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Para a população em geral, o termo surdez se refere, muitas vezes pejorativamente à

alguém que possuí a capacidade auditiva reduzida e/ou também a capacidade de fonação
fortemente limitada. Todavia, as definições para alguém ser chamado ou não de “surdo” vão
além das limitações fisiológicas. Conforme destacado no caso, existem duas vertentes para se
definir surdez.
A primeira delas, sendo a versão clínica, refere-se popularmente a indivíduos com nível
de perda auditiva de no mínimo 90 decibéis (deficiência auditiva profunda) (VILLAR e
LLERENA JÚNIOR, 2008). A segunda versão não se baseia em aspectos físicos, mas sócio
culturais referindo-se aos indevidos atuantes da cultura surda. Essa visão parte do pressuposto,
que será mais aprofundado adiante, de que os deficientes auditivos que se utilizam da Língua
Brasileira de Sinais, por produzirem cultura através de uma linguagem diferente, também
produzem uma cultura diferente, chamada cultura surda.
Tratando de uma visão cidadã, conforme citado no caso, muitas lutas e reivindicações
foram necessárias para se chegar aos direitos que a comunidade surda possuí nos dias atuais.
Numa revisão rápida acerca da história da surdez, pode-se citar alguns períodos pertinentes. O
primeiro deles, partindo de Aristóteles e sua filosofia, onde a capacidade de dialogar, de fazer
valer sua opinião por meio de argumentos em língua comum excluía os surdos de maneira que
estes passavam a ser vistos como inúteis frente ao contexto social, e assim, perseguidos e
mortos. O segundo período pertinente se refere as épocas medievais, onde a grande instituição
era a igreja católica, cuja qual difundia a ideia de castigo divino aos pais que tivessem filhos
com deficiência de qualquer ordem, inclusos nestes os deficientes auditivos. Estes, eram
colocados em mosteiros e templos religiosos onde eram criados à parte da sociedade e
realizavam tarefas consideradas impuras pela igreja. Durante a idade moderna ocorre uma
maior abertura social, porém, ainda velada para os deficientes. As primeiras formas de
linguagem surda passam a ser conhecidas pelas pessoas em geral e o início da desconstrução
da ideia de incapacidade de falar é apresentado (SILVIA, 1986).
No Brasil, é durante a idade contemporânea com a fundação do Instituto Nacional de
Educação dos Surdos (INES) por Ernest Huet. Sendo esta a primeira instituição do país
dedicada a educação das pessoas com deficiência auditiva. A partir de então os surdos começam
a ganhar um pouco mais de relevância para suas discussões, porém, o congresso de Milão
(1880) acarretaria em atrasos para a educação destes sujeitos devido a proibição do uso da
Linguagem de Sinais e preferência pela oralização dos surdos.
Percebe-se, portanto, que o respeito a linguagem surda é um debate extremamente
recente, restringindo a análise ao Brasil, este mesmo pode ser iniciado com a constituição
federal de 1988, onde a mesma configura uma educação para todos, todos, por conseguinte,
incluí os deficientes auditivos (BRASIL, 1988). A Lei de Diretrizes e Bases 9394/96 específica
que o ensino regular deve garantir o desenvolvimento dentro das especificidades de cada aluno
(BRASIL, 1996), deixando claro que a educação deve voltar-se para as necessidades de cada
estudante.
Pode-se citar também a lei 10.436 de 2002 que diz "É reconhecida como meio legal de
comunicação e expressão a Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS e outros recursos de
expressão a ela associados" (BRASIL, 2002), onde já pode-se verificar o apontamento de
Ricardo, personagem do caso, LIBRAS é uma língua legal e reconhecida pelos documentos
oficiais, no entanto, para situações práticas de cidadania a mesma ainda é ignorada. O Decreto
de nº. 5.626/05, num acréscimo a lei garante o direito do surdo de conhecer e aprender a
LIBRAS (BRASIL, 2005).
As descrições acima representam os ganhos dos surdos em sua luta pelo reconhecimento
de sua língua e de sua forma de expressar, porém, ao se destacar a situação do caso, percebe-se
