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ricer On face chacety “a 2 a fet MK (4e3 Pre dom t& ACAO DRAMATICA E CONFLITO ‘Ao longe dos tempos, desce que a arte de fazer pegas de teatro — ou 0 capitulo que, ra Poéica, se refere 20 Drama — tem sido tema de estudos, procura-se com maior fou menor sucesso analiser of elementos de uma obra dra- mitica buscando localizar, dentre esses elementos. os que compiem a esséncia mesma da obra, ou seja, aquilo que embasa a constragdo de ama peca de teatro bem sucedida. Muitas cém sido as teorias ©, em muitos casos, che- gou-se a estabelecer leis imutiveis. as quais, uma vez cbe- decidas, redundariam nema boa abra teatral. Assim foi, de certs forma, com a Lei das Trés Unidades, extraide de Aris tBteles © algada a0 posto de conditio sine qua nom pelo classicismo francés. Cedo se viu que 1% era bem isso & duas unidedes (aquela que dizia resp". a0 tempo, determi- nanda que a ago se circunscrevesse a um dia, ea G2 lugar, nda encontrada nos textos de Aristételes mas, com uma certa légica, conseqléacta das duas primeiras, a saber, que 2 ago se desenrolasse toda num mesmo espaco de fic¢3o) foram pestas de lado, restando apenas a Unidad: da Acio Dramitica. Unidade Agto Dramitica. Seria isso? Agto dramética, unidade econ Seria isso? a HESaa ar raaadadadODAaDESDHHDHDAD ODED » ro RENATA PALLOTTIN De fata, diz Aristételes (e por onde melhor poderia- mos comegar?) que tragédia é imitaglo de agto — todos os demais elementos da definigdo classica esto sendo agora propesitadamente esquecidos. Trata-se, & claro, de ages huraanas.e ista vale, a partir dessas palavras (e aplicando- se retroativamente, digamos), para todo o teatro, € nto apens para a tragécia. Mas 0 que € agdc nesse sentido, ou seja, o que ag20 dramitica? O que é ccailito? Arist6teles ato nos dé tocas as respostas; talvez as tenha dado no seu tempo, mas ndo chegaram a nds. Diz-nos apenas (no que nos interessa mais sem descer a grandes -ninicias) que a ago deve ser com- pleta, tendo comego, meio e firs, © uma certa grandeza ideal, Isto, que parece elementer, nto a & de mancira al- gums; sabemos por experiéncia propria cufo diffll € esco- Iher ¢ ponto ideal da fibula a ser imitada, para comeger a imitagio. ‘A idéia de ag2o, provavelmente por parece: muito Sbria, nao é aprofindada, até onde eu ssita, pelos primei- 2s comentadares lasinos e medievais de Aristételes, que discutem de preferéncia outros assuntos. Mas, porexemplo, Antonio Sebastiano (Minturn), bispo italiano éo sécula XVI, em sua Arte Poética, referida na obra de Barzett H. Clark, European Thesries of the Drama,! livro 20 qual vyeltaremes muitas veres, diz 0 segui “Poesia dramatica é a imitago, para ser apresentada no Teatro, de fetos completos e perfeitos quantc a forma. circuascritos na sua extensia, Sua forma nae a da narragio; ela apresenta em cena pessoas diver- sas, que-agem e conversam”. Parece claro, se no se quiser complicar, Mas © que & agic? Lodovies Castelverro, em sua Poética (que é © traba- Iho de Aristételes expcsto e comentado, em 1727),7 diz, entre outras coisas interessantes, que (2) CLARK, Barren H. Europaan Theories af the Dra Neva lorque, Cryen Publishes, Inc, 1989, p56 (2) Apu CLARK, Barret Hop, esp: 5, INTRODUGAO A DRAMATURGIA 8 “Tragédia nao é imitagdo de seres humanos, mas sim de agies", o que ver a ser, como ji dissera o Mestre, cue na tragédia ndo se deve pracurer, primordialmente, imitar carae:eres, ow seja, pintar apenas com perfeig2o os personagens, mas sim mostré-los agindo, mostrar as suas agdes. Mas 0 que sto ades? E acdo, no sentido que se busca, qualquer ato humano? Ao comer, o hamem esta praticando um ato, esta fazendo alguma coisa. Estard ele agindo dramaticamente? Ou requerer-se-8, da api’ dita dramética, com conseqién- cias dramiticas, ceria carga moral que os simples atos até fisiolégicos no tém? No seu Ensaio sobre a Poesia Dranética (1668), 0 inglés John Dryden, a zespeito das famosas Trés Unidades, diz, com relagdo-a tltima: “Com relagdo 4 Terceira Unidade, que € a da Aco, s antigos pretendiam dizer © mesmo que os Higicos com 0 seu ‘finis', o fim ou objetiva de cada ago; que é aquilo que esta primeiro na intengdo e por dl- timo na execugdo”. Isto dizendo, deixa claro Dryden o elemento vontade na cazacterizagzo da Apdo (eo falar da unidade): 0 fim da aio (humana), que ers o seu objetivo, devia ter estado na intengio (do hemem — do personagem) e ser executado para que se completasse. E devia ser um. Portanto, agdo cramitica é a que provém de execuco de uma vontade humana, com intengdo e buscando camprir essa intengdo (sempre, e $6, Dryden). Mas chega a hora de enfrentarmos a compacta genial Poética de Hegel, ‘com tadas as suas conseqiiénciss, atendo-ncs, a3 entanto, e por agora, sempre as questbes relativas a agiia dramética e a0 conflito. Alinhaado alguns dos conceitos de Hegel (sem cité-los literalmente a cada vez), podemos avangar bastante no estuds deste campo. GQ) Apud CLARK, Barrett Hep. 9. 178 () HEGEL. Eseéica Poesia, Trad, Ahane Fibsiro, Listoa, Gui: murder Eeitores, 1964. 6 RENATA PALLOTTINI Diz ele, por exemplo: 1 — A poesia dramitica nasce da necessidade hu- mana de ver & ago representade; mas nfo pacific mente, ¢ sim através de um conflito de citcunsiin- cies, paixtes caracteres, que caminha até o cesen- lace final. E, possivelmente, a primeira vez que, de forma to explicita ¢ conseqltente, se fala em conflitos como elementos essenciais & caminhada da ago dramitica e, portanto, & poesia dramética, E isso ¢ natural. Tratando-se, como se trate, no-caso de Hegel, de um filésofo logico idealista que contrapis a sua dialética & Idgica ¢ & metafisica aristoté- lieas, 0 conflito est sempre na base ds todo 9 seu pensa- mento, Fastarte mais complexo do que o que € aqui dito, naturalmente. Nao é essencial, no entento, segundo me parece, d=: termo-nos na Logica. A Poética é suficientemente clara no assunto que nos intaressa: Agiio ¢ Coal Hegel diz ainda qui 2 — O drama apresenta uma ago que tem como base uma pessoa moral. Os acantecimentos parecem nascer da vontade interior e do cardter das persona- os Apazecem aqui, portanto, conceitos come-o de pesraa moral (individuo que pense, consciente] €o de ventade. S40 -cenceitos que se encontrarae explicadas ao longo da obra do fElésofo mas que, a rigor, podem ser sceitos e discutidos ce inicio, emtora se tenha em canta q inceito de voniade cansciente (distinto do de simples deseo) seja essencial para ‘otal entendimente do conjunto, Mais uma vez, explica Hegel que: 3 — A acdo a vontads humane que persegue sees objetivos, consciente do resultado final. Portanto, a vontade humana que interesse, no caso, & que tem conseiézcia dos . A ag]0 drama £4 apo ée quem, no drama, vai em dusca dos seus obje- tivos consziente do que quer. & a aga de quem quer e far. Da pessoa moral, consciente, com caziter (na se tomando INTRODUGAO A DRAMATURGIA v caréter no sentido ético oderno). Do ser humano Sivre. Como censeqiéncia, diz ele ainda que o personagem deve responder por todos os atos que pratica, os quais, uma vez praticados, tornam-se irversiveis, E mais sma forma de nes coloear aliberdade, a consciéncia e a responsabildade da pessoa moral. Valeria apena, agora, citar lieralmente “56 deste modo a ayo apartce como ag2o, isto como realizado efetiva de intengdes e de fins; inten- gBes e finseem os qucis o incividuo se confande como parte integrante de si mesizo e que, par conseguinte, também cevem aderir antecipadamerte a todas as conseqiéncias exterfores da sua realizagdo. O ind:vi- duo dramatico recothe os frutcs dos préprios aros”.