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Edicéo Standard Brasileira das Obras Psicoldgicas Completas de Sigmund Freud Primeiras EU EaO Psicanaliticas (1893-1899) IMAGO fatores determinantes dos fenémenos histéricos sao eventos om si mesmos bastante triviais, mas que adquiriram alta signiticagdo pelo fato de terem ocorrido em momentos especialmente importantes, quando a predisposigao do paciente havia aumentado patologicamente. Por exemplo, © afeto de pavor pode assomar no curso de algum outro ateto intenso e por isso adquirir enorme importancia. Os estados dessa ordem so de curta duracao e esto, por assim dizer, isolados do resto da vida mental do sujeito. Enquanto se encontra num estado de auto-hipnose como esse, ele no consegue livrar-se associallvamente de uma representagdo que lhe ocorra, tal como faria estando acordado. Depois de consideravel experiéneia com esses fendmenos, julgamos provavel que em toda histeria estejamos lidando com um rudimento do que 6 chamado “double conscience” - consciéneia dupla - e que o fenémeno basico da histeria seja uma tondéncia para tal dissoclagao @, com ela, para a emergéncia de estados da consciéncia anormais, que propomos chamar de hiipnéides”. Consideremos agora a maneira como funciona nossa terapia. Ela se coaduna com um dos mais ardentes desejos humanos - 0 desejo de poder refazer alguma coisa. Alguém experimentou um trauma psiquico sem reacao suficiente a ole. Nés o levamos a experimenté-lo de novo, dessa vez sob hipnose, ¢ o forgamos a completar sua reagdo. Assim ele pode livrar-se do afeto ligado a representago que estava, por assim dizer, “estrangulado’, e uma vez feito isso, pée-se termo A atuago da representacao, Desse modo, curamos nao a histeria, mas alguns de seus sintomas individuais, fazendo com que uma reagao incompleta se conclua. Os senhores, portanto, nfo devem supor que se tenha tirado disso um enorme proveito para a terapéutica da histeria, A histerla, como as neuroses, tem causas mals profundas; e sao ‘ossas causas mais profundas quo estabelecom limites, muitas vozes bom aprecidveis, ao sucesso de nosso tratamento. AS NEUROPSICOSES DE DEFESA (1894) DIE ABWEHR-NEUROPSYCHOSEN {a)EDIGOES ALEMAS: 1894 Neurol, Zbl, 13 (10), 362-4, e (11), 402-9. (15 de maio e 1° de junho), 1906 S.K.S.N,1, 45-59, (1911, 2* ed.; 1920, 3* ed,; 1922, 4* ed.) 1925 GS.,|, 290-308. 1952 G.W., 1, 59-74. (®)TRADUGOES INGLESAS: “The Defense Neuro-Psychoses” 1909 S.P.H, 121-92. (Trad. de A. A. Bri) (1912, 2° ed.; 1920, 3 ed) “The Defence Neuro-Psychoses” 1924 C.P, |, 59-75. (Trad. de J. Rickman.) Inclufdo (N° XXIX) na coleténea das sinopses dos primoiros trabalhos de Froud, elaborada -se na de 1924 Quando Freud terminou este artigo, em janeiro de 1894, passara-se um ano desde o por ele mesmo (1897b). A presente traducao, com 0 titulo modificado, basei aparecimento de seu citimo trabalho psicopatolégico - a "Comunicagéo Preliminar’, escrita juntamente com Breuer. (AS Unicas excegdes foram o artigo sobre as paralisias histéricas, planojado e rascunhado anos antes, © 0 obituario de Charcot). E mais um ano haveria de passar antes que quaisquer outros fossem publicados. No entanto, os anos de 1883 ¢ 1894 estveram longe de ser ociosos. Em 1893, Froud estava ainda produzindo intenso trabalho neurolégico, cenquanto, em 1884, proparava sua contribuigo aos Estudos sobre a Histeria. Mas durante esses dois anos, como podemos constatar por suas cartas a Fliess, ele estava profundamente engajado na investigagao daquilo que entao afastara completamente a neurolagia de seu foco de interesse - 6s problemas das neuroses. Esses problemas enquadravam-se em dois grupos bastante distintos, respoctivamente relacionados com o que mais tarde se tomaria conhecido (ver em. {1}, adianto) como as ‘neuroses atuais” ¢ as “psiconeuroses”. Freud nao se sentiu preparado para publicarcoisa alguma sobre as primeiras - a neurastenia ¢ os estados de angiistia - até o inicio de 1895. Quanto a histeria e as obsessées, porém, jé estava apto a demarcar o campo, dai resultando o presente artigo. Aqui, 6 claro, ele tinha ainda um profundo débito para com Charcot ¢ Breuer; entretanto, 6 possivel detectar também um primeiro surgimento de muito do que se iia transformar numa parte essencial de suas préprias concepgées. Por exemplo, embora a teoria da defesa tivesse sido mencionada muito brevemente na “Comunicagao Preliminar’, ela é aqui longamente discutida pela primeira vez. © proprio termo “defesa” ocorre aqui pela primeira vez (ver em. [1]), 0 mesmo ‘ocorrendo com “conversao” (ver em. (1}) ¢ “fuga para a psicose” (ver em. [1}). A importancia do papel desompenhado pela sexualidade comega a emergir (ver em. [1]}; alude-se @ questao da natureza do “inconsciente” (ver em. [1]). Talvez © mais importante seja, na segunda segao, 0 levantamento de toda a teoria fundamental da catexia e sua possibilidade de deslocamento e, no pentitimo paragrafo do artigo, a clara enunciagdo da hipétese em que se baseou o esquema de Froud. Uma discusséo mais completa desse primeiro surgimento das concepgées teéricas fundamentais de Freud aparece no Apéndice do Editor Inglés a este artigo, ver. [1] e segs. adiante. AS NEUROPSICOSES DE DEFESA (TENTATIVA DE FORMULAGAO DE UMA TEORIA DA HISTERIA ADQUIRIDA, DE MUITAS FOBIAS E OBSESSOES E DE CERTAS PSICOSES ALUCINATORIAS) Depois de fazer um estudo detalhado de diversos pacientes nervosos que sofriam de fobias © obsessées, cheguei a uma tentativa de explicagao desses sintomas; e isso me permitiy, posteriormente, chegar com éxito A origem desse tipo de representagdes patolégicas em casos novos e diferentes. Minha explicagao, portanto, me parece merecer publicagdo e um exame mais detido. Simultaneamente a essa “teoria psicolégica das fobias e obsessées", minha observacao dos pacientes resultou numa contribuigao a teoria da histeria ou, antes, numa modificagao dela, ‘que parece lovar em conta uma importante caracteristica comum @ histeria © &s neuroses que ‘acabo de mencionar. Além disso, tive a oportunidade de discernir o que sem duwvida constitui uma forma de doenga mental © descobri, ao mesmo tempo, que 0 ponto de vista que eu adotara provisoriamente estabelecia uma conexao inteligivel entre essas psicoses e as duas neuroses em questo. Ao final deste artigo, formularei uma hipétese de trabalho da qual me vali em todos os trés casos. Comecemos pela modificagao que a teoria da neurose histérica me parece reclamar, Desde 0 espléndido trabalho realizado por Pierre Janet, Josef Breuer e outros, pode-se considerar geralmente aceito que a sindrome da histeria, tanto quanto ¢ inteligivel até o momento, justifica a suposi¢ao de que haja uma divisao da consciéneia, acompanhada da formagao de grupos psiquicos separados. As opinides, entretanto, esto menos firmadasno que concere a ‘origem dessa divisdo da consciéncia e ao papel desempenhado por essa caracteristica na estrutura da neurose histérica. De acordo com a teoria de Janot (1892-4 @ 1893), a divisdo da consciéncia 6 um trago primario da alteragao mental na histeria. Baseia-se numa deficiéncia inata da capacidade de sintese psiquica, na estreiteza do “campo da consciéncia (champ de la conscience)”, que, na forma de um estigma psiquico, evidencia a degeneragao dos individuos histéricos. Contrapondo-se & concepsao de Janet, que me parece passivel de uma multplicidade de objecdes, existe a posi¢do proposta por Breuer em nossa comunicagao conjunta (Breuer @ Froud, 1893). Segundo ele, “a base e condigéo sine qua non da histeria” é a ocorréncia de estados de consciéncia peculiares, semelhantes ao sonho, com uma capacidade de associagao restita, para ‘os quals propés 0 nome de “estados hipnéides”. Nesse caso, a divisAo da consciéncia 6 secundaria e adquirida: ocorre porque as representagdes que emergem nos esiados hipnéides so excluidas da comunicagao associativa com o resto do contetido da consciéncia. Estou agora em condigdes de fornecer provas de duas outras formas extremas de histeria, nas quais é impossivel considerar a divisao da consciéncia como primétia, no sentido de Janet. Na primeira dessas |duas outras| formas, pude repetidas vezes demonstrar que a diviséio do conteido da consciéncia resulta de um ato voluntério do paciente; ou seja, 6 promovida por um esforgo de vontade cujo motive pode ser especificado. Com isso, é claro, nao pretendo dizer que o paciente tencione provocar uma divisAo da sua consciéncia. A intengao dele 6 outra, mas, em vez de alcangar sou objetivo, produz uma divisao da consciéncia. Na terceira forma de histeria, que demonstramos através de uma analise psiquica, de pacientes inteligentes, a divisao da consciéncia desempenha um papel insignificante, ou talvez nulo. Trata-se dos casos em que aconteceu apenas uma falta de reagao aos estimulos traumaticos, e que podem, conseqilentemente, ser resolvidos e curados por ‘ab-reagao”. Estas so ‘as “historias de retengao” puras.No que tange a conexao com as fobias © obsessées, tratarei apenas da segunda forma da histeria, Por motivos que logo ficarao claros, vou chamar essa forma de “histeria de defesa’, usando tal nome para distingui-la da histerla hipndide e da histeria de retencdo, Posso também, provisoriamente, apresentar meus casos de histeria de defesa ‘adquirida’, j@ que neles nao se tratava nem de uma grave lara herediltéria nem de uma atrofia dogenerativa individual, Esses pacientes que analisel, portanto, gozaram de boa satide mental até o momento em que houve uma ocorréncia de incompatibilidade em sua vida representativa - isto 6, até que seu eu se confrontou com uma experiéncia, uma representagao ou um sentimento que suscitaram um afeto 140 aflitvo que 0 sujeito decidiu esquecé-lo, pois nao confiava em sua capacidade de resolver ‘a contradigao entre a representagao incompativel e seu eu por meio da atividade de pensamento. Nas mulheres, esse tipo de representagées incompativeis assoma principalmente no campo da experiéncia e das sensagées sexuais; e as pacientes conseguem recordar com toda a precisdo desejavel seus esforgos defensivos, sua intengao de “expulsar aquilo para longe”, de nao pensar no assunto, de suprimi-lo, Darei alguns exemplos, facilmente multi minha propria observagao: 0 caso de uma moga que se culpava porque, enquanto culdava do pal doente, pensara num rapaz que Ihe causara uma love impressao erdtica; 0 caso de uma governanta que se apaixonara pelo patrao e resolvera expulsar essa inclinagao de sua mente por parecer-he incompativel com seu orgulho; assim por diante. Nao posso, naturalmente, afirmar que um esforgo voluntério de ellminar da mente coisas. dosse tipo seja um ato patolégico, nem sel dizer se e de que modo o esquecimento intencional é bom-sucedido nas pessoas que, sob as mesmas influéncias psiquicas, permanecem saudaveis. Sei apenas que esse tipo de “esquecimento" nao funcionou nos pacientes que analisel, mas levou a varias reagdes patolégicas que produziram ou a histeria, ou uma obsessao, ou uma psicose Aveis, extraidos de alucinatéria. A capacidade de promover um desses estados - que estao todos ligados a uma divisdo da consciéncia - através de um esforgo voluntario desse tipo deve ser considerada como manifestagao de uma disposigao patolégica, embora esta nao seja necessariamente idéntica A ‘degeneragao” individual ou hereditatia. Quanto ao trajeto entre 0 esforco voluntatio do paciente e 0 surgimento do sintoma neurético, formei uma opinido que pode ser expressa, em termos das abstragées psicolégicas correntes, mals ou menos da seguinte maneita. A tarefa que o eu se impoe, em sua alllude defensiva, de tratar a representagao incompativel como “non-arrivé, simplesmente nao pode ser realizada por ele, Tanto o trago mnémico como 0 afeto ligado A representacao Ia estéo de uma vez por todas © nao podem ser erradicados. Mas uma realizagao aproximada da tarefa se dé quando 0 eu transforma essa representagdo poderosa numa