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7. Quando nao ha vencedores O soldado Sacks estava prestes a fazer algo horrivel. Ele recebera ordens de primeiro estuprar e depois assassinar a prisioneira, que para ele nao passava de uma civil inocente com a origem étnica errada. Mao havia duvida em sua mente de que aquilo seria uma grande injustiga — na verdade, um crime de guerra. Mas ao pensar rapidamente sobre aquilo, viu que nao tinha escolha além de ir em frente. Se obedecesse a ordem, poderia tornar aquilo o menos doloroso possivel para a vitima, assegurando-se de que ela nao sofresse mais que o necessario. Se nao obedecesse a ordem, ele prdprio seria morto e a prisioneira ainda assim seria estuprada e morta, mas provavelmente com maior violéncia. Era melhor para todo mundo se ele fosse em frente. Seu raciocinio parecia bem claro, mas é evidente que isso ndo o deixou tranqiilo. Como ele podia, ao mesmo tempo, fazer o melhor possivel naquelas circunstancias e, ainda assim, algo terrivelmente errado? ~— Se eundo fizer, outro vai fazer. Falando de maneira geral, essa é uma desculpa muito fraca para fazer algo errado. Vocé é responsavel por seus erros, independentemente do fato de que outros fariam o mesmo, de qualquer maneira. Se encontrar um conversivel esportivo com a chave na ignicao, entrar e sair dirigindo, sua acgao nao deixa de ser furto so porque era uma questao de tempo antes que outra pessoa fizesse 0 mesmo. No caso de Sacks, a justificativa tem uma diferenga sutil, mas muito importante. Pois 0 que ele diz é 0 seguinte: “Se eu n€o fizer isso, outra pessoa fara com conseqiéncias muito maiores.” Sacks nao ape- nas esta resignado em relagdo ao mal que vira; esta tentando se assegurar de que o melhor possivel — ou 0 menos pior — ‘ai acontecer. Normaimente, seria perfeitamente moral fazer todo o possivel para evitar 0 maximo de dano. O melhor que Sacks pode fazer é salvar a propria vida e fazer com que a morte da prisioneira seja o menos dolorosa possivel. Mas esse raciocinio 0 leva a participar de estupro e assassinato, 0 que, sem duvida, nunca pode ser a coisa moralmente certa a fazer, E dificil resistir 4 tentagdo de imaginar uma terceira possibilidade — talvez apenas matar a prisioneira e a si mesmo. Mas devemos resistir, pois nas experiéncias de pensamentos nds controlamos as variaveis, e 0 que estamos perguntando aqui é o que farlamos se s6 houvesse duas possibilidades: cumprir a ordem ou se recusar a fazé-lo. Toda a questao de estabelecer o dilema dessa forma € nos forgar a encarar de frente o problema moral, e nao imaginar uma maneira de evitar fazé-lo. Algumas pessoas podem defender que ha ocasides em que é@ impossivel fazer a coisa certa. Se vocé estiver condenado da mesma forma por fazer ou nao fazer, a imoralidade é inevitavel. Em tais circunstancias, deviamos buscar a op¢do menos pior. Isso nos permite dizer que Sacks ao mesmo tempo faz o melhor possivel e erra, Mas essa solugdo apenas cria um problema diferente, Se Sacks fez o melhor que péde, entaéo como podemos culpa-lo ou puni-lo por isso? E se ele nao merece culpa ou punigao, sera que o que ele fez nao foi errado? Talvez, entao, a resposta seja que o ato pode ser errado, mas a pessoa que o cometeu nao possa ser responsabilizada. O que ele fez era errado, mas a pessoa que 0 fez nado pode ser culpada. A ldgica resiste. Mas sera que reflete a complexidade do mundo ou é apenas uma distorcaéo sofistica para justificar 0 injustificavel? A alternativa é dizer que o fim nao justifica os meios. Sacks devia se recusar a cumprir a ordem. Ele vai morrer e o prisioneiro sofrera ainda mais, mas é a Unica escolha moral disponivel para ele. Isso pode preservar a integridade de Sacks, mas existe objetivo maior do que salvar vidas e aliviar 0 sofrimento?

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