> Seria interessante, aqui, chamar a atengo para a teoria hegeliana da sintese entre lirica e épiea no nasci men‘o do género dramatico, Com efeito, a certa altura. diz Hegel au moda de concepcio peética deste novo género ‘comporta, como acabo de dizer, a unitio mediatizeda do princfpio épico eo principio lirico".? Ou, na citagio de Anatol Rosenteld, em seu O Teatro Epico, 0 génera Gramético seria aquele "que eGine em sia objeividade da epopéia com o principio sutjetivo da i- rie ‘Assim dizendo, perece-me, queria Hegel significar queo drama deve reunir em sia ago, 0 externar-se, o obje- tivarse, 0 mostrar fatos, da epopéia; +15 deve, por outro lado, carregar um peso de subjetividade, de razdes merais, de sentimentos, de psicaldgico, de paixtes, de hesitagSes, de elma, em suma. Come diz Roser feld, ass: “A Dramatica, portanto, ligaria a Epica e a Lirica emn.uma nova totalidade que nos apresenta um desen- (S) Id. 16id..p. 38, 16) fd. ibid..p. 376. (7) ROSENFELD, Anatal. 0 Teaire Bpico. Sto Paula, BES, 1955. WBOEESSSESERSEEESSSSSSERELABAREERL EEE SS 8 RENATA PALLOTTIN, volvimento objetivo e, ao mesmo tempo, a origer desse desenvalvimento, a partir da intimidade dos ia- dividuos, de modo que vemos 9 objetivo (as ages) bratando da interioridade dos personagers. De outro lada, osubjetivo se manifesta na sua passagem para a realidade externa”.* A teoria, embora apaixonante, parece insatistaté @ teatro deve ser algo mais do que a poesia e a epoptia juntas, deve possuir alguma coisa de seu, proprio e que rdo se reduz ans outros dois géneros. Além do mais, partindo-se 4c principio de que a sintese contém e supers tese € anti a Dramftica 4, no pensamento de Hegel, superior & Lirica e a Epica. E parece difici aceitar essa stptrioridade, como diz o prépric Rosenfeld, na obra No entanto, do poato de vista pritieo, ¢ claro que 0 drama cantém elementos épicas e lriecs, ou saja, que esti permanentemente equilibrado entre os pesos de sua carga subjetiva e objetiva. O que vemos acontecer, alifs, em mui- los dramas insatisfatbrios é, exatamente, © desequilibrio entre o subjecivo e 0 objetivo. As pegas de teatro excessi- vamente carregadas de acontecimentas (os melodramas, os dramalhéts), acontecimentas aos quais nao correspondem quanticades equivalentes de subjetivo, de motivagio verda- ésiza, de movimentos ce alma, sentimen:os, paindes. sto pepes desequilibradas. Nelas, a ago dramitica & substi- tuida pelo movimento exterior, e vemos que s sucedem unas, batalhas, duclos, entradas ¢ safdas, festes, viagens, mudangas, sem que neda disso corresponda a nethuma necessidade interior dos perscnagens. So pegas excessiva- mente oBjetivas, em que 0 subjetiva no tem a seu lugaz devido. Por outro lado, existem dramas especialmente esti- ticos, ou lentos, cheios de sugestdes, de desrigtes de sens mentos cu movimentos da alma, com. disloges delicados ¢ bselos, onde se sents escoar-se o tempo, as emagBes, a vida.., mas or.de mio acontece quest nada. © subjetive encontra-se sitidamente desenliado nos personagens @ n3s suas pala. (8) Be ibid, p15, INTRODUGAO A DRAMATURGIA 9 ‘ras, mas o objetivo € quasz nulo ea pega, dimesma forma, est desequilitrada. Enquante cs sentinientos, as paixdes, os movimentos interiores, o eu lirieo nda se cbjetivarem, nda se exteriori- zarem ¢, ao contririo, enquanto as 236es externas, os mavi- mentos exteriores, os accttecimentas nto correspondecem a ‘uma real necessicade interior, nfo teremos o drama equili- brada entre subjetivo e objetivo. E isto, parece-me, é 0 que podemos, neste passo, extrair de Hegel para nosso uso. Atendo-se mais & icéia de conflito, diz Hegel que: 4 — A finalidade de uma agdo s6 € dramitica se Produci: outros interesses 2 paixtes opostas, Esta af claramente exposto o principio do coryTito, inerente A Filosofia toda de Hegel: uma aco, cesencadeada Por uma vontade, que tem em mira um determinada cbje- tivo, cafide com’ a) interesses, 5} paixdes, Portanto, vontades opostes. Esta colisdo & 0 conflito. desta colisto alge nascers. Os interesses e paixdes podem ser de rérias espécies (idéias e verdades morais ou religio- sas, principios de Direito, do amor & pétria ow a outrem, sentimentos de familia, etc.), mas sempre constituirlo o nascedouro de uma outravontade, que se oporé a primeira, brotando dat o conflito. [Hegel chama a atengdo para o fato de que o conteiido desses icteresses e paixdes — contetido do qual nao estarios tratando necessariamente neste momento — deve tocar os poderes eternct, as verdades morais, os deuses de etividade vive, ow seja, em geral 0 divino e verdadziro. Mais ou ‘menos, segundo me parece, o que Aristételes chamou de imitagao de agzo de carster elevado.) Com relagao as unicades, detim-se Hegel na taica verdageiramente importanre, que € a unidade da agdo. Por cerscterizar, também, a Agdo em si, poceriamos lembrar gue, segundo ee: 3 — A unidade da ago se encontra na persecugao realizagSo-de um. fim determinado, através Ge “am Ny i | x RENATA PALLOTTINE coajunto de conflits; a verdadeira unidade, no en- tanto, s6 se realiza ne moviraento total {que inclu! to- das as vontades e todas as colises). Diz ele que toda ago deve ter um fim determinadc; assim que o tena, colidird com outra. O cenjunto, a cons telagdo dessas ages (e vontades), eaminhando para um fim (desenlace), € 0 que caracteriza a unidade de acdo. E extremamente importante, pare 0 estudo de natu: reza da conflito, o item em que Hegel trata da Progressdo do poesna dramético, lembrando que: & — A progressto dramitica € a precipitagiia conti- riua até fim, 0 que se explice exatamente pelo con- . Come a colista € 0 ponto angular e seliente da marcha, ¢ & medida que as forgas contririas che- gem ao ponto maiar do desacardo entre sentimentos, ‘abjetivos e atos, maais se sence a necessidade de ama sclugdo, ¢ mais os acontecimentos sio impelidos a esse resultado. Isto vem @ desembocer ro que trataré adiante, ou seja, na dindmica do conflito, Apenas para acrescentar, de momezto, algurra coisa, pode-se dizer que um con‘ito n20 pode ser estdtico, que deve crescer, intensificar-se, aumen- tar quantitativamente, para vir ¢ resolver-se. E isso, em Gltima andlise, 0 que enseja a precipitagao continua, a pro- gresséc dramérica j& meneonads. Referindo-se 20 ponto ideal para o eymego da ago (assunto aqui j8 mencionado de passagem) Hegel volta a falar sobre 0 cardter confiitual do drama: “Porém, como a api dramatica se baseia, ao mesmo 'P0, nuin conflite determinado, o panto de pa-tida sera fornecido pela situaca que, em>ora nao tendo desencadeado o ecallio, consritua a condigdo do seu desenvolvimento ulterior". E importante notar © earater positive do infcic a ci- tagdo: a agdo d-amétice resulta, pectante, do confi. Este (8) HEGEL. Ertétca. Poesia, Op. it, p. 393. RYTRODUCAO A DRAMATURGIA. a conflito tem 9 seu cursa: hi o momento, digamos, do seu nascimento, © moments do seu desenvolvimento, © éa sua eclosia (ponto sruciall e, depois, o da sua resolugio. A hatereza dindirice da cclisto esti claramente exposta € ‘bem assim, portanto, a natureza dindmics da ago drami- tica. Mas, volta ainds Hegel a spontar © conffito como a pedra de toquedo drama, ao notar que: 7 — Ointeresse dramética s6 nasce da colisa entre 0s objetivos dos personagens. O que realmente produz feito € a ago como aco, ¢ no 2 exposigan dos ca: racteresem si, A concentragio de todos os elementos do drama na coiiséo (conflito) € que constitui o nd daobra. © que 6, ainda, comentar ¢ explicar Aristiteles (0 centro da tragédia esti na imite;io da agp € niio na dos caracteres), aerescentando e enfatizando, no entanto, o que se refere a conflito, ¢ buscando esclarecer a natureza da agdo-dramitica. (Ou, de ovtra forma: “Em princfpio, 0 lado tragico consiste em que embas, as parles opostas tém igualmente razo, a0 passo que na realidade cada ura concebe 0 verdaceiro conteido positive do seu fim e do seu cardter como uma nega ‘glo da fim € do cardter adversos © as combate, 0 que as torna igualmente culpadas... Encon:ra-se assim formulada ume contradigdo irresolivel que, embora transformando:st numa realidade, jamais se pode manter ro real ¢ nele se impor camo um elemento substancial, mas s6 se justifica nz medida em que oferece:a possibilidade de uma rea'ssoro. Logo, tio legitima € 0 fim e o carter trigico, como necessaria 6a solugdo deste confiito”.” (© que, por camiahos nii-fermais, nos leva as mesmas cons'usies precedentes. ou seja: 0 conf::s, uma vez eclo- (10) fa atid p48. mea a aaa ee da dscaacsaabbddDAaEE RAE DS 2 RENATA PALLOTIN cado, caminha fatalmente para a sua solugéo, provis6ria ou definitiva (no Ambito do drama). Embora cozzendo o risco da reiteragao, © por razdes que adiante se justificam, parece-me imzortaate chamur a .