representacao fraca, retirando-Ihe 0 afeto - a soma de excitagao - do qual esta carregada. A reprasentagao fraca nao tem entao praticamente nenhuma exigéncia a fazer ao trabalho da associacao. Mas a soma de excitagao desvinculada dela tem que ser utilzada de alguma outra forma. At6 esse ponto, os processos observados na histeria, nas fobias © nas obsessées sao os. mesmos; dai por diante, seus caminhos divergem. Na histeria, a representacao incompativel & tornada inécua pela transformagao de sua soma de excitagao em alguma colsa somitica, Para isso eu gostaria de propor nome de conversao. A converso pode ser total ou parcial. Ela opera ao longo da linha de inervago motora ou sensorial relacionada - frouxamente - com a experiéncia traumética, Desse modo 0 ego consegue libertar-se da contradigao com a qual 6 confrontado; em contrapartida, porém, sobrecarrega-se com um simbolo mnémico que se aloja na consciéncia como uma espécie de parasita, quer sob a forma de uma inervagao motora insolivel,quer como uma sensagao alucinatéria constantemente recorrente, que persiste até que ocorra uma conversao na diregao oposta, Conseqilentemente, o trago mnémico da idéia recalcada nao 6, afinal, dissolvido; dai por diante, forma 0 niicleo de um segundo grupo psiquico. Acrescentarei apenas mais algumas palavras a essa concepgdo dos processos. timamente ou mais psicofisicos na histeria. Uma vez formado tal niicleo para uma expulsao (splitting-off histérica num ‘momento traumético’, ele passa a ser aumentado em outros momentos (que poderiam ser chamados “momentos auxiliares"), sempre que a chegada de uma nova impresséo da mesma espécie consegue uma ruptura na barreira erigida pela vontade, suprindo a representagao enfraquecida de um afeto renovado e restabelecendo provisoriamente o elo associative entre os dois grupos psiquicos, até que uma nova conversao estabeleca uma defesa. A distribuigao da excitagao assim ensejada na histeria usualmente se revela uma distribuigdo instavel. A excitagao, forgada a escoar-se por um canal impréprio (pela inervagao somatica) vez por outra reencontra 0 caminho de volta para a representacao da qual se destacou, e compele entéo o sujeito a elaborar a representacao associativamente ou a livrar-se dela em ataques histéricos - como vemos no conhecido contraste entre os ataques © os sintomas crénicos. A operagao do método catértico de Breuer consiste em promover deliberadamente a recondugao da excitagao da esfera somatica para ‘a psiquica, e assim a resolugao da contradigao, através da alividade de pensamento e da descarga da excitagdo por meio da fala, Se a divisdo da consciéncia que ocorre na histeria adquirida se basela num ato voluntério, temos entéo uma explicago surpreendentemente simples para o notavel fato de a hipnose ampliar regularmente a consciéncia restrita do histérico ¢ permitir acesso {20 grupo psiquico que foi expelide (split off, Na verdade, sabemos ser uma peculiaridade de todos (os estados similares ao sono que eles suspendam a distribuigo da excitagao em que se baseia a ‘vontade” da personalidade consciente. Assim, vemos que 0 fator caractoristico da histeria nao é a divisao da consciéncia, mas 2 capacidade de conversdo, podemos aduzir, como parte importante da predisposigao para a histeria - predisposigéo ainda desconhecida em outros aspectos -, uma aptidao psicofisica para transpor enormes somas de excitagao para a inervagao somattca. Essa aptidao, por si s6, nao exclui a satide psiquica, e sé conduz a histeria quando ha uma incompatibiidade psiquica ou um actimulo de oxcitagao. Ao adotarmos essa visio, Brouer © ou nos aproximamos das conhecidas definigdes da histeria feitas por Oppenheim e Strimpell & divergimos da concepgao de Janet, que atribul demasiada importancia a divisfo da consciéncia em sua caracterizacao da histeria. A apresentagao aqui fornecida pode sustentar a pretensao de ter tornado inteligivel a conexao entre a conversao e a divisao histérica da consciéncia, Quando alguém com predisposigao & neurose carece da aplidéo para a conversao, mas, ainda assim, parece rechagar uma representagao incompativel, dispée-se a soparé-la do sou afeto, esse afeto fica obrigado a permanecera esfera psiquica. A representacao, agora enfraquecida persiste ainda na consciéncia, separada de qualquer associagao. Mas seu afeto, tornade livre, liga- se a outras representagdes que néo sdo incompativeis em si mesmas, e gracas a essa “Yalsa ligacdo’, tals representagées se transformam em representagdes obsessivas. Essa 6, em poucas palavras, a teoria psicolégica das obsessées e fobias, mencionada no inicio deste artigo. Indicarei agora quais dos varios elementos explicitados nessa teoria podem ser dirotamente demonstrados © quais foram supridos por mim. O que se pode demonstrar diretamente, além do produto final do processo - a obsessao -, 6, em primeiro lugar, a fonte do afeto agora colocado numa falsa ligagao. Em todos os casos que analisei, era a vida sexual do Sujeito que havia despertado um afeto aflitvo, precisamente da mesma natureza do igado & sua obsess. Teoricaments, nao 6 impossivel que esse afoto posta as vezes emergir em outras reas; resta-me apenas relatar que, até 0 momento, nao deparei com nenhuma outra origem. ‘Ademais, 6 facil verificar que 6 precisamente a vida sexual que traz em si as mais numerosas ‘oportunidades para o surgimento de representagdes incompativeis. Além disso, as mais inequivocas declaragses dos pacientes evidenciam o esforgo de vontade e a tentativa de defesa enfatizados pela teoria; e pelo menos num bom niimero de casos 08 préprios pacientes informam-nos que sua fobia ou obsessao apareceu pela primeira vez depois que um esforgo de vontade aparentemente alinglu seu objetivo com éxito. “Certa vez me aconteceu uma coisa muito desagradavel, ¢ tentei com muito empenho afasté-la de mim e nao pensar mais nisso. Finalmente, consegui, mas al me apareceu essa outa coisa, de que néo pude livrarsme desde