Você está na página 1de 159
PIERRE BOURDIEU O PODER SIMBOLICO’ Tradugio de Fernando Tomaz Meméria ¢ Sociedade 5 w) DEL. © 1089, Pierte Bourdies Talos dtctos para publieagso desta obra em Portugal resereadon poe we) DIFEL fea D. Bstefinis, 46-2 oo LISBOA Feet: 53 16 79-54 9886. 545839 ‘Yelex: 61030 DIFEL P Todos os cehos deste edigio reservist) Be 5 BDETORA HERTRANI BRASH SA ua Ueno Ceawten, Fag, Gla 20240 Wig de faucino KL els (O21) S20 1L32 leas 21) sMOT Bae ORL) 28.075 MenGria © Soci Colgeydo caorlensit jai Francitce Bemeneouet ¢ Ding Ramada Cute Caps: Andi Tavura vitae Kesiso. Fernanda Portia? les: Clanntino Ferrcira pi: Marke Ksthor — Gab. Frtvccmpesi Impressio € Xabamento. Tspognayie Gorn. Vives Depsito Lega 0” 2673948) ISBN 972 29-0 NOTA DE APRESENTACAO |A obra de Pierre Bourdieu terse afirmado, ao longo dos iltimos rinta anos, come uma das mais estinulantes ¢ inovadaras na dre das cibncias sociis, influenciande namernsas pesquisas socoligitas, antro~ polégicas e hristivicas em todo 0 mundo. A novidade encntra-te na sscolha dos objecias de andlise (sociedades tribais, sistemas de ensino, procesas de roprodugaa, evitéris de classificacio e ligicas de dining), tia reorientacao do olhar (atento acs ferimenos de perceyio social, da produgin simbilica ¢ des relagder infurmais de pader), na formatagio de nusies operatirias (habitus, rproducao, poder simbition, capital, distingao, campo, ee.) € no comsbante recutsa a sccilogiar do combeci~ ments (onde a posigéo ch imvestigador & quetionada como firma de controle do seu trabalho de produsdo de sentido). Compreender & percurso cientifico de Bourdieu implica atender a pelo menos duas ‘igicas ee teitura: por nm lado, uma ligica da evoluiio da obra, por outro, uma ligice da sua tipologia. Num prineeiry mamento, o objeto de andlive sd0 0s exbilas do Norte de Africa, ow seja, wma sociedade tribal que vive nas targens da swciedade mnderna. jos fenimenas de aculinragao sia caracteriza- des a partir da organizagio social e familiar, da perepcto do tempo ¢ da wspaco © da visas do mundo (Esquisse d'une théorie de la pratique, précédé de crois études d'éthnologie kabyle, Geni, Droz, 1972). Este campo de obsereagao, inserido nat restantes dreas da sviedade argelina (Sociologie de VAlgétie, Paris, P.UF. 1958), permite wperar as divisies tradicionais do saber entre antrapa- ogi, saciotogia ¢ econamta, ¢ ser objeto de eaiparacio através das andtives conduzidas na pripria regia de arigem, isto é, mo Béarn (Brades rutales, 5-6, 1962, pp. 32-136). A trensferimia do campa de anslise dex margens para o centro da suctedade moderna implica a reformulagi de vlbos problemas da secialogua ¢ a eeotha de note , Les temps modernes, 246, 1966, pp. 865-906; «Une interpritation de la théorie de la religion son Max Weber», Axchives européen nes de sociologie, XH, 1, 1971, pp. 3-21). A reflexao sobre 0 oficio de sociétogo tanibém pode ser considerada como andtise de sm grupo particular de especialiscas, desde que se salvaguardem 05 propésites de a constitaiv em panto de partida — on de vigilancia pistemaligica — de sina toria da pritica (Le métier de sociolo~ gue, Paris-Haia, Motion, 1968, com J. C. Chamboredon € J. C. Pasierm. A entrada uot anos oitenta, assinalada pelo ingrsso no College de France, do entan director de investigagies de B.H.ES.S., constitu’ cvtro dos tempos forses de afirmacdo de wma obra que nio pina de ereicer (Legon sut ta Jecon, Paris, Minuit, 1982). As dreas anteriormense definitas san recobertas por 1m canpunta de obras, ao ‘mesma tempo ge x assiste a uma tentativa cada ve2 mais nitida para abater as barreiras aparantements inscritas na realidade social ¢ constrair wma teoria goral dos campos. Assim, a socologia do geste —~ revelado nas opiniGes emitidat epontameamente, nas apreciagies estiti- cas on de formea goral no consume de obpectos culsursis ow classificades como tait — permite surprender os mecanismes de diferenciago om de livmacaie da disténca pelos grupos sociais dominantes; nesta perspeti- tuts que tem ntxmerosns Pontes de eontacto cam a obra de Norbert Elias 4 0 PODER SIMBOLICO 1a dinémica da distingao social néo se esgota no conflitn sombities pela iinposigdo de wma dada repreemagao da sociedade, mas prolonga-se na produgio incesante de novos gastos scialmente diferenciadoras @ mo sabandone progressive das prévicas culturais entretanta apropriadas pelar camadas tubalteras (La distinction. Critique sociale du jugement, Paris, Minuit, 1979). A reclaboragao des maceriais emnaligicos — inserita num aprafundamenta experimental dle Ibgica relacional, afecta & nogao de campo — constitui pega esencial da deniincia das. comerpies estratigrdficas da realidade socal, casn dos siimitéveis patamares em profundidade de Gurvitch (Le sens pratique, Paris, Minuit, 1980, p. 224). Por sua vez, 0 prolonga- ‘mento das imvestigagies sobre as instituigies esclares orienton-se mo sentido de dar a conbucer 0 conjunto de campos € de paderesinerentes universidade — no quadra da qual se astistem ans conflitss de representagées qre dan sentido ao trabalho cientfien —- e es escolar anperiores (lomo academicus, Paris, Minuit, 1984; La noblesse a'Etat. Grandes écoles et esprit de corps, Paris, Minuit, 1989). Se as referidos conflites politica e as lutas cientficas, associadas 4 imposigao de sentidos ow de formas de classificacae, ajadam 4 compreender a trajictiria de Bourdieu © da sua obra, interescard tambln ter presente us estrattgias implicadas na sua afermacdo A compilagdo em livro de entrevista de facil acesio, confeéncias on Dequenes artigos revela a inpressionante extnize do seu campo de interesses. — do desporto at religido on @ publicidade —~ e 0 investimento aplicade na sua ampla divulgaséo (Questions de sociologie, Paris, Minuit, 1980; Ce que parler veut dite _Léconomie des échanges linguistiques, Paris, Payard, 1982; Choses dices, Paris, Minuit, 1987). Numa outra peripetiva, repare-se que, & dindmica de uma obra — entendida como um conjunto de titulos publicedes — progressicamente atsumida er norm NOTA DE APRESENTACAO 5 individual, acrescom das ontras iniciativas de cardeter acentuada- ‘mente coective. A colecaa Le sens commun ¢ a revise Actes de ta secherche en sciences sociales, ambas dirigidas por Pierre Bouriieu organizadas editorialmente pela Minuit, consttuer as duas princi- pais bases de um trabalho eolectiva de incengia de novas objectos de cesttda & de afinagdo de certas nogies operatinias Finalmente, bé que ter em conta as farmas de apropriaga da obra de Bourdiew. Do ponto de vista portugués, ax traductes brasileiras — reveladoras de wma atencde mantida como constante vai para quinze anos — constituem investimentos potenciadores de leituras partitbadas, omeadamente a partir de programas « ie referéncias escolar. A excala de Portugal, dua’ perspctivas podem ser seguidas. Por um lado, as escassas tradusies de artigos on de extractos, apesar de iniciadas em 1971, ndo provocaram am interesse pela tradugao de obras de vulto, excepede feta para La reproduction, isto nea mercads em que a presenca de outros autores francees nite deiva de se fater sentir, Por ‘outro Ladle, a atengdn concedida & obra de Bourdieu manifesta-se om Portugal desde fimais dos anos vesenta. A este proplsto, pade-e divatin «2 natureza do comentério ow 0 entido da rferénca — incluindo aqui a citagda a bensficio de inventério, a leitura simplificadora ow a combinagae mais on menos aberranse —, mas & inegdvel 0 papel aqui desempenhado pelo grupo reunide om torna da revista Mnélise social Assim, € mum momento em que os ensinamentor de Bourdieu estd0 prosentes em Bortugal, nos rats diversas campos das citncias tociais, que «a compilacao de um canjunte de trabalbos reentes — preparada polo autor para esta colvcan — constitui, antes de mais, 1m incentiva a reflexio sobre as. tras designais reqistadat no interior do campo enonificn Memiria e Sociedade — Os coordenadorss CAPITULO 1 Sobre 0 poder simbilico Este texto, nascido de uma tentative para apresentar 0 balanso de um conjunto de pesquisas sobre o simbofismo aura situacdo escolar de tipo particular, a da conferéncia numa universidade estrangeira (Chicago/ Abril de 1973), ao deve ser lido como uma histéria, mesmo escolar, das teorias do simbo- lismo, nem sobretudo como uma espécie de reconstrucio pseudo-hegeliana do caminho que teria conduride, por supcra- GGes sucessivas, & «teoria final». Se «a imigragio das ideias», como diz Marx, raramente sc fax sem dano, é porque ela separa as produces culturais do sistema de referéncias tedricas em relagio is quiais as ideias se definiram, consciente ou inconscientemenre, quer dizer, lo campo de producio balizado por nomes proprios ow por concei- tos em -ism para cuje definicio elas contribuern menos do ue ele as define. Por isso, as situacdes de «imignagior impoem com uma forga especial que se torne visivel o horiuonte de referencia o qual, nas situacbes correntes. prxle permanecer em estado implicito. Embora seja escusado dizer que mputriur este produto de exportacio implica riseos graves de ingenuidade © de simplificacio — ¢ também grandes inconvenientes, pois fornece um instramento de objectivagio ~ No entanto, num estado do campo em que se vo poder por toda @ parte, como cm outros tempos nio se queria Feconhecé-lo nas situagdes em que ele encrava pelos olbos: dentro, nfo é indicil lembrar que ~~ sem nunea fazer dele. uma outra mancira de o dissolver, uma especie de As diferentes classes e fracsies de classes estéo envolvides numa luta propriamence simbélica para imporem a definicio do mundo social mais conforme aos seus intesesses, ¢ imporem © campo das tomadas de posigdes ideoldgicas reproduzindo em forma transfigurada o campo das posigdes sociais. Blas podem *" conduzir esta lura quer directamente, nos contliros simblicos da vida quotidiana, quer por procuragio, por meio da lata travada pelos especialistas da produgio simbélica (produtores @ * As comadas de posigio ideolbgica dos dlorninantes so esteatéxian de repralugio gue tendem a reforgar desire da classe e fora da clase « crenge 08 leitiidade ale dominacto sa classe. 2 SOBRE O PODER SIMBOLICO tempo inteico) ¢ na qual esté em jogo o monopolio da violencia simbilica legitima (cf, Weber), quer dizer, do poder de impor — € mesmo de inculcar — instrumentos de conhecimento e de exptessio (Coxinomias) arbittécios — embora ignorados como tais — da realidade social. O campo de producto simbélica € uum microcosmos da luta simbélica entre a8 classes: € ao servirem os seus interesses na fura interna do campo de producéo (e s6 nesta medida) que 0s produtores server os hnteresses dos grupos exteriores ao campo de produgio. A classe dominante ¢ 0 lugar de uma lua pela hierarquia dos princfpios de hierarquizagdo: as fracgBes dominantes, cujo poder assenta no capital econémicos”tém cm vista impor a legitimidade da sua dominacéo quer por meio da prépria produgio simbdlica, quer por intermédio dos idedlogos conser- vadores 05 quails 86 verdadeiramente servem os interesses dos dominantes por acriscino, ameacando sempre desviar em scu proveico 0 poder de definigdo do mundo social que detém por delegasao; a fraccio dominada (letrados ou «intelectuaise ¢ warcistas», segundo a epoca) tende sempre a colocar 0 capital especifico a que ela deve a sua posigio, no topo da hierarquia dos principios de hieracquizagio. 4. Os sistemas ideviégices que os epecialistas procucem para a lata ‘pela monopélio da pradugin idectigica legitima — ¢ por mein dessa tata —-, send instrumentas de daminagio estraturantes pois que esta sstruturades, reprodizem sob forma irreerebectel, por imtermédia da bbomologia entre 0 campo de produso ideolégica e 0 campo" das classes soviais, a estratura do campo das clases sociais, Os «sistemas simbélicos» distinguem-se fundamenralmence conforme sejamn produzidos e, a0 mesmo tempo, apropriados pelo conjunto do grupo ou, pelo conteévio, produzides por um corpo de expucialistas c, mais precisamente, por um campo de produgio ¢ de circulagio relativamente aurdnomo: a histéria da transformagio do mito em feligiéo (ideologia) ndo se pode separar da histéria da constituigao de um corpo de produtores especializados de discursos e de ritos religiosos, quer dizer, do CAPITULO I B progresso da divisio do trahalbo refigioso, que &, ele proprio, uma dimensio do progresso da divisio do trabalho social, portanco, da divisdo em classes € que conduz, entre outras consequéncias, a que se desapssem os laicos dos instrumentos de producto simbolica® As ideologies devem a sua escrucura e as fungdes mais espe- Ses sociais da sua producao e da sua circulagio, quer dizer, as fungies que elas cumprem, em primeito lugar, para os especialiscas em concorréncia pelo monopélio da competéncia considerada (religiosa, artistica, etc.) e, em segundo lugar e por acréscimo, para os no-especialistas. Ter presente que'as ideologias/sto sempre duplemente diterminadas, = que elas devern as suas caracteristicas mais especificas nto $6 aos interesses das classes ou das fraccoes de classe que elas exprimem (fungéo de sociodiceia), mas também aos interesses especificos daqueles que as produzem ¢ a ldgica especifica do campo de produgéo (comummente ttansfigurado em ideologia da «criagio» ¢ do Os simbolos do poder (rj, ceptro, et.) sto apenas capa simbsli- co sbjetivade © a su efidcin esti soeite is reams condigoes, A destougio deste poder de impcsiclo simbélico tadieado no desco- nhecimento supde a tomade de conitinia do atbitetio, quct di revelacio da verdade objectva 0 anigullamento da crenca: & na medida em «que 0 discursohecerodoxo desea falas evidenias dl cto, estaure- sho fieticia da doce, © the neuraliza o poder de desmobilizaio, que cle cncerra um poder simbélico de mobiliasto e de subversio, pode de vornse sera © poder potencial das clases dominads + smeconsaiteereconnaicres no toxto original (N. 1. 16 SOBRE 0 PODER SIMBOLICO Instriamentas simbélicos sxrwtorsete ‘Seeuturadas se domagao Ioseeumentos de cones Meio de comuni peso ede constr ign ou aun, me ‘undo obese! discus cont)” Div do ene ‘es sci) David 6 mato idea ico oranust/aceectua Fang‘ drainage Formas sindbis Objet sisi estrucuras subjecti objects ne, se cstrraneerinn— C Sees rend) opus operant) ‘Kall Mare go) see Hegel Sea Mix Weer Spite Date tun tos pes sos te Sam Con ncn cFentime a, Ibm Go sea oe ose, come Siena inte ite Santi site efron Sate soy foneacoumy pecan rai came oe sociologis das formas simbstcas: os erros — ¢ 08 receios que muitas vezes os | ocasionam ~~ seria podermos it-nos deles, todos a0 mesmo tempo). . Hei-de apresentar aqui — serd, sem diivida, mais’ adianre — pesquisas em que ando ocupado. Terio ocasiio de ver no estado que se chama nascente, quer dizer, em estado confuso, ‘embtionétio, trabalhos que, habitualmente, vocés encontram em forma acabada. © home academicus gosta do acabado. Como 0s pintores académicos, ele faz desaparecer dos seus trabalhos os vestigios da pincelada, os toques ¢ os retoques: foi com certa ansiedade que descobri que pintores como Couture, 0 mestre de Manet, tinham deixado esbocos magaificos, muito proximos da pineura impressionista — que se fez contra eles — e tinham muitas vezes estragado obras julgando dar-thes os iileimos retoques, exigides pela moral do trabalho bem feito, bem acabado, de que estética académica era a expressio. Tentarei apreseotar estas pesquisas na sua grande confusio: dentro de certos limites, € claro, pois sei que, socialmeate, aio tenho tanto diteito & confusdo como vocés e conceder-rmo-Bo menos do que eu vo-lo concederei — em certo sentido, com. raxio (mas, em tode 0 caso, em referencia 2 um ideal pedagégico implicito ~~ que merece sem diivida ser discurido — j& que leva, por exemplo, a medi 0 valor de um curso, o seu rendimento pedagégico, pela quantidade e pela clareza das notas tomadas). Uma das fungdes de um seminério como este ¢ a de vos dat a oportunidade de verem como se processa realmente 0 trabalho de pesquisa. Nao terio um registo integral de todos 1s erros ¢ de ud 0 que foi preciso repetie para se chegar 20 registo final. Mas © filme acclerado que vos ser apresentado deverd tornar possivel fazer uma ideia do que se passa na intimidade do «laboratério» ou, mais modestamente, da ofici- na — no sentido do artifice ou do pintor do Quattraento: com todas as hesitagdes, todos os embaracos, todas as rentincias, etc. Tavestigadores com trabalhos mais ou menos avancados apresentario os objectos que tentaram construir € submerer- -se-do a perguntas — ¢, & maneira de um velho soficial>, como se dizia na Linguagem das corporagées de oficios, renca- 20 INTRODUGAO A UMA SOCIOLOGIA REFLEXIVA rei cootribuir com a experiéncia que retitei dos ensaios e ertos do pasado. © cume da arce, em ciéncias sociais, esté sem diivida em ser-se capaz de por em jogo «coisas tedricas» muito importan- tes a respeito de objeccos ditos «empiricos» muito precisos, frequentemente menores na aparéncia, ¢ até mesmo um pouco irrisérios. Tem-se demasiada cendéncia para crer, em ciéncias sociais, que 4 importiacia social ou politica do objecto € por si mesino suficiente para dar fundamento & imporrancia do discurso que lhe € consagrado — é isto sem divida que explica ique os socidlogos mais inclinados a avaliar a sua importincia pela importincia dos objectos que estudam, como € 0 caso dagueles que, actualmente, se interessum pelo Estado ou pelo poder, se mostrem muitas vezes 08 menos atentos aos procedi- mentes metodolégicos. O que conta, na tealidade, € a conscru- Gio do objecto, ¢ a eficicia de um mérodo de pensar auace se manifesta tio bem como na sua capacidade de constituir objectos socialmence insigaificantes em objectos cientificos fou, 0 gue é 0 mesmo, na sua capacidade de reconstruit cien- jcamente os grandes objectos socialmente importantes, apreendendo-os de um angulo imprevisto —- como eu procuro fazer, por exemplo, ao patcir, para compreender um dos efeitos maiores do monopélio estatai da violencia simbdlica, de ums andlise muico precisa do que € um certificado: de iavalider, de aptidio, de doeasa, etc. Neste sentido, o sociélogo encontra-se hoje auma situagéo perfeitamente semelhante — mutatis muta dit — ade Manet ou de Flaubert que, para exetcerem em pleno fo modo de construgio da realidade que estavam a inventar, o aplicavam a projectes tradicionaimente excluides da arte acadé- ‘mica, exclusivamente consagrada is pessoas e 3s coisas social- mente designadas como importantes — 0 que Jevou a acusi-los de «realismos. O socilogo poderia tornar sua a formula de Flaubert: «pintar bem o mediocre». preciso saber converter problemas muito abstractos em operagdes cientificas inteiramente priticas — 0 que supée, como se veré, uma relagio muito especial com o que se chama geralmente «tcoria> ou ...), ditei a mesma coisa mas de forma pricica, quer dizer, pot meio de observacées perfeicamente triviais, perfeitamente banais, por meio de ques- tides elementares — tao elementares que nos esquecemos mui- tas vezes de as por — e passando, em cada caso, ao pormenor do seu estudo particular. $6 se pode cealmente dirigir uma pesquisa — pois € disso que se trata — com a condigio de a fazer verdadetramente com aquele que tem a sesponsabilidade directa dela: o que implica que se trabalhe sa preparagio do questionatio, na leitura dos quadtos estatisticos ou na interpre- tagdo dos documentos, que se sugicam hipoceses quando for caso disso, etc. —~ & Claro que no se pode, nestas condic6es, divigir verdadeiramente senfo um pequeno nimero de trabe- thos, ¢ aqueles que declaram «ditigic» um grande nimero deles nao fazem verdadeiramente o que dizem, Visto que 0 que se trata de ensinar é, essencialmente, um -madus operandi, wim modo de produgio cientifico que supe um 22 INTRODUGAQ A UMA SOCIOLOGIA REFLEXIVA modo de percepgio, um conjunto de principios de visio e de divisio, a tinica mancita de o adquitir € a de 0 vet operat praticamente ov de observar 0 modo como este Aabitus cientifi- ou «Livmai-vos dos caes de ‘guarda mecodolégicos». Evidentemente, a liberdade extrema que eu prego, ¢ que me parece ser de bom senso, tem como contrapartida uma exteema vigiléncia das condigies de utiliza- Gio das técnicas, da sua sdequacdo so problema posto € is Condigdes do seu emprego. Acontece-me frequencemence desco- brir que os nossos pais-do-rigor-metodolégico se revelam bem Taxioristas, © até relaxados, na utilizagao dos préptios mécodos de que se cém por zeladotes.. (© que nés faremos aqui parecer-vos-4 talver irris6tio. Mas, antes de mais, a construgio do objecto ~~ pelo menos na minha experiéncia de investigador — no é uma coisa que se produza CAPITULO 11 2 de uma assentada, por uma espécie de acto ceérico inaugural, ¢ © programa de observagies ou de andlises por meio do qual a operasio se efeccua no é um plano que se deseahe antecipada- mente, & maneira de um engenheiro: € um trabalho de grande flego, que se realiza pouco a pouco, por reroques sucessivos, por toda uma série de correccées, de envendas, sugeridos por 6 que se chama 0 oficio, quer dizer, esse conjunto de principios priticos que orientam a8 opeées ao) mesmo tempo minisculas € decisivas, Denote pois uma ideia um canto delitante e pouco realists da pesquisa que se Fique surpreendido por podermos passar canco tempo a discutir pormenores aparencemence inf mos — ¢ até insignificantes —, tais como a questo de saber se © pesquisador deve declarar a sua qualidade de sociélogo ou apresentar-se com uma identidade mais aceitivel — a de enélogo ou de historiador, por exemplo —, ou antes encobri- -ia completamente, ou ainda se é melhor incluir uma dada pergunta num questinério destinado a exploragdo estatistica ou reservé-la para a interrogacio de informadores, etc Esta atengio aos pormenores de procedimento da pesquisa cuja dimensio propriamente social —- como achar bons informa. ores, como nos apresenearmos, como desctever-thes os objecti- +05 da pesquisa e, de medo mais geral, como «penetrar» 0 meio estudado, etc. ~~ ado é a menos importante, poderd pér-vos de prevengdo contra o feiticismo dos conceitos da «teoria», que nasce da propensio para considerar os instrumentos «te6ricoso abitws, campo, capital, etc., em si mesmos, er-vez de os fazer fancionar, de os por em accio. A nogio de campo é, em cervo sentido, uma estenografia conceptual de um modo de conscrucio do objecto que vai comandar — ou orientar —- todas as opcies priticas da pesquisa."Ela funciona como um sinal que lembra o que ha que fazer, «saber, verificar que o objecto em questi nio est4 isolado de um conjunco de relagées de que retirao essencial das suas propriedades. Por meio dela, corna-se presente 0 primeito preceito do método, que impie que se re por todos os ‘meios contra a inclinagio priméria para pensar 0 mundo social de maneira realista ou, para dizer como Cassie, substancialsta 6 SB. Cassiver, Substance fomcsion. Elments pour wae storie de comapt P. Coustar, Paris, Minuic, 1977. oe reper 28 INTRODUGAO A UMA SOCIOLOGIA REFLEXIVA preciso pensar relacionaiente. Com efeito, poderseia dizer, deformando a expressio de Hegel: © real é relacional. Ora, mais facil pensar em cermos de realidades que podem, por assim dizer, ser vistas claramente, grupos, individuos, que pensar em cermos de relacdes. E mais fécil, por exemplo, pensar a diferenciacko social como forma de grupos definidos como populacies, através da nocio de classe, ou mesmo de antagonismos entre esses grupos, que pensi-la como forma de tum espaco de relagaes. Os objectos comuns da pesquisa sio realidades que atruem @ ateagio do investigador por serem sarcalidades que se foram notadas» por assim dizer, ao porer problemas — por exemplo, «as mies solteiras no gueto negro de Chicago». E, frequentemente, 05 investigadores comam como objecto of problemas relacivos a populacdes mais ou menos arbiceariamente delimitadas, obtidas por divisoes suces- sivas de uma categoria ela propria pté-construida, «os velhos», 405 jovent>, «os imigrancess, etc.: como, por exemplo, «0s jovens do subiiebio oeste de Villeurbanne». (A primeita urgén- cia, em todos estes casos, seria tomar para objecto 0 trabalho social de construct do objecto pré-construido: é al que esté 0 vyerdadeito ponto de ruptuta). Mas nfo basta empregar os cermos empolados da «grande teoria» puta se escapar ao-mode de pensamento realista. Por exemple, a respeite do‘poder) poem-se questées de localivagiio tem cermos subseancialistas e realisras (h mancira dos antropéle- zgos culturalistas que se interrogavam indefinidamente sobre he locus of culture): alguns perguorar-se-io onde esté ele, quem 0 detém (Who governs?), outros se ele vem de cima ou de baixo, ete., do mesmo modo que certos sociolinguistas se preocupam tem ‘saber om que lugar se di a mudanga Linguistica, encre 05 pequenos burgueses ou entre os burgueses, etc. E para romper com este modo de pensumento —- © aio pelo praver de colar ‘um novo rétulo em velhos frascos redricos —- que empregarei 0 cermo campo de poder (de preferéncia a clase diminanse, conceito realista que deiifina uma populacio verdadeiramenre real de decentores dessa tealidade cangivel que se chama poder), enten- dendo por tal as relagbes de forgas entre as posigdes sociais que igarantem aos seus ocupances um gnantum suficiente de forca CAPITULO H 29 social — ou de capital — de modo a que estes teaham Possbildade de entree nas lots pelo merepolie de raves, fentre as quais possuem uma dimensio capital as que tém por finalidade 1 definicio da forma legitima do poder (peaso, por exemplo, nos confrontos entre sattistas» © «burgueses» no século. X1X). Dito isto, uma das dificuldaces da anilise relacional est, fa maiot parte dos casos, em néo ser possfvel apreender os espacos sociais de ouera forma que nao seja a de distribuigbes de propriedades entre individuos. E ass porque a informagio acessfvel estd associada a individuos. Por isso, para apreender o _subcampo do poder econdmnico ¢ as condigées econémicas e sociais da sua reproducio, ¢ na verdade obrigatério interroger os duzentos parrdes franceses sais imporcantes. Mas € preciso custe 0 que custar, precaver-se contm 0 tetotno A «realidades das unidudes pré-construfdas, Para i360, sugiso-vos o recurso a esse instrumente de construcio do objecto, simples e cémodo ‘que € 0 quadro dos caracteres pertinentes de wm conjunto de agentes on dle institugées: se se ceata, por exemplo, de analiser diversos desportor de combate (uta, judo, aiquido, etc.) ou diversos cstabelecimentes de ensino superior ox ainda diversos jornais patisienses, insereve-se cada uma das instituigées em uma linha abre-se uma coluna sempre que se descobre uma propriedade necessaria para caracterizar uma delas, o que obriga a pir a incerrogagio sobre a presenga ou a auséncia dessa propriedade em todas as outras — isto, na fase puramente induciva da operacio; depois, fizem-se desaparecer as repetigies e reunem. -se as colunas que registam carateristicas eserutural ou Fancio. nalmente equivalentes, de mancira a recer todas as caructeriti- cas — © essis somente —~ que petmitem descriminar de modo ais ou menos rigoroso as diferentes instieaigdes, 8 uals so, por isso mesmo, pertinences. Este utensilio, muito ete ae eye Ee ae mi, inidades soci em queso como a sat propredades, pode lo estas ser caracterizadas em termos de ou auséncia (sim/nio). “sent ove Mediance um trabalho de construgio desta natureza — que se néo faz de uma s6 vez mas pot uma sécie de aproximagies 30 INTRODUGAO A UMA SOCIOLOGIA REFLEXIVA — constroem-se, pouco a pouco, espagos sociais os quais —~ ‘embora sé se oferegam em forma de relagées objectivas muito absteactas € se nio possa tocé-los nem apanté-los a dedo — sfo fo que constitui toda 4 realidade do mundo social. Vejam, por exemplo, 0 crabalbo que acabo de publicar sobre as escolas superiores € em que contei, numa espécie de cténica muito concisa de uma pesquisa que se estendeu por perto de vinte anos, como se consegue passar da monografia — que tem a seu favor todos os aspectos da citncia — a um verdadeiro objecto conseruido, 0 campo das insticuigbes escolaces que asseguram a reprodugio do campo do poder. Procutar nao cair na armadilha do objecto pré-conseruido nao ¢ fécil, na medida em que se trata, por definigéo, de um objecto que me interes, sem que eu conheca claramente o principio verdadeiro desse interesse» Seja, por exemplo, 0 caso da Escola Normal Superior: 0 conhecimento incipiente que dela possa ter, © que é nocivo ‘na medida em que é tido por desmistificado e desmistificador, dé origem a toda uma série de perguntas extremamente ingé- nuas, que todo o normaliano acharé interessantes porque ‘surgem de repente no espiritor daquele que se interroga acerca da sua escola, isto é, acerca dele mesmo: sio os norma Tianos literérios de uma origem social mais elevada que os normalianos cientificos? contribui escaléo de entrada para a escolha das disciplinas: matemética ou fisica, flosofia ou letras? ete. De facto, a problematica espontinea, em que entra uma enorme parcela de complacéncia narcisista, € geralmente muito mais ingénua ainda. Vejam as obras com ambigbes ieneificas que, de ha uns vinte anos, cém tido por objecto esta fou aquela escola superior. Ao fim ¢ ao cabo, poder-se-a assim fexctever um volumoso Livro cheio de factos com aparéncia inteiramente cientifica, mas que falhar no essencial: se, pelo menos, como creio, a Escola Normal Superior, a qual podem ligar-me laces afectivos, positivos ou negatives, produto dos meus investimentos anteriores, ndo passa na realidade de um ponto num espaco de relacdes objectivas (um ponto, de resto, cujo «peso» na estrutura teré de ser determinado); © se, mais precisamente, a verdade desta instituigio reside na rede de relagbes de oposigio e de concorréncia que a ligam ao conjunto CAPITULO IT 31) das instivuigdes de ensino superior ¢ que ligam esta mesma rede a0 conjuato das posigées no campo do poder is quais di acesso 4 passagem pelas escolas superiores. Se & verdade que o real é relacional, pode acontecer que cu nada saiba de uma instituigio acerca da qual ew julgo saber eudo, porque ela nade ¢ fora das suas relagdes com o todo Daqui resultam os problemas de estcatégia que encontra- mos sempre € que se colocario consrantemente nas nossas discussdes de projectos de pesquisa: ser que vale mais estudar extensivamente 0 conjuato dos elementos pectinences do objec- Xo construfdo, ou antes, estudar intensivamente um fragmento Jimicado deste conjunto teérico que esti desprovido de justifi- cago cientifca? A opgio socialmente mais aprovada, em nome dle uma ideia ingenuamente positivista da precisio e da «serie dade» ¢ a segunda: a de weseadar a fondo um objecto muito preciso, bem ciscunscrito», como dizem os directores de tees. ‘Seria bastante ficil mostrar como virtudes pequeno-burguesas de «prudéncite, de aseriedader, de shonestidaden, etc., que poderiam outrossim excrcer-sc na gestéo de uma contabilidade comercial ou num emprego administrativo, se convertem aqui em «método cientfico») Na pritica, veremos que se poré. a questo dos limices do ‘campo, questio com aparéacia positivista a que se pode dar tuma resposta cedria (0 limite de um campo € 0 limite dos seus efeitos ou, em ourco sentido, um agente ou uma instituicho faz parte de um cumpo na medida em que nele sofe efeitos ou que rele os produz), resposta esta que poderd orientar as estratégias de pesquisa que tém em vista extabelecer respostas de facto, Isto rerk como consequéncia que quase sempre nos acharemos expostos 4 alternativa da andlise intensiva de uma fracgio do objecto praticamence apreensivel ¢ da andlise extensiva do objecto verdadeico. Mas o proveito cienifico que se retira de se conhecer 0 espago em cujo interior se isolou 0 objecto estudado (por exemplo, uma deda escola) ¢ que se deve tentar aprender, mesmo grossticamente, ou ainda, a falta de melhor, com dados de segunda mio, consiste em que, sabendo-se como é a realidade de que se abitrain um fragmento © 0 que dela se fz se podem pelo menos desenhar as grandes linhas de forca do 32. INTRODUGAO A UMA SOCIOLOGIA REFLEXIVA espaco cuja pressio se exerce sobre 0 ponto considerado (um pouco & maneira dos arquitectos do século XIX, que fexiam admiriveis esbocos a carvio do conjunto do edificio no interior do quai estava situada a parte que eles queriam figurer em pormenor). E, sobretudo, nao se corre 0 risco de procurar (¢ de encontrar») no fragmento estudado mecanistmos ou principios que, de facto, the sdo exteriores, nas suas relagdes com outros objectos. © Construir ¢ objecto supde também que se tenha, perinte os factos, uma postura activa e sistemética. Para romper com & passividade empirisea, que no faz senio ratificar as pré- -coastrugées do senso comum, nao se trata de propor grandes construgies tedricas vazias, mas sim de abordar um caso empirice com a intengdo de construir um mudel — que no rem necessidade de se revestir de uma forma matemética ou formalizada pata ser rigoroso —, de ligar os dados pertinentes de tal modo que eles funcionem como um programa de pesguisas que pde questies sisteméticas, apropriadas a receber respostas sistemécicas; em resumo, tratase de construir um sistema coerente de relagies, que deve sex posto & prova como tal. Trata-se de interrogar sisiematicamente o caso particular, constituide em «caso particular do possively, como diz Bache- fard, para retirar dele as propriedades gerais ou invatiantes que 36 se denunciam mediante uma interrogacio assim conduzida Ge esta intencio esti ausente, frequentemente, dos trabathos dos historiadores, é sem davida porque a definicdo social da soa rarefa, que esté inscrita na definigio social da sua disciplina, & ‘menos ambiciosa ou pretenciosa, mas também menos exigente, deste ponto de vista, do que a que se impse 40 socidlogo) © raciocinio analégico, que se apoia na intwigio racional das homologias (ela propria alicercada no conhecimento das leis invariantes dos campos), € um espantoso instrumento de construgio do objecto. £ cle que permite mergulharmos com- plecamence na particularidade do caso cstudado sem que nela nos afoguemos, como faz a idiografia empirista, e realizat- mos a intengio de generalizaczo, que é a propria ciéncia, nao pela aplicacdo de grandes constragdes focmais e vazias, mas por essa maneira particular de pensar 0 caso particular que CAPITULO i 3 consisce em pensi-lo verdadeiramente como tal. Este modo de pensamento realiza-se de maneira perfeicamente légica pelo recurso 20 métuda comparation, cque permite pensar relacional- mente um caso particular constitufdo em caso particular do possivel, tomando-se como base de apoio as homologias estru- turais entre campos diferentes (0 campo do poder universitatio ¢ © campo do poder religioso por meio da homologia das relacdes professor/intelectual ¢ bispo/tediogo) ou entre estados diferentes do mesmo campo (o campo religioso na Idade Média © hoje). Se este seminério funcionar como eu desejo, ele apresentar- ~se-i como uma realizagio social pritica do método que tento promover: vocés ouvirdo pessoas que, trabalhando em objectos exeremamente variados, serdo sujeitos — ¢ sujeitar-se-do — a perguntas orientadas sempre pelos mesmos princfpios; deste modo, 0 madus operandi que desejo ensinar transmiti cerca maneira, praticamente, sem que haja necessidade de o explicitar teoricamente, pelo acto repetido a respeito de casos diferentes. Cada um, 20 ouvir 0s outros, pensard na sua propria pesquisa, © a situagio de comparagio insticucionalizada que & assim criada (como a moral, 0 método s6 funciona se conseguir inscrever-se nos mecanismos de um universo social) obrigé-lo- -4, a um cempo ¢ sem qualquer contradigéo, a particularizar 0 sew objecto, @ percebé-lo como um caso particular (isto concra sum dos etros mais comuns da ciéncia social, a universalizagio do caso particular), e a generalizi-lo, a descobris, pela aplicacéo de interrogagies gerais, os carecteres invariantes que ele pode ocaltar debaixo das aparéucias da singularidade (sendo um dos efeitos mais directos deste modo de pensamento o de excluir a semigeneralizagio, que leva a produzir conceitos concreto- -abstractos, resultantes da introdugdo clandestina, no discurso cientifico, de palaveas ou factos nativos* nao analisados). No tempo em que eu era mais directivo, aconselhava firmemence os investigadores a estudarem pelo menos dais objectos: por exemplo, em relagio aos historiadores, além do seu objecto principal, um dado editor do século XVUL, os coleccionadores afuies indigenes» 0 texto ofiginal, @N. T.). 