¢8o para a Eniase que c& Hegel & questéo da liberdade do personagem, como quando diz gee: “A ago verdadeiramente dramitica supde uma oerta Wperdade ou independéncia individual cu, pelo me- znos, gue o homem tenha a consciéncia bem aberta, para entecipadamente aceitar a resporsabilicade das conseqiéncias dos seus atos...""" Fica, ainda uma ver, clara a pesigdo individualista do filésofo, no seu trato com o problema da literdade ¢ da responsabilidade pessoais éo ser humano, mas, tambér, 0 cardter de certa forma aristocrétion que deve ter, para a complera consecuso de seus fins, o personagem hegeliano. ‘Com relagio As colisées internas dos ccracteres, aos conflitos interiotes dos personagens, e contrapondo a trage- ia grega & tragédia moderne, diz Hegel que: & — Os personagens de tragédia entiga, verdadeiras estituas vivas, so jsentos de cenilitos fntimos. Esto +les informados pela conscigneia de sua vontade © por suas altas paixdes, direitos, raxdes ou interesses pes- scais. Eles fazem seupre a reimicicago moral dem direito retativo um fato determinado. Ao contrério, a tregédia moderna apropris-se, desde seu comeyo, éo principio da personalidade ov da subjetividede. Faz do carater pessoal em si, ¢ nfo da individwali- zagdo das forgas moreis, sea objeto préprio funde e suas representagies, Por conseguinte, 0 personagem moderno, segundo Hegel,'conirariamente 20 her6i trigico, enfrenta conflitos gee dependem, mais do.gte de qualquer outra coisa, de seu préprio eardter (no caso da herbi trdgica, o conflito advém com forga moral oposta, igualmente legitima). CL) Fa fad, AS ~N i INTRODUGAO A DRAMATURGIA 2 E, em seguimento a esse cariter.¢ a essa indivicuali- zagia, 0 persanagem moderno padece couflitos intericres: “A fraqueza resultente da impossibilidade de tomar ume decisto, do recurso 4 reflexio, do exame das ra- 25es que pleiteiam por o& contra uma resolugao dada, observa-se jf nas tragédias antigas ¢, sobretudo, nas de Euripides que, de todos os tragicos gregos € alias aquele que menos caso faz da plastica dos caracteres 2 das apbes € procura sobretudo pravocar emocdes subjetivas. Ora, na tragédia moderna, estas persona- gens indecises hesitantes s2o apresentadas como assediadas por duas paixdes que as arrastam em dire- Bes oposias, thes inspiram Cecisdes ¢ as levam a atos, cue se contrariam... Sdo naturezas cuples que no podem alcangar uma individualidade firme ¢ com- pleta, Acontece precisameate o contririo quanéo um cardter seguro de si mesmo se encontra ante dois deveres igualmente sagradas e € forgado a decidir-se por um, com exelusio do outro, A hesitagzo mio passe, entio, de uma fase transitéria e no canstitui © funde de carder.” A existincia de tais personagens nia parece agradar ac filésof0; no entanto, ele 05 reconhece, ou seja, recanhece aexisténcia do conflita interior como miniatura da mesmo esquems dialético montado para 0 estuda des colises ex- ternas Chama a atencdo, no entanto, zara a diferenca exis- tente entre a constelagaa de conflitos interiores proveniente do que considera “naturezas duplas” (e irresclutas) © a simples ¢ claza ponderagio, no easo dos caracteres mais firmes, entre duas decisbes posstveis, a fim de que uma seja a escclhida. (Interessante seria exemplificar aqui, com 9 personagem Hamlet, que Hegel-cita, masn2o com detalhes; exquanto pode ser dito lento ¢ cheio de dividas em suas resolugdes © preperagin da execugdo — 0 que & ressaltado por Hegel — Hemlet é, no mondlogo do "To be of not to ‘br"', exatemente 0 cardter que pondera encre duas solugces 112) fii, p. 4897496, 2 RENATA PALLOTTINE possiveis — a Vida es Morte — optando, de lato, pela mais positive.) Assim, portanto, parece bastante claro que. pera Hegel, agdo dramética € © movimento interno do drema, movimento este que se produz a partir de personagens livres, conscientes, resporsdveis, que tm verade e podem dispar dele, que conhecem seus cbjetivos © os perseguem através de um todo que inclui outras vortades e outros objetivos colidentes com os primeiros, Dessas colisées, de ses centlites (pesigio 1 X posigo 2, A X B, tese X ant tes), emerge uma terceire posigda, portanta, a sintese que, ‘ou seconstituird numa nava tese a ser enfrentada, ou dard o resultado final e equilibrador do drem Mas ainda voltaremos a Hegel Parece interessante aduzir elementos no necessiria ¢ iretarente concementes ao tema do confit, mas que virdo a dar no mesmo camtinho, para melhor explicar a 2680 dramstica e, porlanto, o cardter do drama, Assim, e muito de passegem, poderiarascitar Goethe (1749-1832) quando, em seu Poesia Epica e Poesia Draind- fica (1397), eitace por Barrett H. Clark,” diz que “O poeta épico © a dramétion estio ambos sujeitos Asleis gerais da Po%tica, especialmente as leis da uni- Sade e da progress. (...) A grande e essencial dife- renga entreeles esta, assim, no fato de que, enquanto © poeta épico descreve uma ago passada e comsleta, ® poeta dramético represeata-a como se estivesse ovorrendo na atvalidade’ Pronto. Claro, simples e que nfo pade nunca ser esquecido, seja o que for que se esteja discusindo em maté- ria de Teatro, A nitida caracterizacd> ca natureza dos g@- eros std sempre na base de tocas as demis criagies Giscussies relativas. (10 Apnd CLARK, Barren Hap, cit, 337, INTRODUGAO A DRAMATURGIA 3% Mas, ainda na mesma Enha, seria oportuno ver o que diz Schlegel (1767-1845) scbre 0 dramatico, em sen '‘Sobre Ane Dramética e Literatura” (1809-1811): "* “O que é dramiitico? Para muitos, « resposta deve pa recer rauito simples: vérias pessoas que s¥o apresen tades enquanvo conversam, notardo-se que o eutor nfo fala em seu propricnome. Or, isto 6, ce qual- quer modo, apenas o primeiro pila: externo da forma € 0 didlogo. Porém, as personagers podem exprim sentimentos e pensamentes que na operam qualquer mudanga em outras personagens, deixando, dessa ‘maneira, a mente de todos exatemente camo estava antes: messe eso, embora a conversa possa ter sida ‘muito interessante, ela no teve interesse dramético". Coloca-se aqui, novamente, e de modo bem claro, © caréter ativo, dindmico e Cialético da conversa no teatro (do disloge dramatico, portanto). Sé ser& realmente interes- sante (¢ dramética) a ttoca que modifica, que mutuamente age (como diilogo), fornecendo elementos para que os inter- lovatores, aecescentando alguma coisa ao que havia antes, tenham influncia eré.a uns sobre os outros. Trate-se, por- tanto, a aro no diitego e do didlogo. Continua Schlegel dizendo que a mdo & v verdadeiro prazer da vida, €a prépria vida, e que o mais alto cbjeto da. atividade humana sendo 0 Homem, é no teatro que pods- mos ver seres humanos medindo forgas, in‘Tuencian.io-se mutuamente em suas paixtes, sentimentos, opiniges, modi- ficando-se uns 20s outros Poder-se-ia dizer, portarto, segundo Schlegel, que hi agile dremitica no mero didlogo dramético? Agao nto & fazer elguma coisa? Falar é agir? Sem divida, falar & fazer, portenta, agir. Falar dra- maticamente (dialoger, modificando) &, sem divida, agir draraaticamente. Supondo-se que 0 didlogo contém ele- mentos que modifiquem os interlocvtores, deve-se eonciuis que, pele troca de palavras, 0 personzesm A, que estava ca (19) Tabi, 9. Fenn nee onan aa eee e532 334411432333 dd. RES BEEEESESEEEREDSDSASELERERAREE REELS i | % RENATA PALLOTTINE Fosigae 7, passou para a posicio 2, € o personagem B, que sstava na fesigdo J. passou para a posicio 4 (por exempla). Ora, se houve mudanga de posicdo, houve movimento. Se ouve movimento, houve ard. Se tudo isso estava carre gado de subjetividade (de sentimentos, paixdes, opinides, ventade), houve aco dramatica. Sem mencionarmos, claro, que hove conflito. Con- cretizemas: um exemplo ajuderia, Na cena II da 1? Ato de Hamles, quando se celebra 0 Conseiha Real, ap6s a morte do Rei, a coroag3e-de Cliucio ®0 incesto de Gertrudes, estabelece-se um diflogo entze tudio, Gertrudes e Hamlet. 