ento.” Foi com essas palavras que uma paciente confirmou os pontos principais da teoria que aqui desenvolvi Nem todos os que sofrem de obsessées t8m uma idéia tao clara assim sobre sua origem. Em geral, quando se chama a atengao do paciente, para a representagao primitiva, de natureza soxual, a resposta 6: "Nao pode provir dat. Nunca pensei muito nisso. Por um momento fiquei assustado, mas logo desviei o pensamento e, desde entao, isso nunca mais me perturbou.” Nessa freqiente objegao temos a prova de que a obsessdo representa um substituto ou sucedaneo da representacao sexual incompativel, tendo tomado seu lugar na consciéncia. Entre 0 esforgo voluntario do paciente, que consegue recalear a representagao sexual inaceitavel, e o surgimento da representagao obsessiva, que, embora tendo pouca intensidade em si mesma, est agora suprida |ver em. [1]| de um afeto incompreensivelmente forte, subsiste o hiato que a teoria aqui desenvolvida busca preencher. A separagao da representagao sexual de seu afeto @ a ligagao deste com outra representagao - adequada, mas no incompativel - so processos que ocorrem fora da consciéncia. Pode-se apenas presumir sua existéncia, mas nao prové-la através de qualquer analise clinico-psicolégica. |Cf, em (1}.| Talvez fosse mais correto dizer que tals processos nao sao absolulamente de natureza psiquica, e sim processos fisicos cujas conseqiéncias psiquicas se apresentam como se de fato tivesse acorrido o que se expressa pelos termos “separacao entre a representagao e seu afeto" e “alsa ligagao" deste timo. Junto aos casos que mastram uma seqiéncia entre uma representago sexual incompativel _e uma representago obsessiva, encontramos varios outros em que as representagdes obsessivas @ as representagdes sexuals de carater afllivo ocorrem simultaneamente. Nao ser muito satisfatério chamar estas iltimas de “representagées obsessivas sexuals’, pois falta-lhes um trago essencial das representagoes obsessivas: elas se mostram perfeitamente justificadas, ao passo que o carater afllivo das representagdes obsessivas comuns 6 um problema tanto para o médico quanto para o paciente. Até onde tenho podido explorar o terreno nos casos desse tipo, 0 que ocorre é que uma defesa perpétua vai-se erigindo contra representagdes sexuais que reemergem continuamente - ou seja, um trabalho que ainda nao chegou a sua conclusao. Ja que os pacientes estéo cénscios da crigem sexual de suas obsessées, freqientemente ‘as mantém em segredo. Quando chegam a se queixar delas, costumam expressar seu espanto por estarem sujeitos ao ateto em questao - por sentirem anguistia, ou terem certos impulsos, e assim por diante. Ao médico experiente, pelo contrario, afeto parece justificado © compreensivel; o que ele acha notavel é apenas que um afeto desse tipo esteja ligado a uma representagao que nao o merece. O afeto da obsessao, em oultras palavras, parece-Ihe estar desalojado ou transposto, e se tiver aceito o que se disse nestas paginas, ele poder, om diversos casos de obsessées, retraduzi- las em termos sexuais. Para fornecer essa conexdo secundaria ao afeto liberado, pode-se utlizar qualquer representagdo que, por sua natureza, possa unir-se a um afeto da qualidade em questo, ou que tenha com a representagdo incompativel certas relagées que a fagam parecer adequada como substituta dela. Assim, por exemplo, a angtistia liberada cuja origem sexual nao deva ser lembrada polo paciente iré apoderar-se das fobias primarias comuns da espécie humana, relacionadas com animais, tempestades, escuridao, e assim por diante, ou de coisas inequivocamente associadas, de um modo ou de outro, com o que 6 sexual - tals como a micgao, a defecacao ou, de um modo geral, a sujeira e o contagio. © eu leva muito menos vantagem escolhendo a transposigdo do afeto como método de defesa do que escolhendo a conversao histérica da excitagao psiquica em inervagao somatica. O afelo de que 0 eu softe permanece como antes, inalterado e nao diminuido, com a tinica diferenga de que a representagéo incomp: recalcadas, como no outro caso, formam 0 niicleo de um segundo grupo psiquico, que, acredito, & acessivel mesmo sem a ajuda da hipnose. Se as fobias e obsessées so desacompanhadas dos fel 6 abafada © isolada da meméria. As representagées notaveis sintomas que caracterizam a formagao de um grupo psiquico independente na histeria, isto € sem davida porque, em seu caso, toda a alleragao permaneceu na esfera psiquica, e a relagao entre a excitagao psiquica e a inervagao somatica nao sofreu qualquer mudanga. Para ilustrar o que fol dito sobre as obsessées, darel alguns exemplos que suponho serem tiplcos: (1) Uma jovem softia auto-recriminagdes obsessivas. Quando lia alguma coisa nos jomais, sobre falsificadores de moedas, ocorria-the a idéla de que também ela produzira dinheiro falso; se uma pessoa desconhecida cometia um assassinato, perguntava-se ansiosamente se nao teria sido ela a autora daquela ago. Ao mesmo tempo, estava perfeitamente cénscia do disparate dessas acusagées obsessivas. Por algum tempo, esse sentimento de culpa adquiriu tal ascendéncia sobre ola que suas capacidades criticas ficaram embotadas e ela se acusou perante sous parentes @ seu médico de ter realmente cometide todos esses crimes. (Fis um exemplo de psicose por simplos intensificagao - uma “Uberwaeltigungspsychose’ uma psicose em que 0 eu é subjugado. Um minucioso interrogatério revelou entéo a fonte de onde brotava seu sentimento de culpa. Estimulada por uma sensagao voluptuosa casual, ela se deixara induzir por uma amiga a se masturbar, e praticara a masturbagao durante anos, inteiramer era acompanhada das mais violentas, embora indteis, auto-recriminagées, Um excesso a que se entregara depois de ir a um baile havia produzido a Intensificagao que levou a psicose. Depols de alguns meses de tratamento e da mais estrta vigilancia, a jovem se recuperou. consciente de sua ma agao, que (2) Uma outra moga sofria de um pavor de ser