34 INTRODUGAD A UMA SOCIOLOGIA REPLEXIVA durante 0 Sezundo Império, ou 0 equ valente contemporineo desse objecto’ — uma casa edicora parisiense, um grupo de coleccionadiores —, pois o estudo do presente tem pelo menos como resultado obrigar a cbjeriver e a controlar as pré-nocées que 0 historiador projecea sempre sobre o passado, nem que seja empregando palavras do presente para o designar — como a palavra artista, a qual faz esquecer que a nogdo corresponden- te € uma invencio extraordinariamence receate Uma diividia radical Todavia construir um objecto cientifico ¢, antes de mais ¢ sobrecudo, romper com o senso comum*, quer dizer, com representagées partilhadas por todos, quer se trate dos simples lugares-comuns da existéncia vulgar, quer se trate das represen- ragdes oficiais, feequencemente inscritas nas inscituicées, logo, a0 mesmo tempo na objectividade das organizacées sociais e nos. cérebros. “O pré-conserufdo esed em toda a parte. O socidlogo esté literalmente cercado por ele, como 0 esti qual- quer pessoa. O socidlogo tem um objecto a conhecer, 0 mundo social, de que ele proprio € produro e, deste modo, hé todas as probabitidades de os problemas que poe a si mesmo acerca desse mundo, 0s conceitos — e, em especial, as nogées classi- ficaxérias que emprega para o conhecer, nogées comuns como 10s nomes de profissbes, nodes eruditas como as transmitidas pela cradigio da disciplina —~ sejam produto dese mesmo ‘objecto. Ora isto concribui para lhes conferit uma evidéncia — a que resulta da coincidéncia entre as esteuturas objectivas ¢ as estrucuras subjectivas —- que as poe a coberto de serem postas em causa ‘Come pode o socistogo efectuar na pricica a davida radical fa qual é necesséria para pr em suspenso todos 05 pressupostos inerentes ao facto de ele ser um ser social, portanto, socializado * ssens commun» — traduzimos, neste passo, como em outros, por same conunr, que no deve set entendido como fom fers, tracando-se rior do wtide que é comum s um grupo ou conjunco de agentes. (N. T.) CAPITULO it 35 @ levado assim a sentir-se como peixe na 4gua no seio desse mundo social cujas estrutucas interiorizou? Como pode ele evitar que 0 mundo social faga, de certo modo, acravés dele, por meio das operagdes inconscientes de si mesmas de que ele & © sujeito aparente, a constructo do mundo social do objecto cientifico? Nao construir, como faz o hiperempirismo positivis- ta, que aceita sem critica os conceitos que Ihe sio propostos (achievement, ascription, profession, role, exc.) € ainda consteuir, porque € registar — e confirmar — 0 j& construido, A - sociologia corrente* — que se exime a por em causa de modo radical as suas proprias operagées ¢ 0s seus prdprios instrumen- tos de pensamento, ¢ que veri sem divida em tal intengio reflexive um vestigio de mentalidade filoséfica, logo, uma sobrevivéncia pré-cientifica — & inteiramente atravessada pelo objecto que ela quer conhecer ¢ que nio pode realmente conhecer, pelo facto de nfo se conhecer a si mesma. Uma pricica cientifica que se esquece de se por a si mesma em causa. no sabe, propriamente falando, 0 que faz. Presa no objecto que toma para objecto, ela descobre qualquer coisa do objecto, mas que no é vetdadeitamente objectivado pois se trata dos proprios principios do objecto. Seria ficil mostrar que esta cifacia meio-douta retira do mundo social os seus problemas, os seus conceites © 08 seus instrumentes de conbecimento © regitta amitide como um datum, como um dado empirico independence do acto de conkecime 10 € da cigncia que o realiza, factos, representagies ou institui- {GBes 08 quais so produto de um estado anterior da cifmcia, em que ela, em suma, se regista a si mesma sem se reconhecer. ‘Vou deter-me um pouco em ceda um destes pontos. A ciéncia social esti sempre exposca a receber do mundo social que ela estuda os problemas que levanta a respeito dele: cada sociedade, em cada momento, elabora um corpo de problemas swiais vidos por legitimos, dignos de serem discutides, pibli- cos, por vezes oficializados €, de certo modo, garantides pelo Estads. Sio, por exemplo, os problemas postos as grandes comissies oficialmente mandatadas para os estudar, postos + sta sociologic ordinaite» no texto original. (N. 7.) 36 INTRODUCAO A UMA SOCIQLOGIA REFLEXIVA também, mais ou menos directamente, aos préptios socidlogos, pot meio de codas as formas de procura burvrdtica, concutsos puiblicos*, programas de estndos, etc., € de financiamento, conttatos, subvengées, etc. Numerosos objectos reconhecidos pela cigncia oficial, numerosos crabalhos nfo slo outra coisa senido problemas sociais que entraram de contrabando na socio- logia — pobreza, delinquéncia, juventude, educagio, lazeces, desporto, ete. — € que, como testemunhacia uma anilise da evolucéo ne decusso do tempo das grandes divisies realistas da sociologia — tal como se exptimem nos titulos das grandes tevistas ou nas denominacdes dos grupos de trabalho dos congresses mundiais da disciplina —, vatiam ao sabor das flucuagdes da consciéncia social do momento. Af esté uma das mediagbes por meio das quais 0 mundo social constesi a sua prépria represcntagio, servindo-se para isso da sociotogia ¢ do sociélogo. Deixar em estado impensado o seu préptio pensa- mento , para um sociélogo mais ainda que pata qualquer ‘outro pensadot, ficar condenado a set apenas instrimento daquilo que ele quer pensar. Como romper com este situacdo? Como pode 0 socislogo escapar & petsuasio clandestina que a cada momento sobee ele se exerce, quando 1 o jotnal, ou quando vé televisio, ou mesmo quando Ié os ttabalhos dos seus colegas? Estac aletta € i& importante, ras io basta. Um dos inserumentos mais poderosos da tuptura é 2 histéris social dos problemas, dos ‘objectos ¢ dos instrumentos de pensamento, quer dizer, do ttabatho social de construcéo de instrumentos de consteucio da tealidade social (como 2s nogées comuns, papel, cultura, velhice, ctc., ou os sistemas de classificagda) que se realiza no préptio seio do mundo social, 00 seu conjunto, neste ow naquele campo especializado ¢, especialmente, no campo das ciéncias sociais (0 que conduziria a atcibuie um progtama ¢ uma Fangio muito diferentes dos actuais ao cnsino da historia social das ciéncias sociais —~ hist6tia que, no essencial, esc ainda pot fazer). Uma patte importante do trabalho colectivo que se sappels doffter no texto original. (N. T). caprreto tt 37 divulga na revista Actes de la recherche en sciencs sociales incide sobre a histéria social dos objectos mais comuns da exiseéncia cortente: penso, pot exemple, em todas cssas coisas que se totnatam tio comuns, logo, tdo evidentes que ninguém thes presta arencio ~~ a escruruia de um teibunal, o espaco de um moseu, 0 acidente de trabatho, a eabina de voto, 0 quadto de dupla entrada ou, muito simplesmente, o escrito ou 0 registo A histécia concebida assim ndo esté inspirada pot um intecesse de aatiquirio, mas sim preocupada em compreendet porque se compreende ¢ como se compreende. Para se nao set objecto dos problemas que se tomam para objecto, & preciso fazer 2 histéria social da emergéncia desses problemas, da sua constituiclo progtessiva, quet dizee, do trabalho colectivo — feequentemence tealizado na concotréncia € na lura —~ 0 qual foi necessario para dar a conhecet e fazer reconhecer estes problemas como problemas legitimes, confesss- veis, publicaveis, pubticos, offciais: pedemos pensat nos pto- blemas da familia, do divorcio, da delinquéncia, da deoga, do trabalho feminino, ete. Em codos os casos, descobtir-se-a que 0 problema, aceite como evidente pelo positivismo vulgae (que € a primeira cendéncia de qualquer investigadot), foi sactalmente produzido, num trabalho colectivo de consteugio da realidade social ¢ por meio desse trabatho; foi preciso que houvesse reunides, comissées, associagoes, ligas de defese, movimentos, manifestacoes, petigdes, requerimentos, deliberagées, votos, tomadas de posicio, projectos, programas, resolugdes, ete. para que aquilo que eta e poderia tet continuado a set um problema pricado, patticulat, singular, se cornasse um problema social, ‘num ptoblema publico, de que se pode falar publicamente — pense-se no aborto, ou na homossexualidade — ow mesmo num problema oficial, objecto de tomadas de posigio oficiais, € aré mesmo de leis ou decretos. Sevia preciso analisae aqui o papel pacticulac do campo politico e, sobsetudo, do campo buroctatico: por meio sobretudo da ldgica muito especial da comissaa urcerdtica, de cuja andlise me ocupo actualmente a tespeito da elabotagzo de uma nova politica de ajuda 20 alojamenco em Franca por volta de 1975, este campo constibui de mancies muito intensa para @ consageacio € para a constiui- 38 INTRODUCAO A UMA SOCIOLOGIA REPLEXIVA gio dos problemas sociais unitersais. A imposicéo da problemi- tica a que o investigador esté sujeito — como qualquer agente social —~ e que assume sempre que toma & sua conta as questdes que andam no ar do seu tempo mas sem as submeter & exame — incluindo-as, por exemplo, nos seus questionécios — torna-se mais provavel ia medida em que os problemas que sio taken for granted 11am universo social so aqueles que tem mais probabilidades de receherem grants, matetiais ou simbolicos, de sercm, como se diz, bem vistor pelos admioistradores cientfficos fe as administrages — é, por excmplo, 0 que faz com que as sondagens, essa ciéncia sem cientista®, sejain aprovadas pot aqueles que dispdem de meios para as encomendar € que se mostram, de resto, tanto mais criticos para com a sociologia quanto mais esta se desliga das suas encomendas ou dos seus pedidos. ‘Acrescento ainda, para complicar um pouco mais © para fazer ver como a situagio do socidlogo € dificil, quase desespe- rada, que o trabatho de producdo dos problemas oficiais, quer dizer, dotados dessa espécie de universafidade que Ihes vem do facto de estarem garantidos pelo Estado, da quase sempre fugar, hoje em dia, aquilo a que se chatna peritor, entre 0% quais se acham socidlogos, que se servem da auroridade da ciéncia para garantirem ou afiancarem a universalidade, a objectivida- dle, o desinteresse da cepresentacio butocratica dos problemas, © mesmo € dizer que 0 socidlogo digno deste nome, que faz 0 que € preciso fazer, em meu entender, para ter alguma proba- bilidade de ser verdadeiramente 0 sujrite dos problemas, que se podem pér a respeizo do mundo social, deve tomar para objecto a construséo que 4 sociologia, 0s socislogos, quer dizer, os seus ptOpeios colegas, dio, com toda a boa f8, pata a produgio dos problemas oficiais — ¢ ha todas as probabilidades de que isto apareca como um sinal inadmissivel de arrogancia ou como uma traigéo & solidariedade profissional, aos interesses corpora tivos. Nas ciéncias sociais, como se sabe, as rupturas epistemolé- _gicas so muitas veres eupturas sociais, rupturas com as crengas science sans savant no texto oxiginal. (N. T-). CAPITULO Ht 39 furdamencais de um grupo ¢, por vexes, com as crencas fandamentais do corpo de profissionais, com 0 corpo de certe~ vas partithadas que fundamenca a communis doctorurs opinio Praticar a diivida radical em sociologia € pér-se am pouco fora da lei. E, sem davida, 0 que tinha sentido Descactes o qual, com grande espanto dos scus comentadores, nunca estendew a politica — € conhecida a prudéncia com que fala de Maquiavel — 0 modo de pensamento que tinha iniciado to corajosameate no dominio do conhecimento. Passo a0s conceitos, js palavras, 208 métodos que’ profisida emprega para falar do mundo social ¢ para 0 pensar. A linguagem levanta um problema particularmente dramatic para 0 socidlogo: ela ¢, com efeito, um enorme depésito de pré-construcées naturalizadas, portanto, ignoradas como tal, que funcionam como instrumentas inconscicntes de construcio. Poderia tomar o exemplo das taxinomias profissionais, quer st trate de nomes de profissdes em uso na vida quetidiana, quer se trace da CSP, do INSEE*, belo exemplo de concepinalizazdo Jurucritica, de universal burocritico, como poderia tomar, mais, geralmente, 0 exemplo de todas as classificagdes (classes cvatias, javens/velhos; classes sexuais, homens/mutheres, etc. que, como sc sabe, no escapam ao arbitririo) que os socidlogos empregam sem nelas pensarem quanto baste, porque si0 cate gorias sociais do entendimenco que € comum a toda uma sociedade ou porque, como aquilo a que chamei categorias do entendimento. professoral (0s sistemas de adjectives ~~ bri- Ihantejapagado, etc. — usados para classificar 0s pontos dos alunos ou as qualidades dos colegas) sfo préprias da corporacio (© que nao impede que se fitmem, em diftims andlise, na base das homologias de estrutura, nas oposigdes mais fundamentais do espaco social, como rarofbanl, Gnico/comum, etc.) Mas creio que preciso ir mais além e discutir ndo s6 a classificagdo das profissoes ¢ os conceitos empregados para designar as classes de oficios, mas também © proprio conceito de profissio ou, para dizer em inglés, profesriam, que cem * CSP = catégories socioprofessionnelies (caregorias socigproission van). INSEE = Iastirut Netional de Statistique ee dErudes Economiques. 40 INTRODUGAO A UMA SOCIOLOGIA REFLEXIVA servido de base @ todo um conjunco de pésquisas ¢ que, para alguns, representa uma espécie de palavra de ordem mevodol6- ica. Profesion € uma nogio perigosa © tanto mais quanto ¢ certo que, como sucede em casos idénticos, as aparéncias jogam & sew favor e, em certo sentido, o seu emprego tem sido acompanhado de um progcesso em relacio & papa tedrica, 3 maneira de Parsons. Falar de profession, era tratar de uma verdadeira realidade, de conjuntos de pessoas com 0 mesmo ome, os /aiwyers por exemplo, dorados de np estatuto econé- ‘mico quase equivalente e, sobretudo, organizados em associa- bes profissionais dotadas de uma deontologia, de inseincias colectivas que definiam regras de entrada, etc. Profeion é uma palavea da linguagem comum que entrou de contrabando na Jinguagem cientifica; mas ¢, sobretudo, uma camrugdo social, produto de todo um trabalho social de construgio de um grupo € de uma rpresentagdo dos grupos, que se insinuou docemence no mundo social. £ isso que faz com que o «conceito» caminhe tao bem. Bem demais, de certo modo: se voets o accitarem pata construire o vosso objecto, encontratio listas jé feitas, centros de documentagio que reunem informagies a seu respei- 10 e, talvez, por pouco hibeis que sejais, fundos para o estudar Ble refere-se a realidades em cerco sentido demasiado reais, pois apreende ap mesmo tempo uma categoria social — social mente edlificada passando, por exemplo, para além das diferen- {gas econémicas, sociais, cenicas, que fazem da profession dos Jawyers um espago de concorréncia — ¢ uma categoria mental. Mas se, tomando conhecimento do espago das diferencas que 0 trabalho de agrgupio necessirio para consteuit a profession teve de superar, eu perguntar se niio se ecata de um campo, entio tudo se torna dificil. Como obtet uma amosera num cumpo? Se, num estudo do campo da magiseratura, no se considerur © presidente do Supremo Tribunal de Justiga ou se, num estudo sobre o campo intelectual em Franga em 1950, néo se conside- rar Jean-Paul Sartre, 0 campo fica desteuido, porgue estas personagens marca, 56 por si, uma posigio. HA posigées de tum 36 lugar que comandam coda a estrurura. Numa amostra representativa dos escritores concebides como pryfesian, n» problem CAPITULO it al Enquanto voces tomarem 0 dado — os fimosos data dos socidlogos positivistas — tal como ele se da, dar-se-vos-4 sem problemas. Tudo anda por si, naturalmente. As portas abrem- =se © as bocas também. Que grupo recusaria 0 registo sactaliza- dor do historiégrafo? © inquécito sobre os bispos ou sobre os parses que aceita — tacicamente — a problemética episcopal ou patronal tem o apoio do secretariado do episcopado do CNPE*, © os bispos ¢ os patries que se apressam a vit comentar os resultados no deixam de conferir ume espécie de diploma de objectividade a0 sociélogo que soube dar uma realidade objectiva — piblica — & representagio subjectiva que eles tém do seu proprio ser social. Em soma, enquanto vocés permanecerem na ordem da aparéncia socialmente consti- eufda, todas as aparéncias estario a vosso favor, convosco, — até mesmo as aparéncias da cientificidade. Pelo contritio, desde que vocés comecem a trabalhac num verdadeiro objecto construido, tudo se tomaré dificil: 0 progeesso «tedricom gers sum acréscimo de dificuldades «metodolégicas». Os «metadélo- ‘£0S» niio cero dificuidade em encontrar o pequeno erro nas ‘operagdes que 6 preciso fazer para apreender, assim-assim, 0 objecto conscruido. (A metodologia ¢ como a ortografia, de que se dizia: «é a cigncia dos burros». E um arrolamento de erros, acerca dos quais se pode dizer que é preciso see-se estiipido pars ‘as cometer. Para ser honesto, devo dizer que entre as fallacies arroladas, ha algumas que eu nio teria calvez encontrado sdzinho. Mas, na maior parte, so faltas triviais, que fazem a felicidade dos professores. Os sacerdécios, como lembra Niew- sche, vivern do pecado...). Entre as dificuldades, hi a questo de que falei ha pouco, a dos fimites do campo que os positivistas mais inccépidos —- quando nao se esquecem pura ¢ simplesmente de a colocar utilizando sem qualquer modificacio listas ja feitas — resolvem por meio de uma «definicio operatériay («chamo esctitors) sem verem que a questo da definigéo («fulano nfo é um terdadeiro escritors) esté em joxo no proprio objecto. Combate-se entio para se saber quem faz parte do jogo, quem merece verdadeiramente 0 nome de CNPE = Gonscil Nasional du Parronae Peancals 42 INTRODUGAO A UMA SOCIOLOGIA REFLEXIVA esctitor. A prépria nogio de escritor — e também, apesar de todos os esforgos de codificacio ¢ de homogencizagao pela homologacéo, a nogio de lawyer — esta em jogo no campo dos escritores ~~ ou dos lawyers —: a luta a respeito da definigio Iegitima, em que esta em jogo — di-lo a palavra «definigao» — a fronteira, 0 limite, 0 direito de entrada, por veues 0 namnerus clausus, € @ caracteristica dos campos na sua universalidade A abdicagio empitisea tem todas as aparéncias € rodss as aprovacées a seu favor porque, exiraindo-se 2 construcio, deisa a0 mundo social sal como é, a ordem estabelecida, as operagdes essenciais da construcio cienrifica -— escolha do problema, elaboracio dos conccitos ¢ das categotias de andlise —, preen- chendo assim, pelo menos por defeito, a titulo de rarificacio da doxa, uma funcio essencialmente conservadora. Entre 0s obsca- culos a9 desenvolvimento de uma sociologia cientifica, um dos piares esté nas descoberras verdadeiras implicarem 0s crstar mais elevados ¢ os ganhos mais eeduzidos, nao $6 nos mercadas ordinazios da existéncia social mas rambém no mercado univer- sitério, de que se espetaria uma maior auronomia. Como tentei mostrar a respeito dos cusros e dos ganhos cientificos e sociais cas _nocies de profissda e de campo, & preciso muitas vezes, para se fazer ciéncia, evitar as aparéncias da cientificidade, contradi- zer mesmo as normas em vigor e desafiar os critérios corrences do tigor cientifico (poder-se-ia, deste ponte de vista, examinat os estatutos respectivos da sociologia e da economia). As aparéncias sio sempre pela aparéncia. A vetdadeira citncia, na maior parte das vezes, tem mé aparéncia c, para fazer avangar a Ciencia, é preciso, frequentemente, corter risco de nio se tet todos os sinais exteriores da cientificidade (esquece-se que é ffcil simulé-los), Entre outras ravdes, porque os meio-habeis se prendem com as violagbes aparenres dos céinones da «mecodolo- Bia» elemenrar que, por razdes de certeza positivisea, sio levados a encarar como «etsos» € como efeitos da inépcia ou da igaorancia das opgdes merodolégicas Airmadas na recusa das facilidades da ametodologia» Sera escusado dizer que a reflexividade obsessiva, que € a condigdo de uma pritica cientifica rigorosa, ada tem de comum com 0 falso radicalismo das discussdes acerca da cigncia caprruLo 43 ‘que actualmente se multiplicam. (Penso naqueles que introdu- zem a velha critica filos6fica das cincias sociais, mais ou menos ajustada aos gostos actuais, no mundo das ciéncias sociais amevicanas, cujas defesas imunicétias foram aniquiladas, paradoxalmente, por varias geragdes de «metodologia» positic vista), Entre essas ctiticas, & preciso dar um lugar a parce Aquelas que vém da etnometodologia, embora, em ceztas formulagées, clas se confundam com as conclusoes dos mais irresponsiveis leitores dos fildsofos franceses contemporincos, que reduzem os discursos cientificos a esteutégias serdricas & respeito de um mundo reduzido, ele proptio, ao estado de texto. A anilise da légica pratica e das teorias espontineas, de que ela se arma para dar sentido ao mundo, nio tem o seu fim em si mesma — como alls, a ctitica das pressuposigées das anélises da sociologia corrente (a-reflexiva), sobrecudo em ma- téria de estatisticas; ela é um momento, perfeiramente decisi- vo, da ruptara com as pressuposigées do senso comum, vulgar ‘ou douto. Se € preciso objectivar os esquemas do senso pritico, nio € para provat que a sociologia nunca poder ser mais que jum ponto de vista acerca da mundo, nem mais nem menos cientifico que outro qualquer, mas para subtraic a razio cicati- fica & razio pritica, para impedir que esta chegue a contaminar aquela, para evitar que se trate como instrumento de conheci- mento aquilo que deveria set objecto de conhecimento, quer dizer, tudo 0 que faz 0 seatido pritico do mundo social, os pressupostos, os esquemas de percepcio e de compreenséo. Tomar para objecto 0 senso comum e a experiéncia inicial do mundo social, como adesio nio-vética a um mundo que nfo esta constituido em objute perance um sujeito, € uma maneica, precisamente, de evitar 0 ser apanhado no objecto, de trans- portar para a ciéncia tudo 0 que torna posstoel a experitncia déxica do mundo social, quer dizer, nio s6 a construcio pré- | ~construfda deste mundo, mas também os esquemas cognicivos que esto na otigem da construgdo desca imagem. E os etnome- rodélogos que se limitam a descricéo desta experiéncia, scm se invetrogarem acerca das condigdes sociais que a tornam possivel — quer dizer, a adequacio das estruturas sociais e das eserutu- ras mentais, das estruturas objectivas do mundo e das estrutu- 44° INTRODUGAG A UMA SOCIOLOGIA REFLEXIVA ras cognitivas por meio das quais ele ¢ apreendido —, nfo fazem mais que reconduzie as interrogagées mais tradicionais da Filosofia mais tradicional sobre a cealidade da realidade. E para medit os limites das aparéncias de radicalismo que 0 seu populisme epistemolégico (igado & reabiliacio do pensamento vulgat) por vezes thes confere, basta por exemplo observar que cles nunca viram as inplicacier paliticas da experiéneia déxica do mando que — enquanto accitagao fundamental, situada fora do alcance da critica, da ordem estabelecida — é 0 fundamento mais seguro de um conservadorismo mais radical relativamente Aquele que tem em vista instaurar a oriadaxia politica (como doxa recta € de direica®), Doxble bind € comeriiio © exemplo que acabo de dar, com a nogio de profssio, & ‘apenas uin caso particular. De facto, € toda uma tradi¢io dowta da sociologia que € necessicio por constantemente em diivida, € da qual ha que desconfiar incessaneemente. Daf, esta espécie de duuble bind a que todo socidlogo digno deste nome esté constantemente exposto: sem os instrumentas de pensamento oriundos da cradi¢io douca, ele ndo passa de um amador, de um autodidacta, de um sociélogo esponténeo — ¢ nem setnpre © mais bem colocado, to evidentes sio, frequentemente, os limites da sua experiéncia social —, mas estes instrumentos fazem que ele corra um perigo pertnanente de erto, pols se arrisca a substituir a doxa ingénua do senso comum pela doxa do senso comum douto, que atribui o nome de ciéncia a uma simples transcrigéo do discurso de senso comum. £ aquilo a que chamo 0 efeito Diafoirus: observei frequentemertte, sobre- tudo nos Estados Unidos, que, para se compreender verdadeira- mente aguilo de que este ou aquele socidtogo fala, & preciso (e basta) ter lido 0 New York Timer da semana ou do més anteriores, que ele retraduz nessa terrivel linguagem-barrciea, nem verdadeiramente concreta nem verdadeiramence abscracta, + adoxs dioice er de drviten, no texto original. (N. 2, CAPITULO tt 45 que the ¢ imposta, sem ele mesmo saber, pela sua formagio € pela censura do establishment sociologico, Mas nao é facil escapar & alternativa da ignorincia desarma- da do autodidacta desprovido de instrumentos de construgio € da meia-cigncia do meio-cientisca, que aceita sem exame cate- gorias de percepcao ligadas 2 um estado do mundo douto, dos conceitos semiconstruidos, mais ou menos directamente tirados do mundo social. Nunca se experimenta téo bem a conctadicio como no caso da etnologia na qual, em consequéncia da diferenca das tradigoes culturais ¢ do érangement dai resuleance se no pode viver, como no caso da sociologia, na ilusto da compreensio imediata. Por exempto, devo confessar que se, antes de ir «para o terreno, eu no tivesse lido os antropélo- 05, nao me teria calvez apercebido da diferenca radical estabe- lecida pelos meus informadores © a propria linguagem que empregavam entre @ prima paralela ¢ a prima cruzada. Neste caso, ou no se vé nada, ou entéo fica-se sujeito as categorias de percepc#o ou aos modos de pensamento (0 juridismo dos eendlogos) recebides dos ancepassados — que, a maior parte das veres, 08 receberam de uma outea tradigio douta, como & do dircito romano). isso favorece uma espécie de vonservadoritma estrisural, que leva a reproduzir a doxa dauta. Dai, a antinomia da pedagogia da pesquisa: ela deve transmitir ao mesmo tempo instrumentos de construcio da realidade, probleméticas, conceitos, técnicas, mécodos, ¢ uma formidawel atitude critica, uma tendéncia para por em causa esses instrumentos —~ por exemplo, as classificagées, as do INSEE ou outras, as quais nem sombaram do céu, nem saicam ‘completamente armadas da tealidade. Escusado seré dizer que, como qualquer mensagem, esta pedagogia tem probabilidades muito desiguais de ser bem sucedida, segundo as aticudes sociatmente constituidas dos destinaérios: a situacio mais favordvel € a das pessoas que reunem uma cultura douta e uma certa revolta contra essa cultura —~ figada, a maior parte das vezes, a uma experiéncia estranha a0 universo culto, que faz com que se ao deisem enganar — ou, muito simplesmente, uma forma de resisténcia perante a sepresentagio assepsiada ¢ des-realizuda do mundo social proposta pelo discurso social- 46 INTRODUGAO A UMA SOCIOLOGIA REFLEXIVA mente dominante em sociologia. Penso em Aaron Cicourel, gue tivers, ma juventude, convivéncia bastante com 0s «de- linquentes» dos slums de Los Angeles para set espontanea- mente levado a pdr em duvida a cepresentacio oficial dos -adelinquentes»: foi sem divide esta familiaridade com. uni- verso estudado que, associada 2 um bom conhecimento da estatistica, 0 incitou a por as estatisticas da delinquéncia ‘questdes que nenhum preceito metodolégico teria podido ge- rar. Entre os obstculos com os quais deve contar uma verdadei~ ta pedagogia da pesquisa, hé, antes de mais, a pedagogia