que este ainda configura um ganho apenas burocrático. No papel/legislação, sim, a LIBRAS é
uma língua oficial e reconhecida, porém, como língua oficial deveria ser oferecido aos seus
falantes o direito de escrever e realizar suas atividades cívicas nesta, o que não ocorre com
Ricardo e Carla. Aprofundando um pouco mais nesta definição, pode-se considerar a
contradição descrita.
Primeiramente, a LIBRAS possuí sua própria forma gramatical, embora ainda em
construção do ponto de vista burocrático. Seus principais elementos são: a configuração da mão,
o ponto de articulação, o movimento e a direcionalidade, a orientação da palma da mão e as
expressões faciais (TELES e SOUZA, 2009). Parte-se então dessa ideia para descrever que,
sim, de fato, a LIBRAS tem sua própria gramática, e este caso torna-se ainda mais complicado
ao adicionarmos um outro fator: Sintaxe. A sintaxe na LIBRAS é predominantemente Objeto-
Sujeito-Verbo, o que implica numa desconstrução completa da gramática regular da língua
portuguesa padrão. Como estes indivíduos somente se utilizam dessa forma de linguagem em
situações formais (como o caso da prova) a desvantagem dos mesmos é muito grande, essa
desvantagem, no entanto, não é inata de sua própria capacidade, mas produto de imposições
externas aos mesmos, logo, passível de ser resolvida.
Para adentrar na questão da resolução do problema na execução da prova por pessoas
com surdez através da língua portuguesa padrão deve-se antes conhecer do que trata realmente
a surdez. Primeiramente, o ouvido possuí três divisões: o ouvido externo, o ouvido médio, que
possuem o canal auditivo, a membrana timpânica, os ossículos (martelo, bigorna e estribo) e a
cóclea. O ouvido interno, que se responsabiliza pelo neuroprocessamento dos estímulos
auditivos. Vale ressaltar que esta divisão descrita acima divide a surdez de acordo com a região
afetada em de condução (externo e médio) e de processamento (interno). O implante coclear
(IC) somente é utilizado em caso de surdez de condução. Sabendo dessa fisiologia, percebe-se
que um surdo falante da língua de sinais irá perceber o mundo por um canal de informação
completamente diferente de um ouvinte, e dessa forma, sua produção cultural e sua forma de
manifestação sentimental terão nuances e particularidades intrinsecamente próprias (VILLAR
e LLERENA JÚNIOR, 2008). Nesses moldes, generalizar a cultura falada para surdos, como
foi feito com Carla e Roberto é uma completa falta de respeito. Um adendo interessante, a
deficiência auditiva possuí os níveis de perda, leve, moderada, acentuada, grave ou profunda,
porém, do ponto de vista clínico, somente o último nível da DA é considerado surdez.
Partindo das discussões acima, percebe-se uma clara necessidade de rever os preceitos
da democracia brasileira. Assim como Atenas, berço da democracia, não abarcava mulheres, a
democracia brasileira pouco se move para garantir efetivamente os direitos dos surdos. As
discussões mostraram que a LIBRAS já é considerada uma língua oficial do Brasil, uma
maneira de efetivar tal decisão seria incluí-la nas escolas e em postos oficiais, como em provas
de concurso e vestibulares, bem como em apresentações e palestras.

BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituição.htm>.
BRASIL. Decreto de nº. 5.626 de 2005. Brasília – DF. Planalto Central. 2005.
BRASIL. Lei nº 9394 de 1996 - Lei de diretrizes e bases da educação nacional. Brasília – DF.
Ministério da Educação. 1996.
BRASIL. Lei nº 10.436 de 2002. Brasília – DF. Planalto Central. 2002.
SILVA, Otto Marques da. A Epopeia Ignorada: A pessoa Deficiente na História do Mundo de
Ontem e de Hoje. São Paulo: CEDAS, 1986.
TELES, Margarida Maria. SOUZA, Verônica dos Reis Mariano. Língua brasileira de sinais –
Libras. São Cristóvão: Universidade Federal de Sergipe, CESAD, 2009.
VILLAR, Maria Auxiliadora Monteiro. LLERENA JUNIOR, Juan Clinton. Aspectos
biológicos da deficiência auditiva. – Rio de Janeiro: Editora UNIRIO, 2008.

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