dominada pela necessidade de urinar e de ser incapaz de evitar molhar-se, desde a ocasiao em que uma necessidade desse tipo de fato a obrigara a sair de um saléo de concerto durante a apresentago. Pouco a pouco, essa fobia a deixara completamente incapaz de se divertir ou de freqiientar a sociedade, Sé se sentia bem ao saber que havia um toalete préximo e acessivel, que ela poderia atingir discretamente. Nao havia sombra de nenhuma enfermidade organica que pudesse justificar essa desconfianga em seu poder de controlar a bexiga; quando ela estava em casa, em condigées tranqtilas, ou noite, a necessidade de urinar néo assomava. Um exame detalhado mostrou que a necessidade ocorrera primeiramente nas seguintes circunstancias: no salao de concerto, um cavalheiro ao qual ela nao cra indiferente tomara assento nao longe dela. A moga comegou a pensar nele e a imaginar-se sentada a seu lado, como sua esposa. Durante esse devaneio erético, teve a sensagao corporal que 6 comparavel & eregao masculina © que, no caso dela - ndo sei so 6 sempre assim -, terminava com uma leve necessidade de urinar. Ficou entéo muito aterrorizada pela sensacao sexual (2 qual estava normalmente acostumada), pols tomara a resolugdo interna de combater aquela proferéncia specifica, assim como qualquer outra que pudesse sentir; no momento seguinte, o afeto se transferira para a necessidade concomitante de urinar e a compelira, depois de agoniada luta, a deixar o recinto. Em sua vida corriqueira, ola era téo pudica que experimentava intenso horror por qualquer coisa relacionada a sexo e nao podia contemplar a idéia de vir a casar- se um dia. Por outro lado, era tao hiperestésica sexualmente que, durante qualquer devaneio ‘erético, ao qual se abandonava prontamente, a mesma sensagao voluptuosa aparecia, Em todas ‘as ocasiées a eregdo era acompanhada pela necessidade de urinar, embora sem produzir-the qualquer impressao até a cona no salao de concerto, O tratamento lovou-a a um controle quase completo de sua fobia. (3) Uma jovem esposa, que tivera apenas um filho em cinco anos de casamento, queixou- ‘se a mim de sentir um impulso obsessivo de se atirar pela janela, ou de uma sacada, e queixou-se também de um temor de apunhalar seu filho, temor que a acometia quando via uma faca afiada. ‘Admitiu que raramente havia relagdes sexuais conjugais, sempre sujeitas a precaugées contra a concepgao, mas afirmou nao sentir falta delas por ndo ser de natureza sensual. Nesse ponto, aventurei-me a dizer-the que, a vista de um homem, ocorriam-Ihe representagdes eréticas e que, por isso, ela perdera a confianga em si prépria e se considerava uma pessoa depravada, capaz de qualquer coisa. A tradugao da representagao obsessiva em termos sexuais foi um éxito. Em lagrimas, ela imediatamente confessou a precariedade de seu casamento, ha muito ocultada; ¢ me comunicou também, mais tarde, representagées angustiantes de cardter sexual inalterado, tais como a sensagao freqientissima de que alguma coisa a forgava por sob sua saia. Tenho-me valido desse tipo de observagdes em meu trabalho terapéutico, reconduzindo a atengao dos pacientes com fobias e obsessdes as representagées sexuais recalcadas, a despeito de todos os seus protestos, e, sempre que possivel, estancando as fontes de onde tals representacées provieram. Nao posso, naturalmente, afirmar que todas as fobias © obsessées ‘emergem do modo que aqui caracterizei. Em primero lugar, minha experiéncia dolas inclui apenas um nimero limitado de casos, em comparacao com a freqiiéncia dessas neuroses; e, em segundo lugar, eu mesmo estou clente de que nem todos esses sintomas “psicasténicos", como os chama Janet, so equivalentes. Existem, por exemplo, fobias puramente histéricas. Penso, contudo, que sera possivel mostrar a presenga do mecanismo de transposi¢ao do afeto na maioria das fobias obsessées, @ portanto insisto em que essas neuroses, que so encontradas isoladamente com tanta freqiiéncia quanto combinadas com a histeria ou a neurastenia, nao devem ser indiscriminadamente misturadas com a neurastenia comum, para cujos sintomas basicos no ha nenhum fundamento para se pressupor um mecanismo psiquico. um Em ambos os casos até aqui considerados, a defesa contra a representagao incompativel fol efotuada separando-a de seu afeto; a representagao em si permaneceu na consciéncla, ainda que enfraquecida e isolada. Ha, entretanto, uma espécie de dofesa muito mais poderosa © bem sucedida, Nela, 0 eu rejeita a representagao incompativel juntamente com seu afeto e se comporta como se a representagao jamals Ihe tivesse acorrido. Mas a partir do momento em que isso é conseguido, 0 sujeito fica numa psicose que sé pode ser qualificada como “confusdo alucinatéria’. Um dinico exemplo pode servir para ilustrar essa assergao: Uma moga devotara a um homem sua primeira afeigdo impulsiva @ acreditava firmemente que ele Ihe retribufa o amor. Na verdade, estava enganada; o rapaz tinha motivos diferentes para visitar sua casa, Nao faltaram decepeses. A principio, a jovem se defendeu dolas, fazendo uma conversao histérica das experléncias em questo, e assim preservou sua crenga de que um dia ele podiria sua mao. Ao mesmo tempo, porém, sentia-se doente e infeliz, porque a conversao fora incompleta @ ela deparava-se continuamente com novas impressdes dolorosas. Por fim, num estado de grande tensfo, aguardou a chegada dele em determinado dia, que era de celebragao familiar. Mas o dia passou e ele nao apareceu. Quando todos os trens em que ele poderia vir ja tinham chegado ¢ partido, ela entrou num estado de confusao alucinatéria: ele chegara, ela ouviu ‘sua voz no jardim, desceu as pressas, de camisola, para recebé-1o, Daquele dia em diante, durante dois meses, ela viveu um sonho encantador cujo contetido era que ele estava presente, ao seu lado, e tudo voltara a ser como antes (antes da época das decepgdes que ela rechagara com tanto ‘empenho). Sua histeria e seu desanimo foram