corrente dos professores vulgates, a qual reforca as atitudes conformistas inscritas na propria légica da reprodugio escolar ¢ também, como ja disse, na impossibilidade de «ir és proprias coisas» sem qualquer instcumento de percepcao. E minhe convicgio que o ensino corrente da sociologia € as producdes intelectuais saidas desse ensino € condenadas a voltar a cle, constituem hoje 0 principal obsticulo que s¢ levante ao desen- volvimento da cigncia social. E assim por muitas razdes. Lembro apenas uma, que j& por vezes evoquei: 9 ensino perpetua ¢ canoniza oposigées ficticiss entre autores (Weber! /Masx, Durkheim/Marx, etc.), entre métodos (quantitativo- iqualitativo, macro-sociologia/micro-sociologia, estrutura/his- téria, etc.) enere conceitos, etc. Se, como todas as falsas sinteses de uma teoria sem pritica € todas as prevengdes escerilizantes ¢ indteis de uma «metodologias sem conceitos, ‘estas operagoes de catalogagdo so muito Geis pata afirmarem a existéncia do professor, colocado assim acima das divistes por ele descritas, € sobretudo como sistemas de defesa contea os progressos verdadeiros da ciéncia, que ameacam 0 falso saber dos professores, que elas funcionam. As primeiras vitimas sio, evidentemente, os estudantes: com excepgio de atitudes espe- ciais, quer dizer, salvo se forem particularmente indieis, eles esto condenados a deixarem sempre uma guerra cientifica ou epistemoldgica para tris, como os professores, porque, ¢m vez de 05 fazerem comecar, como deveria ser, pelo ponto a gue chegaram os investigadores mais avancados, fazem-nos percor ser constantemente dominios j conhecidos, em que repetem CAPITULO It a ‘eternamente as batalhas do passado — é essa uma das fancdes do culto escolar dos classicos, inveiramente contréria a uma verdadeira histéria critica da ciéncia Gostaria ainda, mesmo correndo 0 risco de parecer levar 20 extremo a divida radical, de evocar a5 formas mais perversas que o penszmento preguicoso pode assumir em sociologia: penso, por exemplo, no caso, bastante paradoxal, de um pensamento critico, como o de Marx, poder funcionar em estado de impensado, ndo sé nos cérebros dos investigadores — e isto quet se afirmem adeptos de Marx, quer © combacam — mas cambém na realidade por eles registada em forma de pura atestacéo. Inquisir, sem mais nem menos, acerca das classes sociais, sobre a sua existéncia ou ndo-existéncia, sobre 0 seu miimero € 0 seu caracter antagonista ou nio-antagonista, como se fax com frequéncia sobretudo com a intencdo de se refuear 2 teoria maraista, € tomar para objecto, ser se saber, as marcas que os efeitos exercidos pela teoria de Marx deixaram na realidade, sobrecudo através dos esforgos dos partidos € dos sindicatos que se dedicaram a do proprio abjecto estudado pars aquele que 0 estuda, tudo aquilo que ele menos pretende conhecer na sua relecdo com 0 objecto que ele procura corhecet. Exercécio mais dificil, mas também 0 mais necessério porque, como cencel fazer em Homo academicus, 0 crabatho de objectivacio incide neste case sobre um objecto muito particular, em que se acham inscritas, implicitamente, algumas das mais poderosas determinantes sociais dos préprios principios da apreensio de qualquer objecto possivel: por um lado, os ineeresses especificos associados & pertenga a0 campo univetsitirio e & ocupacio de uma posigio particular nesse campo; e, por outro lado, as categorias socislinente constitu(das da percepgio de mundo uuniversitario e do mundo social, essas categorias de entendi- 52 INTRODUCAO A UMA SOCIOLOGIA REPLEXIVA mento professoral que, como disse hé pouco, podem estar envolvidas numa estética (atcavés da arte convencional) ou numa epistemologia (através da epistemologia do ressentimento que, fazendo da necessidade vircude, valoriza sempre as peque- nas cautelas do rigor positivisea contra todas as formas de andécia cientifica). ‘Sem querer explicitar aqui todos os ensinamentos que ama sociologia reflexiva pode retirar desta andlise, gostaria de indicar somente um dos pressupostos mais escondidos do projecto cientifico, que tornei claro, compelido pelo proprio trabalho de inguérito sobre tal objecto, com a consequéncia imediaea — prova de que a sociologia de sociologia nfo é um Tuxo — de um melhor conbecimento do proprio objecto. Nam primeiro tempo, tinha consteuido um modelo do espago uni- versicario, como espago de posigies tigadas por relagdes de forga especificas, como campo de forgas ¢ campo de lutas para conservar ou cransformar este campo de forgas. Poderia rer ficado pot af, mus estava de prevenclo pelas observacdes que em outro tempo, no decurso dos meus trebalhos de etnologia, tinka podido fazer acerca do’ «epistemocentrismor associado 2 postura douta. Além disso, o malestar que em mim suscitava, no momento da publicagio, o sentimento de ter cometido uma espécie de deslealdade, erigindo-me em observador de um jogo que eu continuava a jogar, obrigou-me a voltar ao mew projecto. Seni pois de maneira particularmente viva 0 que cscava implicado na pretensio de adoprar 2 posicio de observa- dor imparcial, a0 mesmo tempo omnipresente ¢ ausente, porque dissimulado por detris da impersonal idade absoluta dos procedi- mentos, ¢ capaz de assumie um ponto de vista quase divino acerca dos colegas que sio também concorrentes. Objectivar a pretensio & posigio realenga que, como hi poaco disse, leva & fazer da sociologia uma arma nas Jutas a0 interior do campo em vez de fazer dela um inserumento de conhecimento dessas luras, portanto do proprio sujeico cognoscente o qual, face 0 que fizer, no deixa de estar nelas envolvido, & conferit a si mesmo os meios de ceintrodurie na andlise a consciéncia dos pressupostos € dos preconceitos, associados a0 ponto de vista local e localizado daquele que constréi 0 espago dos pontos de vista, CAPITULO I 33 A conscitncia dos limites da objectivagio objectivista levou-me a descobrir que existe no mundo social, em especial no mundo universicério, toda uma série de instivaigdes que produzem 0 efeito de totnar accitavel a distincia entce verdade objectiva e 2 verdude vivids daquilo que se faz ¢ daquilo que se é — tudo o que os sujeitos objectivados pretendem lembrar quando opdem a anélise objectivisea que 0 no se passa assimn. Encontram-se, por exemple, neste campo particular, os sistemas de defesa colectivos que —~ em universos em que cada um futa pelo monopélio de um mercado no qual no hé como clientes senéo concorrentes, ¢ em que a vidi é por consequéncia muico dura ~~ permite que cade um se aceite a si mesmo aceirando os subterfiigios ou 2s gestifica- gées compensatérias oferecidas pelo meio. E esta dupla verda~ de, objective € subjectiva, que consticui a verdude completa do mundo social Gostaria de evocar, embora hesite um pouco em fizé-lo, a titulo de dltimo exemplo, uma exposigéo apresentada aqui mesmo a respeito de uma sessio eleitoral na televisio, objecto que, na sua aparente facilidade — tudo se dé, de imediaro, & incuigio. imediata — retine todas as dificuldades que am socidlogo pode encontrar. Como passar para além de uma descrigao inteligente, mas sempre sujeica a «fazer pleonasmo com o mundo», como dizia Mallarmé? E um grande perigo, com efeito, dizet por outras palavras 0 que os actores tinham dito ou feito, e destacar significagées de primeiro grau (hé uma dramatizacio da expecrariva do resultado, hé uma luta entee 0s participantes a respeito do sentids do resultado, etc.) das significagdes que so produto de intengGes conscientes ¢ que 0s préprios actores poderiam enunciar se tivessem tempo para isso € se no temessem por o seu jogo a descoherto. Estes sabem bem — pelo menos na pritica ¢, actualmente, com ura frequéncis cada vez maior, de modo consciente — que, mura situagdo em que o que esté em jogo ¢ a imposicio da represen- tagio mais favorivel da sua prépria posigio, a confissio publica do fracasso, como acto de reconhecimento, é de facto imposs{- vel; que nio hi, prapriamence falando, evidéncia universal dos imeros e da sua signtficagio ¢ que a estrarégia que consiste 54; INTRODUGAO A UMA SOCIOLOGIA REFLEXIVA em «negar @ evidénciay (52% & superior a 48%), embota aparentemente condenada 20 insucesso, conserva uma certa validade (os X ganharam, mas os Y nao perderam; os X ganhacam, mas de modo menos acentuado do que da ultima vez ~~ ou menos acentuado do que tinham previsto, etc.) Eseatd de facto af 0 essencial? O problema do corte poe-se com uma forga especial, porque 0 analista encontra no objecto concortentes A interpretacio do objecto que, frequencemente, também se apoiam na autotidade da ciéncia. Tembém se poe de maneira parcicularmente aguda porque, de modo diferente do que se passa em ourras ciéncias, a simples descrigéo, menos construida — quet dizer, empenhada etn restituir todas. as Caracteristicas pertinentes ¢ $6 essas — nio com o valor inerinseco de que se reveste’ quando se crata da desctigio de ‘uma ceriménia secreta entte 05 Hopis ou da sageagio de um rei tna Idade Média: a cena foi vista ¢ compreendida (em cetto nivel € até certo ponto) por vinre milhdes de espectadores € 0 regisco faz dela ums restituigio que nenhuma ttanscrigéo positivista pode ulerapassar ou mesmo cocar de perto De facto, s6 se pode sait da série indefinida das iorerpreca~ goes que se refutain umas as outras — 0 hermeneuta esté perante uma luta entre hermeneutas que se bacem pela dicima palavea @ eespeito de um aconcecimenco ow de um resulcado — se se construir vealmente 0 espaco das relagies objectivas (esteucura) de que sio manifestagio as permutas comunicacio~ ais directamente observadas (intecacco). Trata-se de spteen- der uma realidade oculta, que s6 se descobte encobrindo-se, que $6 se mostra enquanto facto banal das intersegdes em que se dissimuts a si prdpeia. Que quer isto dizet? Temos diante de és um conjunto de individuos, designades por nomes pré- prios, o senbor Paul Amae, jocnalista, o senbor René Rémond, historiador, 0 seahor X, politélogo, etc., que trocam, como se diz, palaveas aparentemente passiveis de uma «anilise de discurso» € de que todas as «interacgBes» visiveis fornecem na aparéntia todos os instrumentos da sus préptia andlise. De facto, a cena que se representa no palco, as estearégins que os agentes cmpregam para levacem a melhot na tuca simbética pelo monopélio da imposiséo do veredicto, pela capacidade CAPITULO It 3S reconhecida de dizet a verdade a respeito do que esta em jogo no debate, slo a expressio das relagdes de forca objectivas entre 0s agentes envolvidos e, mais precisamente, entre or campos diferentes em que eles estio implicados — e em que ocupam posigdes mais ou menos clevadas. Dico por outras palavras, a inceraccio ¢ a resultante visivel e puramente fenoménica, da intersecgio dos campos hierarquizados. (© espaco da interuccéo funciona como uma situagio de mercado linguistico, que tem caraceeristicas conjuncutais cujos principios podemos destacar. Em primeira lugat, é um espaco pré-consttuido: a composigio social do grupo est antecipads- mente decerminada. Para compreender 0 que pode ser dito © sobretudo gue nao pode ser dite ao palco, € preciso conhecer as leis de formagio do grupo dos iocucoes — € preciso saber quem € excluide © quem se exclui. A censura mais radical € a auséncia. E preciso pois consider as taxes de reptesentacio (no sentido estatistico € no sentido social) das diferentes categorias (exo, idade, estudos, etc.), logo, as probsbilidades de acesso 20 local da palavea — e, depois, as probabilidades de acesso & palavra, mensueével em tempos de expresséo. Qutra caractetis- tica ainda: o jornalisea exerce uma forma de dominagéo (con- juntural nio estructural) sobre um espaco de jogo que cle cons- ‘ruiu, e no qual cle se acha colocado em situagio de drbitro, impondo normas de 0 teemo «disposirion-, na acepgio em que o comms o autor, serk por a ceadusido por stud ao Jonge destes cextos, slvo ocornéacia especial (N.T.) CAPITULO It 8 ‘um neologismo ot, segundo 0 modelo das ciéncias da natureza, a um efcito, mesmo menor, fazendo assim subir a soa coragio no Citation Index’ A procura da originalidade a codo 0 custo, frequentemente facilitada pela ignoriacia e a fidelidade religiosa a este ov Aquele autor candnico que leva & repeticao. cicual, impede, uumma e outra, a justa atitude para com a tradigao te6rica, que consiste em afirmar, ao mesmo tempo, @ continuidade ¢ a ruprara, a conservacio © a superacio, em se apoiar em coda 0 pensamento disponivel sem temer a acusagio de seguidismo ou de ecletismo, para ir para além dos antecessores, ulerapassados assim por uma atilizagio nova dos instrumencos para cuja producto eles contribuiram*. A capacidade de repcoduzir acti- vaente os melhores produtos dos pensadozes do passado pondo a fancionar os instrumentos de producto que eles deixaram é a condicao do acesso a um pensamento realmente produtivo, ‘Também a elaboragio © a transmissio de métodos de pensamenco eficazes ¢ fecundos nada tm de comum com a circulaggo das sideiasy tal como & geralmente pensada: se é permicida esta analogia, disia que os trabathos cientificos sto parecidos com uma miisica que fosse feita néo para ser mais ou menos passivamente escutada, ou mesmo executad, mas sin para fornecer principios de composicgao. Compreender trabalhos Cientificos que, diferentemente dos textos cedticos, exigem iio a contemplacio mas a aplicagdo pritica, & fazer funcionar * Bsa eseratégia, que éa moeda mid da ambicéo poscvisesradicin ral de liga o nome a uma ecole ou a om sistema e, deste modo, a ura visto do mundo, tem a seu for as apueacias da odésia cients Tambimm aqui ciéncis socais cdo numa posgio pouco fvorivel 4 insciraigio de tal relagio realists com 2 herange cerca: os valores de ‘rigizaldage, que sio ot dos campos Literiio, auteico ou flossfco concinuam a ovientar 0 jules; ees desacrediamn come servi x seguiista a woncae de adguirir instrumences de producto especifices fgada = uma Crulicio 6, deste modo, « um tesbalbo coleerso ¢, asim, favorecem es Coasts sem fururo pelok qusis 08 pequenos empesiros sem capical en fim mise wsociar @ 4c gome a uma Macca de febeiea — como se ¥é no us critics an que mio hi, hoje, autor que sno teibua um norne downin 64 4 GENBSE DOS CONCEITOS pfaticamente, a respeito de um objecto diferente, 0 modo de pensamento que nele se exprime, € reactivé-lo num novo acto de produgio tio inventivo € original como o acto inicial que se ‘opée absolatamente ao comentdrio des-realizante do lector, meta- discurso ineficaz ¢ esterilizante, Por isso a aptopriagio activa de um modo de pensamento cientifico, ainda que muitas vezes desacteditada como imitagio servil de epigono ou como aptica- G0 mecinica de uma arte de inventar ji inventada, é tao dificil € to fara, no 6 pelos efeitos de conhecimento que produz, como também pela sua elaboragio inicial Uma das inimeras razbes da particular dificuldade das cincias sociais est no facto de exigitem unio de uma geande ambicéo com uma extrema humildade: humildade aecessaria pata conseguir dominar prati- camente todo 0 conjunto dos conhecimentos adquicidos, dispersos © pauco formalizados, da disciplina, incorporando-o, como modo de habitus (apesar da falsa originalidade da srrogén- cia ov da ignorincia continuarem a ter crédito); ambigio indispensivel para tentar, coralizar numa pritica realmente cumulative 0 conjunto dos saberes e do saber-fazer acurnulados ‘em todos os actas de conhecimento — e por meio deles — realizados pelo colégio dos melhores, no passado € no presente. ‘A mesma atitude esteve na origem do emprego do conceito de campo. Também aqui a nocéo serviu primeite para indicar uma direcgio 4 pesquisa, definids negativamente como recuse & alcernaciva da interpretagio interna ¢ da explicagao externa, perante a qual se achavam colocadas todas as citncias das obras culturais, ciencias religiosas, historia da arte on histétia liters- ria: nestas matérias, a oposicio entre um formalismo nascido da teorizagio de uma arte que chegara a um alto grau de anrono- mia € um reducionismo empenhado em relacionat ditectamente as formas artisticas com formas sociais — com 0 qual © marxismo, apesar da nogio de auronomia relativa, tendia a identificer-se, especialmente com Lukacs ¢ Goldmann — enco- bria 0 que as duas correntes tinham de comum, a saber, o facto de ignorarem 0 campo de produgio como espaco social de relagées objectivas. Segue-se daqui que, uma vez mais, a investigacio genealégica —- que conduritia 2 autores téo distances uns dos outros, como € © caso de Trier ¢ de Kurt CAPITULO TE 65 Lewin — daria infinitamence menos resultados do que # referéncia & Tinhagem ou a linke te6rica em que o emprego da palavra inscrevia tudo 0 que se empreendia: o modo de pensamento relagional (de preferéncia a estruturalista) que é 0 de toda 2 ciéncia moderna’, como mostrou Cassiter ao torni-lo explicito®, € sem divide 0 que liga trabalhos tao diferentes na aparéacia como os dos formalistas russos —- em particular ‘Tynianov? —, os de Lewin ou os de Elias e também, evidence- mente, os eseruturalismos finguisticos ow antropokigicos* A dificuldade que € particular a aplicagao deste modo de pensamento As coisas do mundo social provém da ruptura com 8 percepcio comum do mundo social por este exigida. Assim, para consteair realmente a nocio de campo, foi preciso pasar para além da primeira tentativa de anilise do «campo incelec- tual»? como universo relacivamente aurénomo de relacdes STentei pot em evidéncia, nur artigo escrito no aime do extracuralis- mo, as condicbes ds splicaio &s ciéncias sociais do modo de pensamento telacional que se impds as ciéacias da netuteza © que, por nio ter sido clacamence peosado nor ns prmpa, 4 v8 a0 poucos deformado, desviado fa pervertide, nas diferentes formas de extruturalismo (cf P. Bourdieu, «Serucfuralism and ‘Theory of Sociological Knowledge», Sicial Rearch, XxY,, 4, Verto 1968, pp. 681-706), “© ease Casster, Sibiane of Fenton, Paris, Minuit, 1977, p. 19. 7 Sobte & ligagda entre os formatisas rusts © Cassirer, pode verse B. Steines, Ruston Formalin, A Melepetis, Ithaca, Cornell University Press, 1984, pp. 101-104 * sa tnidade de linha tericaescéna origem das afinidades, de inicio confusamence sentidas, ¢ dos pontos de encontro, as mais das vezts descobertos fora de tempo, que importa nio descrever como produtcs dem cempréstimo, pois sf0 o resultado da aplicacio separida dos mesmos eaque- mas (weremon isto mais adiante a respeto dos formalises ruscs). Nede ht de msis divertido, no crabalbo intelectual, que descobrie x mesma ides, com pouces diferergas de forma, em autores diferentes, wobeetudo quando a forigem deste encontro & perfeiamenre clara. Pensamos neste caso em Baudelaire: «Pois ber, acusam-me, a mim, de imirar Poe! Sabe por que razio traduai Poe com fanca paciéncia? Porgue ale se parcia eonige. A primeira vee que abri um liveo dele, vi com espanto © nieve, 80 56 rmorivos sonhados por mira, mas fase, pensadas por mim, ¢ estits por le, vinge anos antes.» (CEC. Baudelate » Théophile Thoré, 1863, in Buandetuine Critique w'Art, Pais, Clab des Liocaizes, p. 179. 'P. Bourdieu, «Champ Torlleecuct et “rojee Crésteurs, in Ler Temps akrnet. 0.2 246, Nive ae 3966, pp. 862-806 66 A GENESE DOS CONCEITOS especificas: com efeito, as relagdes imediatamente visiveis entre os agentes envolvidos ta vida intelectual — sobretudo as reraccBes entre os aUFOFES OU entre Os autores € Os editores —~ tinham disfarcado as relagées objectivas entre as posighes ocupadas por esses agentes, que determinam a forma de tais interacgdes. Foi assim que a primeira elaboracio rigorosa da nogio saiu de uma leitura do capitulo de Wirsscbaft nnd Gutellichaft consagrado a sociologia religiosa, leirurs que. domi- nada pela referencia permanente 20 campo intelectual, nada tinha de comencatio escolar. Com efeico, mediante uma critica da visio intetaccionista das relacées entre os agentes religiosos proposta por Weber que implicava uma critica retrospectiva da minha representagao inicial do campo intelectual, eu propunha uma construgio do campo religioso como eitrudara de relagies ohjetivas que pudesse explicar 2 fotma concreta das interagces que Max Weber descrevia em forma de uma tipoiogie realitea ® Nada mais eestava fazer do que por a funcionar o instrumenco de pensamento assim elaborado para descobrir, aplicando-o a dominios diferentes, nao sé as propriedades especificas de cada campo — alta costura, literatura, filosofia, politica, etc. —~ mas também as invariantes reveladas pela comparacio dos diferentes universos tratades como ocasos particulares do possi- velo. As cransferéncias mecédicas de modelos baseados. " . Bourdieu, «Une inceeprécation de ta sociologieseligicuse de Max Weber, in Archie! opens: de socinlogie, Xt, 1, 1971, pp. 3-21. Embora também aqui conte evidencemence 4 intengio de reduzir 0 eeico proprio da leivura, a evidéncia — ex pose ~~ da renterbretaydo estruturalista por rien propose faz com que. desde que a primeiro volumede Wirtschaft and esilicheft foi, eofimn, caduzido, se ateibus geralmente a0 proptio Weber (comprceader- sseri que ex no figa ciragSes) conceitos como os de campo religioso ou , capital simblica e rade um modo de pensamento que sip evidentemente cstranboe &Tdgiea do seu pensamente. (Teara-se dot. | incitulado Eomamiew Sint trad, dirigida por J. Chavy ¢ £. de Dampierte, Paris, Plon, 1971] "Y Se a aplicagio reiterada dos mesmos exquesnas a objects diferentes ‘condua a alguns reperigées fastidiosas, ela justficase sem divide do ponta de visea da pedagogia da pesquisa, 02 medida em que estes esquemas podem deste modo passae dirccramente pars a pritica do leitor activo, capar de frarae © prorocalo cieatifico como exereicio de trabalhos pricicos — isto sem fexcluie os efeicos, sem divida muito diferentes, da trensmissio em forma de teaduglo formalizads dos esquemas priicos to habitus ciensifio, CAPITULO tit 6 hipétese de que existem homologias estruturais ¢ fancionais entte todas 0s campos, ao invés de fancionarem como simples metiforas orientadas por intencées retéricas de persuasio, cém uma eficécia heurisrica eminente, isco €, a que toda a tradicéo epistemoligica reconhece & analogia. Além disso, a paciéneia das aplicagées priricas tepetidas deste mérado é uma das vias possiveis (para mim a mais acessivel ¢ a mais accitével) da aascensio semintica» (no sentido de Quine) permixindo levar a um nivel de generalidade ¢ de formalizacio mais elevado os principios teéricos envolvidos no eseado empirico de-universos diferentes ¢ as leis invariances da estructura ¢ da hiseéria dos diferentes campos. Estes, em consequéncia das particulacidades das suas fungdes € do sea funcionamento (ou, mais simples- mente, das fontes de informacio respectivas), denunciam de mancira mais ou menos clara. propriedades comuns a codes os campos: assim, © campo da alta cosrura levou, mais direcea- mente do que qualquer oueto universo, a uma das propricdades mais importantes de codos os campos de produgéo cultural, que & a da logica propriamente migice da produgio do produtor ¢ do produto como feitigos — sem divids porque. sendo mais legicimo culturalmente, ele censura de modo menos vivo 0 aspecto Péemula jusiien consagrada em dieio civil pata exptimiro dircco ‘que cabe ao herdeiro legiciono de entrar na posse imediata da heranga do defunco. Nao hd expresso correspondence na lingua portugues mas podecd teadurirse por «O.morto apoderiae do vivor (NT). E, vem david, no eabulho de mobilizacioe, mais pecsareane, no ‘trabalho de unifieagio e de universalizaci que se ge uma grande pace das prewatages (no sentido da psicologia, também no do dici e de teatro) «que os qrupos (e, em particular, a8 castes dominantes) do de i pics € 76 HISTORIA REIFICADA E INCORPORADA Se esta versio da filosofia teleolégica da histétia, sem diivida menos afastada do que parece do «tudo isto € de propésito» da indignacdo moral, péde ¢ pode ainda aparecet como intelectualmence aceitavel, € porque cla encontra € expri- ine as aticudes constitutivas da «postura filoséfica» ral como a Gh sun wnidade ay quis eles condense, pa as cxigtaci da Ia Ccompleramencedecnces das ds ole) em ecnt-forgn ou 6 sna de reagrapamence (case operon, =prolaiadon, nqundcnn, «PME, fe) fequentenenve retomados tle plo ie, mesmo wero, Sobre o mundo sol Aum quando, pot met dean cece de nliaio puts romain cin ue inp ares veses& nia soca, lade Cimovimento operstor, fend ds encdaeo uo clei dee Cateore tiedienment pliaa,se corte 0 ico de ene = pose = funclo socal dese deignaie cxenogsn de repens relive = inal a clase opera consul para te produc como al (Pewee em Speraie de au socal io complens como 4 qa ea mamfape) cae qu ar pate, ne qualidade de condo ede prodro, ail qv se {harms por vees'0-emoviments pectin, quct die, 6 conjnto dt Sania sins ov polities ut se recat da late opera eee feng €reprveatara clase opin Qua eilogin psi ara Fancioralison que a rita, o seu sien advem,edememeney de tre to alte terisnenco a plea apleandose, cone een, ami mar Ihas, a adhersiios que € precio deuacredzerexpondo © pinto dos se Sica dv eu eo, ou Gi ah soy Cp. poly iseapaion,slcio do capiatimos). Sendo sé iid neat Sete como 1 Igeie coven pel selves cnn cn tn tnsenisna corn mit olor il brag, cdo ele wr pars a rang don seas fins ebectve, quer der, tempore poor, Engst gi, om tentarenostostin npr bal, fa aa eran por me {cls dor crigos, fas em que 0 ue et em jogo in € nem nance poder set eachusvarente © explkieamence temporal, que le memos proskeem —~ sm pecesramente a pesser creo tis as ees equa « aseguar at condgbe condi soca de nn rein Tepe socal, Pra compecnde, por explo, 0 que desreve COO tam adeslizar du Ips fou do scadicons) para 4 exierdae, € precio “Inpor dos meios pare iterpvetar as inumers orev oe iio (tambon lng) sve de esa part Gere enna pit sur dfinigio deli, sno 0 papel do rigs, ls pio ere tes neste allin te seonadn, 9 de acropaabar exe awn, de © crquctar, 0 je et tat als Fl pate cle santa este, cm bcs Droits da plucy regina prepare fare ar dele, © quel + Eeroure das ons dvisoe epoca, na lies eténoree do cme lets ctpeacian, os enforces 28 engi dn mu ths fe CAPITULO 1V ” definem em dado momento os processos de selecgdo ¢ de formacio daqueles que fazem da filosofia uma profissio. De facto, ela sarisfaz canto a exigéncia de elevacéo eteéticar, que estimula 0 sobrevoar dés factos © a gencralizagio varia ¢ aptessada?, como a pretensio hermentutica que manda procurar 8 esséncia por deteés da aparéncia, a esttutura para além da histétia e tudo o que a define em exclusive, quer dizer, todas as realidades vagas, misturadas ¢ ambiguas que pesam sobre as ciéncias sociais, disciplinas auxiliares e ancilérias que apenas servem para «tema de reflexio» e sempre suspeitas de cumpli- cidade com a tealidade que elas se esforcam por conhecer ~~ € assim que Althusset, com 0 pretexto de tesauragio teérica, reavivou a condenagio que a ortodoxia marxista sempre fez pesar sobre todos aqueles que, pelo facto de procurarem, revelam que nem tudo esti encontrade; matando de uma cajadada dois coethos, ele reforcava, se necessério, 0 desptezo — inquieto ~~ que a ortodoxie filoséfica nunca deixou de professar em relagdo as «ciéncias ditas sociais», disciplinas plebeias © importunas. Redurir os agentes a0 papel de exc- cutantes, vitimas ou cimplices, de uma politica inscrita na Esséncia dos aparethos, € petmitiemo-nos deduzie a existéncia da Esséncia, Jer as condutas na descrigao dos Apacelhos ¢, a0 mesmo tempo, fugit 4 observacio das priticas e ientificar a pesquisa com a leitura de discuxsar encatados como mattizes reais das. peiticas. Se é verdade que # propensio para teatar um universo social * 20s sibs, os flésoos muito propenos generac, & clasifiaso, ruito fecundes na eviagio de novas palavas ow de noves rise pan ob aéceton eas clasts que magisam, to sbo os que mais faz progeedt ab Ciencias e a flsofe. E precio, pois, que o principio vendadeitamenre activo, o principio de feundidade ede vids, eat tudo 0 que di rapeito a0 desenvolvimento da rafo do exptita fiexGho, nda esida a acuede de abstraie, de chasifiar ¢ de genemaliur. Conexae que o grande gedmetts jean Berouili, deagostoso por ver que 0 2eu coitemparineo Varignon Theis quereeaproprar ae dot sus descoberss, «pete de mea nod Fitna govetiidade que o aur descurre, © ue no exigis grande esorgo ‘neentivn, dizi maticionimenee, no termina cin meméra que. fst “Wario Wale ten geverilirt iatse (A.A, Curae, unr compl toume Il eine ot Jo Paiome, Paris Vein. p20) 8 HISTORIA REIFICADA E INCORPORADA como Aparelho € proporcional & distincia, que condena 0 objectivismo, ¢ 4 ignorancia, que simplifica a visio, compreende-se que os historiadores, de resto dados a designios teéricos menos ambiciosos, pela sua posicio no expaco univers. tétio, sejam menos levados a heroicizar entidudes colectivas. ‘A verdade é que a sua relacdo com o objecto determina ainds amitide a sua visio do objecto. Primeiro, porque «s tomadas de posicéo sobre 0 passado radicam frequentemente (sendo 0 exemplo da Revolusio Francesa o mais evidente) em tomadas de posigio latentes sobre 0 presente ou, mais exactamente, contra os adversitios inrelectuais do presente (segundo a légica do «duplo resulrado» * que se inscreve na autonomia relativa dos espacos de produgfo cultural). Além disso, os historiadores hem sempre escapam a uma forma subtil de mistificacéo: primeiro, porque nfo s6 a ambigio, legada por Michelet, de ressuscitar 0 passado ¢ de restituir o real como também a desconfianga em relagao aos conceitos os incita « utitizarem intensivamente a metafora, a qual como sabemnos desde Mex Miiller, esta tepleta de mitos; depois, porque toda a sua postura de especialiscas das fontes ¢ das origens os leva a Sicuarem-se na légice mitica das origens e do primeira comeco. AAs causas comuns, que leva a pensar a hist6ria como procura das responsabilidades, junta-se no caso deles uma espécie de habito profissional: a busca da superacio distinriva incita os historisdores @ recuarem cada ver mais n0 passado, a mos- trarem que tudo comegou mais cedo do que se julgava, = descobrirem predecessores dos precursores, a revelacem pre- niincios dos sinais anunciativos —~ ao invés dos irtistas de vanguarda que sio levados por ela a aceletar 0 processo que thes pode escapar’, Basta-nos pensat em questées como as do ‘+ scoup doubles n0 texto original (NT. * Lm exemplo, entre muitos, ¢ ¢ da aurobiografia. Néo podemos aptesencar as Confiins de Rousseaa sem fos perguntarmos se esta obra criou 0 género autobiogrifco, e evocar imediaremente Moneaigne ou Benvenuto Callini ou, indo mais longe, Santo Agostinho. — para sermos de imediso ultapassados pelo erudieo (alemdo} que, em alguma historie mosumental dda aurobiografia (0 exemplo nio ¢ imagindrio) mostcaci que as origens do igénero se devesn procwtar no Proxime ou no Média Oriente € enecitcari cAaefTULo iv 79 nascimento do capiralismo ou do aparecimento do attista modeeno, cujo sucesso infalivel s6 se explica porque elas dio & regressio ad infinitum uma superacio erudita. Estes efeitos da J6gica propria do campo de producio combinam-se moitas vvezes com os efeitos do humor politico para inspicar os deera- deiros investimentos que se escondem por detcés das comadas de posigéo sobre problemas de tal forma mal postos que $6 podem dar origem # debates, incetminaveis, como a questio de saber se 0 aparecimento das primeicas medidas de proceccio social se deve atribuit & boa, vontade dos com Roustess sem que venhs de imediato 3 mente que o tieulo de eprimeivo dos modeenos» pode set reivindicado por Santo Agestinho ou Pecrarca, pare ndo falar de Moneaigne, spesar do seu wmodersisoa» ser diferente? © que nos obtiga & pergancar quando comeca 0 modetsisine moderne. E assim vei a vida erudite, "Estas probleméticas subtcrrineas sio evocadas na estudo de Nathalie Heiniciy sobre a constituigio do campo oa pincura francesa no aéculo XVU: Ja perspective saléiique. Peinruce et eradition lereeéen, Aster de le vabanibe om wnines mais, 19. 