4 portomar providéncias relativas & segaranga co seu gorerno, despa: chando embaixadores. Dé licenga de partida a Laertes ¢, epois, ditige-se a Hamlet, che-nando-o carinhosamente, Hamlet replica duramente, cortando as suas expressdes de afeto, Esteva irtitado antes, 2 mais irritado ficou depois. tudio, que optara por uma tatica ée hipocrisia, recua um Fouco € faz uma pergunta sobre a satide do Principe. Este, cada vez reais irritado, respande com ironia. Estadelece-se a conflito. A Rainha intervém, lembrando ao filho que & morte € urna Iei geral. Hamlet adoga cs seus tons, deita 2 iconia e responde diretamente, descrevendo a sua mancira ée sentir (a0 mesino tempa em que critica a maneira de sentir da Rainha). Tenta convencé-Ia. Hé um contlto claro entre ambos. O Rei intervéra, voltando a falar sobre a fata- lidace da morte, mas acrescenta aiguma coisa, prometenco a0 Principe a sua sucessdo. E 0 suborno. Fica-se sabenco que Hamlet pretend:a voltar a sua Universidade, e Claudio aexorta a licar. Tenta influencié-lo. A Rainha se junta aele om seus argumentos, Esto ambos, desde o inicio, unidos ta tentativa de pacificar c Reino e, para isso, € convenieme que Hamlet figue. Por seu lado ele, ainda que nao clera- mente, precura cenvencer a mie de seus erros. Nesse mo- mento se espera uma resposta. Hamlet deve partir ou ficar. © conbito chegou 2 seu poato de resalugao. uma reso: lugHo simples e pode ser até provisSria, Hamlet opta por car (ou por obedecer, até ence passa, & Rainka). FeLuma cena de cinco minutos de duragao. Nac houve, acui, a mudarca de todos os interlocu- tores (nem isso € necessitric). Houve, isso sim, por forge ce INTRODUCKO A DRAMATURGIA z um didlogo dramético, certas mudangas sutis. Claudia, se suptnka poder contar com a boa vontade de Hamlet afere- cendo-lhe & sucessda, verifica que nao foi bem suéedido, Gertrudes tem agora a certeza de que o filho a condena. Hamlet, se tinha alguma divida sobre a posigo da mie, ou sobre a alianga Cléudio-Gertrades, no a tem mais. E, talvez por isso {uma vez que ainda no falou ao Espectro 40 Pai), muda a sua posieda, decidinéo permanecer. £, porém, em Ferdinand Brenetiére (1849-1906) que se va encontrar, @ seguir, maiores novidades no que diz respeito a este assunto, £ com a seu La Loi du Théttre que se inaugura uma neva discussio sobre Hegel e Aristé- ‘eles, que serd, por sua vez, minuciosamente estudada por Brander Matthews (em 1903), Clayton Harailton (1910), Williarn Archer (1912), Henry A. Tenes (1914), ete., até os nossos Cia. Diz, em resumo, Brunetidre, na sua Lei do Drama, que: 1 — existe uma caracteristica essencial comurs que aproxima obras de teatro as mais variadas, dando- thes unidade e identidade, Esta caracteristica ndo esté nas Trés Unidades, nem na pureza dos géneros, ou fer qualquer das convengdes até ento accitas 2 — Esta caracteristica € 9 exercicio de uma von- fade. Maisespecificcmente: “No drama ou na farsa, 0 que nés pedimos ao teatro €0 espetéculo de uma voniede que se dirige 2. um néjetivo, consciente dos meios que emprega’ ‘Naturalmente, j& agora, podemos dizer que esta afir- mativa estava implicita em Dryden, como também, ¢ com muta Enfase, em Hegel; mas Brunetidre vai esclarecé-la ¢ comentté-la com muito maior cuidado. assim, pois, que ele explica: 3 — A vontade de um personagem dramStico nic é apenas, por exemplo, o simples dezefo de um perso- 125) 14. iB, p. 407, | | | 8 RENATA PALLOTTINE fagem de romanee. No romance (na novela) os acon- tecimentes se sucedem a despeito das vontades, No ‘Srama, so as vontades dos personagens que condu- zem a zgto. Assim, exemplificando com Gil Blas e O Casamento de Figaro (Lesage ¢ Beaumarchais), diz Brunetidre, textual- mette: “Gil Blas, como qualquer um, quer viver e, se pos vel, viver agradavelmente. Isso néo tem nada a ver com 0 exercicio de uma vortade, Figero quer uma coisa definida, ou seja, conseguir que o Conde de Almaviva:nto exerga sobre Susana o seu senkorial pri- vilégio. E alcanga sucesso — no necessariamente ravés dos meios que tinha escolkide, muites dos uais voltam-se contra ele; nao obstante, ele se man- zeve constantemente querende o que cueria, No se cansou de buscar meios para ating'r seus fins, e quan- éo estes falharam izventou outzos. Ista 0 que Pade ser chamado de vontade de atingir um cbjet dizeto a ele. Gil Blas, realmente, nBo tem objetive” Contiavando, chega Brunetiérs a dizer que Gil Bles Bao age, € agido, de tal forma as coisas Ihe acontecem e ele as vai aceitando, para depois lidar com clas. Ele nto tem meta definida, nfo faz planos e nio-as segue. E isso, ainda, Se explics pelo priprio carater do género épicc, que almeja nos daz um retrata da influfncia que, sobre ns, € exercida Pelos acantecimentos exteriores, e no o retrato de uma vontade em ago. Continuando, diz Brunetiére: “E assim que se pade distingsir acdo de agitegto ou de movimento... Seré que agir & movar-se? Claro Que nto, © tito haverd verdadeira e¢20 a no ser for meio de uma vortade consciente de si, consciente dos ‘meios que ermprega para conseguir seus fins".” 18) Id. tbid., p 402. (1 rea ibia, 3. 409, INTRODUGAO A DRAMATURGIA » Embora, como foi dito, 2 semente desta sfirmaativa esteja nos antecessores de Brunetiére (até mesmo era Aris- t6teles), & a primeira vex que se opSe to claramente aro e movimento extezior, ago como vantade consciente, e movi- menta como me-a agitacto. Comparand3 Graira © romance, Bruaetiére explica que: 4 — 0 assunto de um drama € 0 de um romance pode ser, em priacipio, o mesmo, Mas no se pode, sempre, fazer de um romance uma pega de teatro} ‘um romance s6 se transformard numa pega se {A for dramitico, ¢ 85 0 seré se as seus herdis forem, real- mente, asarguitetos do seu destino. Em seguida, Brunetiére passa a examinar a natureza dos obsticules que se apresentam ao caminher das wontades dos herbis dramfticos, concluinds que sto de quatro espé- cies: ~ 4) obsticulos reputados intranspontveis, como o Des- fino, para os gregus, os decretos da Providéncia, para os cristilos, as leis da natureza, as paix6es visleatas, ara més; nesse caso, a pega que dai redundar (von. tade da personagem X obstéculo intranspoutvel) seré uma tragédia. 5) obsticclos dificilmente transporiveis, porém pas- sfveis de serem erfrentados, em gerat formados por um presorceito, ou pela vontade de outros hemens; nesse caso, teremas 0 drama. ©) apresentacdo de duas voniades opostas, ou quan- do se consegue equilibrar a cbstacu's & voatade qt deve transpO-lo; tem-se, nesse caso, a ccmédia. 