superados. Durante a enfermidade, ela silenciou sobre todo 0 periodo final de divida e sofrimento; ficava feliz desde que nao fosse perturbada, © sé explodia de édio quando alguma norma de conduta reiterada pelos que a rodeavam vinha atrapalha la em algo que Ihe parecia ser uma decorréncla légica de seu abengoado sonho. Essa psicose, que fora ininteligivel na época, foi explicada dez anos depois com a ajuda de uma anélise hipnétiea. |ef.om [1] © fato para 0 qual desejo agora chamar atencao 6 que 0 contetdo de uma psicose alucinatéria desse tipo consiste precisamente na acentuacao da representagdo que era ameacada pela causa precipitante do desencadeamento da doenga. Portanto, é justificével dizer que o eu rechagou a representagao incompativel através de uma fuga para a psicose. O processo pelo qual isso 6 conseguido escapa, mais uma vez, a autopercepedo do sujeito, assim como escapa a anélise psicolégico-clinica. Deve ser encarado como a expresso de uma predisposigao patolégica de grau bastante alto e pode ser descrite mais ou menos como se segue. O eu rompe com a representacao incompalivel; esta, porém, fica inseparavelmente ligada a um fragmento da realidade, de modo que, a medida que o eu obtém esse resultado, também ele se desliga, total e parcialmente, da realidade. Em minha opinido, este titimo evento é a condigao sob a qual as representagées do sujeito recebem a vividez das alucinagées; assim, quando a defesa consegue ser levada a termo, ele se encontra num estado de confusao alucinatéria, Disponho apenas de muito poucas andlises de psicoses dessa natureza. Penso, eniretanto, que deparamos aqui com um tipo de enfermidade psiquica muito frequentemente ‘empregada, pols em nenhum manicémio faltam exemplos que podem ser considerados andlogos - ‘a mae que adoeceu pela perda de seu bebé e que agora embala incessantemente um pedago de madeira nos bragos, ou a noiva rejeitada que, adornada com seus trajes nupciais, espera durante anos pelo noivo. Talvez nao seja supérfiuo assinalar que os trés métodos de defesa aqui descritos e, juntamente com eles, as tr6s formas de doenga a que levam esses métodos podem combinar-se numa mesma pessoa, O aparecimento simultineo de fobias @ sintomas histéricos, freqientemente observado na pratica, é um dos fatores que dificultam uma separagao nitida entre a histeria e as outras neuroses © que tornam necessaria a postulagao da categoria de “neuroses mistas”. E verdade que a confusao alucinatéria nem sempre 6 compativel com a persisténcia da histeria nem das obsessées, de um modo geral, Por outro lado, nao 6 raro uma psicose de defesa irromper episodicamente no decurso de uma neurose histérica ou mista. Gostaria, por fim, de me deter por um momento na hipétese de trabalho que utilize! nesta exposigdo das neuroses de defesa, Refiro-me ao conceito de que, nas fungdes mentais, deve-se distinguir algo - uma carga de afeto ou soma de excitagao - que possul todas as caracteristicas de uma quantidade (embora nao tenhamos meios de medi-la) passivel de aumento, diminuicao, deslocamento e descarga, e que se espalha sobre os tragos mnémicos das representagées como uma carga elétrica espalhada pela superficie de um corpo. Essa hipétese, que alias j& est subjacente a nossa teoria da “ab-reagdo” na ‘Comunicagao Preliminar" (18932), pode ser aplicada no mesmo sentide que os fisicos aplicam a hipétese de um flux de energia elétrica. Ela 6 provisoriamente justificada por sua utiidade na coordenagio e explicagio de uma grande variedade de estados psiquicos. VIENA, fim de janeiro de 1894. APENDICE: 0 SURGIMENTO DAS HIPOTESES FUNDAMENTAIS DE FREUD Com esse primeiro artigo sobre as neuropsicoses de defesa, Freud deu expressao pablica, ‘se nao direta, ao menos implicitamente, a muitas das nogées tedricas mais fundamentais sobre as uais se baseou todo 0 seu trabalho posterior. Nao se deve esquecer aue o artigo foi escrito em janeiro de 1894 - um ano apés a publicagao da “Comunicagao Preliminar” © um ano antes da concluséo da segao principal dos Estudos sobre a Histeria e das contribuigdes teéricas de Breuer para aquele volume. A época om que escreveu o artigo, portanto, Freud estava profundamente envolvido em sua primeira série de investigagses psicolégicas. Destas comegavam a emersir diversas inferéneias clinicas e, por trés delas, algumas hipéteses mais gerais que emprestariam coeréncia as descobertas clnicas. Mas foi somente passados mais seis meses apés a publicagao dos Estudos sobre a Histeria - no outono de 1895 - que Freud fez uma primeira tentativa de exposirao sistematica de suas concepsées teéricas: tal tentatva (0 Cientiiea") foi deixada incompleta e nao pubicada por seu autor. S6 viu a hz do dia em 1950, mais cde meio século depois. Nose intervalo, 0 ostudante interessado nas concepgées teéricas freudianas tinha que captar 0 que pudesse das descrigdes descontinuas, © por vezes obscuras, fornecidas por Froud om varios pontos posteriores de sua carroira. Além disso, sua nica dliscussao extensa de suas teorias em anos posteriores - 0s artigos metapsicoligicos de 1915 - sobreviveu apenas de forma truncada: sele dos doze arligos desapareceram completamente. rojeto para uma Psicologia Em sua *Histéria do Movimento Psicanalitico” (1914d), Freud declarou que “a teoria do recalcamento", ou defesa, para dar-Ihe seu nome alternative, “6 a pedra angular sobre a qual repousa toda a estrutura da psicandlise” (Edigao Standard Brasileira, Vol. XIV, ver em [1], IMAGO Editora, 1974). O termo “defesa” realmente ocorre pela primeira vez no presente artigo (ver em [1]} © 6 aqui que a teoria recebe sua primeira consideragao efetiva, embora uma ou duas frases Ihe tivessem sido dedicadas na “Comunicagao Preliminar” (Edigo Standard Brasileira, Vol. II, ver em [1], 3° edigao, IMAGO, 1995) e na “Conferéncia" (ver em [1] deste volume). Entretanto, a propria hipétese clinica da defesa era necessariamente baseada em pressuposigées mais gerals, uma das quals 