1988, pp. 47-70, 80 HISTORIA REIFICADA & INCORPORADA € como instrumento de luca, através dessas pe6prias institui- Ges, no espago socfal em que se situa o historiador, isto €, 0 campo das lutas sociais e no campo de produgio cultural, ele préprio mais ou menos auténomo em relacio a essas lutas®. A tendéncia para pensar a pesquisa histdrica aa logica do proces, quer dizer, como, uma pesquisa das origens e das yspunsabilida. dis, ¢ até mesmo das responsiveis, esta na origem da ilusio releolégica e, mais precisamente, dessa forma da ilusio recros- pectiva que permite atribuir aos agentes individuais ou aos colec- tivos personalizados intences © premeditagées. E facil, de facto, quando se conhece & palavea final, transformar 0 fim da histéria ‘em fim da accio histérica, a intencio objectiva $6 revelada no seu termo, aps « batalha, em intencdo subjectiva dos agentes, em estcatégia conscience ¢ calculada, deliberadamente orientada pela procuca daguilo que acaberé por daf advir, constituindo assim o juizo da histéria, quer dizer. do historiador, em juizo final. Desta forma, contra a ilusao teleoldgica gue domina tantas obras consagradas & Revolugio Francesa®, as anélises de * Uma das vireudes ds objectivagio da relacio com o objecto que se ‘impbe, tanto ao historiador como ac socidlogo, € 4 de of prover dos meios para combater a flosofia esponcénen da histéri (e da pricia) que orients a8 ‘opsdes cientificss mais elemencares: € aqui que a sociologia e a histria da sociclogia ¢ da historia (e, em particular, dos problemécicas obrigardras que iss adopcam, dos conceitas que elas empregam, dos mécades que poem #2 ppritica, ¢ des condigdes sociais em que elas fizem funcionat esta herancs) ddesempenham am papel decerminance. Se hem que esta potemica da razio cientifica se possa também exercer concra cers adversities, prestando-se assim a mal-entendidos inreressadae quando as «vitimesr se protegem identificando-se com as vicimas de uma polémics, até mesino de um ferar polio, la 6 dirigids, em prieneiro lugar, concra aquele que a exetce, contra tudo 0 que Ihe petmice participar naguilo que descreve ~~ de que «6 se ppodert libercar pela critica obstinada da cincia, quer dizer, dos limices {nsctitos nas condigies seciais da sum produsgo, (Esta exploracio dos limites {que esté no centto do projecto racionalista fal como Kant 0 pensava esti no ‘exttemo oposto so da leiture relatvste que amisde se fx ~~ com todos 06 t6picos sobre a hisroricidade do hisworiadar — dos excritne neckantianos sobre a ciacia histories), ° Seria preciso analisar cudo © que escd implicado unieamente no facto de se escrever Revolucio no singelar (¢ comm maisscula) e, em especial, a hipétese de que houve uma revolucio una e indivisivel onde se paderia, Ua ‘mesma forina, ver um conjunco de tevoluctes (insurteigies de carnpences CAPITULO IV BL Paul Bois mostram bem que, no caso dos campos da Sarthe, as medidas mais generosas (como a abolico de muites dos impos- fos que pesavam sobre os camponesés) foram sendo contorna- das, deformadas ¢ vicadas do avesso pela légica do campo em que clas intervinham’. Que o cardcrer abstracto, formal e, por assim dizer, «idealista» de medidas tomadas na mais completa ignorancia das condigies da sua concretizacio tenha contribui- do, i revelia, para a inversio paradoxal que as fez reverter, por fim, a favor dos seus autores ou — 0 que jf no é a mesma coisa — da sua classe ¢ um facto em que niio podemos ver 0 resultado de um cilculo cinico e, menos ainda, de uma espécie de milage do inconsciente «burgués». O que € necessétio compreender € a relacio entre estas medidas (ou o habitus, caracteristico de uma classe, que ai se exprime em termos, por exemplo, do universatismo ¢ do formalismo das suas intengdes) € a [égica do campo em que se geram — em funcio de habitus que nunca se circunscrevem completamente a ele ~~ a8 reaccées por elas suscitadas. 'A raza e a razio de ser de uma instituicio (ou de uma medida administeativa) ¢ dos seus efeitos sociais, nio esté na «vontade» de um individuo ou de um grupo mas sim no campo de forcas antagonistas ow complementares no qual, em funcao dos interesses associados as diferentes posigaes © dos habitus dos seus ocupantes, se geram as «vontades> € 10 ‘qual se define e se redefine conrinuamente, na lita — ¢ através da lura — a realidade das instituigdes e dos seus efeitos sociais, previstos e imprevistos ¢)- A forma particular de iluséo retrospectiva que conduz & iluséo teleolégica leva-nos a conceber como produto de uma estratégia consciente ¢ calculada, ¢ até mesmo cinica, a accio com finalidade objectiva do habitus, estratégia objectiva que, revolts da forne, ates de Fores de notiveis, etc. patialmentesincronizadas € iimperfecamente encadeadat (o que lea 4 evitst questhoda nacureza da telagi entre catas diferentes cevolusSes) "B.Bois, Paien ae /ueih eran: koi cites au pions signs dep Fioyue ntedstinaie, Paria, Mouton, 1960, (E digno de ‘vea que exc live historiwlo inspite no deem eile de dat coors Insraricamyente de am facts sich iv preteneeseja assem levado object ee dominae on elites conelaivos snp mals do eve € coment. 82 HISTORIA REIFICADA E INCORPORADA muitas vezes, 56 tem sucesso devido & sua inconsciéncia e ao seu edesapegos: € assim que os que sio bem sucedidos, em politica on mesmo nas artes ou na literatura, poder aparecer retrospectivamence como estrategas inspitados, enquuanto que 0 que eta objectivamente um investimento* racional pode sce vivido como uma aposta artiscada e até como uma loucura. A illasio, que @ pertenga a um campo © produz, exclui 0 smo, € Os agentes quase munca dominam explicitamente aqueles mecanismos cujo dominio pritico € a condicéo do seu éxito; assim, por exemplo, no campo literdrio ou artistico, as reconversdes —~ de um género para outro, de um estilo para outro, etc. — séo vividas — ¢ devem, sem duivida sé-Jo para terem éxito —~ como comersées. Em suma, 0 recurso & nogio de estratégia que permite romper com a ilusio bem fundamentada do desinceresse € cambém com todas as formas de mecanicismo — ainda que se trarasse do mecanicismo finalista do Deas i ‘machina ~- nao implica o regresso a uma forma ingéaua de finalismo (e de interaccionismo). Para escapar as altetnativas motrais nas quais se encerrou a hist6ria ou a sociologia © que, tal como a oposicéo entre 0 acontecimento** e a longa duracio ou, noutra ordem, entre os grandes homens» e as forcas colectivas, as vontades singulaces € os decerminismos estruturais, assentam todas na distingio entre o individual e 0 social, identificado com o colectivo, basta observar que toda a acco histérica pie em presence dois estados da histéria (ou do social): # histéria no sew estado objectivado, quer dizer, a hist6ria que se acumulou a0 longo de tempo nas coisas, maquinas, edificios, monumentos, livtos reorias, costumes, direito, etc., ¢ 4 hist6ria no seu estado incorporado, que se tornou habitus. Aquele que cira o chapeu para cumprimentar reactiva, sem saber, um sinal conveacional hherdado da Idade Média no qual, como telembra Panofsky os homens de armas costumavam titar o seu elmo para manifesta- rem as suas intengées pacificas*. Esta accualizagio da historia € * eplacements no cexto original (N.T.). # cLévénementiel» a0 cexto original (NT). "B. Panofiky, Bsais dcomege, lec shines iumurites dans Fatt de ke Renaittane, trad. deC, Herbertee B. Teysstdee, Pasis, Gallimard, 1967p. 15 CAPITULO 1V 83 consequéncia do habitus, produto de uma aquisigio histérica que permite a apropriagio do adquirido histérico. A histéria no sentido de rer geséae constitui a histéria feita coisa a qual é levada, «actuadan, reactirada pela hiscéria feita corpo € que nio 86 actua como traz de volta aquilo que a leva (segundo a dialéctica do levar e do set-levado, bem desetita por Nicolai Hartmann’. Do mesmo modo que o escrito sé escapa ao estado de letra morta pelo acto de leicura o qual supde uma acitude uma aptidao para Jer © para decifrar o sentido nele inscrito, também a historia objectivada, instiruida, s6 se transforma em accdo hist6rica, isto é, em histéria «actuada» ¢ actuance, se for assumida por agentes cuja historia a isso os predispée © que, pelos seus ieestinentos anteriores, sio dados a interessat-se pelo seu funcionamento e dotados das aptidées necessarias para a por a funcionar A relagao com 0 mundo social no é a relagio de causalidade mecinica que frequentemente se estabalece entre 0 «meion € a consciéncia, mas sim uma espécie de cumplicidade ontolégica: quando a historia que frequenta 0 habitus © 0 habitat, as aticudes € & posigio, 0 rei © a sua corte, 0 patio € a sua empresa, 0 bispo © a sua diocese, € a mesma, entéo & a historia que comunica de cerco mado com ela prépria, se teflecte neia propria, se reflecte ela propria. A historia «sujei- tow descobre-se ela mesma na histéria «objecto»; ela reconhece- “Se nas «sinteses passivas», nem podiam nem admi tiam ceder perante os plebeus sujeitos ao imposto. Uma aticude gerava a outra; pelos efeitos de accio e de reaccio, o mecanismo social equilibrava-se, estabilizava-se numa espécie de equilibrio instavel» "', Assim, um «Estado» que se tornow no simbolo do absolucismo € que apresenta a0 mais alto nfvel, para 0 proprio monarca absoluto («0 Estado sou cu»), 0 mais directamente interessado nesta tepresentagio, as aparéncias do Aparelho, dissi- mula na realidade um campo de lutas no qual o detentor do poder absoluto» deve, ele proprio, envoiver-se pelo menos quanto baste pata sustentar as divisdes e as tensées, quer dizer, © préprio campo, e pare mobilizar a enetgia gerada pelo equilibrio das censdes. O principio do movimento perpécuo que agira © campo nio reside num qualquer primeito motor imével — o Rei-Sol neste caso — mas sim na propria luca que, sendo produzida pelas estrucuras constiturivas do campo, reproduz as estrururas ¢ as hieratquias deste. Ele reside as acces e nas reaccbes dos agentes que, a menos que se excluam do jogo e caiam a0 nada, nao tém ouera escolha a ao ser lurar ‘Para manterem ou melhorarem a sua posigio no campo, quer dizer, pata conservarem ou aumentarem o capital especifico que 86 no campo se geta, contribuindo assim para fazer pesat sobre todos 05 outros os constrangimentos, frequentemente vividos como insuportéveis, que nascem da concorréncia "2, Em suma, ninguém pode lucrar com 0 jogo, nem mesmo os que o dominam, se se envolver no jogo, sem sc deixar levar por ele: significa isto que no haveria jogo sem a ctenca no jogo € sem as vontades, as intengies, as aspiragSes que dio vida aos VON, Elias, Lat soit de our, Paris, Calmann-Lévy, 1974, p. 75-76 firad. portugues, A teciedade de corte, crad, Ana M. Alves, Lisboa, Escampa, 1986. "A Giniea tiberdade absoluta que o jogo concede € x liberdade de sair ste go por meio cle wma seosincla heesica a qual, 4 nio set que ciie um uct Fogo, silo obtém a wares Sendo i cus dauilo que ¢, do ponto de vista «ho ioso € aa dla, ume morte social fe 86 HISTORIA REIFICADA £ INCORPORADA ayentes © que, sendo produzidas peio jogo, dependem da sua posigdo no jogo €, mais exactamente, do seu poder sobre os titalos objectivados do capital especifico -— precisamence aqui Jo que o fei controla @ manipula jogando com a margem que © jogo the deixa ‘Ao acribuitmos, como fz 0 mau funcionalismo, os efeitos de dominagio a uima voneade dnica ¢ central, ficamos impossic bilitados de aprender a contribui¢io prépria que 0s agentes (incluindo 0s dominados) dio, quer queicam quer néo, quer saibam quer nio, para 0 exercicio da dominacio por meio da relagio que se estabelece entre as suas atitudes, ligadas as suas condigies sociais de producto, e as expectativas © inceresses insceitos nas stias posigées no seio desses campos de luca, designados de forma estenogrifica por palavras como Estado, grew ou Partido". A submissio a cercos fins, signiicacées ow jnteresses transcendentes, quer dizer, superiores € exteriores aos inceresses individuais, raramence € efeito de uma imposicio imperativa e de uma submissio conscience. & assiea, porque 05 fins ditos objectivos, que 56 se revelam, no melhor dos casos, tarde demais ¢ do exterior, nunca sio apreendides © postos como tais de modo imediato, na propria pritica, por nenham dos agentes, nem mesmo pelos mais interessados —- aqueles {que teriam mais interesse em fazer deles os seus fins conscientes == quer dizer, 0s agentes dominantes. A subordinacio do Conjunto das préticas a uma mesma intengo objectiva, espécie 5 oO rei no. se Hioniea a observar a ordere hierirquice erensmitida pelos seus preducessores. A eciquets permite-the uma certa margem de fmanobra, de que ele se serve para determitar a parce de prestigio de cada fom, mesmo nos assuntos pouco importantes, Fle cira proveico as disposi- {oes paicolSgicas que reflectem a estruraras hierarquicas e aristoccicicas ds Sociedade; ele tire proveito da sivalidade dos cortesios, sempee & procura de prestigio « de geacas, pata medificar, por meio de wm doseamento babi des Finats de favor. 2 poskso € a consideracio dos membros da sociedade de forte em fancio das cecessidades do sew poder, para criar rensbes iaternas e deslocat a seu bel-prazer os cenntos de equitfbrios «N. Elias, 9p. it pp. 77-78). 4A ceoria dos Apacelhos deve, sem dvida, uma parce do seu sucesso 30 faceo de permitir uma denéncia abstracce do Estado ou da Escola que feabilita os agentes, consentindo que eles vivam no desdobramento da. sit pritica profissional e das suas opges polities. CAPITULO IV 87 de orquestragio sem maestro, s6 se realiza mediance a concor dancia que se instaura, como por fora e para além dos agentes, entre © que estes Sio € 0 que fazem, entre a sua «vocaGio» subjectiva (aquilo para que se sentem «feitos») € a sua , aoe seus sentimen- tos, & sua ) para este marcar, por muitos sinais, a distincia que pretende manter, fingindo precisamente desempeahi-la com um papel, em relagdo a uma fungio que nao corresponde & ideia (socialmente constituida) que ele cem do seu ser, quer © passo célebre, de L'five ct le Nien! dix: ol joue, il Yamuse. Mais a quoi donc joue-cil?... il joue & aie garcon de cafér (Ed. 1957, p. 98). (© ccriado de café divse-s, poisy fingindo ser exiado de cafe) — (N.T.), "Como bem mostra Cael Schorske, no caso de Freud, (C. Schotske, Fin-de-sisle Views, Politics and Culture. New York, A. Knopf, 1980, pp. 181-203), os obsciculos ~psicolégicos» cos obsticulos xocais & identificagio esto inextricavelmence miseurados ¢ deveciam se levados em conta conjuntamente em qualquer andlise que fenha ern vista explicar « rizio dos desvios em relagio A trajectéria iscrita co putriménio social (ofalhangose que podem evidenternente ser xitos de ourro ponto de vista, como qjuando 0 filho do banqucia se fax pintoe. CAPITULO IV 89 dizer, do seu destino social, fancio para 4 gual no se senre ralhado ¢ na qual, como diz o consumidor sartriano, no esté disposto a «ficar preso». E para provar que a relagio do inrelecrual com a posigao de intelectual nao é de outra nature 7a, € que o intelectual nio se distancia mais da sua posigio do que o criado de café em relagio ao seu posto e daquilo que o define em exclusive — quer dizer, a ilusio da distancia em relagado a todos os postos, — basta-nos ler coms um documento antropoligico® a anélise pela qual Sartre prolonga e «universali- za» a cllebte descrigao do criado de café: «Por mais que desempenhe as fungdes de criado de café, s6 posso sé-lo em modo neutralizado, como o actor é Hamlet, fazendo mecanica- mente 0s gests tipicos da minha condigio € visando-me come ccriado de café imaginario por meio desses gestos romados como analagon. O que ex tenro realianr € um ser-em-si do criado do café, como se nio estivesse nas minhas possibilidades conferir aos meus deveres © aos direitos da minha condigio o seu valor € @ sua urgéncia, como se néo fosse da minha livre escolha levantar-me rodos os dias as cinco hors da manha ou ficar na cama, sujeitando-me a ser despedido. Como se pelo facto de eu dar existéncia a este papel, eu no o transcendesse em rodos os sentidos, eu me nao constituisse como um para-alim da misha condigéo. No entanto, nio hi davida de que eu sow, em certe sentido, ctiado de café —~ em caso con- trério, néo poderia eu, do mesmo modo, chamar-me diplomata ou jornalista?»?, Seria preciso determo-nos em cada pala- vea desta espécie de produto maravilhoso do inconsciente social que, gracas ao duplo jogo consentido por um uso exemplar do eu fenomenolégico, projecta uma consciéncia de intelectual uma pritica de criado de café, ou no analog» imaginitio desta pritica, produzindo uma espécie de quimera social, monstco \ 4 E um pouco injusto romar pera objecco de anise wm texto que tem © métito de conduzir & expliciacto completa seu tceresse — dimensdes mais encoberss, até mesmo mais secretas, de uma cxperitcia vivida do mundo social de que podemos ver cada dia as manifesactes parciais ou enfraguecids. WYP, Sarcee, (flew le Néant, Pacis, Gallimard, 1942, p. 100. 90 HISTORIA REIFICADA E INGORPORADA com corpo de criado de café e cabeca de intelectual™: nao seré preciso ter a liberdade de ficar na cama sem se ser despedido para descobrit aquele que se levanta as cinco horas da manha para varrer as salas e por a funcionar a maquina do café antes da chegada dos clientes como tibertando-se (livremente?) da liber- dade de ficar na cama, correndo o risco de ser despedido? Reco- nhece-se aqui a ldgica — a da idencificacao narcisisca com um fancasna —, segundo a qual outros produzem hoje wm operé- rio totalmente empenhado nas «lutas> ou, pelo concricio, por simples invetsio, como os micas, desesperadamente resignado 4 no set sendo aquilo que é, a0 seu «ser-em-sin de operirio, desprovido da liberdade que é dada a outros por contarem, entre as suas possibilidades, com posigdes como as de diploma: ta ou de jortalisea”', Significa isto que, nos casos de coincidéncia mais ou menos perfeita entre a evocagio» e a «missior — entre a «procura» inscrita quise sempre de maneira implicita, técita, até mesmo secreta na posigio e a sofertay oculta nas atitudes — seria ingtil procurar distinguir 0 que nas priticas decorre do efeito das posicées € 0 que decotte do efeito das atitudes ineroduzidas pelos agences nessas posigdes que sio préprias para comandat a sua percepcao e a sua apreciacéo da posicao, logo, a sua maneica de a manter e, ao mesmo tempo, a propria «realidades da posisao. Esca dialéccica nunca se mostra tio bem, paradoxal- mente, como no caso das posicées situadas em xonas de incerteza do espaco social ¢ das profissdes pouco «profissionali- zadas», quer dizer, ainda mal definidas em relacio tanto as condigdes de acesso como as condigées de exercicio: estes ® Vemos 0 que se ganha em substiewir o eu pessoal-itmpeswoal que oferece ancas facilidades as projeegtes fanrasmicas por um susico secial- mente caracterizado (os empregidos de comércio, os quadees do secrot privade). 2" Como eentei mostrar nousto lugar, ests propensio para dar a relasio intelecrual» com 4 condigéo operisia’ pela relacio operitia com exta condigio nio desaparece necessariamenre pelo facro de se ocupar, por um momento, como observador ou como actor, a posigda do opericio (a ‘excepgio ¢, para mim, 0 liveo de Nicolas Dubos, Plinr sans fn, Pais, Maspero, 1979 —docemento notével, entre curras coisas, sobre a logica dx misificagio © da desmistificagio da classe operas) CAPITULO Vv a postos, a fazer mais propriamente do que feitos — feitos para serem feitos —, sio feitos para aqueles que sio ¢ se sentem feitos para fazerem o seu posto, que nfo se sentem feitos para ‘Gs postos ja feitos ¢ que, entre as vethas alternativas, escolhem contra © jé feito © por 0 que se faz, contra o fechado ¢ pelo aberto**, A definico destes postos mal definidos, mal deli- mitados, mal garantidos, reside, paradoxaimente, na liberdade que consentem aos seus ocupantes de os definie de os deli- mitar incroduzindo-lhes os seus limites, a sua definicio, toda a necessidade incorporada que & constitutiva do seu habitus. Esces postos sero 0 que sio 0s seus ocupantes ou, pelo menos, agueles que, nas lutas incernas da «profissio» © nas confronta Bes com as profissées afins © concorrentes, consigar impét a definigio da profisséo mais favorivel iquilo que eles so. Isto ndo depende somente deles ou dos seus concortentes, quer dizer, da relacio de forgas no interior do campo em que se sicuam, mas também do estado da relacéo de forgas entre as classes que, fora de qualquer estratégia consciente de «recupera- sao», decidira acerca do sucesso social partilhade pelos diferentes bens ou servigos produzidos na luta e pela Juea com os concor- tentes imediatos ¢ da investidura insticucional concedida aqueles que os produzem. E a insticucionalizacio das divisdes «espon- ‘dineas» — que se opera pouco 2 pouco, & prova dos factos, quer dizer, das sangies (positivas ow negativas) de toda a espécie * de weses posse até eaberon 3 eaduio eh fete, quase exact mente, a lire — tublihads nase (NT) Temas sempre ua filosofiaespontanes da hist: ¢ a lose da hisebria de sua iste, quee dizer, da sim posigio edn san teajctrin no espace social. Esta espécie de sinesigio cents, oe permite que, tos situemos en relagio 3s grandes alrernativas stcdricasy ou +politicase do rmomenro (dereeminismo/liberdade, etcrarutaismos esponrancfo, PCfesquerdismo, ex), eem que se exprine muito divectamenre 1 el com o mundo social ett na orig da visdo do mundo socal des tomas dle posido politics, como também das opgeessparentemente mas elemem- ‘ares emis inocenes da prin cencca, (8 cncficidade da ciclo social mede-e pela sue capucidade de commruir ears sltcraivs como abject © de aprender as derecmingntessciais dat oben que se determi fam con elas a cls. F ua do dfcaldades da escrits adn, mo caso das Citneias soins, de que cin cleve tence flit ¢ desmenie de antemo at levies que spliquent avi a rete que elas esfrg por abject) 92 HISTORIA REIFICADA E INCORPORADA que a otdem social inflige aos empreendimentos (subvencSes, encomendas, nomeacées, titalarizacbes, etc.) — condaz ao que se revetaré posteriormente como uma nova divisio do trabalho de dominagio, mas cujos designios no poderiam ser concebi- dos pelo mais consciente ou pelo mais inspirado dos tecnocra- tas. © mundo social esta assim povoado de instituigdes que ninguém concebeu nem quis, cujos «tesponsiveis» sparences do s6 nao sabem dizer —~ nem mesmo mais tarde gracas a © Seria (Seed) preciso analisar nesta Wgica coda 2 ctansformagio das relagdes entte as fracebes daminantes e as facg6es da clase dominante que se operou em Franga desde hd vinte anos, quct dizer, a redusio progressiva, pelo efeivo de diferentes faczores, da auronomia relaciva do campo incelec- tual, redugio cujo indicador mais signifcativo €, sem divide, 0 aparéein imenro de um meenero huroerivice', cortelarivamente, 0 peso crescent (pelo ‘menos aumericamente) dos intelecrals ligados direcramente 6, por ve2e5, administearivamente, 2 yea procura busecritica. O efeito principal de um fFinanciemento directo da pesquisa concrolado por funciondriosexpecializados ser o de ez habicuado os investigadores a reconhecerer wana forma de dependéncia dineia em relagéo a aucoridaces e a exigencies eater 20 proprio campo de producto. Este efeico s6 podis ser obtido com 2 cumplicidade dos iovestigadores ou, mais exactuznente, gragas a curoplici- dade entre os investigadores (oa pelo menos, aqueles que, encre eles, tinham mais inceresse na heteronamia ~- ec: relagao a qualgner poder exterior) € a vanguatda da cecagcracia da ciéncia cuja oposiao (Socialmence fandamencada) os seccotes dominances da buroctacia predispunha a favorecer « inseauragio, perante o discurso tecnocttico, de um adiscurso tecncerti« cco» (como diz Jean-Claude Chamboredon). Para passar mais além ¢ rornper com as filesofias de hiserie que, ao situarem o process hiscorico muito alto (ou muizo profundo), produzem o eleico de p8r fora de jogo oF agenes @ 05 seus desprendimentos insensivels e frequentemence impercepriveis, seria preciso analisir 20 mesmo tempo as modancas estrucuras (Como 48 UE Aconceceram no campo das escolas superiores ¢ na reproduste das divisbes no seio da classe dominante) e 2 série infinica dos difieciais sais que, 20 acurauistem-se imperceptivelmence, dio origem « umn estado roalmente novo do campo intelectual © das suas relastes com o campo do poder econsmico © politico. Seria preciso analissr os deslines invensiveis que ‘conduziram, em menos de trinea anos, de um estado do campo ineelecrsal fem que ers tio aecessirio ser-se comunista que néo era preciso ser-se sacica.a wn estado er que eto chique sees maerise qu ate pda ler» Marx, pata se chegar a uim estado em que a ultima palavra da moda é de se ser indiferente 2 tudo, € em primeir tugar, ao marxismo. (Quantas histdrias de vida nesta historia! Quanta oecessidade nesta liberlades sucessivas) CAPITULO IV 8 ilusio reteospecriva, como se «iaventou a férmulas, —~ como também se supreendem que elas possam existir como existem, tio bem adaptadas a fins™ nunca formulados expressamente pelos seus fundadores, ‘Mas os efeiros da dialéctica entre as propensdes inscritas nos habitus e as exigéncias implicadas na definigéo do posto aio sdo menores, embora sejam menos aparentes, nos sectotes mais regulados ¢ tigidos da estrurura social, como as profiss6es mais antigas © as mais codificadas da fancao publica. E assim que algumas das caracteristicas mais marcadas da conduta dos equenos fuacionarios, quer se rrate da tendéacia para o formalism, feiticismo da pontualidade ou da rigidez em relagio a0 regulamento, ac invés de ser produto mecinico da organizacio burocritica, sio a manifestagio, na légica de uma situagio particularmente favordvel & sua passagen ao asso, de um sisrema de atitudes que se manifesta rambém fora da situacio burocrética © que Aastaria para predispor os membros da pequena burguesia as vircudes exigidas pela ordem burocratica ¢ enaltecidas pela ideologia do «servico piblico», probidade, mintcia, rigorismo © propensio para a indignacio moral?* Esca hipérese encontrou uma espécie de verificacéo experimen- ral as transformagies surgidas, desde hé alguas anos, em diferentes servicos ptiblicos, e em particular nos Corteios, ligadas eo aparecimento, entre os jovens funciondtios subaleer. sos — vitimas de uma desqualificacéo estrutural ~~, de arirudes menos conformes as expectativas da instituigio™ S6 se pode, pois, compreender o funcionamento das instiruicées burocraticas se se ulttapassar a oposic#o ficticia entre wina visio seseruturalista>, por um lado, que rende a procurar nas carac- teristicas morfoldgicas ¢ escrucurais 0 fundamento das «leis de bronze» das burocracias, consideradas como mecanismos capa- * 0 que mosrea bem, por extmplo, Jean Tavards ax sua anise (a publican) da génese © do funcionamenro do’ «Centre catholique des inte: feotuels sagen °° CEP, Bourdieu e J.C. Passeron, Le mpradaction, blements parr ine ‘isvie dn sytine denuigoeens, Baris, Minuit, 1970, p. 227 “NEB. Boutdiew, Las siteatin, crtigne sealed ener, Pats, Minuit, 1979, pp. 159168 94 HISTORIA REIFICADA E INCORPORADA zes de estabelecer os seus prdptios fins e de os impor aos agentes €, por outro lado, uma visio «interaccionistar on psico-sociolégica, que tende a considerac as praticas butoctiti- cas como produto das estrarégias e das interaccdes dos agentes, ignorando tanto as condicées sociais de produgio dos agentes (dentro da instituigao mas também fora dela) como as condi- Ges institucionais do exercicio da sua Fangio (como as forrnas de conttole sobte o recrutamento, a promocio ou # cenumera cao). f verdade que a especificidade des campos buroctaticos como espacos telativamente autsnomos de posigdes institucio- nalizadas, reside na capacidade, que consticui essas posicies (definidas na sua categoria, na sua algada, etc), de conseguit gue 0s seus ocupantes ptoduzam rodas as priticas inscritas na definicio do posto, através do efeito ditecto € visivel — logo geralmente associadlo & ideia de buroctacia — dos regulamen- tos, das direccivas, das citculates, etc., ¢, sobsetudo, pot intermédio do conjunte de mecanismos de vocacio-cooptagic ‘que concribuem para ajustar os agentes 20 seu poste ou, mais precisamente, as suas atitudes as suas posicées; ¢, em seguida, de conseguir que a essas priticas, e somente a essas, seja reconhecida uma cetta autoridade estaruvéria, Mas, mesmo neste caso, ¢ to errado centar compteender as préticas a paccit da légica imanence do espaco das posicées.