4) finalmente, quando se relativiza tado 0 canjunto, Inealizando o cbsticulo na ironic da sorte, num pre- conceito ridiculo, cu, ainds, .na cespropcrgle ent cs meiose 9s fins, temos a farsa Chamando a atengdo para o lato de que no se encon- arto sempre, evidentemente, exempis; retos dos génezos ciados, Brundtiére assinala a superivc.dede Ce tragédia, na medida em qaza vontade af exereids, 07 eneontraz obsti- ctlos melhorese maiores, é mais forte. — 49933395333377 bod aoaaadasaa sa ssssaddsagcdadbasa a 2 RENATA PALLOTTIN( E, como conseqiéncia, entra na discuss do relacio- namento entre épocas nacionsis de maior liberdade e triva- fo da vontade com periodos de um melhor e mais digro teatro. Mas isso no vem, agera, a0 caso... A refutagac que William Archer (1856-1924) opie & oria de Brunetidze do “teairo como o lugar de desenval- vimento da vontads humana” funda-se em que, segundo 0 escocés, Brunetiére apontou @ caracteristica principal de rauites bons dramas, mas nio de todes — o que, € claro, invalia qualquer ‘ei, inda que to relativa como uma lei estética Assim, por exemplo, diz Archer, onde estaria a strug- gle em Agamenon? Nem entre Agemenon e Clitemrestra, nem deatro da prépria Clitemnestra. E no Edipo de Si zocles? Edipo, de fato, no lutaria cantra nada (diz Arche:) no decurso da tragédia, pelo menos 130 no sentido de al- guém que aplica sua vontade & consecugo de um fim, ‘enfrentando obstésulos. Por outro lado, o que acontece em ‘Otelo tampouco £ uma luta consciente contra Iago, por exemplo. Continua Archer a citar exemgles negatives: As you ¢ it, Especiros, de Ibsen, etc.; conclui, entio, que afinal © conflito & apenas um cos mais dramiticos elementos da vida — e do drama — mas que a insisténcia no conjlite-de vontades & um erzodos seguidiores de Brunetiere. E, fara concluir, aponta o seu elemento essencial do drama, em substituicdo a0 ée Brunetiére: a crise “Pode-se dizer que o drama é a arte das crises,-assim com a ficgd € a arte dos deseavolvimentos gra- dua”. E sinda: “Uma pega ée teatro é c mais ou menos Spido desen- vobimento de uma crise no destino ou nas circunstiin- clas, e umacena dramitica é uma crise dentro de urna (184 1a, id, 9479. (094 Tdi 3.49, INTRODUCAG A DRAMATURGIA a Segundo Archer, encanto ¢ ficgio nes d& vastas reas de muitas vidas e acentecimentos, o teatzo deve ealo- car apenas os ““pontos culminantes” de dois ou trés des. tins. ‘Mes ndo sto todas as crises cut interessam aa teatro; a-crise que serve, dramaticamente, & « que pode desenvol- ver-se, através de uma série de crises mencres, englobando certo interesse eracicnal e ‘azendo nascer caracteres vivos, Archer abre possibilidades de passagem a toda expe- rimentapdo nio-codificada 2 também ao teatrc estatico de Maurice Maeterlinck (1862-1949), que se poderia chamar, pela terminologis de Hegel, de quase totalmente subjetivo, cocita, no seu O Trdgico Quotidiana: “Um velho, sentado na sua cadeira de bragos, ¢spe- rando pacientemente, & luz da limpada — subme- tendo-se de eabeca baixa & presenga de sua almae do seu destino, imével ccmo esta, vive, na zealidade, de modo muito mais profundo € kumano, ¢ de uma vida mats universal, do que o aman-e que esirangula su2 amada, ou do que © capitio que vence a batalha, ou zinda do que o marido que vinga a sua honra”.* A posi¢do de Maeterlinck, do mais extremo subi vyismp, € aqui, claro, defendida ¢ justificada. Mas, e se o tal velho assim permanecesse, por duas horas a fio, haveria af drama? Nao imp ta; Archer prossegue dizendo: “A tinica definicad realmente valida éo dramético € a seguinte: uma representagdo, com pessoas imagi- nérias, que ¢ capaz de interessar a um péblico reu- nido nur teatro”. Q cue nacé dizer muito, converhamos. No entanto, comentando as objegdes de Archer a Bef de Braactigre, Henry Arthur Jones(1851-1929, no prefécio de sia edigao da. propria obra franzesa, esclarece certos ponts abscuros da contravérsia, (200 1d itd, p. 479. (2p Ta iby $80. 2 RENATA PALLOTTINI Deixa claro de inicio, por exemplo, que Bruzetiere nunca exigia que o conflita do dra:na fosse sempre um con- {lita de vontades, podendi e devendo ser, muitas vezes, no uma juta, nao a “struggle” de Archer, mas 0 camiahar de ‘uma vontade que se choca com cbstéeules, represertados ou nko por outzas vontattes. E bastante claro que Agamenoa, a sua entrada em cena, defronta um tremendo obsticalo, represeatedo pelas vontades unidas de Clitemnestra 2 Egiste, que querem mati-lo (¢ 0 faze). Agamenon ceseja viver, mas nto da forma genérica ¢ amorfa apontada por Brun:tiére, na caso de Git Blas. Ainda que por breve tempo, talvez, Agamenon toma cigncia de sua situaglo; sua vortace ce viver, por- tanto, serd a vontade de vencer a seus matadores, 0 que é bastante diferente. Edipo, por outro lado, segunéo Archer, também nto um bom exemplo de veatade ativa ¢ consciente, Jones néo refuta os argumentos é¢ Archer, preferindo, segunéo diz, “entregar a Mr. Archer os escalpos de Agamenon © Es- auilo”. Isso, no entanto, aio me parece necessério, Sem que se conte 0 clara € nitido conflito interior de Edipo, nem o tom geral de luta desesperada que tem tada a tragédia (e mais os eanflites secundérios: Edina X Creon, Edipo X Tirésins, Edipo X Jocesta, Edigx X Mensageiro, Jocasta X Tirésias, etc.); assiste-se, no decarse da pega, zo espeti- culo da vontade consciente de Edipo, determinede a procu- rar avverdade, chocando-se contra vrios obsticulos (o tem- po, omedo das testemunhas, sua prépria culpa, sem que s€ fale em Destino ou qualquer valor religioso} e, finalmiente, contra o efeito bumerangue da verdade — 5: ¢ssa expresso me & permitida. A veréade, no caso de Edigo, volta-se contra ele eo atinge. Eo seu principal obsticulo e o sew pior inimigo — 0 que nio impede que sua vontade consciente & procure até desvendé-la. 0 exemplo de Gteto, citade por Archer, nio € bes- tents bom, e Jenes a desmonta, ainda screscentendo que seguado Ihe parece, nao é Otele a heréi do drama, e sim Tago, 0 qual tetia, nitidamente, era vontade ativa¢ cons- ‘ante. INTRODUCAO A DRAMATURGIA x Finelmente, examinando a teoris das crises cher, lembrando que o préprio autor as divide em crises ‘dramiticas e nio-draméticas, Jones eorclui, coma boa dose cde acerto, segundo me parece, que nas crises dramiticas existe sempre ume espécie de conflita e, muitas vezes, de canto 6e vontades, Ora, se sio essas (as erises dramiticas} que, segundo Archer, server de base a um drama, entic é perque um drama se faz.com base em um conflito, diz Jones fe digo eu). E, para completar, Henry A. Jones apresenta sus prépria Lei (ou definigio) de drama: “O drama surge quando uma pessoa, ov pessacs, numa pega, esto, consciente ot inconscientemerte, em conflito com um antagoniste, ou uma circuns- tancic, ou a Sorte. Ele € mais intenso quando, como no Edipo, piblico canhece cbsticulo, 2 a perso- nagem nao. O drama surge, assim, e continua até que a personagem (ambém conheca -obsticulo, sustenta se er.quanto abservamios as reagées fisicas, mentais ou espirituais éas personagens acs opositores (pessoas, circunstincias ou Sorte}. O drama diminui quando a reacdo decai e acaba quando 2 reaglo se completa Esta reago da personagem ao obsticulo coma a forme de outra vontade humana, numa colisio quase completamente equitibrada”.