6 especificada no peniilmo paragrafo deste artigo (ver ‘om [1}). Essa pressuposicao pode ser convenientemente designada (embora o nome provenha de data um pouco posterior) como teoria da “catexia” ("Beselzung’). Talvez nao haja nenhuma outra passagom, nos escritos publicados de Freud, em que ele reconhega tao explicitamente a necessidade dessa que constitul a mais fundamental de todas as suas hipéteses: “nas fungées mentais, deve-se distinguir algo - uma carga de afeto ou soma de excitagao - que possui todas as caracteristicas de uma quantidade... passivel de aumento, diminuigao, deslocamento e descarga..." A nogdo de “quantidade deslocavel" estivera impli discussées tedricas anteriores. Como ele préprio indica nessa mesma passagem, ela estava subjacente a teoria da ab-reagao; fol a base necesséria do principlo da constancla (que logo sera discutido); estava implicita sempre que Freud utiizava expressées como “carregado com uma ta, 6 claro, em todas as suas soma de excitagdo” (ver em [1]), “supride com uma carga de afeto” (1883c), “suprido de energia” (1895b), - predecessoras do que logo se converteria no termo padrao “catexizado”, JA no prefacio 1a sua primeira tradugao de Bernheim (1888-9) ele falara em “deslocamentos da excitabilidade no sistema nervoso”. Esse iiltimo exemplo traz-nos a mente, entretanto, uma complicagao adicional, Pouco mals de dezoito meses apés escrever 0 presente artigo, Freud enviou a Flies 0 notavel fragmento conhecido como 0 “Projeto’, jA mencionado acima. Ali a hipétese da catexia é, pela primeira Ultima vez, integralmente discutida, Mas essa discussao completa traz claramente a luz algo que é esquecido com demasiada facilidade, Durante todo esse periodo Freud parece ter considerado os processos de catexizagao como eventos materials. Em seu “Projeto”, duas pressuposigdes basicas foram explicitadas. A primeira era a da validade da entao recente descoberta histolégica de que o sistema nervoso consistia em cadelas de nourénios; a segunda ora a idéia de que a excitagao dos neurénios devia ser considerada como “uma quantidade sujeita as leis gerais do movimento’ Combinando essas duas pressuposigdes, “chegamos a idéia de um neurénio ‘catexizado’, cheio de doterminada quantidade, embora em outras ocasiGes possa estar vazio" ("Projeto”, Parte |, Segao 2). Entretanto, embora a catexia fosse assim definida primariamente como um evento neurolégico, fa situago nao era téo simples. Até muito pouco tempo antes, o interesse de Freud estivera centrado na neurologia, ¢ agora que seus pensamentos estavam sendo cada vez mais desviados para a psicologia, era natural que seu primeiro esforgo fosse 0 de conclliar esses dois interesses. Acreditava ele que devia ser possivel postular os fatos da psicologia em termos neurolégicos, seus esforgos nesse sentido culminaram precisamente no “Projeto". A tentativa falhou; 0 "Projeto” foi abandonado; © nos anos que se seguitam, pouco mais se ouviu sobre a base nourolégica dos eventos psicolégicos, exceto (como veremos adiante, ver em [1] e seg.) em conexdo com o problema das “neuroses atuais". Contudo, esse repiidio nao envolveu nenhuma revolugao maciga. © fato, sem divida, ¢ que as formulagées hipéteses apresentadas por Freud em termos neurolégicos tinham sido efetivamente elaboradas com vistas mais do que parciais aos eventos psicolégicos; e quando chegou 0 momento de abandonar a neurologia, verificou-se que a maior parte do material teérico podia ser entendida como aplicavel - a rigor, mals convincentemente aplicavel - a fenémenos puramente mentais. Essas consideragées aplicam-se ao conceito de “catexia", que apresentou um sentido inteiramente ndo-fisico om todos os escritos posteriores de Froud, inclusive 0 sétimo capitulo teérico de A Interpretagao dos Sonhos (1900a). Aplicam-se também a hipotese posterior que utiliza © conceito de catexia de que ficou mais tarde conheci (0 da constancia’. Também esta comegou como uma hipétese aparentemente fisiolégica. O principio ¢ definido no "Projeto” (Parte |, Segao 1) como “principio da inércia neuronal, que afirma que os neurénios tendem a so fa. como “print dosfazer da quantidado”. Foi formulado om termos psicolégicos vinte @ cinco anos depois, em Além do Principio do Prazer (19209), como se segue: “O aparelho mental se esforca por manter a quantidade de excitagao nele presente tao baixa quanto possivel, ou, pelo menos, por manté-la constante.” (Edigao Standard Brasileira, Vol. XVIII, pag. [1], IMAGO Editora, 1976). Esse principio nao é explicitamente estabelecido no presente artigo, embora esteja implicito em varios pontos. Ja fora mencionado na conferéncia sobre a “Comunicagéo Preliminar" (1893h, ver em [1}), embora do na propria “Comunicagao Preliminar’, e no artigo em francés sobre as paralisias histéricas (1893¢). Fora também formulado com muita clareza num rascunho postumamente publicado da ‘Comunicagao Preliminar” (1940), datado de “Fim de novembro de 1882", e citado, antes disso ainda, numa carta de Freud a Breuer datada de 29 de junho de 1892 (1941a), assim como, indiretamente, numa das notas de rodapé de Freud a sua tradugéo de um volume das Legons du Mardi, de Charcot (Freud, 1892-94, 107). Nos anos posteriores, o principio foi repetidamente discutido: por exemplo, por Breuer em sua contribuigao teérica aos Estudos sobre a Histeria - (18954), Edigao Standard Brasileira, Vol. Il, vor om [1] @ [2], 3* edigdo, IMAGO, 1995, © por Freud ‘om “Os Instintos (Pulsdes) © suas Vicissitudes" (1915c), ibid. Vol. XIV, ver em [1], [2] ¢ (3). ibid 1874; @ em Além do Principio do Prazer (18209), Vol. XVIll, ver em {1}. [2] ¢ [8] ¢ seg., ibid, 1976 onde ele the deu pela primeira vez a nova denominagao de “principio do Nirvana’ © principio do prazer, nao menos fundamental que 0 principio da constancia no arsenal psicolégico de Freud, esta igualmente presente neste artigo, embora mais uma vez apenas implicitamente. A principio, Freud considerou os dois principios