(definidas, em dado momento, quet dizet no teeta de urna certa histéria, no seu ntimero, no seu estatuto juridico, etc.), como tentat explicé-las unicamente a pattie das atirades «psico-sociologicas» dos agen- tes, sobterudo separadas das suas condigées de produgio. Na tealidade, trata-se aqui ainda de um caso patticular de encon- tro, mais ou menos «bem sucedido», entre as posicées ¢ as aticudes, quet dizer, entre @ histéria objectivada e a histécia incorpotada: a rendéncia do campo buroctitica para «degene- rat» em insticuicéo «totalitéciar, que exige a idencificacéo completa € mecanica (erinde ac cadaver) do «funcionstio» com a funcio, do apparaicbik com o apatelho, nfo esté ligada de maneira mecanica aos efeitos morfoldgicos que a dimensao € 0 niimeto podem exercer sobre as eseruturas (acravés, por exem- plo, dos constrangimentos impostos & comunicagio) e sobre as fangbes; ela s6 se podecd realizat se contar com a colabovacia cAPiTULO iv * consciente de certos agentes ou com a cumplicidade inconscien- te das suas atitudes — 0 que deixa um lugae pare a eficicia libertadora da tomada de consciéncia. Quanto mais nos afasca- mos do funcionamento normal dos campos como campos de utas para passat a estados-limites, sem diivida nunca atingi- dos, mos quais, com o desaparecimento de toda @ luta e de toda a resistencia 4 dominacéo, o campo se totna tigido, teduzindo- -se a uma «instituicio totalitérias no sentido de Goffman ou, em sentido rigoroso, a umm apareio, que escé a aleurt de tudo exigie sem condigées mem concessSes € que, nas suas formas exctemas — quartel, prisio ou campo de concenttagio —, dispbe dos meios para aniquilar simbolicamente e praticamente © «velho homem», canto mais a instituicio tende a consagrar agentes que tudo dio & instituigio (ao «Partidor ou a «Igrejan, por exemplo) e que eealizam esta oblagas de maneira ranco mais facil quanto menos capital possuitem fora da instituicéo, logo, ‘quanto menos liherdade tiverem em celacio a ela e em relacio a0 capital e aos ganhos especificos que ela ofetece”. O apparatebil, que tudo deve a0 apacelho, € o aparetho feito homem ¢ podem-se-the confiar as mais altas tesponsabilidades pois ele nada pode fazec em prol dos seus interesses que conttibua ea iio para defender os interesses do apacelho; tal como 0 oblato, ele eseé predisposto a proteger a instituicio, com a mais firme convicgio, dos desvios heréricos daqueles a quem um capital adquitido fora da instituigéo autoriza ¢ impele « distanciarem- -se das crencas © das hierarquias internas™. Em suma, nos YEE, j, VerdtsLerous, objectivagio e a incorporaga como acummulagio nas coisas ¢ nos © corpos de am conjunto de conquistas histéricas, que trazem 2 4 marca das suas condigdes de producao ¢ que tendem a gerar as condigées da sua propria reprodugio (quanto mais nao fosse * | pelo efeito de demonstracio ¢ de imposigéo das necessidades fz | que um bem exerce unicamente pela sua existéncia), aniquila “| continuamente possiveis lacerais. A medida que a historia avanga, estes possiveis tornam-se cada vez mais improvaveis, mais dificeis de realizar, porque a sus passagem A existencia > Poderse-ia, da mesmns forma, descrever nesta logica «telagdo entre ‘os operirios © as organizagées sindicais ou poliriews: também aqui o presente €0 por-em-presenga de dois passados que sio, eles proprios, em parte, predluto da sua inceracedo passada (€ assim que, por exemplo, quando se t mede empiricumente a conscitneis que os opetirios de uma dada sociedade podem ret, em dado momento, da divisio em classes ou da. representacio ‘que tém do trabalho, dos seus direitos — em matéria de acidentes de trabalho, de despedimentos, exc. ~ se regista o eftito ds accio passada dos sindicatos e dos partidos ¢ $e pode pensat que uma histéria diferente teria produzido representagdes ¢ — num dominio em que a represencagio Contribui largamente pura coastiruir a realidade — realidades diference) : Por outeas palavras, e reptesentacio que eles t&m da sua posigio depencte di relagio encre at tradigaes que as organizagoes (e as suas divisies)oferecem « es fuss arirades. captruto wv m suporia a destruicéo, 2 ncutralizsgio ou a reconversio de uma parte maior ou menor da heranga histérica —- que & também um capital —, © mesmo mais dificeis de pensar, porque os esquemas de pensamento ¢ de percepgio sio, em cada momen- to, produto das opgoes anteriores eransforimadas em coisas”. Qualquer accio que tenha em vista opor o possivel ao provavel, isto é, a0 porvir objectivamente inscrito na ordem estabelecida, tem de contar com o peso da histéria reificada e incorporada que, como num processo de envelhecimento, tende a teduzir 0 possivel a0 provavel. Nio hi divida que ¢ preciso ter sempre presente — contra todas as formas de detettninismo tecnolégico —~ que as poten- cialidades oferecidas pela légica relativamente auténoma do desenvolvimento cientifico sé. podem advir a existéncia social enquanto técnicas —~ € intervir, se for caso disso, como motores da mudange econémica e social na medida em que os seus efeitos econémicas € sociais parecerem conformes 208 ineeresses dos detencores do poder econémico, quer dizer, apropriados a conttibuiter para a valorizagio. méxima do capital nos limites da reprodugio das condigdes sociais da dominagio necesséria 3 obtengio dos ganbos**. Mas no deixa 2 Assim, as iropgbes, através das revoleas estudantis, de novas formas de lusa, atribuindo maior relevo as manifestagies simbélicas, fer aparccee retrospectivamente os limires(aré as crticas) que 0 mavimento operéio, de algum modo ptisioneito da sua confianca em formas de acsHo experiments hs, tiaha imposto aos seus projectos __™ Devemos abstes-nos, mais uma ver, de fer este proceso numa ogica puramente releolégica, como faz certa critica ingénta ¢ flsemente radical da cigncia: « ciéncia to serviria edo bem @ indsstrin (e ace, Sendo ‘caso disso, a industria de avetra) se codes os investigadores (e sobretado agueles que, pela sus force competéncia, quer dizer, pelo seu capital specifica, s80 levados a uma grande diseincis em relagio as presses externas) estivessem ditectamente orienrados pars os fins gue 4s suas ddescobertas poderio vir a servic (da mesma forms, devemos abscernos de sobtestimar, como faz a visio criprocréica, a capacidade dos drigentes para avaliarem racionalmente os efeites econsmicos ¢ sobrerudo sociais das innvengbes bem recebidas). Os investigadores ndo conhectm nem reconhecern fins mio see 05 sntereer (vivides como desiarerestados © implicands, fequencemente, 1 indiferengs em celagio is urilizaghes tBcnicas possveis) ‘one se xeram as concorréoin b0 seia de campo relaivamente aucénomo da 102 HISTORIA REIFICADA E INCORPORADA de ser certo que, como resultado de uma longa série de opgdes sociais que se apresenta em forma de um conjunto de necessids- des eécnicss, a heranca cecnolégica tende a tomarse aum verdadeiro destinn social, que exclui no $6 certos possiveis ainda no estado de possiveis mas também a possibilidade real de excluir muitos dos possiveis jé realizados. Basta pensar nas centrais nucleares que, uma ver construidas, tendem a impor-se ado 56 pela sua funcdo técnica mas também por codas as cumpli- cidades que encontram naqueles que nelas ou n0s seus producos tém interesses. Podemos também, evocar a opcao que se esbocou por volta dos anos sessenta, para favorecer o acesso & propriedade imobiliéria, para grande proveito dos bancos e, em particular, dos inventores do wcrédito personalizado», em lugar de se seguir tums politica de habicagdo social (bairros sociais®, etc.) ¢ que teve como efeito, entre outras coisas, ligar uma fracgio dos membros da classe dominante ¢ das classes médias & ordem politica que Ihes parecia mais adequada a garantir o seu capital Assim, quanto mais um poder dura, maior é a parce isteversivel ‘com a qual terio de contar aqueles que conseguirem derrubé-lo, E isto que bem se vé nas situagGes pés-revoluciondrias em que a historia reificada © incorporida opde a sua resisténcia surda e dissimulada as atitudes e as estearégias reformistas ou revolucionétias, elas proprias em grande parte definidas pela mesma histria que tencionam combater. A histéria instiraida wence necessariamente as revolucdes parciais ou, mais exacta- mente, anilaterais: as txansformacdes mais radicais das condi- Bes de apropriagio dos instrumentos de produgéo dio a hist6ria incorporada a possibilidade de reintroduzir insensivel- mente as estruturas objectivas (econémicas e sociais), de que so produto; pelo contririo, € sabido o que acontece as politicas que esperam de uma simples contenido das atitudes uma crans- pesquisa; © poder, com plens (bos) consciéncia, demunciar como seit indignor ws wtiizagoes fetes das suas descobertas as quais nascem deacon: do dstiads arse cerios producer do campo cientifico © as exigincies da indssteia. aH5.LM.» no texto original (Habitations a loyer modéré = casas de tenda limitada) (N.7)- capiruLo iv 105 formacao das escrucuras”. As situagies revolucionérias e pés- -revolucionérias oferecem numerosos exemplos de desvios, pa- téticos € grotescos, entre a histéria objectivade ¢ 2 histéria incorporada, entre Aabitus feicos pata ouctos postos € postos feitos para outros hebitus, 0s quais também se observam, numa escala menor, em qualquer ordem social, ¢ muito especial- mente nas zonas de incerteza da estrutura social. Em todos estes casos, a acgio é uma espécie de luca entce a histésia objectivada e a histrla incorporada, uta essa que dura por vezes uma vida inteira para modificar 0 posto ou modificar-se a si mesmo, para se aproptiar do posto ou set por ele aproptiado (nem que seja no proprio esforso para se apropriar dele, transformando-o). A histéria faz-se nesta luca, neste combate obscuro em que os poscos moldarn de modo mais ou menos completo 0s seus ocupantes que se esforgam por se apropriar deles; em que os agentes modificam de maneira mais ou menos completa os postos, talhando-os & sua medida Ela fazse em todas as sicuasoes em que a relagéo entre os agentes © 0 seu posto assenta num mal-entendide: € 0 caso daqueles responsi- veis das quintas autogeridas, daqueles miniseros, daqueles empregados que, 2 seguir a libertagio da Angelia, entravam no posto ¢ na pele do colono, do director, do comissirio de policia, deixando-se assim dominar, no proprio acto de apro- Priacio, por uma histéria estrangeita®, & 0 caso daqueles © Se € veedade que a bistéria pode destiner 0 que « histéra fez, edo se passa como se fesse preciso tempo para destruir ot efeitos do temnpex como se as aceleragdes arcificinis da historia — que a vontade politien pode, 00 melhor dos casos, ptoduzi tefotgando decisivamente as teadéacias imaten- tes que sio confocmes aos seus objectivos ou neucralizando pela violencia as que vio em sentido oposto — tivestem como contrapercida os vestigios por clas deixades nas eserucuras econdmicas € sociais (burocratinacio totalitsria) © nos: cfrebros as quais, como se ve co caso da URSS, sio tanto mais doradoieas (¢ taneo mais Funestas, do peéprio ponto de vises dos objectivos Aleclarados) quanto aioe tiver sido a viel@acia exescida (cf. M, Lewin, =L'Ecat et les classes sociales en URSS, 1929-1933, in Actes de La racerce sciences suiales, W976, 8.2 1, pp. BSL A imposigio explicita de uma historia estrangeira — «Os Gauteses, nnossos antepassadote — nie passa do limite extremo, ¢ deste modo, cicicicural, de formas muico mais iesidionas de imposicéo de ums ours Ihisediris, ateavés da lngus, da cultuca © cambém através das objects, des 104 HISTORIA REIFIGADA B INCORPORADA membros permanentes da C.G.T, * que, como bem mostra Pierre Cam, se «reconhecem» perfcicamente, devido as suas aticudes de classe, no «Conseil de Prud’hommesy **, uma dessas numerosas instieuigbes criadas no século XIX pot iniciaciva das fracgdes «cesclarecidas» da classe dominante na esperanga de «teconciliar» 0 patrio ¢ o operitio: a justica tipicamente paternalista proposta por ‘este «tribunal familiar», explicitamence mandatado para exercer luma autoridade «paternal» e para regular as desavengas por meio do conselho e da conciliagio, & mancira de um conselho de familia, e des-socializando 0 conflico, encontre nos operatios per- manentes a expectativa de uma jurisprudéncia clara e répida ¢ nos seus representantes sindicais «a preocupagéo de dar uma imagem honrosa da classe operéria» *'. Deste modo, « historia reificada ‘aproveita-se da falsa cumplicidade que a une hist6ria incorporada para se apropriat do portador desta histéria, como fazem os dirigentes de Praga ow de Séfia, quando reproduzem uma versio pequeno-burguesa dos fastos burgueses. Estas astticias da ruzio his- t6rica t8m como principio o efeito de ailadoxia 0 qual resulta do inseirigees, das modes (seria preciso analisee nesta ligien as vias ms Gissimuladas do iemperaisme american). *'P. Cam, Saisie der consis de rad bonmes, Pais, Ecole des Manes, Eeades en Sciences Sociales, ese de terceep ciclo, 1980, € Un sbunal Jamiel, de comsil de pend boames (a publias). (CA. inf eapiculo sobre «A forge do dirciton, note 31) © Seta neceisvio atescontar todas as que as homologs estrutunis enere campos diferences produzem ¢, em particular, todos 08 equivocs favorecides pela homologia de posicio eacte os dominanceslominados (00 campo da classe dominance) e 0s domimades (eo campo das classes. Uma forma parciculaemente exemplar da comunicagio no malcenvendido gue a hhomologia de posigio na diferengn de condi tortm possvel € a que estabelece enute individuos que, embora situados em classes diferentes, assem, fandamencalmence separados, tm o entenro de comm oesarem rn orig instavel nas classes cespectivas —~- 0 que 0s predispie a aolherem e 4 ‘eicularer 0s dicursos eanslasistas (como os discusos religions. * aConféderacion Générale du Travale = Confederagio Geral do Trabalho (N.7). * Conse constitsido, em composgio paitéria, por merle cle {os por patrBes ¢ empregados e que tem como funcéo julgar desavengss decorrentes das eelagies conttateais de crab em diversas prufises de indisteia © do cometcio) (N.T.). CAPITULO IV os encontto fortuito e ignorado de séries histéricas independentes. A historia € também, como se vé, uma ciéncia do inconsciente. Ao trazer A tuz cudo 0 que esté oculto tanto pela doxa, cumplicidade imediara com a prépria histéria, como pela alodoxia, falso reconhecimenco baseado na relagéo ignorada encre duas histérias que leva @ reconhecer-se numa oures historia, a de uma ouce nagio ou de uma outta classe, a pesquisa histérica fornece os instrumentos de uma verdadeira tomada de consciéncia ou, methor, de um verdadeiro autodo- minio. Cafmos constantemente aa armadilha de um sentido que se faz, fora de nés, sem nds, na cumplicidade incontrolada que nos une, coisa historica, & histéria coisa. Ao objectivar 0 que ha de impensado social, quer dizer, de histéria esquecida, nos pensamentos mais vulgares ou nos mais cultos — proble- méticas atacadas de necrose, palaveas de ordem, lugares- -comuns — a polémica cientifica, armada com tudo o que a ciéncia produziu, na luca permanente contra si propria e por meio da qual ela se supera a si propria, oferece aquele que # exerce ¢ que a ela se submete uma probabilidade de saber 0 que diz ¢ 0 que faz, de se tornar verdadeiramente no sujeito das suas palavras e dos seus actos, de destruir cudo o que existe de necessidade nas coisas sociais ¢ no pensamento do social. A liberdade néo consiste em negae magicamente este neccssidade, ‘mas sim em conhecé-la, 0 que em nada obriga nem a autoriza & reconhecé-la; 9 conhecimento cientifico da necessidade encerta a possibilidade de uma accéo que tem em vista neutralizé-la, logo, uma liberdade possivel -~ quando o desconhecimento* da necessidade implica a forma mais absotuta de reconhecimen- ro: enquanto a lei é ignorada, o resultado do deixar-fazer, camplice do provavel, aparece como um destino; quando ela é conhecida, ele aparece como uma violéncia A sociologia 56 deixari de ser completamente aquilo que frequentemente se faz dela, isto é, uma ciéncia empenhada em revelar «as pensamentos dissimulados» **, como dizia Montai- _gne, um olbar desconfiado e maldoso que desengana, destruin- + amméconnaissincen {ignorincia, nio-reconhecinento) (N.T.). we sles pensées ducritze-houtigues ao texto original. (NT). 106, HISTORIA REIFICADA E INCORPORADA do a impostura também as ilusdes, um propésito de «redu- io» mascarado de «virtudismo» * do pensamento incransigen- fe, na medida em que for capaz de se submever completamente & inteteogacio a que ela submete toda a prética, $6 podemos produzir a verdade do interesse se aceitacmos questionar 0 weresse pela verdacte ¢ s¢ estivermos dispostos a pir em tisco a ciéncia e a respeitabitidade cientifica fazendo da ciéncia o insteumento do seu préptio por-se-em-causa. E isto na esperan- ga de ter acesso & liberdade em relacio 2 liberdade negativa € destnistificadora que a ciéncia oferece. * seaduzimos assim 2 palavra (apareote aeologismo) «vertuismes em- pregada pelo: auior sem qualquer sinal ~~ aspas ou sublinhado — destaci-la. (N.T.), CAPITULO V A identidade e 4 representagao Elementos para uma reflexao critica sobre a ideia de regio A intengio de submeter os inserumentos de uso mais comum nas cidncias sociais a uma critica epstemoligica alicerade nna bistiria social da sua gine ¢ da sua utilizagao encontsa no conceito de tegiéo uma justificagdo particular'. Com efeito, Aqueles que vissem neste projecto de comar para objecto of instcumentos de construgio do objecto, de fazer a historia social das caregorias de pensamento do mundo social, uma espécie de desvio perverso da intencio cientifica, pode-se-ia ‘objectat que a cetteza em nome da qual eles privilegiam o conhecimento da «realidade» em relagéo 20 conbecimento dos * Este cexto é 0 resultado de um trabatho empreendice, com 0 apoio ‘da DGRST, 10 quadeo de ven gtupo composto por economists, etnslogos, historiadores e socislogos. SO um conjunto de gitudes de caso orientados pela intengio de apteender a génese do conceico de regido e das representa- ‘Goes que Ihe esto associada, de descrever os procests em jogo nes quai € por meio dos quais aquele conceito é produzido — o campo literiio a caso do estereétipo elsborado pelos romancistas regionslistas, © campo universi- 1 850 da unidade Rice © social delimicada pelos hisroriadotes, pelos _geégrafos ou pelos politSloges, 0 campo social no seu conjunto no caso da tunidade politice reivindicada pelos movimentos regionalstes —~ padia dar toma ideia do universo de pressupostos, mais ou menos dssimulados, que se acham envotvides em cada um dos usus do canceito. £ por isso que, a estes festudos, se juntario mais earde o de Rémi Ponton sobre os romancistas regionalistas © sobre a evolugio da temética dos romances tegiogais (em relagdo com as rransformagdes do campo litedrio edo siseema escola) ¢ 0 de Jean-Louis Fabiani sobre 0 mercado dos bens culturas tegionais (no caso da ‘Cérsega), © também o artigo de Enrico Castelnuovo e de Carlo Ginzburg sobre os efeitos da dominagio simbélice na produgio pictética em Ilia depois do Renascimento. [Este Geimo estado sert publicado em verso poruguess na obra intirulada A Mieo-bitiria de C. Ginzburg, que ssi na colecgio Meméria ¢ Sociedade) 108 A IDEA DE REGIAO inseumentos de conhecimento nunca é, indubitavelmente, tio pouco fandamentada como no caso de uma «tealidade> que, seado ein primeito lugat, represeagdo, depende tio profunda~ mente do conhecimento e do reconhecimento. As Titas pelo poder de dicvisico Primeita observacio: a tegifo ¢ 0 que eseé em jogo como objecto de tutas entre os cientistas, ndo 56 gedgrafos € clato, que, por terem que vet com o espago, aspitam a0 monopélio da definigao Tegitima, mas também histotiadores, etnélogos €, sobtetudo desde que existe uma politica de eregionalizacion € movimentos «regionalistas», economistas ¢ socidlogos. Basta- ra um exemplo, colhido dos acasos da Jeitura: «6 preciso ptestat homenagem aos gedgrafos, eles foram os primeiros a intecessarem-se pela economia tegional. Por vezes mesmo cles tendem a teivindici-la como uma coutada». A este cespeito, escteve Mautice Le Lannou: «Admito que deixemos 20 cuidado do socidtogo e do economista a descobects das cegras getais =~ se as hi — a partie do comportamento das sociedades humanas e do mecanismo das producdes e das ttocas. A nés, pettence-nos o conctero presente € divetsificado que é a manta de retalhos multicolot das economias tegionais (...). Os inqué- titos cegionais dos gedgrafos apresentam-se frequentemente como estudos exttemamente minuciosos, extremamente apto- fundados de um espaco determinado. Em geral, estes trabalhos cém o aspecto de monografias desctitivas de pequenas regides; a sua multiplicidade, a abundincia dos pomeaotes impedem que se compreendam os gtandes fendmenos que levam 20 progresso ou ao declinio das cegiges consideradas. Dé-se igual- mente demasiada impoctancia aos fenémenos fisicos, como se 0 Estado no interviesse, como se os movimencos de capitais ou as decisbes dos grupos no produzissem efeitos. O gedgtafo ptende-se talvez demasiado 40 que se ¥é, enquanto 0 economis- ta se deve prender a0 que se nio vé. O gedgrafo limita-se frequentemente i anilise do concetico do espaco; ele olha muito pouco para aléin das fronteiras politicas ou administeacivas da CAPITULO V 109 regido. Daqui, a tendéncia que ele tem pata tratat a economia de uma regio como uma entidade em que as relagies incetnas so prepondetantes. Para 0 economista, pelo contriio, a tegidio setia tuibutiria de outros espaces, tanto no que diz respeito aos seus apovisionamentos como no que diz tespeito aos seus escoamentos; a natureza dos fluxos ¢ a importéncia quantitativa estes, por acentuarem a interdependéncia das tegides, setiam um aspecto a privilegiat. Se 0 gedgrafo considera a localizagio das actividades numa regio como um fenémeno espoatineo € comandado pelo meio natural, o economista introduz nos seus estudos umn instrumento de analise particular — 0 custo» Este cexco, que merecia set citado mais longamente ainda, mostea bem que a relacio propriamente cientifica entre as cuas cigncias tem as suas taizes ta relagdo social entre as duas disciplinas e os seus cepresentantes. Com efeito, na tuta para anexar uma regia do espace centifico ¥& ocapada pela geografia, 0 economisca ~~ que reconhece aquela o métito de primeito ocupance — designa de modo insepacdvel os limites das esteatégias cientificas do gedgrafo (@ sua tendéncia pata o einternalismo> a sua inclinagdo para aceitae o detetminismo «gcogeitico») ¢ os fundamentos sociais destas estratégias. Isto é feivo por meio das qualidades ¢ dos limites, que ele artibui a geografia € que sio claramente reconbecides pelo porta-voz desta disciplina dominada e dada a contentar-se_«modestamente» com aquilo que the é concedido, a isolae-se na cegido que as disciplinas mais «ambiciosas», sociologia ¢ economia, the dio ‘em pactitha, quet dizet, 0 pequeno, o particular, 0 concteto, 0 teal, 0 visivel, a miniicia, 0 potmenoc, a monogtafia, a desctiggo — pot oposi¢io ao grande, ao geral, ao abstracto, & teoria, etc. Assim, por um efeito que caractetiza, de modo *R. Gendarme, Lisnalye konomigue riginale, Paris, Cas, 1976, pp. 12-13 fe M. Le Lannoe, Lu Géographie Hamaine, Pats, Flacimarion, 1949, p. 244), 3 Sabesse que os geégrafos © a geografa se acham 9 nivel mais baixo da hierarquia social (medida por indices como a origera socal ¢ regional dos professores) des disciptinas des feculdades de Leteas, enquaneo a economia ‘cups: uma posigdo elevada nas faculdades de Dizeito, globelmeacesicwidas cnn nfveis mais altos do que as ficaldades de Letras nesta hierarqu. 110 A IDEIA DE REGIAO proprio, as relacées de (mal)conbecimento* ¢ de reconhecimen- to, 05 defensores da idlentidade dominada aceitam, quase sem- pre tacitamente, pot vezes explicitamente, os principios de identificagao. de que a sua identidade € produco. Ousra observacéo importance: esta uea pela autoridade cientifica € menos aurGnoma do que querem ceet os que nela se acham envolvidos ¢ verificar-se-ia facilmente que as grandes cetapas da concotréncia entre as disciplinas a respeito da nocio correspondem, através de diferentes mediagies — entce as quais os contraros de pesquisa. ndo sio das menos importantes — & momentos da politica governamental em marétia de estavam inceressados no transtegional, € até mesmo n0 transnacional ~~ ¢ de modo tanto mais claro quanto mais preocupados se mostravam com a sua identidade — parece ter coincidide com o aparecimento (e foi mesmo um aspecto deste) er 1968 ¢ depois, dos movimentos «tegionalis- tas» de novo cipo que, gragas a uma politica de contratos, ofereciam ao investigador, mediante uma cedefinigio laxiorista da observacio participante, 0 papel de companheiro de viagem que analisa 0 movimento no. movimento. Estas poucas indicacSes, que no sio apresentadas com a pretensio de servirem de analise metédica das relagies entre as diferentes cléncias sociais, deveriam ser suficientes para dar ideia de que 0 objecto da ciéncia, a saber a concorténcia pelo monopslio da divisio* legitima cambém pertence ao dominio da ciéncia, isto 6, esta também no campo cientéfico ¢ em cada tim dos que nele se acham envolvidos. Isto nao implica de forma alguma ~~ antes pelo contrério — que este facto esteja claramente presente na consciéncia dos investigadores. Ora, a ciéncia social, que ¢ obti- ‘gada a classificar para conhecer, s6 tem alguma probabilidade, do jé de resolver, mas de, pelo menos, por cortectamente 0 pro- blema das classificagdes sociais e de conhecer tudo 0 que, no seu. objecto, é produto de actos de classificagio se fizer entrar na sua pesquisa da verdade das classificacdes o conhecimenco da verdade dos seus proprtios actos de classificacio. O que quer dizer que niio é possivel dispensar, neste caso menos que em qualquer outro, uma andlise da relacdo entre a Igica da ciéncia ¢ a égica da pritica® facto de comum « acicaio da dingo dominae na sua founa directs 0a a sespeizo dis clases ence 2 nogio de regio dos guia © a coogio de tego tal como funciona ma peticac, em particular, 0 discus regionalista, dic-se-iam rovover as andlises por vs propostas ere outro trabalho scence da desvio entre 0 parentsco prético € 6 paronesco tedecn, reiscado na genelogia (ou ext 0 exquema tieio dis oposiges elias € Gs exquemas.priicos da acgdo itl) © acerca dos efitos cienefcos da ignorincés deste devvio inaleepassdvel, oP. Bourdieu, Le sexs prutene, Paris, Miovie, 1980, especaioente, pp. 59-60. edéconpuyges mr te380 orginal (NT te A IDEIA DE REGIAO Com efeico, a confusio dos debaces em tomo da acgio de fegiio ©, mais geralmente, de «etnias ou de setnicidades (cufemismos eruditos para substicuir « nogio de «agar, con. tudo, sempre presente na pritica) cesulta, em parte, de que a Preocupagio de submeter a critica I6gice os categoremas do senso comum, emblemas ou estigmas, e de substituir o Principios priticos do juizo quotidiano pelos crieérios logice, mente controlados ¢ empiricamente fundamentados da cignciz, faz esquecet que as classificagdes priticas estao sempre subord inadas a fiuncies priticas © otientadas pata a producto de efeitos Sociais; e, ainda, que a8 representacoes préticas mais expostas & critica cientifica (por exempto, 05. discursos dos milieances regionalisras sobre a unidade da lingua occiténica) podem contribnir para prodizir aquilo por elas descrixo ou designado, quer dizer, a rashidade objeciva & qual a critica objectivists ox fefere para fazer aparecer as ilusdes © as incoeréncias delee Mas, mais profundamente, @ procura dos critétios «objecti- vos» de identidade stegionaly ou «étnica» nig deve. forse esquecer que, na prética social, estes critérios (por exemplo, a Hagua, o dialecto ou 0 sotaque) sio objecto de repreunnati mentais, quer dizer, de acros de percepcéo ¢ de apreciagio, de Conhecimento e de reconhecimento em que 0s agentes investem os seus inceresses © os seus pressupostos, © de mpreennasées sbjeciais, em coisas (emblemas, bandeitas, insignias, etc) ou €m actos, estratégias interessidas de manipulacéo’ simbélica gue tém em vista determinar a representacio mental que os Outros podem ter destas propriedades e dos seus portadores Por outras palavras, as caracteristicas que os etndlogos « os socidlogos objectivistas arrolam funciona como sinais, emble. mas ou estigmas, logo que sio percebidas ¢ apreciadss como 0 sio na pritica. Porque assim € © porque néo ha sujeito social que possa ignori-lo praticamenre, as propriedades (objectiva- mente) simbélicas, mesmo as mais negativas, podem ser utili, zadas estraregicamente em fungio dos interesses materials ¢ também simbéticos do seu portador” "A dificuldade em pensar adequadamente a economie do simbélico TEse, por exemplo, em certo autor (©. Parerson, «Content and Choiee wy Ethnic Allegiance: A Theorctcal Framework and Caribbean Case Sealy. CAPETULD V 115 os particular de [ura das $6 se pode comprender esta forms particular ae classificagGes que € a luta pela definicio de idestidade «regi nal» ou «émnica» com a condigio de se passar para além da oposi- sie ai 2 clncia. deve prio opti, pt tome cm a é-nogbes da sociologia espontinca, entice a cepresetacio ¢ 2 fealidade, e-com a condiio dese inclu ao teat represencagio do real ou, mais exactamente, a uta das representagSes, no sen- tido de imagens mentais e também de manifestagies sociais des- tinadas a manipular as imagens mentais(e até mesmo no sentido de delegagbes encarregadas de organizar a8 representages como manifestagées capazes de modificar as represencagées mentais) ‘As lutas a cespeito da identidade érnica ou regional, quer diac, 9 regpeico de propredades (esrigmas ov emblems) Tigadas & arigem através do lugar de origem ¢ dos sinai dards hes o cones, cm wage, om iculae das lutas das clasificagdes, lucas pelo monopbli de aver were face cee, de dara concer © de fer reconhe. cer, de impor a definicio legitims das divisées do mundo social , por este meio, de fazer e de desfazer os grupos. Com eto © que nelas esti em jogo € 0 poder de impor ume wish mundo social atavés dos principio de division qu, quando Bem a0 conjunto do grupo, realizam o sentido € o conse sobre © sentido e, em particular, sobre a identidade ¢ a unidade do grupo, que fazem a realidade da unidade e da ideatidade do grupo. A etimologia da polavra regido (rir), ral como a descreve Emile Benveniste, conduz a9 principio de di-visi, avo migico, quer dizer, propiamente social, de dues que imerodu por dro uma desconinakade decisis oa continu dade natural (néo a5 entte as regites do expago mas também entre as idades, os sexos, etc.). Regee fines, © acto que consiste E ity and Experience, ed, by N. Glozec and D.P. Moynihan, Cami Mone Hise Cassa] Bsn: BS. pp. 308-98) tu, CGenjundo por evcepeio to Kdalismo cultures © quilé de rege nests eis sands na mae ta gs as eed ae ee ei termed globe site 4 A IDELA DE REGIAO em «cragar as fronteiras em linbas rectagy, em separar «0 interior do exterior, ¢ reino do sagrado do reino do profano, 0 territ6rio nacional do tettit6rio estrangeiro», é um acto religicss realizado pela personagem investida da mais alta auroridade, 0 rex, enearregado de rigere saera, de fixar as regras que trazem & existéncia aquilo por elas prescrito, de falar com autoridade, de pré-dizer no sentido de chamar ao ser, por um dizer executério, © que se diz, de fazer sobrevie o porvir enunciado", A regio e os suas fronteiras (fine!) no passam de vestigio apagado do acto de auroridade que consiste em circunscrever a repido, 0 territstio (que também se diz fines), em impor a definicso (outeo sentido de finis) legitima, conhecida ¢ reconhecida, das fronteitas e do tertitério, em summa, ¢ principio de di-visio legitima do mundo social. Este acto de direico que consiste em afirmar com autoridade uma verdade que tem forga de lei € um acto de conbecimento, © qual, por estar firmado, como todo © poder simbolico, no reconhecimento, produz a existéncia daquilo que enuncia (a auctoritas, como lembra Benveniste, € « capacidade de produzir que cabe em partitha a0 auctor)”. © anctor, meso quando 36 diz com autoridade aquilo que é, mesmo quando se limiea a enunciar o ser, produz uma mudanga no ser: a0 dizet as coisas com autoridade, quer dizee, 4 vista de todos © em tome de todos, publicamente ¢ oficialmente, ele subttai-as ao arbitrétio, sanciona-as, santifica-as, consagra-as, fazendo-as existic como dignas de exiscir, como conformes a natureza das coisas, «naturaise Ninguém podcria hoje sustentar que existem critétios capa- zes de fundamentar classificagdes wnaturais» em regides «nata- ais», separadas por fronteiras «naturais». A fronteira nunca é mais do que o produto de uma divisio a que se atribuicé maior ou menor fundamento na «fealidade» segundo os elementos que cla seine, tenham encse si semelhangas mais ou menos numerosas ¢ mais ou menos fortes (dando-se por entendido que se pode discutis sempre acerca dos limites de variagio entre os "KE, Benveniste, Le sxabnlaie dey inuitacions indo-enropienner, 1, Po vir, droit, rigin, Patis, Minuit, 1969, pp. 14-15 (e também, a respeisn de frainein. como poder de prediver, p- 4D. TEL Benveniste, of. ai, pp. 150-15 CAPITULO V is clementos no idénticos que @ taxinomia trata como seme- Ihantes). Cada am esti de acordo em notar que as eregidese delimicadas cm fungio dos diferentes crieérios concebiveis gua, Achitas, amanho da tera, etc.) stunca coincidem perfeiramente. Mas nio é tudo: @ «tealidaden, neste caso, € social de parte a parte ¢ as classificagbes mais snarutnis» apoiam-se em caracteristicus que nada rém de natural € gue so, em grande parte, produco de uma imposigio arbictiria, quer dizer, de um estado anterior da relagio de forcas no campo das lucas pela delimitacio legitima. A froateita, esse produco de um acto jutidico de delimiragio, produz a diferenga cultural dlo mesmo modo que é produto desta: basta pensar na acco do sistema escolar em matéria de lingua para ver que a vontade politica pode desfuzer 0 que a historia tinha feito. Assim, a ciéncia que pretende propor os crivétios mais bem alicercados na realidade niio deve esquecer que se limita a registar um extads da toca das classificagses, quer dizer, um estado da felacao de forcas materials ou simbélicas entre os que cém interesse num ou noutro modo de classificagio ¢ que, como ela, vocam frequentemente autoridade cientifica para funda, mentarem na reatidude © na tazio a divisio atbiceitia que querem impor. "A diferengs cutcutal € sem drivida produto de ams diatéccica hiseirts da diterenciagio cumalriva. Como snovtrou Paul Bois sexpeice dos camponcses do Osste capis opgies politcas desafiavam a geogtatin eleitorul. o que faz 4 regidn aio & » expaco, mas sim 0 tempo, 2 bistocis (P. Bois. Parsons de FOnes. des wracmres eeoomigses «sia an. epions politiques depuis Pepa reulutivanaire, Pate Hain, Moncoe. 