® Eainda: “Uma pegaé uma sucessio de suspenses € crises, ou uraa sucessto de contflitos iminenses e conflitos defia- gades, caminhando noma série de climaxes ascet dentes @ acelerados desde o comeco até o fim de um esquera organizado” Estas definigies ineluem (e complicam) Brunetiéze € Archer, ineluem, noentante, a indicario de alguns elemer tos extras: ~eforgam a nogdo de obstéewlo, cuja grandeza e importincia deve estar & altura da vontade que c defronte ibid. 468 bid BAGS odd ooo oHe HHO HH SHSHKEEEHEKAELEKEEEE ood | RENATA PALLOTTIN: introduzem a nogio de suspense, momento de expectativa maior ances da crise, a n0¢o de conflitos iminentes e con: flitas deflagrados — trazendo 4 baila novamente a questo da cindmica das conflitos; e, finaimente, a nogio de climax, momento de altura maicr no desenho geral e conjuate da obra. Conquanto no acrescente muita coisa, Brander Matthews (1852-1929), professor norte-americano ce lite- ratura, de qualquer forma deixa bastante clara a questo Bruretiére-Archer, no seu O Desenvolvimento do Drama (1903): “Devemes « Ferdinand Brunetiére — 0 qual aprovei tou muito de Hegel — o claro estabelecimente ce urna importante lei, mal percebida por eriticos anteriores. Diz ele que o drama difere cas outras formas de lite- Tatura ro fato de que, sempre, deve trater com al- ‘guma forma de expresso da vontade humana. Se uma esa realmente nes interessa, € porgue ela apresenta uma luta; seu protagonista deve deseiar algursa coisa, Iutando por isso eam todas as suas forcas. .Aristére- les definiu e tragédia como a “imitagdo de uma agi’ mas, For ag2o, nio queria significar apenas movi- mento — 0 turaulto ficticio, freqientemente encon- ‘trado no melodrama ¢ ne farsa. Pode ser que, ao dizer apdo, cs gregos quisessem dizer canflite (‘struggle’), uma luta ne qual o heréi sabe o que quer © 0 quer ‘com todas as suas forgas, fazendo tudo para conse- guilo. Ele (0 herdi) pode ser venciéo por um anta- gonista onipotente, ou pode ser traido por uma fra- queza de sua propria alma. Mas a ferga da interesse para o espectador residira no equilibrio entre as foreas contendoras...” * Tio longa citagio justifica-se pela sua extrema cla- rezze boa colocagio. Continuemes: ma vontade determinada, resclvida @ conseguir seu odjetivo, isto € 0 que sempre encontzamos na (28) Fabia, p83, INTRODUGAO A DRAMATURGIA 3s forma dramitica; e isto € 0 que n&o encontramos na forma lirica ou épica”% ‘Assim, juntando Aristételes ¢ Hegel, Dryden e Biune- ire, temos tide, até aqui, uma cuase total consonancie: teatro é ago, agtio cdramética é conflito, em geral é2 vor tades conscientes de seus meios ¢ caminhando determina- damemve em busca de seus objetives. Isto, enquanto se falar ‘em teatro dramético, em teatro aristorélico (e nto Epica, € no brechtiano, e no outras formas subseqitentes au con- comitantes), esta perecendo ponto pacifico, ‘Trazendo alguma coise de novo & discussio, George Pierce Baker (1886-19363, no seu Técnica Dramética (1919) actescenta 0 elemento emogao aos arrolades por seus prede- cessores e abre mais um campo para estudo. De fato, encuanto ressalta a necessidade de se ganhar @ atengo do publica, pelo que acontece na seca, pela caracterizagio das personagens, pelo ciglogs, Beker, 20 coneluir que a apao € 0 ponto central do drama, estudando problema em seu nascedouro (na tragédia grega), diz que © que mantinha aceso a interesse do espectador, naquele caso, era “o movimento imitativo des atores, ou seja, a ago fisica”.* Mostrando (ou tencando mostrar) que, sempre, 22530 nas pecss, © a8 pegas de agdo, tiveram a prefertucia de todos 0s piiblieas, Baker conclui, nfo obstante, que a as30 por si nto basta, se aldo fer recheada de emogao. O que o homem faz deve raostrar a.que ele é, 0 que ele sente. A aro fisica, por si, nic € dramitica. Passa a sé-io quando se conhecem as razBes da ago, ¢ elas nos emocionam. Assim, exemplificando com a 1 Cena do 1? Ata de Romew e Julieta, Baker mostra cus a grand: briga que dé inicio & pega, conquanto toda feita de agao fisica, sb inte- esse ¢ & dramitica na medida em que nos mostra a ini- mizade entre as casas Montecchio ¢ Capuleta, prepara as personagens Benvolio e Teabaldo, motiva o decreto de bani- meno, e:c. A ago fisica serve pars revelar estados de sina (25; I, id. p. 499, OB Ta tad. 9.497, k i | % RENATA PALLOTTINE que, estes sim, vao despertar adesdo ou repulse (pertanto interesse) nc espectader. Baker ressalta, preocupande-se, alits, com o este tismo j& mencicnado antes (em Maeterlinc’c, por exemzlo, a quem cita de passagera), que ema “atividade mencal ber marcada” pode ser tia dramatica quanto a simples ago fisica. E cita c monslogo de Hemie:; parado, sem nenhuria atividade fisica, 0 Principe oscila extre ser ow nda ser, OU seja, entre viver 2 morrer. Diz Baker que, conhecerdo jé 0 torturado heréi, somos levados a simpatizar com ele... Isto acantece sim, evidentemm2nte, mas acontece mais, pareceme: Hamlet é, como j4 foi dito, um personagem hesitante, que se pode considersr, para discussio, cu dabio, ou conflituado incimamente. Preleriria dizer que se trata, mesmo, do coaflito intimo de alguém que pode: a) calat-se, omitir-se, conviver com sva mae, no ser uum homicida, cesar-se, realizar-se amorosamiente, s¢- guir sondoum principe e, lalvez, chegararei. b) falar, agir, condenar a propria mie, marar, perder ‘oamor, serum condenads, morrer (embora vingande ‘9 pai, poats positive desta hipétese). Ore, vivendo, Hamlet nas 78 como possa deixar de vinger-se; sua vontade € a de vingar-se, macando. Os obstaculos que encontra concretizam-se nas von- tades de Cliudio e Gertrudes ¢ ee todos os partidaries do Rei na vontace de Ofélia ¢ de todos os que desejam 0 seu ‘bem (ou seja, « sua passividade); nas dificuldades eancretas que s2o opostas aos seus planos;e, firalmente, nos proprios icres que, ao seu cardter, apontar caminhos diversos. Postoem sitaco de ter deoptar entre viver © morrer, Hamlet faz um rapide (e nZo frio) balango das vantagens desvantagens de ambas.as hipéteses e, mavido per inimeras 225, opi por viver. E isso interessa ao piblico, ¢ isso aga dramatica; rio apenes percue nos emociona e nos faz simpatizar com 0 her6i; mas perque é eonflito, Conflite interior muito bem exposto, com sua intensificagao, eclosde e resolugao INTRODUCAD A DRAMATURGLA a Sigamos, no ententa, com Baer; acrescenta ele que nio s6 2 atividace mentel pode ser dramatica, mas até a inatividade total, se ela expressa ura contraste com alguma coisa a ser descjada pelo pablico, que foi greso pela emo- cio. E dé o exemplo da velho invélido numa casa em chamas. Sem esquecer que o exemple em si € bastante melodramético, podemos supor que se trata, aqui, de ama cena incidental, e nfo de total assunto de uma peya. A inatividede pode, & claro, ser ago dramética, da mesma, forma como uma omissao de socorra pode ser um crime. Se Sancinha esta mortendo de sede e uma megera per- imével, ser The Car Agua, num melodrama qual- claro que isso & dramitice (ruim, mas éramétio), uma vez que a nosse megera esta fazendo alguma coisa (est ‘matando a criancinha, por omissdo de ago). Assim, ndo € a inatividade em si, mas 0 cousraste entre a acZo que se deveria esperar de alguém ea sua inagdo que é dramético. Naturalmente, esta inatividade nao pode c tode de uma pega, ser apenas parte dela. Mas, € claro, 0 perscaagem que, poderdo fazer alguma coise, escclhe nfo fazé-ta, ou, totalmente impotente, sucumbe & sua impoténcia, também esta imerso num coaflio. A nossa megera do exemplo acima escolhe deixar morrer a crianci nha porque quer, porque isto lhe servird de alguma forma & voniade, no seu caminho para vensor alguém ou algume coisa. O velhinho imobilizado que morre na casa em ehe- mas provavelmente ido queria morrer, Seu conilito &cam & prépriaimpoténcia fisica. Diz Baker, ainda, que se pode cheger, a esta altura, a trés eonclusées, com respeito ao dramatien: 1 — Pode-se despertar emogo no espectador pela mera agéafisica, desde que esta desenvoiva a historia, ou mostre melhor um perseaagem, au faz as duas coisas; pade-se contegair a mesma ccisa pela aco mental, desde cue bem acompanhada pelo pabtico: € até pela inagdo, se 2 caracterizegic ¢ 0 forem de boa qualidade. 2 — Ao centriric do que se pensa, elo é a agdo, mas sim a emorao oponto central do drama. 