- formulação da nossa proposta.
cepções messiânicas no judaísmo antigo O termo “messias” deriva do grego
indicam que o messianismo possuía uma messias que, por sua vez, deriva do ara-
importância apenas ciliar (Charlesworth, maico mashiha e do hebraico mashiach
1998, pp. 1-5)1. (“ungido”). O termo grego aparece no
Do outro lado do espectro encontramos Evangelho de João (1:42; 4:25) de forma a
a posição de Horbury, que sugere em seu indicar que, no período da escrita do Novo
esboço histórico do messianismo dos sé- Testamento, já se inseria no contexto de
culos VI a.C a II d.C. que a importância da um discurso com o qual pelo menos uma
expectativa messiânica do judaísmo nesse parcela da população judaica já se encon-
período não deve ser minimizada. Horbury trava familiarizada.
reconhece a diversidade de configurações O conceito de “ungido de Yavé” já havia
do messianismo no período, mas enxerga sofrido transformações significativas no
um elevado nível de consistência nas carac- fim do período do Antigo Testamento e a
terísticas atribuídas ao messias. Horbury vê descrição abreviada “ungido” (mashiach )
na forma de organização e transmissão dos passou a ser aplicada não só ao rei – como
livros da Bíblia hebraica (Antigo Testamento) o governante divinamente aprovado – mas
uma continuada inspiração e motivação para também ao sumo-sacerdote e adquiriu uma
a expectativa messiânica influenciada pelo conotação progressivamente voltada para o
próprio conteúdo dos textos coletados. Es- futuro. No século II a.C. o uso persistente
ses textos ocupariam um lugar proeminente dessa forma já seria uma indicação de que
nas tradições interpretativas do judaísmo no o conceito era familiar e dispensaria expli-
período grego e romano. Por sua vez, essas cações especiais.
tradições proporcionaram o surgimento de Ao discutir os usos do termo no pe-
um messianismo ramificado, mas não in- ríodo que vai do Segundo Templo às
consistente, inclusive com uma atribuição revoltas judaicas e à literatura talmúdica,
de traços super-humanos e sobrenaturais Horbury (1998, pp. 7-12) identifica quatro
comuns ao messias (Horbury, 1998, p. 2). elementos que indicam a centralidade do
O propósito da presente contribuição é messianismo:
delinear, em linhas gerais, o processo pelo
qual as expectativas messiânicas assumiram 1) os usos da terminologia, particular-
as formas que as caracterizavam no judaís- mente do equivalente grego messias, suge-
mo antigo, do final do período exílico2 até rem um uso bem difundido na oralidade ;
o princípio da era cristã, a época também 2) o uso frequente e consistente da ter-
conhecida como o período do Segundo minologia geraria certo nível de unidade
Templo, e propor uma visão do messianismo e coerência, contrariando a visão de que
que reconhece que o fenômeno assumiu as noções messiânicas eram totalmente
formas variadas, mas reteve ao mesmo díspares e inconsistentes;
1 Dentre as inúmeras contri-
tempo alguns traços característicos comuns. 3) as expectativas messiânicas origina-
buições de Charlesworth Seguindo parcialmente Horbury, nossa ram narrativas relativamente detalhadas do
destaca-se a conferência
tese é a de que o messianismo judaico tem advento, guerras e reino do messias;
sobre o messianismo orga-
nizada na Universidade de suas raízes no período da composição dos 4) o vocabulário messiânico, bem como
Princeton (Charlesworth, textos bíblicos, mas assume suas caracte- as noções que cercam o conceito, derivam
1992).
rísticas determinantes através de tradições do Antigo Testamento, e é nesta coleção
2 O período do exílio – ou
desterro – durou de cerca
interpretativas desses textos desenvolvidas que se encontra o ideário a partir do qual as
de 586 a 539 a.C. segundo forças históricas e sociais diversas. concepções posteriores se desenvolvem.