1960), Poder se, ‘a fuzer uma demonstragio semethunre « respeito das sree" « rifimas que. an cabo de ume histiris diferente, exata sutivcentesante diferentes» das «regides~ azbétionas par suscinatem da pane do eolonizas ddor eratomencos diferentes (ema resecrin de escolarizacls, poe exemple), faxo, peiprios pact refirgar as ditececcas gus Ihe tlbam scrvicn de prctexto « per produzir novas diferengas (as que estio ligudas & emigeagio pera Francs, pot cxemplo} assim suetssivamence. Neda fi. ner weve oe isazense ou ns wsvlose, caros abs gedgrafos, que ado seis heranga, uct lizcr. produs bisuiicns dis determinantes sciais (ef C. Rebout, «Deter, ‘nnanes sia de Li tecntieg ses sols~. Ace dele reherbe om sce sie L7-18. Nov. 127. py §M 112. Ne mesma bigiea e pana aléen douse Iywnnsinene -naimtatois- ts anyone ~paisigem-- setin peciso alisar a umterberione dns Toraone sien pardon processes ee sdeserticnsip. 116, A IDEIA DE REGIAO O discurso regionalista é um discurso performatin, que term cm vista impor como legitima uma nova definigio das feoncei- ras € dir a conhecer ¢ fazer reconhecer 2 regio assim delimita- da — e, como ual, desconhecida — contra a definicio dom nance, portanco, reconkecida ¢ legitima, que a ignora. O acco de catcgorizagio, quando consegue fazet-se reconhecer oa quando é exercide por uma aucoridlade reconhecida, exetce poder por si: as categorias «éenieas» ou ereglonsise, como as Categorias de parentesco, instituem ama réalidade usando do poder de raelagia e de constragde exercido pela ebjcticacio no dinnrin. Nao € uma fiegio sem eficicia chumae-se woccitin- co» "3 lingua que falam 05 que sio chamados «Oxcitinicose porque falam esta lingua (que ninguém fala, propriamence digo, pois ela no passa da soma de um grande aimera de falares. diferentes) ¢ nomeat-se «Occitiniay 4 segido (no sea tido de espago fisico) onde esca lingua é falada, preten- dendo-se assim faxé-la existir como «tegiior ou como «nagio {com todas as implicagies historicamence consticuédas que estas ‘nocdes encerram no momento considerado) '?. O acto da magia. social que consiste em cencar truzer & existéncia a coisa nomea da pode resultar se aquele que 0 realiza for capaz de fazer reconhecet 4 su palavta o poder que cla se arroga por uma usurpacio proviséria ov definitiva, o de impor uma nova visio a. urna nova divisio do mundo social: ngere fies, ryere sac, consagrar am novo limite. A eficicia do discurso performative que pretende fixer sobrevie 0 que ele enuncia ao proprio acco de 0 enunciar é proporcional 4 ausoridade daquele que 0 fenuncia: @ formula «eu autoriza-vos a partiem 36 € ¢ itso uma autotizigio se nquele que pronuncia esti aurorizao a accorizar, © lkctvo soecicane ey 4 fri. 0 substative Orcitanies so paleveasenafiasc ecenes (rps pel lanai Hoga deo ie Mi), destiny a csgnar centiadee eraas que pelo menos ck Shomer, 58 exatem 0 papel 7 De fier, esta Fngu€, oh mesma, manta social, invent usta de uana ivdiftenga dexsica para conn as diferengn. a re 20 nivel dh “tcinw x lnpesii abiriia de ia nore in come ul 5 lta pepo «ua pri car nn a citces Tngutireis mente um ines stems alt i lize eke francés, mpi sup capituto v ur tem autoridade para autorizar. Mas 0 efeito de conhecimento que o facto da objectivacio no discurso exerce néo depende apenas do reconhecimento consentido aquele que o detém, ele depende também do grau em que 0 discurso, que anuncia 20 ‘Btupo a sua identidade, esta fundamentado na objectividade do grupo a que ele se dirige, isto é, no recoahecimento ¢ na crenga que ihe concedem os membros deste grupo assim como nas propriedades econémicas ou culturais que eles tém em comum, pois ¢ somente em funcio de um principio determinado de percinéncia que pode aparecer a relagio entre estas proprieda- des. O poder sobre © grupo que se trata de trazer 3 existéncia enquanto grupo é, a um tempo, um poder de fazer 0 grupo im- pondo-lhe principios de visio © de divisio comuns, portanto, uma visio nica da sua identidade, e uma visio idéstica da sua unidade ". O facto de estar em jogo, nas lucas pela identidade esse ser percebide que existe fundamencalmente pelo reco- hecimento dos outros —-, a imposigi de petcepgdes e de categorias de percepcio explica o lugar determinamce que, como a estratégia do manifesto nos movimencos artisticos, a dialéctica da manifescacio detém em todos os movimentos regiohalistas ou nacionais *: 0 poder quase magico das palaveas resulta do efeico que tém a objectivacio ¢ a oficializacio de facto que a nomea- so piiblica realiza 4 vista de todos, de subtrait ao impensado ¢ até mesmo a0 impensavel a particularidade que esté na origem do pacticularismo (€ 0 caso quando a «algatavia» sem nome se afirma como lingua susceptivel de set falada publicamentey; ¢ a '° Como ventei mostrar em outro trabalho (ef. Howrdieu ¢ L. Boltanski, ‘he fétichisme de ta lunguen, Aes de fr bine om sioner cals, n° 4, 1975, pp. 2-33), os fundadores da Bscola republicans vinbam por finalidade cxplicia inculcar, eneie outras coisas pela impesicéo da lingua «nacional, sistema comum de caregorias de percepcio © de apreciagio caper de fiandamentar uma visio univétin da. mundo social. 0 fiaone, gerulmente atestado, entte os movimentos repionaistas € us imovimentos fecsinistas ¢e eanbém ecolégicos) resulta de que, ditigides canes formas de domingo simbélica, estes movimentos supéein disposi. ses Cenicas © cumperéucias culearais (visiveis nas estratéplas urilizadas) que se encoarram autix proprivinente sa intellixentia © na uova pequend Inurguesis et. Bouediew, Dar sonata, Pats, Minuit, 1979, expectaonence pp. f08.48H, us A IDEIA DE REGIAO oficializacao cem a sua completa realizagéo na manifstagio, acto tipicamente magico (0 que néo quer dizet desprovido de eficécia) pelo qual o grupo pritico, virtual, ignorado, negedo, se tora visivel, manifesto, para os outtos grupos ¢ para ele briprio, atescando assim a sua existéncia como geupo conhecido € reconhecido, que aspira & institucionalizacio. O mundo social € também representagio ¢ vontade, ¢ existir socialmente é também ser percebido como distinto. De facto, nao ha que escolher entre a arbitragem objectivis- ta, que mede as mpreientagées (em codos 08 sentidos do termo) pela «realidade» esquecendo que elas podem aconeecer na realidade, pela eficécia propria da evwcagio, o que elas represea- tam, € © empenhamento subjectivista que, ptivilegiando a representagio, confirma no terreno da ciéncia a falsificagéo a esctite sociolégica pela qual os militantes passam ds repeesenta- do da realidade & realidade da representagio. Pode-se escapac & alternativa tomando-« para objecto ou, mais precisemente, fevando em linha de conta na ciacia do objecto os fundamen. tos objectivos da altetnativa do objectivismo e do subjectivisme que divide a ciéncia, impedindo que apreenda a ligica especifi- ca do mundo social, essa srealidades que é 0 lugar de utna luta permanente paca difinir a «tealidade». Apreender ao mesmo tempo o que é institukds, sem esquécer que se trata somente di resultante, num dado momento, da luta para fazer existir ou sinexistir» 0 que existe, © as repreentagies, enunciados pertor- mativos que precendem que aconteca aquilo que enunciam, rescituir a0 mesmo tempo as estruturas objectivase a relacdo com estas estruturas, a comecar pela pretensiio a transforms munir-se de um meio de explicar mais complesamente a «reali- dade», logo, de compreender e de prever mais exactamence as potencialidades que cla encerra ou, mais precisamente, as possibi- Tidades que ela oferece as diferentes pretenses subjectiviseas '* Sem deivar por isso de estar suicito a spatecer como censor ou ctimplice. Quando o discurso cientifico & recomado nas las das elasifcse ‘sbes que se esforca pur objectivar — ¢, salvo a interdigéo da su dvd agio, nio se vé como impedie este uso —, passa a foncionte como ne Fealicade dss lutas de classifcagio, isto ¢, como um divarin ile simustragie ‘que diz, por um dizer aucorizado que aurbties, jue 0 «que lene ser ele ear caPiruto v 19 Compreende-se melhor # necessidade de explicitar comple- tamente a relagio entre as lutas pelo principio ¢ di-visdo legitima que se desenrolam no campo cientifico © as que se situam no campo social (e que, pela sua logica especifica, concedem um lugar preponderance aos intelectuais). Toda a tomada de posigio que aspire a «objectividade» acerca da existéncia actual € potencial, real ou previsivel, de uma regio, de uma etnia ou de ume classe social e, por esse meio, acerca da pretensito & instituigao que se afisma nas repreemayies «partidé- las», consticui um certificado de realism ou um veredicto de ‘mopisme 9 qual contribui para determinar as. probabilidades objectivas gue tem esta entidade social de ter acesso & existén- cia". © efeito simbdlico exercido pelo discurso cientifice 20 consagrar um estado das divisdes e da visio das divisdes, é For 50, condenado 4 spare como ate ou dap canforme »telagho umplice ou critica que 0 pri liter tnantém com reidade dscten asim que o simples fact de rar pode facionr como uma menct de mosis com 9 de, de pér 90 index, de aewat Catan). Ou, avert meote, como ura manera de er vere de fiver salt Iso tanto vale pata clesifcagao em lasses soca como pars asia em Mepis» Ou ern -~euniass. O socilogo expe-s, = putin do momento om ue acita rm ‘als om resleadon das wane pers,» que The a ibvam fa propor do reconhecimento que 3° Ibe concede) © papel do ver romano, responsive pelo cen atu entimagio plies dovalor edo nivel abides pessoas SG. Damnit, Svar le Fortam, Pais, Gallimard, 1943, piB8 raais tarde, resented Torunas on, que ¢ 0 mesmo, 3 eespeito das apartncias, 0 do censor (detoviano) que teas pessoms cafes & ver™ lade objectiva gue #clsificacio thes determing. (Esta titra @ a0 ream tempo proivel, potsue io bass objrcivar aa das classes pace 2 suspender © anteipadamenre a desmenti: com efeito, a obpecrivagia des trae, em particular, ns forme expeifica que ela asume no eio do campo cfentifico,aesta que ¢ possivel spars da lor pelo monopelip da deine ‘lo principio da classdicago lexis plo menos quant baste pata compte. tere para controlar o efeios associa 208 interes emvidos esi), "Coma compreender, + ns0 ser como outias tant afitmagbes ompulsives ds pretesio bec mica co cer dumeriiane fs inereve na ambicto do socio, a rectaghesctuais dos texts cannicos se casa time oor cm oe) cam grau de aobigis superior © em estilo menos clio, as pfeias \nuiadorss ie sen clase dhs anaes Tutse (ou 0 decline ineltivel sas —yellie chen das svelhass fa), dos entos que “gun geste hyo pwning dtr wiles 120 A IDEIA DE REGIAG inevirivel_na medida em que os critérios ditos «objectives», precisamente os que os doutos conhecem, sio utilizados como armas oas lutas simbélicas pelo conhecimento e pelo reconheci- mento: eles designam as caracteristicas em que pode firmat-se a acgéo simabolica de mobilizagio pasa produzit « unidade real ou a crenga na unicade (tanto no seio do préprio grupo como nos outros grupos), que — a prazo, e em particular por intermédio das acces de imposicio ¢ de inculcagio da identidade legitima (como as que a escola ¢ o exército exercem) — tende a gerar a unidade real. Em suma, os veredictos mais «ncutros» da ciéncia contribuem pata modificar 0 objecto da ciéncia: logo que 2 questio regional ou nacional & objectivamente posta na realidade social, embora seja por uma minoria actuante (que pode tirar partido da sua propria fraqueza jogando com a estratégia propriamente simbélica da proewatdo ¢ do testemunbo para aftancar réplicas, simbélicas ou no, que iepliquem um Feconhecimento), qualquer enunciado sobre a regido funciona como um argumente que conttibui — tanto mais largamente quanto mais lacgamente € reconhecido ~~ para favorecer ou desfavorecer 0 acess da regio ao teconhecimento ¢, por este meio, & existéncia Nada ha de menos inocente do que a questo, que divide mundo douto de saber se se devem incluit no sistema dos critérios pertinentes nao 36 as propriedades ditas «objectivas» (como a ascendéncia, 0 territério, a lingua, a religifo, a actividade econémica, etc.), mas também as propriedades ditas ou represcn- tada, com essas classificagdes e, em particular, as estearépias individuais colectivas (como as reivindicagées regionalistas) pelas quais os agences procuram pé-las ao setvigo dos seus interesses, Pose tambon scl, ay dea dreamer excise como objco, enreoobpetiano comity acctbuns cele Cumplicttademistcae mitiolorne relics eens ace cs «blonde sae Sars pipt cee ae a0 ual a eit events ti coy wae eee eon pore ee en no debate sss des eer eee Ung {do movimento eos oe pele tacese fem sores ga den ag inne pecnmene abe ean deena do movie ptt ou aca enor eee iis ou de eaquin ese vrttns rpms eros “como rterta ao movie ope “Pace ie anos beige mconl no eso der ovtnueas estrone Oscars a pride, tape énegatva, Por Unido anaes ena ‘io ~Guando expiants uma users ever sanuengto oro reac de ni sons eg tan Pose de io, pases as pls de meme aura ee eae fst coment, nga ee cttw doyecenn de pas 4 root (2). Que © proper dees movinews tol oe one Ppa, o eng, mas oo do Langundoc sponta pr Loc neg Gis pa oo estar que aio dn mavanens de podace de Nace dorm reais sen are east ene pein, am resto ws incon cme de elope ean Soh caloriar oy moumentn einai @ le ie” Wiad sotnenterecoheee git que nc sa og mn Ilo a dels dzem smitten gueasiaignfenanercnaurnee coco impacto ae evolu dositemsseril oni one locone cade %0 expat sees movineasns th Delong lade oe Bene ‘enn cress pbs roma: Coen, Male “Opens fos oan nro ne nsf jnvegres ‘stip de movimento com at ou age sseionenc ee hp 63 ~ poder sedolertarixn a agi 9708 cates ata Drstgem ma abfetvagio da smarts urge shina CAPITULO ¥ 123 materiais ou simbslicos, ou conservi-las e transformalas; 6) as relagées de forcas objectivas, materiais ¢ simbéticas, e os esquemas priticos (quer dizer, implicitos, confuses, ¢ mais ou menos contraditérios) gracas aos quais os agentes classificam os ourros agentes ¢ apreciam a sua posigéo nestas relacées objecti- vas €, simultaneamente, as estratégias simbélicas de apreseota- cio e de representacéo de si que eles opsem as classifieagies ¢ As representagies (deles proprios) que os oustos thes impacm, Em resumo, € com a condigao de exorcizar o sonho da wcibncia régian investida da regalia de segere fines ede regere sacra, do poder aomotético de decretar a uniio ¢ a scparicio, que a ciéacia pode eleger como objecto 0 priprio jogo em que se disputa o poder de rager as fronteiras sagradas, quer dizer, 0 poder quase divino sobre a visio do mundo, e em que nfo hi oucra escolha para quem pretende jogi-lo (e nio resignar-se a ele) a nao ser mistificar ow desmiscificar™ “TA pesquisa marvivea acceca da questéo nacional ou regional viu-se bloquesda. sem divida desde a origem, pelo efeita conjagula do oropismo ineermacionalists Gucentide por um ewolucionisme ingémuo) ¢ do economis- ‘mo, sem fular dos efeicos das preocupagies extratéigicas do momento que frequentemente predetcrminstim $ verediceos dle ora scifnciae voltada poet a priica {e despeuvida de um ciéncia vetdadcia quer da eifneia quer das relagies entce 2 pritica € a cidneia). Nao hi divide de que a eficscia do conjunte destes Gctores seve particukumeare bem na ese, ripieamente performariva, do primado, embora micas vezes desmentide pelos fictos, das solidariedades séeaicasp ou mcionais em cclagio as solidaciedades de classe. Mas a incapaciciads he iswicizar ote prabiona (que. w mesmo titulo {gue o primado das celagSes espaciais ou das celacdes socials © genealégieas. posto € resolvide ma hisrorad © a pretensio reorericista, incessanremente afirmada. pare desigaat as smaghks vibveis> ow para prclucie os etitriee Cieutificamente vilidos da ideneidade nacional (cf. G. Houpe, M. Lowy. Co Weill, Ler mursites ot ly quetion nationole, Paris, Maspero, 1974) pparecem depender ditectamente do geau ein que intengio eealenga se reger ¢ de dirigic orienta a cigniciarégia das frontcinys sos lirntes: nia € por aes que Estaline € 9 auror da edefinigios mais dogmicica © mis rvonalica 8 ag 14 A IDBIA DE REGIAO Dominasio sinbilica ¢ lutas regionais © regionalismo (1 0 nacionalismo) ¢ apenas am caso parcicular das lutas proptiamente simbélicas em que os agentes estio cavolvidos quer individualmence ¢ em estado de disper- s40, quer colectivamente ¢ em estado de organizacio, ¢ em que esta em jogo a consecvagio ou x ttansformacio das celacoes de forcas simbélicas e das vancagens correlativas, canto econémicas como simbdlicas; ou, se se prefere, a conservagio ou a trans- formagio das leis de formacéo dos precos materiais ou simbéli- 0s ligados as manifestagées simbolicas (objectivus ow intencion ais) da identidade social. Nesta uta pelos critérios de avalia- cio legitima, os agentes empenharn interesses poderosos, vitais por vezes, na medida em que € 0 valor da pessoa enguanto reduzida sociatmente a sua identidade social que esta em jogo" Quando os dominados aas relagdes de forcas simboticas ‘entram na Juca em estado isolado, como é 0 caso nas interacgoes da vida quotidiana, no tém outra escolha a nio set a da aceitacio (cesignacla ou provocante, submissa ow cevoluada) da definigio dominante da sua identidade ou da busca da aisimite- 40 2 gual supse um ceabatho que feca desaparecer todos os sinais destinados a lembrar o estigma (no cstilo de vide, no vestuario, na proniincia, etc.) € que tenha em vista propor, por meio de estratégias de dissimulagio ou de embuste, a imagem de si o menos afastada possivel da identidade Jegitima. Dife rente destas estratépias que encerram @ ceconhecimento da identidade dominante © portanto dos critérios de’ apreciasio apropriados a constitui-la como legitima, a luca colectiva pela subversio das relagies de forcas simbélicas -~ que tem em vista no a supressio das carncteristicas estigmatizadas mas a destrui- so da tibua dos valores que as constitui como estigmas —, * Sabe-se que os individuos © os grupos investem nas tutas de classificagso rod o seu sez social, cudo 0 que define a ideia que eles teen deles proprios, codo 0 impensudo pelo qual cles se conscituerm come endse por oposicio a selese, aos eoueros» « a0 qual esto Tigades por yire lest uase corporal. E itu que explica a fores mobslizadora eacepe iia ile ais © que coca & identidade capiruto v a que procura impor sendo novos principios de di-visio, pelo menos uma inversio dos sinais atribuidos as classes produzidas segundo 05 antigos principios, é um esforgo pela auronomia, entendida como poder de definir os principios de definicao do mundo social em conformidade com os seus préprios interesses (names, a partitha legal, a atvibuigio legal, a lei, liga-se a nemo, parcilhar segundo a lei). © que esta nela em jogo € 0 poder de se apropriar, se nfo de todas 25 vantagens simboticas associadas a posse de uma identidade legitimna, quer dizer, susceptivel de ser publicamente e oficialmente afitmada e reconhecida (identi- dade nacional), pelo menos as vantagens negativas implicadas no facto de ja se no estar sujeito a ser-se avaliado ou a avaliat-se (pondo-se & prova na vergonha ou na timidez ou procurando acabar com o velho homem mediante um esforco incessance de comeida) em Fungio dos critérios mais desfavori- veis, A revolucao simbélica contra a dominacio simbélica € os efeitos de intimidacd que ela exerce tem em jaye no, como se diz, a conquista ou a reconquisca de uma identidade, mas a reapropriacéo colectiva deste poder sobre os principios de construcio ¢ de avaliagao da sua propria identidade de que o dominado abdicu em proveito do dominante enquanto accita ser negado ou negat-se (e negar os que, entre 0s seus, nao querem ow nio podem negar-se) para se fazer reconhecer™. © estigia produz a revolea contra o estima, que comega pela reivindicacio publica do estigma, constituido assim em emblema — segundo o paradigma black is beautiful» — ¢ que cetmina oa institucionalizagio do grape peoduzido (mais ou menos cotalmente) pelos efeitos econémicos © sociais da estigmatizasao. E, com efeito, o estigma que da a revolca regionalista ou nacionalisea, ado s6 as suas determinantes simbélicas mas também os seus fundamentos econdmicos ¢ sociais, principins de unificagio do grupo © pontes de apoio objectivos da accéo de mobilizagio, Os que julgam poder condense o sionismo ao condenareim o racismo esquecer que 0 " ista alceenacive imipiese eembim ane membros das clases dominu- vos, one neh em que # demminagio ceanimice © acompanhada quase tvteavelmence le wed absainayi simi, 126 AIDEIA DE REGIAO sionismo é, na sua origem, 0 produce histérico do racismo ¢e também que, como mostram, por cxemplo, as ficgies ca politica que tém em vista reconhecer a videntidade cultural» dos emigrados sem thes conceder a sangio jutidica deste reconhecimento, se cem o dircito de perguncar se urna identi- dade cultutal iniciakmence firmada no estigma pode ser eeal- mente assegurada sem a garantia de um Estado independents) E assim, embora se possa deplorar que, por uma espécie de desforra da historia, aqueles que foram as primeieas vicimas das ideologias reacciondrias da terra ¢ do sangue cenham sido obtigados a criar inceicamente, pata realizarem a sua identida- de, @ terra € a lingua que servem geralmente de justificagéo xobjectivar 4 reivindicagio da ideatidade. A reivindicacio regionalista, por muito longingua que pareca deste nacionalismo sem territério, é também uma tes- posta & estigmatizacéo que ptodux o territério de que, aparen- temente, ela € produto. E, de facto, s¢ a regiéo no existisse como espaco estigmatizado, como «provincia» definida pela discéncia econéinica e social (€ mio geogrifica) em relagio a0 «centrom, quer dizer, pela privacio do capital (matcrial ¢ simbélico) que a capital concentra, no teria que reivindicar a existéncia”®: € porque existe como unidade negacivamente definida pela dominacio simbélica e econdmica que alguns dos que nela patticipam podem ser levados a tucar (e com probabilidades objectivas de sucesso e de ganho) para alte- arem a sua definicio, para invertetem 0 sentido © © valor °° O espaco propriamence politico de dominacio define-s pela religio que se estabelece encre a disreibuigéo dos poderss ¢ des bene no espace ‘ecogcitico © a distribuigio dos agentes neste espaco, sendo a distincia _geogtitica em relagio a0s bens ¢ ans poderes um born indice de poder. °*0 argumento inobilizador Pode comprecudlerse nests logics por que fo a opusicay exits @ Norte ¢ 0 Sul se erkoter nis aticude assunnidy 2 sespeite tbe regio « do rcpionalisote: 8 gies onde 4 ccivindiengio eapdmies © 4 furs comers 5 dorsinacie romacn a fortes cepomalisea So aquelas onde os efeitos ch leminacdo econsimicn sio mais niticarnente acrexilos das efeitos dix det ‘nace: simbilien (Promineia estigmacizady. exe.) PE. Hobslwnt, Sone Reflections on ‘The Break-up of Bricsis Non feds Reraass HOY SeciOu, 1977, phe 32K A Chanpslie Fy fives fiaudie. Weveg, Beceil Callan. 1976, 8 A IDEIA DE REGO apatece bem como 0 Unico meio realista de combater ou de anular os efeitos de dominacio que esto implicitos, inevitavel. mente, na unificagio do mercado dos bens culcurais ¢ simboli. cos, desde que uma categoria de producores esteja ean condigies de impor as sts proprias notmas de percepcio e de apreciagio E 0 que se vé bem no caso da lingua na qual vodos 0s efeitos de dominagio estdo ligados & unificagio dio mercado que, no invés de abolir os particularismos, os constieuiu em estizmas negati~ vos". Assim, 0 verdadeiro suporte objective do revionalmo Qecitdnico reside ndo nos falares locais que, jé heverogéncos, foram desnaturados ¢ desenraizados pela confrontacio com a Hegua dominance, mas sim no franc meridional, baseante diferente do francés legitimo na sua sintaxe, no seu vocubmlarig € 9 sua pronincia para servic de base a uma depteciasao sistematica de todos os seus utilizdores, indepensdentemente cla classe a que percencam (se bem que a propensio e a apcicag para a scorreccio aumente & medica que se sobe na hietarquis Social), ¢ a uma forma doce ¢ laevada de racismo (firma me oposi¢éo mitica do Norte ¢ do Sul)?*, TP. Bourdiew © L. Holeanski, op. cit mu 1. % Pode pensar-se que, alérm dos efeitos a eansmissio dieeera das ancagens socinis que exo ligadss a0 capital sci, « proms lgicine dlesempenha wn pupel nfo descusivel no pivleo de a heneicams pee .Sc0880 4 clase dominance, as pessoas nasculas na kein parisien ox qe Fzcram nela os seus estuds — (privikegio que vai aumencundie & solide ‘que se sobe ris hierarquis das fancGes, desde us bispua, as preleies oat oe enetais até aos direceores de ministérios, ars iospectunes de Enanee te ane POG das grandes sociedades, codes colocades tx cencea do jender eeneesy sta ipitese ache wma confirmasio no fuera dle x taxi de parsienses tree, tse ov alunos das eons superior car seando 9 teas jen guer diet, segundo a Riecieguiasegaine: ole dex Poe Te, wen Sine Etienne ¢Ssitn-Cloud, Homenty, Ul, Sexes Apso: Mises Senet «7. Mines de Pars, Polytechnic ccf, HEC: ENA Citeces 90 si ister wais‘de 507% dos alunos saps contigs Vere oe ancigenssiocadas &pronéncia lpia. clement de pa eae stcimento na capital, vin acester & vnigers usta a one encore Social eleva, Esssin gue a openicio snda rns taceate ene ae soperiowes se te fovar ere linha de coate 20 mesmo wane SNS resiléncia dos pain no momen de entads ew flor & raipem ai Tem-se assim, de um Indo, a exis sue reentan nin pranks tan capirers v 129 Em resume, 0 mercado dos bens simbélicos tem as suas cis, que nia sio as da comunicagio universal entre sujeitos uuniversais: a tendeacia para a partitha indefinida das nagies que impressionou rodos os observadores compreende-se. se se vir que, na ligica propriamence simbélica da distingio — em que existir no ¢ somence ser diferente mas também ser reconhecido legitimamente diferente © em que, por outras palaveas, 2 existéncia real da identidade supde @ possibilidade ceal, juridi- camente € politicamente garantida, de afitmar oficialmente a diferenga — qualquer unificagio, que attiwile aquilo que & diferente, encerra © principio da dominacio de uma identidade sobre ourra, da negagto de uma idencidade por outra, E preciso, pois, romper com 0 economisine — marsista ou qualquer outro —~ que reduz 0 regionalismo a paixio, ou mesmo & pacologia, porque, por nay reconhecee a coneribuigao dada & consteugao do seal pela represcntagio que os agentes tem do real, ele no pode compreender a real contribuigio que transformagio cofectiva da representagan colectiva di i erans- formacio da realidade, Mas sem esquecer por isso que hi uma economia do simbilico que é irredutivel i economia (em sentido restrito) e que as lutas simbélicas tém fundamentos ¢ efeitos econdmicos (em sentido restrico) efectivamente reais, E assim que, como bem mostra Eric Hobsbawen a munwdiahiza- g#o da economia, de que se poderia ter esperado -fizesse dlesaparecer os nacionalismos, poderia ter permitida caminho tivee A légica da diferenciagio simbélica, criando assim as condligies que tosnassem possivel um separatism quase sem seus lanes na burguesia parisienss, quer der, Cignciay PO, HBC, ENA cas ‘Mines de Pats, por outta luo, as eseaas que rseruran sobrecud tate siade provincia, quer dizer, ULM, Sivzes, Palytechniguee Agr. ‘Tiado parece fois indicar que pest ctesccnce no ners dis vats de aesso ds posts \dominances de Gidacias PO, HIEC ou ENA, que, sub. apseéneiaide consadcray sens crtérins le selec univers, concede umn recunhevimiento eepeeia! mente marcado as propriedades mai caractetsticss i Fadi leitiont et sliver. patisiense(eom a princi esum diivida mutes muceascarateristies) fem coneribuido para reforcor « interiorisiade sa burguesis de provioet + RDG oo Presilens dizecteur eee E Hstaawny dea 130 A IDEIA DE REGIAO limites econdmices. Com efeito, 0 Citétio do temanby do territério a que se referiam 0s testicos (maraistas, em especial) para determinarem os «Estados viiveis», quer dizer, eapazes de oferecer um mercado suficiencemente extenso ¢ divetsificado €, secundariamente, capazes de se protegerem concra as agressbes exteriores, perde uma grande parte di sua significagio desde que se generalize a dependéncia dos Estados (e das mages) em relagio 2 economia internacional ¢ em relagio is empress teansnacionais — e isto aa medida em que o cquilibrio das forcas enere as grandes porencias militares cende assegurae uma prorecgio de facto aos pequenos paises. A nova divisio internacional do trabalho nao so no condena os. pequenos Estados isolades, como cambém se zcomoda muito bem a essas unidades oficialmente auténomas ¢ incapazes de impor constrangimentos aos capitais esttangeiros (visto que os poderes focais podem encontrar ganhos evidentes om cederem a sua dependéncia as grandes poténeias econdmicas). Mas, simulea- neamente, a tedistsibuicio dos investimentos no espace, om fungio apenas da légica das taxas difereneisis de tucto, ea deslocalizacéo do poder, que dai resulta, tendem a estimolar a revolta contra o Estado. Uma economia das lutas regionalistas deveria assim derermi= nat os principios sexundo os quais as diferentes categorias de agentes activamente out passivamente envolvides nas lutas ecgio nalistas se distribuem entre partidirios € adversarios do. poder local. Se todos os observadores esto de acordo em norar que 6s intelecewais desempenham um papel dererminante av crabalho simbolico que € necessitio para contrariat as forgas tendentes & uunificagio do mereado dos bens culcurais © simbsticos ¢ os efeitos de desconhecimento® por elas imposte aos defensores das lingnas ¢ das culeuras locais, nio se interessim por situxr a pasicéo desses intelectuais no campo intelectual nacional que poderia estar na origem das suas comadas de posigio sobee as relacbes entre 0 aacional ¢ 0 regional: tudo parcee, com efeito, indicar que, canco no caso dos romancistas regionalisras, stu. dados por Rémi Pontont como no caso dos inspiradores. das * eméconnaissancen {ignorincia, alte reconber twin) 1N 1.1 CAPITULO ¥ BI movimentos cegionalistas o empenhamento pelo cegional, pelo local, pelo provincial, fornece aos detentores de um capital cultural ¢ simbélico, cujos limites so, muitas vezes, objectiva- mente impuraveis (¢ quase sempre subjectivamente impueados) ‘a0 efeito da estigmatizacio regional, um meio de obterem um Fendimento mais clevado deste capital nacional investindo-o um mercado mais cestrito, em que a concorréncia ¢ mais fraca". No caso opasto, segundo uma ligica que se observa no conjunto da classe dominante ©, em particular, entre os diri- gentes da indastria, os agentes activamente envolvidos na lita Parecem tanto mais voltados para o tmansregional quanto mais igado sed ao poder cencnil, nacional ow internacional © seu capital econémico ¢ cultural’ * Escu logica observa-se no cumpo ciemtitico em que a fissto* das ”. A ver- dade & que a andlisc cientifica nao tem que escother entre o pers- pectivismo e aquilo a que bem se deve dar 0 nome de absolutismo: com efeito, « verdade do mundo social € 0 que esta cin jogo numa Jura entre agentes armados de modo muito desigual para chega- rem & visio € 2 previsio absoluras, quer dizer, aucoverificantes _Pover-s-ia anal nese perspctsa fanciosimento de una insta «fo como 0 Iisieuey Nacional de Escaica « de Boos Bence, fnsctato do Eseado que, profuaingo 8 txiomiss ofc, invests de tum valor quasejurlic, sobrerudo nat eelaghs cote etmpegu . cepecgudores © empregades — xo clo que pode eoofrt tees indopenentes de serie pda ecvamere ext ene at agi €, 40 fat, 4 sini conagta ua ela de oa ene oy sense + espero dos anes Ue profssin € de ofeio, compute essence ientidade social A yes dos ores © un do iaeumentas pesto Franz Kea, tx Pras, Paris Flammarion, 1985, pp. 239-2 "0 ther dos oct € foe ete deste neato svi ‘gue anulttnds as dferengns conatcaives da epagh abel tease Uniformemcnee eos #6 pope con pic. mefete unt msiees sensince do porto de wit a dea (is anes da cede 20) anges tan an de oa Sinam claro que ets agence sio defies pte un pc pe ace "ies am sz esencir peto conc, ceded que a 9 ct ea taerqtens ¢ poco deta pr se abatos que 0 dee saoplemsene oni este a fot eal net 30 pare 148“ ESPAGO SOCIAL E GENESE DAS CLASSES Ett 