3 — Eerréneo supor que exisiem essuntos nao- imitado. Nada mais seria necessirio dizer para enfatizar a imgoztancia que concede & aco draméticae A sua unidace. Aga, segundo Dryden, € anvilo que queremca fazer € fazemos. E, segundo Hegel, ago dramatica & vontadecons- ciente, movende-se para diante através de conflitos. Ea unidade da a¢do esta no objetive ‘nico, determinadc, alvo da ventade consciente da personagem livre, que enfrenta vontades opostas. Schlegel mostra que existe agao no didlogo confitante nodificador, atuante; Brunetiére enfatiza a importincia do conflito de vontades ¢ ainda dos obsticulos a serem criades para se eantraporem a essas vontades. Archer, alas: tando-se da teoria do conflite, acaba eriando a teoria das crives. Termina-se, porém, por verificar, com Jones, que crise € resultada de conlflito. Jones, no eatanto, chama a atengiio para o earater dindmico do corfifte, quande fala emeccnflitos iminentes ¢ conflitos éeflagrados. Baker avaca para a emogao-o papel preponderante na eriigo do texta dramético; mas diz que essa emogao é levada ac publieo pela aga0 dramitica, reesindo, partanto nos termos dos cue o antecederam. E Lawson, finslmecte, na a atencio para o fato de que o caniito dramatic 133) 7d. bia. B.S, ee ee as “6 RENATA PALLOTTINT deve ser um conflite social G& definide anteriormente), nic tendo necessirio que acontega, exclusivamente, entrz duss ventades inamanas. & lembra que a ago dramitica nto & Tootimenta exterior, mera atividade, mas sim devir, tense, Eresciments, didloga concrete, objetivo, din&mico. Porém, mais proximo a nés, um professar brasileiro procurou karmonizar as lls da dialética de Hegel com @ su Fropria visto es:étioa, disso resultando o estabelesimento de vives leis para a construgio do drama. Esse professor, fnutor e diretor de teatro, foi Augusto Boal. As leis do drama segundo Hegel/ Boal No decorrer dos anos de 1961/62, pude assistir 4 em Curso de Dramaturgia e Critica oferecido peta Escola de ‘Arte Dramatiea de Sto Paulo, em sua primeira fase, ainds into oficial, Fui, nesses anos, altma, na cadeira de Drama: turgia, de Augusto Boal, entdo autor e direzor ligads 20 TTeatrs de Arena de Séo Paulo, atualmente tamibém Diretor de CEDITADE — Centre <’étude et de diffusion des tochaiques actives d’expression, de Paris, dizetor ¢ criador do Grupe Boal ¢ laomem ée teatro de expresslo interns cional. Daquele cursd e da cadeira de Dramatugia, emeraiv entio, para todos 26s, alunos e professor, uri conjunio de ‘Veis do Drama, extraidas Ge Hegel e ée sua Ligica Dialética Jor Augusto Boal e roveniente de cada coisa e movimento externo, mercé da qual cada coisa revebeu influénci e infmenciou, Nada € estético na astu- tea, ¢ tudo fiui; no entanto, nada passa completamente, Porcue o que era ficou ne que ée se traasformou, petzs suas NS q ¢ e ¢ @ @ o e © G PEPSI EEEEESIIIIFSISFES SEAS SE REORS sa RENATA PALLOTTINI relagdes mituas, no que € conjuntamente com ele. Tudo é devir; tudo tende para o seu fim e tudo 0 que nasce ja esté morrendo. No entan‘o, tedo 0 que morre renasce, num movimento em espiral, ascendente. Nada passa de novo pelo mesmo caminho, mas © movimento € movimento para afrente e para cima, A terceiva lei: da unidade dos contraditérios ‘Entramos agora no terreno mais estrito da Ligica; assim, enquanito a légica formal aristotélica se atém a0 principio da identidade (a que é é 0 que nfo & nao é SA" Gigual a A"; "A" no pede serigual a B"; 0 homem nfo pade ser, ao mesme tempo, mortal e imortal), a 16 conereta, dialética, busca surpreender, dentro do principio de ideatidade, indispensivel a um pensamento coerene, & sua mobilidade, o seu contetido verdadeiro. “A” 6 igual a “4A”, éclaro, mas esta afirmagdo, ccnquanto logica e indis- cutivel, nfo tem sentido se permanecer assim. E estitica & imitii, Hegel explica que o principio de identidade e, mais ainda, o principio de contradi¢ao, sao de natureza sintética, contendo também 0 outro da identidade, ¢ mesmo a nio- identidade, a contradicita imanecte. Quando se diz homer se diz também wndo-luinano © quando se diz mortal deve- se saber o imartal, paca que se possa estabelecer a dife- renga. Diferencs relacko, relagio entre diferentes. ad infinitum a forma do principio de identidade — “4° — & cair no absurdo, 10 no-pensamento. O persa- mento n&o caminha, se dissermos sempre que homem homem, espage € espago e assim sucessiramente. Nosso pensamento, quando corcreto, afirma, ao contrarie, que "AY & 8B", isto & que o sol € claro. Estabelece, assim, relaghes entre as coisas. Naturalmente, hamem € imortal sto contraditérios, ow se se quiser, opostes. Mas existe imortalidace 0 ho- mem; existe imortalidade no ser mortal. 0 frio ¢ 0 quente se interpenetzam; hd um momento em que o frio se toraa quente, e vice-versa. Assim, diz Lefebwre: INTRODUCAO DRAMATURGIA “A contradigio dialética € uma inclusto {plens, e2a- rela) dos canesditecos om ovtto ete mesee tempo, uma exclusio ative... O métoda &i ca captar a ligagdo, a unidede, a movirnento que en- gendra os contradisérios, que vs opée, que faz zor que se choquem, que c¥ quebra ou os supera”.2* E esta interpenctragda, © conseqtente unidade dos contraditérios, qu2 se formaliza na terceira lei éa dialética ‘aegeliana. A quarta lei: das variagées, quantitetive e qualitativa Cada ser é de uma qualidade; ele é uma qualidade finita, O nosso € um mundo qualitativo, onde cada coisa € de uma forma, de um jeite, determinada como algo. E.€ a qualidade que nos 64 as caraeteristcas desse algo. Porém os seres a0 s2o (¢ 0 rrando nie ) apenas qualitativos (dizem Lefebvre e Hegel); se fossem, 0 devir, 9 movimento interior, seria ou totalmente contiauo ou total- mere descontinuo (por axséncia de quantidade). Ou o devir sobreviria, como diz Bergson, de uma forma brumose, incefintvet, ow aconteceria aleatoriamente, as qualidades se modificendo sem nenhuma razdo interior. De qualquer das duas formas, dizem os ois autores asima elcadas, o mundo se transformaria ne cas. __ O que dé ao mundo qua uma estrutura defi- nica, assim, & a quantidade. que introduz a continsidade conereta, a gradualidade. Diz Lefebvre: “Mo devir, a quelidade dura, se prolonga, se zepete; conservarst a mesma no curso de um creseimento quantitative gradual. Assim, a Agua conserva sua qualidade a0 aquecer-se ou a0 cesfriar-se™» Mas a quantidade introduz também a descontinui- qualitativo, durante mamentos, coaserva-se 0 gua enquanto esquental, mantém a sua uni- (39) ta, wid (Ga Ta iid k r 2 RENATA PALLOTIINE dade, mantém-se qualitativamente igual. Mas, apés um crescimento quentitativo relativamente calmo, a unideée ‘qualitativa 6 abclida de ur s6golpe, substituiéa por “outra coisa": 8 salto qualitativo. 0 devie concreto, portanto, atrevessa momentos de crise (&curiosa a rerminologia, tio dramética}, processe-fe por salias. ‘Asiim, as modificagSes quentitativas se aceleram € desembacam no salto. A madificagto qualitativa € bruses ¢ provém e um conflito. E, diz Lefebvre, textualmente: “gnotamos que a Tei dos salios a grande lei da ago”? ‘0 que é muito significativo. ‘A quinta lei: do desenvolvimento em espiral (ou da superagaa) ‘A lei do desenvolvimento em espiral 4, claramente, uma ceaseafincia da segunda e terceira leis, ow seja, do movimento universal e Ga unidede dos contraditérios. B, irda, alei da negagdo da regaglo de Engels. Explicando o complexo problema da negacic di. ne- {gaydo em Hegel (conceita do qual perce, evidentemente, Engels), diz Caio Prado I ‘A Razio (consciéneia, pensamentol se afirma, s¢ propée: é o plano racional em que o Homer Lie se determina — Hegel chamars esse primeiro momento Ee afirmagao ‘A Ravio se objetiva, exterdoriza: € 0 plano recional ‘que se realiza pela ago do Homem:; ¢ 0 Real assim fprmado, e exterior ao Pensamento, se opord = ele corr unr ‘outro’. Ea negagao. Essa oposigdo entre a Raza e sua exteriorizayio, centre a Razio © 0 seu “uire’ representa uma contra: (37) i (08) PRADO JUNIOR, Clo, Diaté‘ea do Contecimento, 2. ef Sto Paulo, Editors Brasliense, 95S, 2¥. INTRODUGAO & DRAMATERGIA 5 gle que leva a RazHo a ‘negar’ aquele ‘outro’. Ea negacio da negacaa. Mas regando a negaso, a Razao se afirma nova. mente, e recomaga 0 processa, ou melkor, para usar 2 expressdo hegeliana consagrada, a diclésice. Note- se cuntuco que & negaedo da negacdo, que re sents afro Go silo seguite, io € mab = gfirmagdo anterior, mas se eleva acima da negagde precedente e dc Real que ela representa. A egarto da negagdo engloba pais esse Reel que no a:0 de se propor ela