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Certa vez, frente a uma questão polêmica, o sociólogo alemão Habermas disse: —
Saber do que se fala sempre ajuda.
Mas afinal, a que fenômeno estamos nos referindo quando falamos em “determinismo
biológico”? Chamo de “determinismo biológico” a tendência de explicar uma enorme
gama de características de sociedades humanas — desde o aparato jurídico, passando
por interesses, comportamentos, variações de habilidades, capacidades, padrões
cognitivos, manifestações da sexualidade, até a posição ocupada por diferentes grupos
nas sociedades — que envolvem limites e privilégios, como sendo universais, porque
estariam inscritas em determinadas partes do corpo humano ou animal, e/ou porque
seriam transmitidas de geração em geração, há milhões de anos, por entidades como
genes, apelos e propensões instintivas.
Neste artigo são apresentadas duas diferentes vertentes de estudos integrantes das
tendências explicativas acima listadas explorando suas tentativas de aproximação com
as ciências sociais. A sociobiologia, atuante no âmbito das ciências naturais e a
psicologia evolucionista, herdeira da primeira, recentemente constituída como disciplina
acadêmica que se apresenta como integrante do campo das ciências sociais, embora
opere reducionismos e universalizações típicos das vertentes científicas positivistas.
Esse resumo superficial dos interesses e recursos utilizados pelos praticantes das
ciências sociais facilita entender porque E. O. Wilson — em sua proposta da nova
disciplina sociobiologia que, segundo ele, propiciaria os meios adequados para o estudo
“científico” das bases biológicas do comportamento humano, o que permitiria subsumir
as ciências sociais às naturais — fracassou cabalmente em seu propósito de atrair
adeptos entre os cientistas sociais, que se mantiveram indiferentes (com algumas
exceções, como o antropólogo Marshall Salhins, que se dedicou a rebater os usos e
abusos da pretensiosa proposta disciplinar no que tange a explicações do
comportamento social).
Até início dos anos 1990, as críticas mais contundentes à sociobiologia nas
universidades norte-americanas e do Reino Unido eram provenientes de dois grandes
grupos de pesquisadores: 1) colegas do campo das biológicas (como Stephen Jay
Gould); e 2) mulheres cientistas (praticantes das ciências naturais e sociais) e
estudiosos de gênero, que reagiam indignados, mostrando as falhas lógicas e as
conseqüências sociais das afirmações que pretendiam explicar, a partir da biologia e da
teoria da evolução, desde os atuais sistemas legais, econômicos e de parentesco até as
possíveis bases biológicas da discriminação sexual (com suas explicações para a
violência e o abuso sexual, a agressividade e a promiscuidade masculina, passividade e
baixo interesse sexual das mulheres).
Apesar das muitas críticas que a sociobiologia recebeu no seu âmbito disciplinar, são
muitos os biólogos que reconhecem o potencial da nova disciplina, por exemplo, para os
estudos da comunicação entre animais. Além disso, é inegável o retumbante sucesso
obtido pelos seguidores e colaboradores de Wilson junto aos meios de comunicação,
sobretudo no que se refere às perspectivas evolutivas aplicadas a aspectos da
sexualidade humana, inspirando na década de 1980 manchetes como as selecionadas
na mídia norte-americana:
Machismo tem bases biológicas e diz "Eu tenho bons genes, deixe-me reproduzir". Time
Se pegarem você dando suas voltinhas, não diga que a culpa é do diabo. É seu DNA.
Playboy
No Brasil, entretanto, por algum motivo ainda não estudado, até o final da década de
1980 não surgiram porta-vozes bem treinados para o relacionamento com a mídia.
Dessa maneira, a sociobiologia ficou relativamente circunscrita às universidades na
formação de biólogos, e possivelmente de médicos e psicólogos, sendo restritos também
o número de traduções de livros acadêmicos ou de obras de popularização dessa
vertente explicativa do comportamento animal e humano.
No início na década de 1990, no Reino Unido, teve início um novo esforço criativo,
quase desviante, para contornar as resistências acadêmicas contra a sociobiologia, de
modo a lançar na grande mídia as bases para uma nova disciplina, que veio a se chamar
psicologia evolucionista a qual, dez anos depois, já integrava a grade curricular dos
cursos de psicologia, inclusive no Brasil.