2 nar ontt tn mipiicacrenst er sttecogitine cece xc eet lo nunca se ¥é to bem como Mas a Logica da nomescio off a9 caso do tino — hobiliatio, escolar, prefissional -—, capital simbélico, social ¢ aré mesmo juridicamence, garantide. O nobre nio & somente aquele que é conhecido, célebre, e mesmo conhecido como bem, prestigioso, em cesumo mbila. Ele & também aquele que & reconhecide por uma instancia sical universal», quet dizer, conhecide © reconhecido por coos © tituio profissional ou escolar é uma espécie de regea juridica de percepcio social, um ser-percebido que & garaneido como: um direito, E um capital simbélico institucionalizado, tegal (€ no apenas legirimo). Cada vez mais indisyociavel do titulo escolar, isto que 0 sistema esol tenle cals wee mais 4 representar a Gltima © dnica garantia de todos os ciculos profissionais, ele cem em si mesmo um valor ¢, s¢ bem que se frare de um nome comum, funcions % maneira de um grande ome (nome de grande familia ou nome proprio), conferindo rodas as especies de ganhos simbélicos (e dos bens que nio & defiuido, como 0 que faz 0 engace das carmagens, por us Lett, uaa actividede — mas também por uen titule, como 1 méslic. CAPITULO VI M9 possivel adquirir directamenre com a moeda)''. B a raridade simbélica do rirulo ao espaco dos nomes de profissio que tende @ comandar a cetribuigao da profisséo (© nio a telagio entre a oferta ¢ a procura de uma cerca forma de trabalho): segue-se daqui que @ rettibuigéo do citulo reade a comar-se auronoma eta relacio a rerribuigéo do trabalho. Assim, o mesmo trabalho pode rer remuneragées diferentes, conforme os ticulos daquele que 0 exerce (rieular/incerino, titular/em exetcicio, ete.). Dado que 0 tirulo € em si mesmo uma insitwigéa (como 2 lingua) mais duradoira que as caracteristicas inttiasecas do trabalho, a rerribuigéo do ritwlo pode manter-se apesar das transformagses do trabalho © do seu valor telativo: aio ¢ 0 valor relative do ‘rabatho que determina 9 valor do nome mas 0 valor instiracio- nalizado do ticulo que serve de insteumento o qual permite que se defends © se mantenha 0 valor do erabalho” Isto quer dizer que néo se pode fazer uma ciéncia das Classificagées sem se fazer uma ciéncia da luca dessas classifica- es € sem se romat em linha de conta a posicio que, nesta luca pelo poder de conhecimento, pelo peder por meio do conheci- mento, pelo monopélio da violencia simbolica legirima, ocupa cada um dos agentes ou grupos de agenses que nela se acham envolvidos, quer sc rrate de simples parriculares, condenados aos acasos da buta simbélica quotidiana, quer se trate de profissionais aurocizados (e a rempo inteito) — e entre eles todos os que falam ou escrevem a respeito das classes sociais ¢ que se distinguem conforme as suas classificacées envolvem mais ou menos 0 fistado, derentor do monopélio na nomeacia oficial, da boa classificagio, da boa ordem. +> Se a esteutura do campo social & definida em cada momento pela esteutura da distribuigdo do capital ¢ dos ganhes cacacte- "A entrada na profissio cotada de um titulo é cada vee mais cstrieamente subordinads & posse de urn rieuto escolar. « & extreica a relagio wacee cs ctulos excolares a retribuicdo profisional, diferenremente do que si phscrvr ous oficios nio rieulados em que os agentes que fuser 0 mesiag trabalho pudem ter tieulos escolares muico dilecences. Os sleteatores do mesmo titulo tendern x consitairse em grupo € 8 slotarse de ogginizagSes petrmanenees — ordens de médicos, asoviaghes de ‘uti afunns, ete. — destinadas a assegurac a coesao do grape = teunies Fetiine. ctr, <= aa prommver ns seus interesses maceiais © simbicos 150 ESPACO SOCIAL E GENESE DAS CLASSES risticos dos diferentes campos particulates, ¢ cette em todo 0 caso que em cada um desses espacos de jogo, # propria definigio daquilo que esta em jogo € dos varios cranfos pode ser posta em jogo. Todo o campo € lugar de ums luta mais ow menos declarada pela definicio dos principios legitimos de divisdo do campo. A questio da legitimidade surge da propria possibilidade deste pirem-causa, desta ruptura com 3 doxa que aceita a ordem correate como coisa evidente. Posto isto, a forca simbdlica das partes envolvidas nesta luta nunca é com- pleramente independente da saa posicio no jogo, mesmo que o poder propriamente simbélice da nomeagéo constiraa uma forca relarivamente aurnoma perante as outras formas de forge social. Os constrangimentos da necessidade inscrica na propria estrucura dos diferentes campos pesam ainda nas luees simbéli- cas que tém em vista Conservar ou transformat esta estrututa: © mundo social é, em grande parce, aquilo que os agentes fazer, em cada momento, contudo eles nao tem probabilidades de 0 desfazer ¢ de 0 refazer a nto ser na base de um conhecimento realista daquilo que ele € & daquilo de que ncle sio capazes em funcio da posigéo nele ocupada Em suma, 0 trabatho cientifico rem em vista estabelecet um cophecimenta adequada nio sé do espaco das relagbes objectivas entre as diferentes posigbes consticucivas do campo mas também das relagées necessirias estabelecidas, peta media- go dos habitas dos seas ocupantes, entce essas posigées ¢ as tomadas de posigio correspondentes, quer dizer, entre os pontos ocupados neste espace © 0s pontos de viste sobre este mesmo espaco, que participam vs teatidade ¢ no devi desce espaco. Por outris patavras, 2 delimicagio objectiva de classes consteuidas, quer dizer, de segives do espace construido das posigdes, permite compreender 0 principio ¢ a cficécia das eseratégias classificatsrias pelas quais os agentes tém em vista conservar ou modificar este espaco — € em cuja primeira fila é preciso contar a constituigin de grupos organizades com o Objective de assegurarem a defess dos interesses «los seus membros. ‘A andlise da luta das classificagies tsa i Iz « sanhicie politica que atormenta a ambigio gooscoliiea ste yooelusir CAPITULO VE 1 oa classificagio, ambigéo que define de modo proprio 0 rex, aquele a quem pestence, segundo Benveniste, regere fines © regere sacra, eragar, por meio do dizer, as fronteiras encre os grupos & também entre o sagrado c 0 profano, 0 bem ¢ 0 mal, 0 vulgar € © distinguido. O cienrista, se nio quer transformar @ ciéncia social numa maneira de prosseguir a politica por outros meios, deve tomar pare objecto a intengio de colocar os outros em classes ¢ de thes dizer por este meio o que eles sio € 6 que tém que ser (€ coda a ambiguidade da previsio); ele deve.analisar @ ambicio da visto do mundo criadora — esta espécie de intattus originariues cue fatia existir as coisas em conformidade com & sua vistu (€ toda a ambiguidade da classe marxista que €, 20 mesmo tempo, ser e dever-ser) — e deve repudii-la, Ble deve objectivar a ambigéo de objectivar, de classificar objectiva- mente, do exterior, agentes que futam para classificac para se classificarem. Se, de facto, ele classifica — operando, por exigéncias da anilise estatistica, recowtes no espaco continuo das posigdes sociais — & precisamente para ter a possibilidade de objectivar todas as formes de objectivacio, do insulto singu- lar & nomeagdo oficial, sem esquecer a precensio, caracteristica da ciéncia na sua definigao posicivista e buroctética, de arbiccar essas lutas em nome da «neutralidade axiolégican. © poder simbolico dos agentes, como pocler de fazer ver — shrovein — € de fazer crer, de produzie e de impor a classificagio legicima ou legal, depende com efeito, como o caso do rex lembra, da posigio ocupada no espaco (e nas classificagies que nele estio porencialmente inscritas). Mas objectivar a objectivacio é, antes de mais, objectivar © campo de produgio das representa- ‘s0es objectivadas do mundo social, e em particular das taxino- mias legiferantes, em resumo, 0 campo de producio cuftural ou idealégics, jogo em que o proprio cientista esti metido, como todos os que discurem acerca das classes. socinis, © canpn politice € 0 efeito das homologias E a este campo de lutas simbolicas, em que os profissionais «ta_representagio, — em todos as sentidos do termo — se aapdem a respeito de outro campo de luras simbdlicas, que sz. ESPAGO SOCIAL E GENESE DAS CLASSES temos de nos aplicar se queremos compreender, sem nos conformarmos com a mitologia da comada de consciéncia, a passagem do sentido pritico da posigéo ocupada, em s mesma dispontel para diferentes explicaces, a manifestacies propriamente politicas. Os que ocupam as posigées dominadas no espaco social estdo também em posigées dominadas no campo de producto simbélica ¢ nio se vé de onde Ihes podetiam vie os instcumencos de producto simbética de que necessitam para exprimirem © seu préprio ponto de vista sobre o social, se a Jégica propria do campo de produgio culural ¢ os incecesses especificos que af se geram nio produzisse o efeito de predispor uma fraccio dos profissionais envolvidos neste campo a oferecee aos dominados, na base de uma homologia de posicéo, os instrumentos de rupcura com as represeneacies que Se geram na cumplicidade imediata das estrutaras sociais ¢ das estraturas meniais ¢ que ceadem a garantir @ reproducao continuada da discribuicao do capital simbélico. O feadmeno que a rea marxista designa de +a consciéncia do exterior», quer dizer, a conttibuigéo dada por certos intelecruais para a peoducio © para 4 difusio — sobretudo em direccéo 20s dominados -~ de uma visio do mundo social em ruptura com a visio dominance, s6 pode compreender-se sociologicamente se se tiver em conta a homotogia entre a posicio dominada que € a dos produtores de bens culeurais no campo do poder (ou na dlivisio do trabalho de dominacio) © a posiggo no espaco social dos agentes mais desprovidos dos meios de produgio econdmicus © cwleurais. Mas a consteucéo do modelo do espago social que sustents esta anilise supde uma cupcura bem distinta com a representacéo unidimensional e unilinear do mundo social que subeateode a visio duatisca segundo a qual o universo das opasigies conscicu- tivas da estrutura social se reduziria 4 oposigio entre os proptiecatios dos meios de produgio € os vendedores de forca de trabatho. As insuficiéncias da teoria marxista das classes €, sobrecu- do, a sua incapacidade de explicar 0 conjunto des diferengas objectivamente provadas, resultam de que, a0 reduzie a mundo social unicamente ao campo econémico, el s¢ ve obrigiuks sf definir a posigéo social em referéncia anicamente a pusign 1s CAPITULO VE 153 relacdes de produgio econémica, ignorando com isso as posi- bes ocupadas nos diferentes campos e subcampos — sobretudo fas relagdes de produgio cultural — da mesina forma que codas as oposicdes que estruturam 0 carpe social ¢ que séo irreduci- veis oposicio entre proprietarios e nao-propriecirios dos meios de produgio econémica. Ela pée assim um mundo social unidimensional, organizado simplesmente em torno da oposi- ‘sio entre dois blocos (vendo uma das questées mais importances a do limite entre estes dois blocos, com todas as questies anexas, etemamente debatidas, da aristocracia opericia, do «emburguesamento» da classe operiria, etc.). Na cealidade, 0 eespaco social & um espago multidimensional, conjunto aberco de campos relativamente aursnomos, quer dizer, subordinados quanto ao seu funcionamenco ¢ As suas eransformacies, de modo mais ou menos fitme € mais ex menos ditecto a0 cumpo de producio econsmica: no interior de cada um clos subespacos, 98 ocupances das posicdes dominantes € os ocupantes das posigées dominadas estio ininterrupeamente envalvidos em hutas de diferentes formas (sem por isso se constituicem neces- Sariamente em grupos antagonistas). Mas, 0 mais importante, do ponto de vista do problema da ruptura do circulo da reprodugio simbélica, esta em que, na base das homologiias de posigio no interior de campos diferen- ces (e do que hi de invariance, € até mesmo de universal, na relacéo entre dominante e dominado) se podem instaurat alian- ¢aé mais ow menos duradoiras © sempre com fundamento num mal-entendido inais ow menos consciente. A homologia de posigie eatee os incelectuais ¢ 0s operirios da iadastria — os primeiros ocupam no seio do campo do poder, isto é, em relacio aos pattBes da induscria e do comércio posigBes que sto homélogas das que s40 ocupadas pelos operitios da indaistria 90 espago social comado no sew conjunto — esta na otigem de uma alianga ambigua, na qual os produtotes culturais, domina~ os entre os dominantes, oferecem os dominados, mediante uma espécie de desvio do capital cultural acumulado, 0s meios le constituirem objecrivamente a sua visio do mundo ¢ a representacio dos seus intetesses auma teoria explicica e em insteumentos de representacio institucionalizados — otganiza- 154 BSPAGO SOCIAL E GENESE DAS CLASSES es sindicais, partidos, recaologias sociais de mobilizaclo e de manifestagao, etc. Mas, bi que se abster de tratar a homologia de posigio, semethanga ma dlferenga, como uma idenciade de condigan (Como fiz, por exempla, a ideologis’dos «cs PP» — puto, pai, professor —~ desemoivide pelo movimento esquerdiste dos anos 60). Nip hd divida de que a mesma sstrunuca — entendida como davarante das formas das diferentes disttibut GBe — se encoota, ela pripris, nos diferentes campos, 9 que explica a Fecundidade do pensarnento arulsgico em socologia. Mi rv deixa de ser verdade que 0 prizelpio da diferenciacin €, de cada ve, diferente, como 2 nntureza do interese e do que neste cst em jogo, logo, 2 eonsnin das priccas, Import, com efsito, rstabelecer uma justahierrquicacio, quec Uizer, das espécis de capital. O conbecimento da hierrquia dos prnepios de divisdo permite definir os limes em que operam os pricipios subordi- fnados e, 2 fat disso, of limites das similicades Uigalas 4 homelogia, telacies dos outews campos com 0 carapo de producio ecordimica 0 10 inesmo cempo relacées de homologia extrutorel e rlacdes de dependéncia causal; 8 forma das deverminacSes cassis € defnida pols elagies esturar ‘is ¢ 4 forga de dominagio ¢ tanto maior quanto mais aproximadas ds felages de prsiugo econdeaicaestiverem as slags em que ela se exec Seria preciso analisar os interesses especificos que os manda- térios devem & sua posicéo no campo politico ¢ no subcampo do partide ou do sindicato e mostrar todos os eftitos sabe decifear e pode see object. segundo os essioacizios, de duas leituras diferences (cf. Cohen, Niclas Boukbarine, ‘a tie dan Sabet, avis, Mespero, 1979, pp. 330 e 435) 178 ‘A. REPRESENTACAO POLETICA Um sistema de desvios Deste modo, & « estrutura do campo politico que, subject ‘vamente indissociavel da relagio directa — e sempre proclama- da — com os mandantes, determina as tomadas de posicéo, por intermédio dos constrangimenros ¢ dos inceresses associades & uma posicéo determinada nesse campo. Concretamente, a pro- dugio de tomadas de posicéo depende do sistema das tomadas de posicéo propostas em concorréncia pelo conjunto dos patti- dos antagonistas, quer dizer, da problemitica politica como campo de possibilidades estrarégicas objectivamence oferecilas 4 escolha dos agentes ein forma de posicdes efectivamente ocupadas ¢ das tomadas de posicao efectivamente proposcas 20 campo. Os partidos, como as tendéncias no seio dos partidos, 86 téin existéncia relacional ¢ seria vio tentar definir 0 que eles so € 0 que eles professam independentemente daquilo que sic € professam 0 seus concorrentes no seio do mesmo campo. Nao bé manifestagio mais evidente deste efeito de campo do que esta espécie de cultura esotirica, feita de problemas completamente estranhos ou inacessfveis a0 cornum, de concei- tos © de discursos sem referente na experiéacia do cidadao comum e, sobretudo talver, de distinguas, de matizes, de subtilezas, de agudezas, que passamn despercebidos aos olhos dos no-iniciados © que nao cém ourra razio de ser que nao sejam as relacGes de conflito ou de concorréncia entre as diferentes organizagbes ou entre as atendénciass ou 2s «corten- reso de uma mesma organizagdo. Pode-se ainda citar 0 ceste- muaho de Gramsci: «Nes outros; afascamo-nos da massa: entre nos © a massa forma-se uma barreica de quiproguar, de mal- -entendidos, de jogo verbal complicado. Acabaremos por apa- recer como pessoas que querem, a todo 0 custo, conservar o seu lugar» "”. Na realidade, 0 que faz com que esta cultura propriamente politica permaneca inacessivel & maioria das % Daf o fiacatso de codes o que, como tantos historiadores de ‘Alemanha na erteica de Roseobetg, tentaram definir © «contervadorismov ‘de modo absolueo, sem verem que ele devia mudar inceswancerente de conteddo substancial a fim de conserrar © seu salar rclaciond YA. Geunsel, op. cit, tomo I, p. 225. caprroto vie 179 pessoas é, sem davida, menos a complexidade da linguagem em que ela se exprime do que a complexidade das relagdes sociais que consticuem 0 campo politico que nela se rexprime: esta criacio artificial das lucas de Caria afigura-se menos inceligivel do que desprovida de razio de ser aos que, nfo participando no jogo, «ndo véem nele inceresse» e no podem e a onganizagto militar ¢ 105 voetbulos sem ndmero (em especial em Engels e Bebe da cerminotogia, socialisa retieados da givia militar, observa que os dirigentes, que. como ele fembra, tém que ver com a disciplina e 2 centralizagdo (R. Michels op. cit, pp. 129 € 144), nlo deixam de apelar & magia do inieresse comum aos sargumentes de ordem militar» sempre que a sua posigéo esti aneagada sSustenta-se sobretudo que, quando $6 por taries de orcem ciccics e fim dde manter a coesio necessivia frente 20 faimigo, os aderentes st patty nan deverio em caso algum recusat @ sua confianse aos cheler que liveemente CAPITULO VIL 200 como diz pouco mais ou menos Weber, a situacéo de tuta reforca a posicio dos dominanres no seio do aparclho de luca € faz passar 05 milicantes do papel de tribunos, encarregados de exprimir 2 vontade da base que eles podem reivindicar poe veves em nome da definicio oficial da sua funcao, paca a fungio de simples «quadros» encarregados de fazer eaesular as ordens ¢ as palavras de ordem da direceio centeal, condenados pelos xcamaradas competentes» & «democracia da tatificagiow * FE nada exprime melhor a logica desta organizagio de combate do ‘que 0 processo do «Quem € contra?» como o descreve Boukha- rine: convocam-se os membros da organizacio, explica ele, ¢ pergunta-se-Thes «Quem € contra’»: como eles tém todos mais ou meaos medo de ser contra, o individuo designado & nomeado secretdtio, a tesolucéo proposta ¢ adoprada, ¢ sempre por unanimidade“”. O processo a que se chama «militarizagion eacolberatms (R. Michels, of ci. p. 163). Mas, € sem dvida com Estatine que 4 estratégia da miliuriasgio — a qual, como nota Stephen Cohen, € decerto 4 nica contribuigin original de Estaline pata 6 pensamento olchevique, porcanto, « ciacterstica principal do estainisono — tem a sua fealizagao: 08 sectores de intervencio voroam-re cm sftentess (Frente do tio, treace da filosofia, frente da litera, ete.) os objectvas oF os problemas sto eforealezas« que as brigadas sebticas~ deve stomar de ssselroe, orc. Este pensamento «militar» € evidentemente maniquest, pais que celebra um gmpo, uma escola de peasamento ou ums concepgio constituids em orrodoxix pare methor aniquilat todos 0s outros teh 8. Cohen, op. di., pp. 367-368 © 388), * Veuse que as luras conduzidas ho interior do pattie comuniscaconcta ‘e auroritarismio dos dirigences ¢ contra x ptioridave que ees Go ans inceresses de aparetho om relayéo aos ineresses dos mandantes naa mais Face do que reforgar as proprias tendéncias por elas comnbaticas: basta efectivamente Que 08 dirigentes invoquem, ow mesmo suacitem, « lute politica, cam expects] contra os coacorrences mais imediatos, para petmitir o chamamento i dlisciplina, quec dizet, & submissia an ditigentes, que se impoe em cempo de lta, (Neste sentido, a deniineis do anticomunisane é uma arma absoluta ts ‘dos dos que dominam o aparelho, pois que ela desqualifice a critica, ate niesmo a objectivagio, © impse a wnidade contes 0 excetiot “CES. Cohen, op. cit, p. 185. Uma eenogeatin das priticas de assembleia fornccetn int nstraghes dos processos de imposigio auto- 202 A REPRESENTAGAO POLITICA consiste em basear a autoridade na situagio de «guetrse com ‘gue se deftonea a organizacio e que pode ser produzida por um ttabaiho sobre a repreventagae da situacko, a fim de produzir e de reproduzie continuamente 0 meda de ser contra, fundamento Ultimo de codas as disciplinas militances ou militares. Se o anticornunisme nfo existisse, 0 ecomuttismo de guetrar nto deixaria de o inventat. Toda a oposigao do interior, dado que esti condcnada a aparecer como conluio com o inimigo, reforca a militatizacio por ela combatica ao reforgar a unanimidade do «nds» ameagado que predispée a obedigncia militar: a dinimica histérica do campo de lutas entre ortodoxos ¢ heréticos, defen= sores do fur e defendentes do contra, di o kugar mecénica do apatelho que anula qualquer possibilidade pritica de ser concra por meio de uma exploragao semi-racional dos efeitos psicosso~ miticos da exalracio da unanimidade das adesdes e das aversses ou, inversamente, dla angustia da exclusio e da excomunhio, fazendo do «espirito de partido» um verdadeito espirite de corpo. Assim, a propria ambiguidade da luta polivica, esse comba- te por wideiase € «ideais» que ¢ a0 mesmo tempo um combate por poderes e, quet se queica quer no. por privilégios, esti na origem da covtradigio que obsidia todos os empreendimentos politicos ordenados com vista a subverséo da ordem estabele- ida; todas as necessidades que pesam sobre o mundo social concorrem para fazer com gue a fungio de mobilizagio, que necesita da logica mecinica do dparetho, renda a preceder a fungdo de expresso e de reptesentagio, que codas as ideologias profissionais des homens de aparetho reivindicam (a do «inte- lectual organico» como a do partido «parteiro» da classe) © que 36 pode ser realmente assegurada pela légica dialéctica do campo. A atevolugéo por cimas, projecto de aparelho que supde € produz 0 aparelho, tem o efeito de ineerromper esta dialéctica, @ qual é a prépria histdria, primeiro 20 campo politico ~~ esse campo de lutas a respeito de um campo de lures © da represencagao legitima dessas lutas —, depois no proprio scio do empreendimenco politico, partido, sindicato, associagao, que s6 pode funcionar como ‘um $5 homem se sactificar os interesses de ima patte, quando nio da wralidadle, dos seus mandantes. CAPITULO Vil 203 Apendice Um deseuide interessada A contidatue de Coluche & Prsidénca de Replica fi, logo de inicio, condenada pela guaserotidade dos profisionsis a pllie ce casio de rama No ettant, en ve procuria t ematics do Cémico parsense ot epcos rat wis do live de Sate tl cone os attola'o estude cassie de Stniey Hoffman's naiolintoy atte “intlecosismo, aeeiparsnisn, seantbis tacit © scmnte, exten ds cass med, moa. ete Ecsta a compreer coms coset owes aviadise podem confit o sania dus mings ten ‘que sunce $80 represents pelos partido’ politnosr, wpederavan, dprendtzes, Negion, Arabs, ett om deeosr dy. pegs tome, hanes erm lus contr en merccoss ena tain pide deren de palentare Embor se conhecom mal a bases sicins do movimento pout, £ incontestivel que ele achou tt soos primeins tp € on wes tae Hs poles na pgiens Burgusia dor anise dbs coments Se protic tras idows © amecgados pelt ransrmagtes Cenc © sexton, Ort inquvts,peteamonte convergent, urn do FRES, otto do OP, sstabelecens gue es qu desi in simpaia 3 sadn de Coles sptesentam caactertias em rode ot pontos epost. A propensio pats Sprovara candidature de Couche aris an melo treo d alee age 2 sua intentkde maxima entee os jvens (@ entrees, bread. ns fomens) «some ae olos de um pte fr tex speotaedamen) das pessoas de mais de 63 anos que ee parece esindal, Bo mesmo marke sla cende a umeccar crm cimensao ds trace enc mui a ns ornanas (ure nas pequenas cides cls cule ws panes edad na aglomerssio parsiense. Se bem que 4 citepovas writes pelos dis tastieacos de sondage sien igasimeme eco ¢ pou compe vit, tudo pacece indica screm on opetcion« 0 epee ¢ tare os insiectunis «os aces, ue se deat rmait came favor do andidaro anémico enqjanto que sejeites ta ates Se ean nite os puedes da Indsttia cdo omenio. O que se comptecnde Facilmence es souber ue os wr0 mn dein so viendo pra rence &esquerda (laramente rat 30 PS qu a0 PC) «eae pathos aos "'S. Hoffmann, Le morteaent Parjule, Cahiers de te Fondation Nacio- nale des Sciences Politiques, Pacis, A, Colin, 1956, pp. 209-260. “Thidem, id. p. 246, 204 A REPRESENTAGAO POLITICA ‘ecologistas e ans abscencionistas. A parce das pessoas incerrogadas que, na auséacia de ums candidstura de Coluche, votariam pela diteica € face Armuito especialmente entce oF operitios) e & sobrecudo paca o partido socialists que iriam os voros (seado a patte daqueles gue oprariary pela labstengio certamente muito force em todas as categories), O facto de a parce dos partiddrios de Coluche ser clatamente mais elevaela eurte as homens do ‘que entre as mulheres permite a suposicio de que esta escolha & 2 expresso de uum abstencionismo activo, muzo diference da simples indiferenga ligada 4 incomperéncia estarutics Assim, 08 ptofissonais, homens politicos e jornalistas, rentim recuse a0 sfarador de jogo» 0 dieeico de enecida que os profanos the concedem acigamente (eles #40 favoriveis, em dois cerces, 40 #riaripie da sua candidacura), Sem duvida porque 20 entrat m0 jogo sern o levar a sero, sem se somar a sério, exe jogador exira-muindrin ameaca 0 fundamence mesmo do jogo. quer dizer, a ctenga ¢ 2 credbilidade dos jogadoces arndris. Os procuradores sao apanhados em flageante delico de abuso de poder: zinds ‘que, como de castume, eles se apresentem como porti-vox dt «opinio ablican, caucio de todas as palaveas auroczadas, eles fornecem mio a verdade do mundo social, mas sim a verdade da sus telagéo com esse mundo, obrigando a que 5 pecguace sé nin & asin dhs ouenss vere Pura mim be connisa vile se b> Quando me dizem: A gente aio vos compreende, entre vocds, 05 comunistas, ada hi tendéncias: oo hi comunistes de diets, nto hi comunistas de esquecia, mio ha centristas, enti x liberdade no existe! ‘A esses, respondo: A que é que vocé chara um comunista de dieeia, a que 4 que vocé chama um comunista de esquetda, a que é gue vocé chants Ure comunista centrista? Para mim, é-se comunista ou no se &, € 0 seio da ‘oeganizacio comunista, quando s¢ discute, cada ure da o sea ponto de vista sobte a ordem do dia, e depois, quando’ ¢ importante, kt up voto. E a raioria que decide, A que é que vocé chara a democeacia? Para mim, @ democracia € 50 yours mais uma, ¢ compreensivel! Ea Se vacé ver #0 pactido. comunista para cornbuter as livemente diseatidas ¢ debatidas uma sessio de congress>, para fazer predominar 0 seu ponco de vista reforenista sera reformas, porque isto corresponde naranlmente 20 seu estado de esprico (voce tem as nidegas sensiveis, necessta de uma poleeona bers estofada para nio aquect-ss)encio lima vez na soa polerons, voc? dita: Ab! nko escou de acowdo com a diteccio cdo partido, cu 4 sou um comunista A dreica, eu estou... a0 centro. Se voc @ sm eleivorlists, digo de imediaro: VA para ourco lado, aqui néo temos necessidade de si, porque voce rem talvez uma grande cabeca, wad ¢ tavex inure imteligente, mas vock tem uma mé acgumentagi poss sobeetusio tuma mi decumentagio. Entio apeser de tods ess inrligéociz © exst CAPITULO Vit ws agargancan, pode set que 0s operarios que estio na sun secgéo io @ desigrem funca, para levar a bandeiea dx organizacio, Eles preferem rnacuraimence um opetirio que dew provas, eles preferem uum comanista, mesino que seja um intelectual, porque of hi bons e maus... Como om classe opetitia hi os bons © os|maus, iso € facto certoln (Cerreiro-ajudance, mineiro © depois opetitio em corcentes de ferro, nascido em 1892 ec Saint-Amand-tes-Eaux, foi secreério da seccdo de Saint-Nazaire du PCF em 1928, cesponsivel da CGTU da tegiio de Saint-Nezait) Autobiogeafas de militantes CGTU-CGT, apresenradas por Jean Penef, Les Cabiers dv LERSCO, 1, Dee. 1979, p, 28-29. A vitae da nie ¢ be divivas A luca encee os apatelhos de producto ¢ de imposigto dos ptinepins a di-visio do mundo social implica a lute pela impoeicdo da visio dos aperelhos concortentes) de produgio dos principios de di-visto, quet dizer, no caso particular, pela imposicao da visio das responsabitidades que incurabern 4 ester aparelhos ne divisio, Dando-se pot entendido que os aparehosdividides acerca das razdes da divisio se alistio certamenre pata combucerem & segundo a qual o priocipio da divisio pederia resir noe interesses dos aparelhos divididos os quais, sem prejutzo de anexar 9 seu concocrence oa 8 ‘sua clientela — por uma estfarégia de wunléo na basew —, ra de comin 38 podecem reprodyricse saw muda septodurindo a divisio +O Bureau politico do PCE adoprou ontem a seguinte dectascio: Esté actualmence em curso uma cimpanha conduzida por diferentes ‘organizagies trtskytas ~~ entre x8 quais a OCI, estrecamente igade 0 Partido Socislista— e cambem pelo grupo ebusivamente designado «Uniso as Lutase a favot de um acoedo imedisto PC-PS com vista A segunda voltz das eleigies presidenciais, ¢ mesmo a desigaacio de um candidate dnico, Especulando acerca da fegitima aspiracdo a unido de milhbes de fancesas «de franceses, esca campanha, aberramiente apoiads e directamente organi- zada pelos dirigences socialistas, tem em vista, de facto, eaganar os trabathadotes e voltar as cosas os interesses tenis da unio ¢ da madange que eles esperam. ‘A sua caracterstica principal &, com efeieo, a de escamocear completa: mente a inteita tesponsabilidade de Francois Mitterrand © dos outros Uitigenses socialseas na cupruta da unito e da derrota de 1978, e de passar em siléneio coral a sua politica actoal Falar de umm acordo imediato sem dizer um palavra acerca do abandono prio Phetido Socialista da defesa das reivindicagses des eeabalhadores, das 206 ‘A REPRESENTACAO POLITICA justiticagées ca austeridade € do encerramento de empresas em aeme da ‘rise, do pestbleo ¢ dx Europa, da sua uprovacio 20 alargamento do Mercato ‘Comuin, dos seus apelos ao teforco da Allanca Aelinrica sob 0 comando americana, do seu apoio a uma aceleragio da corrida as armas nucleares, & ‘muito simplesmente querer leva os trabalhadores a reboque de uma poitica de gestio de ccise em proveito do capital Falat de unido nas luras sem nocar que Francois Mitcerend condens as Jutas, que as considers ulerapassadas e prejudiciais © que os responsivels socialiseas — incluindo os que dirigem cerras ceatrais sindicais —~ cudo fardo para as impedit,€ cobrir com belaspalaeras o apelo a uma combinasio alista sem conteido © sem principio (...)e L-Humenisi, de 18 de Dezembro de 1980, p. 5. <0 Senbor Martait lance um ape ass eletoves cals para sive 36 nas forgass cam os comanisnas tals declarou, na quinta-feira 10 de Dezembro, ‘illica em Chelles (Seine-et-Marne) que «56 hi tama forga polltica que luta com lealdade, coragem e lucidex pel realizagio das esperancas de mudanga dos cabalhadores: € © Partido Comunista Francés Disiginds «em especial aqueles que votaram ou votam ne socilismo tendo no coragio a vontade de ver as coisas mudars, o secceitio-geral do PCF declarou: «Alguns de vos pensaram que o congresso de Epinay © ‘ssinatura do Progeama Comin cinha mudado @ Partido Socalista. Ora, ba ‘que aceitur hoje que 4 vossa vontade foi desviads da sua incengio. Frangois Mivterrand mereu-se pelos ithos da velba SHO. Ele consager os seus discos i eralapio de LAon Blum, le vols peegincho « Wetlngron, Ele manobra com a diteica como no tempo da Frenve Revolucioni {O56 Ble tace-n,propsindo no seu eojetve fundamen: enaque cero Pattide Comunista. Vos que quereis sinceremente i unio © a mudanga, no podeis aprovar e apolar esta oriencacio. Ela € perigosa. Digo-vos com coda a franqueza: muita coise depende diquilo que decidic- des. Unamos as