recolhe para se fazer a.afirmagia com esse acréscimo, Essa nova afirmagdo é assim alge mais que aafirmagao aaterior Portanto, seado a contradigo uma negagio, ¢ tar kém ura negagfo da negag2o, o movimenta que a isto se segue & a superacdo. que engloba ambas as posizdes ¢ vai além deles. Em gutros termos, que Lefebvre nao actita, tratar- seia di siutese. Eis, no entanto, a forma como 0 autor francéscalsca 0 assunto: “Uma realidade s6 é superada na medida em que ingressou na contradigao, em que se revela ligada cara seu centradit6rio, En:do, 05 dois termos se 22 psa propria eta, livrando-se mutuamente do suas cstreiezas e unilateralidades. Da negagin recipreea, surge a negaedo da negs;ao: a superego”. © movimento do conhecimento, no ser humano, da Histéria, portanto, assim considerado, 6 um movimento ascendenite, continue, progressive, em espiral. Ocorre 0 re- torno aeima do superado, fara vé-lo do alto, observé-to. passeralém, ultrapassar. Diz Henri Lefebvre, finalmente, que todas essas leis sialéicas eons:ituem, purae simplesmente, urna anélise éo movimente. E & nestes termas que vamos, nbservigo das leis do drame, delas extraidas. (9) SEFEBVRE, Hecsi, Ligite format, Lépica diattica, 9p = e +27. he, ROR EEE SESSHDTFIBEISEREDESEBORERT wo RENATA PALLOTTISE Assim, as Leis éo Drama, conscante a enlocagao ink cial deste itern, j& agora teatando-se explici-las, seriam as seguintes: Lei de Conflite O assunto jé foi tratado, com algum cvidado, em momentos anteriores deste mesmo trabalho; bastaria dizer, agora, que oconflite &, nesta erdem de persamento, 0 cere sie toda peza de teatro feita segundo @ dramética aristotélica f, até mesmo, o esqueleto de qualquer pera de teatro. Mas, enguanto a tiltima parte desta assertiva é passivel de muita discussta, julgo, j4 a esta altcra, indiscutivel a questio, a0 tocante & dramatica rigorosa. E 6 apenas neste campo, & para este campo, que as Leis foram criadas. ‘Assim, 2 primeira exigéncia para a feittra de uma ‘pega do teatro dramnético é a existéncia de conflitos. O pri meiro momento dz andlise de qualquer texto desta espécie, por conseqincia, seré a identificagae dos conflitos; € a determinacao de um conflita central, primordial, 0 que nos vai dar linha mest-a, acohuna do texto. Laide variagdo quantitativa Existem e devem existir, portanto, num texto dramé- tico, confites, variados e de toda espécie, subordinados a ‘um conflto central, principal. Uma pecs de tea:ro é um grande canflite, ¢cada cena § um cotflito pequeno (ou deve sé-lo). Na entanto, esses canilitos nto podem ser estatices, imutave's, iméveis. Eles devem nascer, instalarse, crescer, aumentar em quantidade. As forgas em oposicto, as venti des contraditorias, as energias opostas no permanecerio sempre iguais, casa em que padeceriam de estatismo, como jf foi dito. Com base em um recrudescimenta das vontades cou forgas envelvidas, o conflio erescerd, se intensificaré, aumenteré qualictivaments, até que atinja um novo m0 mento em s2u desenrolar. Isto (e mais a variagio qualita va) seré o movel de a¢do dramétiza propriamente dita INTRODUCKO A DRAMATURGIA s Lei da variapdo qualitetiva Seguindo-se a linha de pensamento j& expest, quan- do se tratou de varia;40 qualitativa na enumerago das leis da dialética, podecemos com faclidade entender 2 que se refere o dramaturgo, neste caso, No ponto em que se deixar © conflita de vontades de dues personagens aum drama, quando ccorrer a intensifices¥o quantitativa até © ponte maximo, a'guma coisa deve acontecer, diferenie, de dile rente quelidade, qise no € nenhoma éas posipdes anterio res, mas que engloba as duas. Se examinarmos, por exemplo, o grande conflite da peca Romie e Julieta de Shakespeare, poderemos coneluir que ele ccorre entce as families Monteechio © Capuleto (outta leitura zoderia nos levar & conclusto de gue o grande conflto ocorre entre 05 dois amantes, conjuntamente, € 0 resto do mundo; mas isto no importa agora). Se nos desi Gissemos pela andlise do coatito entre Montecchio e Capu- leto, teriamos de partir da censtataga do grande antago- ismo entre as familias, Esse antagonismo se exacerba 20 Eecorrer da peya, vai se imensificanda devido aos aconle- cimentos, auments quanti‘ativamente, Quando, orém, a morte dos dois amantes, por assim dizer, dissoive aquela hostlidade, que ereszera todo 0 tempa, 0 que sobrevéra & uma madarga quatitariva. B elaro que a paz superveniente ‘stava contida na anterior bestilidade (a qual fora prece dida, naturalmente, de uma indiferenga que nia é hastili dede mm paz). A gaz, no entanto, sucedeu a primitiva indiferenga e a posterior hostlidade; os conflites tinham se exacertado até o limite méximo possivel nas eireunstancias; depois, por corseqiiéncia do conflita aumentaco (e cor veda ag dramitica correspondents) o2orzeu a variagda de qualidade: a pacificagao, Houre ai, portanto, o salto. E houve, também, agi cramatca; ja Lefebvre disstca que lei dos saltos € a grande|ei da e¢80. Conforme Boal, a ei da variaglo quac- isativa a ‘ei da ago dramitica. Poderfamos dizer, creio 4, queem conseqiércia da variago quantitativa e do salto qualitativo © no decorrer desses mudangas, corre acdo dramatca. 56 RENATA PALLOTTINI Lei da Interdependéncia Esta lei € conseqiéncia de tudo 0 que até agora foi dito, seja no tocante as leis de dialética propriamence dita, seja no tocante as leis do drama. Para Hegel, tudo. esta Tigado a rado e tudo se move mm conjunto, come o das grandes constelacdes. Tudo depende de tudo ¢ naga tem sentido tomade isoladamente. Por conseguinte, se aplicar- thos esta afirmativa ac drama (coisa que, aliés, ja esta na Postica de Aristételes}. tudo, numa peca de teatra, deve estar relacionado. A pega deve ser um conjento cide todas fis coisas dependem umaas das outras. Os conflites esto tunificades, a aydo dramatica & uma s6, conduzida por uma idfia central, sinica e unificadcra. Nao tém sentido as ares iaterais, que nfo acrescentam nada ao cerne do drame. Este ceme, este css0, este ruicleo, deve centralizar tuds, como umeixo, Ascenas todas de ura drama devem estar ligadas esse cixo e nin podem ser inditeis, supérfluas. Se o forem, serio dispersedas. Estas cenas supérfluas, verdedeires ‘péndices, sho aquelas que cs diretores sempre coriam em suas montagens. E ai do dramaturgo que do tiver a intul- 3a disso! Os personagens esa" igados entre sie todos a acto principal; tudo 0 que fur [eito seré feito para servir a ake principal, para enriquecé-la, explicd-la, aperfeigct-le. A Unigade fundemental da idéia, a unidade de ago, assim sdomnos daca; e so garantidas por essa interdependéncia. coroamente final de tadas as regres ji apresentadas. ‘Assim, solocada com a elareza possivel, parece-me que fica dernonstrada « eficdcia da teoria Boal/ Hegel com relago as obvras teatrais da dramética pura, &s peyas cons “uidas seguado visio aristotélica de teatro. O drama, desta forma, seria ume construy30 inicialmente literdria, na qual agdo & conflito se apreseatam come elementos indis~ pensive's. A ago dramitica eaquanto movimento interior Carregads C2 sudjetividade, enquanto tensio, impulso para fg frente, ung © mesnea dentro de uma pega, resultado de ‘uma mesma # constants vonzade consciente, seria o fio eon dutor ca obra cramatica, INTRODUCAO A DRAMATURGIA s7 esta age, to evidente e tio ébvia, imitagto dos ates humanos, defluiria do conflito, dindmico, crescente, que aumentaria quantitativamente até exp‘odir na mu- danca de qualidade determinadora da variagto da aco, da mudanga do agir, da mudanga na qualidase dos ates que viriam a seguir, ne drama. Estes seriam, assim, os elementos in: construgfo da obra dramatica. Mas, de toda cbra dramitica? Oa apenas da aristotélica, da dramdtiea propria mente dita, da dramética rigorosa? Bo que se tentaré explicar. pensiveis A

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