intimamente ligados, @ talvez idénticos. No “Projeto” (Parte |, Segao 8), escreveu: “JA que temos certo conhecimento de uma tendéncia da vida psiquica a evitar o desprazer, ficamos tentados a identificé-la com a tendéncia primatia a inércia. Nesse caso, 0 desprazer coinciditia com um aumento do nivel da quantidade, © prazer corresponderia & sensagéo de descarga.” Sé muito mais tarde, em “O Problema Econémico do Masoquismo” (1824c), 6 que Froud demonstrou a necessidade de distinguir os dois principios (Vol. XIX, ver em [1], [2] e [3], IMAGO Euitora, 1976). O curso das alteragdes na viséo de Freud sobre essa questao é detalhadamente acompanhado numa nota de radapé do Editor inglés a0 artigo metapsicolégico sobre "Os Instintos (Pulsdes) e suas Vicissitudes” (1915c), Vol. XIV, ver om [1] [2]., IMAGO Editora, 1974. Pode-se levantar a questao adicional de até que ponto essas hipoteses fundamentais eram especiticas de Freud e até que ponto derivaram de outras influéncias. Multas fontes possivels tem sido sugeridas - Helmholtz, Herbart, Fechner e Meynert, entre outros. Este, contudo, nao é o lugar para se introduzir uma questéo to abrangente. Basta dizer que Emest Jones a examinou ‘exaustivamente no primeiro volume de sua biografia de Froud (1953, 405-15}. Cabe dizer algumas palavras sobre um ponto que se destaca particularmente do peniiltmo pardgrafo deste artigo - a aparente equivaléncia dos termos “carga de afeto (Affektbetrag)" e ‘soma de oxcitagao (Erregungssumme)". Estara Freud utilzando tais palavras como sinénimos? A descrigéo que faz dos afetos na Conferéncia XXV de suas Conferéncias Introdutérias (1916-17) @ sou uso da palavra na Segao Ill do artigo sobre *O Inconsciente” (1915 outras passagens mostram que em geral ele atribuia a “afeto" aproximadamente 0 mesmo sentido assim como numerosas que costumamos dar a “sentimento” ou “emogao”. “Excitagao", por outro lado, é um dos varios termos que ole parece usar para descrever a desconhecida energia da “caloxia’. No “Projeto" ‘como vimos, ele a chama simplesmente de “quantidade. Em outros trechos, utiliza termos como intensidade psiquica” ou “energia pulsional’. “Soma de excitagdo” remonta a sua mengdo ao principio da constancia na carta a Brouer de junho de 1892. Assim, os dois termos parecem nao ser sinénimos. Essa opinido é confirmada por uma passagem de Breuer no capitulo teérico dos Estudos sobre a Histeria, onde cle fornece razées para a suposigao de que os afetos ‘acompanham um aumento da excitagao", implicando com isso que se trata de duas coisas diferentes (Edigao Standard Brasileira, Vol, II, ver em [1], 3° edigao, IMAGO, 1995). Tudo isso pareceria bastante claro, néo fosse por uma passagem no artigo metapsicolégico sobre o Recaleamento” (1915d), Vol. XIV, ver em [1] segs., IMAGO Editora, 1974. Trata-se da passagem ‘em que Freud mostra que 0 “representante psiquico” de uma pulsdo consiste em dois elementos que tém destinos bem diferentes sob a agao do recaleamento. Um desses elementos 6 a representacdo ou grupo de representagées catexizadas, e 0 outro 6 a energia pulsional nelas investida. “Para esse outro elemento do representante psiquico a expressao carga afetiva tem sido genericamente adotada”. Algumas frases adiante © om varios outros pontos, ele se refere a esse elemento como “fator quantitativo", mas depois, ainda um pouco além, volta a falar nele como ‘carga de afeto". A primeira vista, Freud pareceria estar tratando afeto e energia psiquica como nogdes sinénimas. Mas esse afinal néo pode ser 0 caso, j4 que exatamente na mesma passagem ‘ele menciona como um possivel destino da pulsdo “a transformagao em afetos... das energias psiquicas das pulses” (Edigo Standard Brasileira, Vol. XIV, ver em [1], IMAGO Editora, 1974), A explicagdo da aparente ambiglidade parece residir na concepgao subjacente de Freud sobre a natureza dos afetos. Sua formulagao mais clara talvez seja a que se encontra na terceira segao do artigo sobre “O Inconsciente" (19152), Edigao Standard Brasileira, Vol. XIV, ver em [1] ¢ [2], IMAGO Editora, 1974, onde Freud declara que os afetos “correspondem a processos de descarga cujas manifestagdes finals so percebidas como sentimentos". De modo similar, na Conferéncia XXV das Conferéncias Introdutérias, ele indaga o que & um afeto “no sentido dinamico” e prossegue: “Um afeto inclui, em primeiro lugar, determinadas inervagées ou descargas motoras @, em segundo lugar, certos sentimentos; estes sao de dois tipos: as percepsées das agdes motoras ocorridas e os sentimentos diretos de prazer e desprazer, que, como se costuma dizer, dao ao afeto seu tom predominante.” E, por ditimo, no artigo sobre “O Recalcamento", do qual partimos, ole escreve quo a carga de afeto “corresponde a pulse na medida em que esta encontra expressao, proporcional a sua quantidade, em processos que sao vivenciados como afetos Assim, & provavelmente correto supor que Freud considerasse a “carga de afeto” como uma manifestagao particular da “soma de excitagdo". Sem diivida, 6 verdade que o afeto era o que estava usualmente envolvido nos casos de histeria e neuroses obsessivas que consiituiram 0 principal Interesse de Froud no periodo inicial. Por essa razao, ele tendia, nessa época, a descrever a “quantidade deslocavel’ como uma carga de afeto, em vez de descrevé-la, em termos mais gerais, como uma excitagdo; © esse habito parece ter persistido mesmo nos artigos metapsicolégicos, onde uma diferenciagéo mais precisa poderia ter contribuido para a clareza de sua tese, OBSESSOES E FOBIAS: SEU MECANISMO PSIQUICO E SUA ETIOLOGIA (1895 |1894)) NOTA DO EDITOR INGLES OBSESSIONS ET PHOBIES (LEUR MECANISME PSYCHIQUE ET LEUR ETIOLOGIE) (@) EDICOES EM FRANCES: 1895 Rev. Neurol., 3 (2), 33-8. (30 de janeiro). 1906 S.K.S.N., 1, 86-93. (1911, 2" ed.; 1920, 3* ed.; 1922, 4* ed.) 1925 G.S, |, 234-42 1952 G.W, 1, 245-53 {b) TRADUGAO INGLESA: ‘Obsessions and Phobias

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