nossas forces, mesmo que ado tenlamos a mesina opinio sobse todas as questdes, € poderemos afistar 0 regresso a um passado detestivel CAPITULO VIE 207 (© senhor Marchais afitmou que sum elo se estabelecea (...) que vai do Partido Sociatista a0 R.P.R. e dos dois # U.D.F.» enquanto que 0 Parcido. Comunista quer «a union. uNos queremos — disse — conseevir um grande reagrupamento maiocicirio, realizar a unido de codas a foocas populares, a unido da esquerda pars a mudanca, ¢ tornivla ireversivel © que nis queremos é 2 madanga. Quesemos weacer a direita, vencer Giscant d'Escaing. Queremos pér em prdcica as grandes reformas anticapita- Iistas © democcitieas sem as quais mio pode haver mudanga real. NOs |quetemos romac codas a5 nossas eesponsabilidades neste exforga de reno. Go, Até 3 governacio. Estamos prontos.» Le Monde, de 20 de Desembre de 1980, p. 10 cinereus taper py ere CAPITULO Vul A forga do dirciw Elementos para sma swiologia dy campo jurtdice Da sti factum, dato sbi jus Uma ciéncia rigorosa do diteito distingue-se daquilo a que se chama geralmente «a ciéncia jurfdica pela razdo de comar ‘sta dltima como objecto. Ao fazé-lo, ela evita, desde logo, a alternativa que domina o debate cientifico a respeito do diseito, 2 do formalisma, que afirma a auconomia absoluta da forma juridica em relasio a0 mundo social, e do instrumentalismo, que concebe o direito como um rflexo ou um atensiio a0 servica dos dominantes. A «ciéncia jutidica tal como a concebem os jatistas ¢, sobretudo, os historiadores do direito, que identifi- cam a histéria do diseito com a histéria do desenvolvimento interno dos seus conceitos ¢ dos seus métodos, spreende 0 direito como um sistema fechado ¢ autnomo, cajo desenvolvi- mento 36 pode ser compreendido segundo sua «dinamica interna» ', A reivindicagio da autonomia absoluta do pensa- mento ¢ da accio juridicos afirma-se na constituigao em teoria de um modo de pensamento especifico, :otalmente liberto do peso social, ¢ centativa de Kelsen para criar uma «teoria pura do diseito» nao passa do limite uleca-consequente do esforco de todo o corpo dos juristas para construir um corpo de doutrinas € de segras completamente independentes dos conscrangimen- tos € das pressdes sociais, rendo nele mesmo o sew priprio fardamento* CE, por exemplo, J. Bonnecase, Le pense jeridigue frangaiv. de 1804 a Ubnare présente, fs aritions of be traits essmiels, 2 vale. Bordus, Delmas, 1933, * & ventativa de Kelsea, firmada no postultdo da autolimitagis da Pesquiba Go-s6 no enunciado das normas jacidicas, com exclusio de qual 20 A FORCA DO DiIREITO Quando se coma a direcgio oposta a este espécie de ideologia profissional do corpo dos doutores constitufda em corpo de «doutrina», & para se ver no diseito € na jurisprudéncia urn reflexo directo das rclacies de forca exiscentes, em que se expri- mem as determinacées econdmicas ¢, emn particular, os inreresses dos dominantes, ou entéo, um instrumento de dominagio, como bem 0 diz a linguagem do Apardty, reactivada por Louis Alchusser'. Vicimas de uma tradigao que jalga ter explicado as xideologias» pela designacio das suas fungies («0 Spio do over), os marxistas ditos estraturalistes iignoraram peradoxal- mente 2 estratura dos sistemas simbilicos €, neste caso patti- cular, a forma especitica do discurso juridico. Isto porque, tendo reiterado a afiemacio ritual da auronomia relariva das sideolo- gias>, eles passaram em claro questo dos fundamentos sociais desta auronomia, quer dizer, mais precisamente, # questio das condigées histéricas que se devem verificar para poder emergir, mediante luras no seio do campo do poder, um universe social aurénomo. capaz de produzir e de reproduzir, pela ligica do seu funcionamento especifico, um cmpus juridico cefativamente independenre dos conserangimentos externos. Deste modo, absti- veramese de determinar a contribuicio especifice que, pela pripria cficécia da sua forma, 0 direico pode dar ao cumprimento das suas presumidas Fungées. E a metifora arquitectural da infra-escruture ¢ da superestrutura, que sustenta os usos comuas da nacio de auronomia relariva, continua a guiar os que, como Edward P. Thompson, julgam romper com o economismo quando, para testicuirem ao direito toda a sua eficicia histérica, se conten- tam com afirmar que ele esti «profundamente imbricado 0a quer dado histérico, pricoldgico ow social ¢ de qualquer teferéncia is Fungoes sociais que a aplicacio pritica desras norms pode garaotir, ¢ pereitamente semelhante 4 de Seussuce que Jundamenca 2 sua teoria pura da Fingua na discingéo entre a linguistics interna e w Linguistica externa, quer dizer, na cexclusio de qualquer seferéncia as condigées historicas, geoarificas € sciolé- gieas do furcionamento da lingua ou das suas tcansformacées. ‘Encontea-se uma visio de conjunto des teabathos maewisras em matéria de sociologia do direico e uma excelente bibliogratia is S. Spitzer, “Marxist Perspeccives in the Sociology of Laws, Amual Revie of Sochih 9. 1983, pp. 103-124 CAPITULO YUL aun propria base das relagies produtivas» * a preocupacio de situar © direito no lugar profando das forgas historicas impede, mais uma vez, que se aprecnda na sue especificidade 0 universo sociat especifico em que cle se produz ¢ se exerce. Para romper com a ideologia da independéncia do direito ¢ do corpo judicial, sem se cair na visto oposta, é preciso levar em linha de conta aquito que as duas visdes antagonistas, iatesnalis- tac externalista, ignoram uma e ourra, quer dizer, 2 existéncia de um universo social relativamence indepeadence em relacio 3s ppressées externas, no interior do qual se produz e se exerce a autoridade juridica, forma por excelencia da violencia simbética legitima cujo monopdtio pertence 20 Estado ¢ que se pode combinar com o exercicio da forga tisica. AS priticas © 05 discursos juridicos $30, com efeito, produto do funcionamento de um campo cuja ligica especifica esta duplamente decermins- du: pot um lado, pelas celagées de force especificas que Ihe confcrem a sua estrarura € que orientam as lutas de concorténci ‘ou, mais precisamente, 05 conffitos de competéncia que nele témm lugar ¢. por outro lado, pela logica inrerna dos obras juridicas ‘que delimitam em cada momento o espaco dos possiveis e, deste modo, 0 universo das solugdes propriamente juridicas Seria preciso examina alco o qu spare wo de trp uridico comno epi social ds nin de stn tl como a dsenule Loran pe exemple nore da ress, pfetneate lpn, do redclonia t {cons ds seman pe vaso frit day setae leate, ent indo nese conertt a strana anfica (@ dic propeament it) ¢ 23 instuiges sei ques pohren:compaccnese qe, ede oo a rd semi oes co se soe ee Sistema jsidico que se ator spundo ess pop Js oe hoje un quadeo ideal representa forint) « abstcta do sicema inne? fr sc eels nk pi smb das doutinas— (que iver, crn cs traf aig ts pgs don posses). 4 qual. como sugccin Nooet eSetanck nets poencaads Shjctvas de dexcavtvenenee ate esi disages de mung nat +E. P. Thompson, Whey wn! Hames, The Origin af the Black Ave Nowa lorgue, 1975, p.' 261 SN tahmana, Susieh Syiteme, Grundrios caer allgemeinon Theorie, Fomeforte. “1984 «Die Einheir des Rechestyscerat in Rabrsteore, 4 Sopp 129-184 212 A FORCA DO DIRECTO que ao contém ela mesms 0 principio de sus pripeia ordem des relacées objectivas entre os agentes € a8 inscituigdes em concor- téacia pelo monopélio do diteiro de dizer © direito, nko se pode compreen der que 0 campo juridico, embora receba do espace das romadas de posigio linguagem em que of seus conflitos se exprimem, encontre neke mesino, (quer dizer, nas luras ligadas acs inreresses associades as diferennes posicbes. © principio da sua transformacto. A divisin do trabalteo juridvo © campo juridice € o lugar de concorréncia pelo menop6tio do direito de dizer o diveito, quer dizer, a boa distribuicio (noms) ou a boa ordem, na qual se defrontam agentes investi- dos de competéncia a0 mesmo tempo social ¢ técnice que cconsiste essencialmente na capacidade reconhecids de interprerar (de maneica mais ou menos livre ow autotizada) um corpus de textos que consageam a visao legitima, justa*, do mundo social. E com esta condigén que se podem dar as razoes quer da autonomia relativa do diteito, quer do efeito propriamente simbélico de desconhecimenco*", que resulta da ilusio da sua autonomia absoluta em relacgio as pressdes externas ‘A concorréncia pelo monopélio do acesso aos meios juridi- cos herdados do passado contribui para fundamentar a cisio social entre os profanos € 0s profissionais favorecendo um trabalho continuo de cacionalizacdo préprio pate aumentar cada ver mais 0 desvio entre os veredictos armados do direico ¢ as incuigées ingénuas da equidade ¢ para fazer com que o sistema das niormas juridicas apareca aos que 0 impdem e mesmo, em maiot ou menor medida, sos que a ele esto sujeitos, come totalmente independente das relagies de forca que ele sanciona © consagra E co que, con ms ter «ia dy dt sch jurdico regis can cada somenro wm estado de reario de fs, © Sancionn a conqulsas doe dbminadot converridas dese inodo eat saber + edroive» (rece, justa) 90 texto; parece haver jogo de palevres corm adroit» ireio). . ‘sméconnaissance> (ignotincia, nao reconhecimenta), 1) texto ori- ginal, (NT). CAPITULO vut 2 adguitido € reconhecid (© gue rem 0 efeito de fascrever na sua estruruce uma ambiguidade que conteibui sem divida para «sua eficicia sirmbélica. J8 se mosetoa, por exemplo, como os sindicaros ameticance tém visto o set ‘esearuto legal evoluir & medida que ganham em poder: enquanto que, em camesos do século XIX, a acgio colecriva dos asualarisdos era condenaa como criminal conspiracy» em nome da protecgio da mercado livre, os sindicatos foram poueo a pooco rendo acesto ao teconhecimento legel®™ A légica patadoxal de uma divisio do trabalho que se determina, fora de qualquer concertagio consciente, na concor- réncia estrururalmente regulada entee os agentes € as institui- ‘gbes envolvidas no campo, constitui o verdadeito principio de uum sistema de normas ¢ de priticas que aparece como Funda mento a priori na equidade dos seus principios, na coeréncia das suas formulasdes ¢ no rigor das suas splicagées, quet dizer, como participando uo mesmo tempo da légica positiva da ciéncia e da Logica normativa da moral, po-taneo, como poden- do impér-se universalmente ao reconhecimento pot uma neces- sidade simultaneamente logica ¢ ética De modo diferente da hermenéucica literaria ou filos6fica, a pricica teética de interpretagio de textos juridicos aio tem nels propria a sua Finalidade; dicectamente orientada para fins priticos, ¢ adequada 4 determinacio de efeitos préticos, ela mantém a sua eficécia & custa de uma restsigio da sua autono. mia. Assim as divergéncias entre os «intérpretes aurorizados» sio necessatiamente limitadas e a coexisténcia de uma plurali- dade de normas jutidicas concorrenees esta excluida por defini- do da ordem jutidica*. Como no vexto religioso, filesdfico ou Hierario, no texto juridico esto em jogo luras, pois a leitura é uma maneint de apropriagio da forca simbélica que nete se fencontea em estado potencial. Mas, por mais que os juristas possam oporse a cespeito de cextos cuje sentido nunca se impde ce maneira absolutamente imperaciva, eles permanecem St A.W. Blumrosen, «Legal Process and Labor Laws, in W, M Evan, ed., Law and Sicofegy, New York, The Free Press of Glencoe, 1962, pp. 185-225. "ALJ. Arnaud, Critye de la ruin pridiis, Pacis, LGDJ, 1981, pp. 28-25; € J.-M, Scholz, «La raison juridique & Voeuvre: tes krausises cxpagnolse, Histariche Scsisouie dar Rechtewicremchafe, hess. von Etk Voikinar Heyen. Franeforee, Kioscerman, 1986, pp. 39-77. 214 A PORCA DO DIREITO inseridos num corpo forcemence incegrado de inscincias hierar quizadas que esto a aleura de resolver os conilicos entre os ineérpeetes € as inverpretagées. E a concorréncia entre os incérpreces esta limitada pelo facto de as decisdes judiciais 36 poderem distinguir-se de simples actos de forca politicos na medida em que se apresentem como resultado necessirio de uma interpreragio regulada de cexcos unanimemente reconhecidos: como a Igreja e a Escola, a Justica organiza segundo uma estrita hierarquia nd s6 as instincias judiciais © os seus poderes, portanto, as suas decisbes e as incerpreragies em que elas se apoiam, mas também as notmas ¢ as fontes que conferem a sua autoridade a essas decisées”. £ pois um campo que, pelo menos em periodo de equilibrio, tende a funcionar como wm aparelho na medica em que a coesio dos Aubitus espontancamente Orquestra dos dos intérpretes & aumentada pela disciplina de um corpo hieracquizado 0 qual pe em pritica procedimentos codificados de resolucio de conflitos entre os profissionais dt resolugio regulada dos conifticos. E tanto menos dificil ao corpo de juristas convencer- -se de que © direito tem 0 seu fundamento nele proprio, quet dizer, numa norma fundamental tal como a Constituigio como norma narmarim de que se deduzem codas as normas de ordem inferior, quanto a communis opinio doctorm, com raizes na cocsio social do corpo dos intétpretes, tenda a conferit a aparéncia de um fundamento transcendental as formas histéricas da razio juridica e & creaga na visio ordenada da ordem social por eles produrida® A rendlncis pars aprender como experiéncia universal de um sujeico transcendental a visio comum de uma comunidade hisedrice observase em odos of campos de produgio culeural, que sio assim postos & prova como lugar de scroalizacio de uma razio universal que nada deve as condicies * A autoridade neste dominio seconhece-se, entse outras coisas, pela arte de cespeitar a ordem seconhecida como lgitirma ea enumeragio das autoridades (cf. J. M. Schole, lie. tt). Segundo Andrew Eraser, a motalidade civica do corpo judicial assenrava no em um cédigo de tegras express ras sim umm sentido da hhonre eradicionaln, quer dizer eum sisceme de arirudes pars 0 qual 0 exvencial daguilo gue contava na aquisicao das vierudes. assoviadus 20 exetcicio da profi ara rids como exkdente. (A. Fraser, Tiln, 60, Verio, 1984, pp. 15-52), caprrute vir 25 sociais em que se manifesta. Mas, no caso das sficuldades superioresy, feologia, diteito ou medicina que, como nota Kant em O Confira dat Faceldades, estéo claramente investidas de uma fungi social, é preciso uma crise celativamente grave deste contrato de delygagie para que a questio do fandaments, que cervos aurores, como Kelsen, reaasferindo pars 0 dieito, ‘uma questio tradicional da flosofi,tinham posts, mas de maoeice muito teérica, venha a tomac a forma de ima questdo rea da pica social, como € hoje © caso. Pelo conttitio, 2 questéo do fardsmente da conheciienco icotifice achase posta, a propria teatidade da existéncin social,» parte do moinento em que a eficuldade inferior» (filesoha, mateunitica, histéia, ee.) Se constitui como cal, sem outro suporte que nie sejt «4 a2ko do por insteuidos*; © € a recusa em aceirar (cor Wittgenstein ow Bachelard, por exemplo) que constitniin do ~povo insteuidos. quer dizer, a estrurura historica do campo cientifico, constitua 0 tinico fundamenes possivel da raato cientifica, que condens tantes flgsolos a etacpiss autofindadoras dignas do Bario de Maachhausen ou a contestasGes nillscas da cidncia inspiradas numa nostalgia propriamente merafisica do «fundamentor. prin- cipio nto deseconstruido da sees-conserugion © efeico de apriorizagdo, que esta inscrito na Wégica do fancionamento do campo juridico, revela-se com toda a clareza na Kagua juridica que, combinando elementos directamente retirados da lingua comum ¢ elementos estranhos 20 seu sistema, acusa todos os sinais de uma retérica da impersonali- dade ¢ de neutralidade. A maior parte dos processos lingulsti- cos caracteristicos da linguagem juridica concorrem com efeito para produzir dois efeitos maiores. O efeito de mentralizagia & obtido por um conjunto de caracteristicas tintéricas tais como 0 predominio das construcdes passivas e das frases impessoais, rOprias pare marcar a impessonalidade de enunciado normati- Yo e pata constituit © enunciador em sujeito universal, 40 mesmo tempo impaccial e objectivo. O eftito de niversatizagio € obtido por meio de vérios processos convergentes: o recurse sisteméico a0 indicativo para enunciar normas’, 0 emprego, * Os filbsofos do diteto da cendéncia jusnaruclists apoiaram-se nesta caracteristica hi muito observada para suszentarem que 0s textos juridieos aio fenunciam norms, mas sim ~utestagdese, ¢ que o legislador & alguém que enuncia 0 set © nd 0 dever-ser, que diz 0 justo ou + jusa proporgao inscrta nas proprias coisas a ciealo de propriedade objectiu: =O lepislador prefere sdescrever a8 instituigses jutidicas do gue por dieectemente as regress (C. Kalinowski, Inaradaction 6 ha tgiges jurdiqne, Patit, LGD), 1964, p. 55) * peuple savant» no texte oniginal (NLT). sony | | | 216 A FORGA DO DIREITO proprio da retdtica da atestacio oficial e do auto, de verbos atestivos na terceira pessoa do singular do presence ou do passado composto que exptimem 0 aspecto realizado (waceita», sconfessa», ecompromete-ses, «declaroun, etc.); 0 aso de indefinidos («todo 0 condenado») ¢ do presente intemporal — ou do futuro jutidico — préprios para exprimirem a generali- dade e a omniremporalidade da regra do direito: a referéncia a valores transubjectivos que pressupdem a existéncia de um consenso ético (por exemplo, «como bom pai de famnilian); 0 recutso a férmulas lapidares ¢ a formas fixas, deixando pouco Jugar ais variagdes. individuais ". Esta retérica da auronomia, da neutralidade © da universali- dade, que pode ser © principio de uma auronomia real dos pensamentos e das priticas, esté longe de ser uma simples mascara ideolégica. Ela ¢ a prdpria expressio de todo o funcionamento do campo juridico €, em especial, do trabalho de racionalizacdo, no duplo sentido de Freud e de Weber, a que 0 sistema das normas juridicas esté continuamente sujeito, € isto desde ha séculos. Com efeito, aquilo a que se chama 0 espicito juridicor ou «o sentido juridico» © que constitui 0 verdadeito diceito de entrada no campo (evidentemente, com uma mestria mfnima dos meios juridices ecumulados’ pelas, sucessivas geragdes, quer dizer, do corpus de cextos canénicos e do modo de pensamento, de expressio ¢ de acco, em que ele se teproduz © que 0 reproduz) consiste precisamente nesta posture universalizante. Beta pretensio estatucéria a uma forma specifica de juizo, icredutivel as incuigdes frequentemente inconstantes do sentido da equidade, pois que se baseia na deducéo consequente a partit de um corpo de regeas sustentado pela sua coeréncia interna, € um dos fandamentos da cumplici- dade, geradora de convergencia © de cumulatividade, que une, nna concorréncia pelas coisas em jogo e por meio dessa concor- réncia, 0 conjuinto, todavia muito diferenciado, dos agentes que vivert da produgio © da venda de bens © de servigos juridicos. A claboragio de um corpo de regeas ¢ de procedimentos "CE J.L. Souriaax ¢ P. Lense. Le lantage ae drt, Pais, PUP, 1973 CAPITULO VII 217 com pretensio universal € produto de ume divisio do trabaiho que resulca da légica espontinea da concouéncia entte diferen- tes formas de competéncia 20 mesmo tempo antagonistas complementares que funcionam como outras cantas espécics de capital especifico e que estdo associadas a posigies diferentes no campo. Nao ha cuivida de que « histéria comparada do direito petmite observar que, conforme as ttadigdes jurfdicas e confor- me a8 conjunturas a0 seio da mesma ceadicio, as hierarquias variam encre as grandes classes de agences jutidices — as quais vatiam elas proprias consideravelmente segundo as épocas € as tradigdes nacionais ¢ ainda segundo a especialidade: diteito publico ou ditcito privido, por exemple Mas néo € menos certo que © antagonismo estratural que, nos mais diferentes sistemas, opbe as posigdes de «tedricos condenadas 4 pura construgio doutrinal, © as posighes de «pritico», limitadas a aplicagéo, esté na origem de uma luta simbélica permanente na qual se defrontam definigdes diferentes co trabalho juridico enquanto intcrpretacdo autorizada dos textos canénicos. As diferentes categotias de intézpretes autorizados tendem sempre 2 distribuir-se entre dois pélos extremos: de um lado, @ inteepreracéo voltada para a elaboracéo puramente tedrica da doutrina, monopétic dos professores que esto encarregados de ensinar, em forma normalizada e formalizada, as regras em vigor; do outro lado, a interpretacao voltada para a avaliagio pratica de um caso particular, apanigio de magistrados que realizam actos de jurisprudéncia e que podem, deste modo, —- pelo menos alguns deles — conerihuir também para a constru- Gio juridica. De facto, os pruducores de ‘eis, de regrs ¢ de regulamentos devem contar sempre com as reacgdes €, por vezes, com as resisténcias, de toda a corporagio juridica e, sobretudo, de codos os peritos judiciais (advogados, notirios, etc.) 0s quais, como bem se vé, par exsmplo, no caso do direito das sucessdes, podem por a sua comperéncia jaridica a0 servigo dos interesses de algumas categorias da sua clientele € vecer as intimeras esteatégias gracas as quais as familias ou as empresas podem anular os efeitos da lei. A significacéo privica da lei nao se determina realmente senfo nz confrontagio entre diferentes corpos animados de interesses especificos divergentes 218, A FORCA DO DIREITO (magistrados, advogados, notirios, etc.), eles proprios dividides em grupos diferentes animados de interesses divergentes, © até mesmo opostos, em fangio sobretudo da sua posicéo na hierar quia interna do corpo, que corcesponde sempre de maneice fastance estrita A posigio da sua clientela na hierarquia social Segue-se daqui que ama histéria social comparada da producio juridica e do dliscurso juridico sobre esta producio dleveria esforcar-se por por metodicemente em relagio as toma~ das de posigio nesta luca simbslica e as posicies na divisio do trabalho juridico: tudo leva a supor que a tendéncia para insistir na sintaxe do discito € mais propria dos tebrices ¢ dos professores, enquanto que 4 arencéo & pragmitica é, pelo contririo, mais provavel entre os juézes. Tal histéria deveria também considerar a relacio entre as variacées, segundo o lugar e 0 momento, da forga relative das tomadas de posigéo a favor de uma ou outen das orientagies do trabalho juridico ¢ 9s variagoes da forca relativa dos dois campos nas relacées de forga que constiruem a estrutura do campo. [A propria forena do corr juridico, sobresads o seu rau de Formalivacso fe de ormalizagio, depende sem divide mulco estecicamene de fora relativa dos atebricoss ¢ dos sprivicose, dos professnres « das juizes, os cexegeras e dos peritos, aus relaybes de fora carscerisriess de we estado do caampo (er dado momento euma ttadicio determinada) © da espacidade respectiva dle impor a soz visio de diseico ¢ da sua inecspreragio Podem-se compreender assim as diferencas sistemicicns que separam as fradigies acionsis ¢, sobretado, 2 gande divisio entre & adicso diea comano-germanica ea cvadigio’ anglo-americans, Na etudicao alom’ Feancesi, « diceito Gobretude n privido), weedadeiro elie de profersores> (Professrenrechi), igado 20 primade da Weusnichast, és douctina, sobre o pracedimento ¢ ted aque diz respeieo # prova oa & exccugio dx decisdo, retraduz e reforca 0 dominio da alta mayistrcura, daciesmente Tigada ans professores, sobre os jwires que, por rem passa pela univers ade, s80 rouis dades a reconhecer 3 legitimidade das suas conserugées do que 0s ans foemados de cero make aa acaritabae. Na eadicio anglo- americana, pelo contcicio, 0 direta & um direiey jursprudencia (ase-lau), fasence guise exclusivamente nus avirdaos dos trbutais © na ogra do precedente © fracamente codificado, ele dé 0 primado ans procedienencos, que deves ser leais (irr trial) © cujn mesteia se adquite sobretude pelt prarica ou por cécnicas pedagogizas que cém ero vista aywenimasemn se a0 maximo da peivica profisional — por exemplo, com a «métiao den cans fem us nestas verdsdeisss escolay profiesonas gue sie as estos se ive CAPITULO VINE 29 0 estaruco da regra de diceito, que odo se afiema fundade numa teocis morat fou numa ciéneia rscional © que, tenco em rmiea apenas dar uma sulayio & ‘om Jitigio, se situs deliberadamence a0 nivel da cisuisticn das aplicages particulars, compreende-se se se souber que ncste caro 0 grane jurists © iz saido da fila ds pritices. De facto, a force relativa das diferentes espécies de capital jurico ons diferentes tradigdes tem, sem duvida, que ser poste relagio com a poids ‘global do campo juridics no campo do poder que, pir meio de peso telaivo que cabe 40 wreiao ds lei» (he rie af Jaw) ow & repulamenragdo bracétics, decermina os seus limites estracwtais pels eficicin da acgao propeiamente furidica, No ciso da Franga, a scgio jueidica acha-se hoje limitada pela dominio que © Estado € bs cccnncricas stidos da Fscola Nacional de Admicistragio exercem em vastos sectores ds administracéo publica © privada, Nos EUA, pelo conetito, os lawyer sides as esclas superiores de direito (Harvard, Yale, Chicago, Stanford) podem ocupse posigdes para akém dos limites do campo propslamente dito, na politica, na administragio, te Financs ou ea industcia, Dagai resuleam diferencis sistemacicas, feguecte- mente evocidas depois de Tocqueville, 0s usos axis da diteieo e, mais precisamente, no lugar que cabe aa recurso jutidice no tniverso das aegis prssiveis, sobeecudo em matéria de lucas seivindicaives, 0 antagonismo entre os detentores de espécies difecentes de capital juridico, que investem intoresses © visées do mundo muito diferentes no seu trabatho especifico de interpreragio, nao exclui a complemenraridade das fungies e serve, de facto, de base a uma forma subtil de slivisée do tabatha de daminagin rimbélice na qual os adversérios, objectivamente cimplices, se servem uns 205 outros. O cinone juridico @ como que © reservatsrio de auroridade que garante, a maneita de um banco central, a autoridade dos actos juridicos singulares. E isto que explica a fraca incfinagio do Aehites jusidico para as posturas proféticas e, pelo contritio, a propensio, visivel sobrecudo nos jufzes, para o papel de dectar, de intérprett que se rcfugia na aparéacia ay menos de uma simples aplicagin da fei e que, quando faz obra de ctiagio juridica, eende s dissimulicla"”. Da mesma forma que 0 economista mais directamente envalvido nos problemas priticos de gestio, permanece ligado, como numa «grande cadeia do Ser & Lovejoy, a0 cedrico puto que * CE Travan ade PAncciation Hew? Capitant, Tomo ¥, WA, 16, citada por R. David, Les grande cowrats de dev nateporain, Paris, Daltez, 1973 pp. 124-132 220 A FORGA DO DIREITO produz alguns teoremas mateméticos pouco mais ou menos desprovidos de referente no mundo econémico real mas que se distingue ele mesmo de um puro matemético pelo reconheci- mento que economistas mais impuros sio obrigados a conceder as suas construsies, também o simples juiz de instancia (ou, para i até 20s dltimos elos da corrente, 0 policia ou o guarda ptisional) est ligado ao te6rico do direito puco e ao especialista do direito constitucional por uma cadeia de legitimidade que subtrai_os seus actos 20 estaruto de violencia arbitraria E dificil, com efeito, ndo ver o ptincipio de uma comple- mentaridade funcional dinamica no conflito permanente entre as pretensies concorrentes a0 monopélio do exercicio legitimo da competéncia juridica: os juristas € outros tedricas do direico tendem a puxar 0 diceito no sentido da ceoria pura, quer dizer, ordenada em sistema auténomo e auto-suficiente, ¢ expurgado, por uma reflexdo firmada em consideragées de coeréacia ¢ de justiga, de todas as incertezas ou lacunas ligadas a sua génese ritica; os juizes ordinérios e outros préticas, mais atentos as aplicagées que dele podem ser feicas em situagdes coneretas, orientam-no para uma espécie de casuistica das situagbes con- cretas © opdem, aos ttatados tedricos do direito puro instra- mentos de trabalho adaptados as exigencias € 2 argencie da pritica, repertérios de jurisprudéncia, formulétios de actos, dicionatios de direito (e amanha, bancos de dados)"*. & claro que 05 magistrados, por meio da sua pritica, que os pée directamente perante a gestio dos conflicas € uma procura juridica incessantemente renovada, tendem a assegurat a fungio de adaptaco so real num sistema que, entregue 56 4 professo- Acharse-ia uma cadeia da mesma forma, entee os teéricos € os homens do tertenon, nes aparelhos politicos on, pelo menes, nos que por tadisio invocam a causio de uma teoris econdmice ox politica, "9 um belo exemplo de trabalho juridico de codifiasio que produr © juridico a partir do judicial, a edigio das decstes da «Cour de Cassaion» ‘9 processo de seleccio, de normalizagio ¢ de difisio que, @ partic de um conjunto de decisies seleccionadas pelos Presidentes de Cimara pelo seu inceresse juridico, produz wm corpo de eegeas racionalizadas © normalizadas Kf E. Servers, «Une production communantiee de La jurisprudence: Védicion juridique des arcétsn, Annales de Vaurcion, 23, 2.° semeste, 1985, pp. 73-89. CAPITULO vit zi res, cotteria o risco de se fechar na rigider de um nacional: por meio da liberdade maior ou menor de apreciagio que thes é permitida na apticasao das regras, eles introduzem as mudangas © as inovagdes indispensiveis \ sobrevivéncia do sistema gue 0s tedricos deverdo integcar no sistema. Pot sea lado, 0s jutistas, pelo trabalho de racionalizscio e de formaliza- ‘io a que submetein o corpo de regras, represencain a funcio de assimilagao, propria para assegurar a coeréncia e a constincia 20 Jongo do cempo de um conjunto sistemétice de princtpios ¢ de regras iredutiveis & série por vezes contradiv6ria, comiplexa e, a longo prazo, impossivel de dominar dos actos de jurisprudéncia sucessivos; € ao mesmo tempo, oferecer aos juizes — sempre inclinados, pela sua posiglo € pelas suas ativudes, a confiar apenas no seu sentido juridico — 0 meio de subtrairem as seus veredictos ao arbicrétio demasiado visivel de uma Kadijuits. Percence aos jutiseas, pelo menos na tradigéo dita romano- ~geeminica, néo o descrever das pritica existentes ou das condigées de aplicagio pritica das regras declaradas conformes, mas sim 0 pér-em-forma dos prineipios e dos regras envolvidas nessas priticas, claborando um corpo sistematico de regras assente em principios racionais ¢ destinado a ter uma aplicagio universal. Participando ao mesmo tempo de um modo de pensamento teolégico -— pois procuram a revelacio do justo na lecra da lei, € do modo de pensamento légico pois pretendem pér em pritica 0 método dedutivo para produzirem as aplica- Bes da lei ao caso particular —, eles desejam criae uma ‘hes codifcadas (exposigies des morivos de lei, lowering ¢ comentitias os jurists, professores oo juizes dautes, e decisdes ds Cour be Cessation? Pode-se citar, a partir das cheervagoes de Remi Leooir, « exemple de we tribunal de wi baitro de Pacis onde, codas as sextasfeitas de manhi a sessieb especialmente consagrada s um contencios, sempre 1 mesmo, sobre a ruprura de concratos de wenda ou aluguer, que é esynato pelo nome de ona empresa se alopuee e de venda a crédito de aparcthos domésticns e de cele vishor os julgamentos, complecamente predeverminades, sin muito breves, © hem mesmo of adwogudos, quanda ot Bi ~~ o ac € rara— nels eomar 3 prlavea, (Se a presenga de dm advogado se mosera atl, provando deste roedo ‘gue ha, esi s este nivel, um poser de incerpteraro, € ser eivida porque E percebida convo use manifescagio de reveréoria pata com 9 juz ea institut ‘Glo que, a eae rtulo, merece alguma corsidlerseeo — ale no é aplieada com fede 0 See sigor —; ¢ tambem porque ela constitu ums indica aeesce ds importincia dada ao julgamento © sobre a possbilidade de apelacie). — ssc scenic ce enero

Você também pode gostar