Você está na página 1de 9

Ensino fundamenta - responsabilidade só dos Municípios?

O que prevê a legislação e qual tem sido a participação estadual, municipal e privada na oferta
de educação básica no RJ?
Nicholas Davies, prof. da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense

1- O que prevê a legislação

Nos últimos anos tem sido alegado que o ensino fundamental (EF) é responsabilidade dos
municípios, que isso estaria previsto na Constituição Federal (CF) e/ou na LDB (Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional) e seria uma justificativa para a municipalização, ou seja, para a
transferência de matrículas e/ou escolas estaduais para as prefeituras. Tal alegação não tem fundamento
legal nenhum e reflete uma opção de política educacional de governos estaduais e do federal, não uma
determinação legal.
Isso fica claro nos parágrafos 2º e 3º do art. 211 da CF, conforme alterados pela Emenda
Constitucional (EC) 14, de 1996, que estipula que os municípios atuarão prioritariamente no ensino
fundamental e na educação infantil, e os Estados e o Distrito Federal, prioritariamente no ensino
fundamental e médio, não definindo que um determinado nível ou modalidade de ensino seja
responsabilidade de governos municipais ou estaduais. Há, neste caso, uma questão semântica
importantíssima: a EC 14 não afirma que o ensino fundamental e a educação infantil são
responsabilidade prioritária dos Municípios. Se o fizesse, isso permitiria aos governos estaduais se
livrarem da educação infantil e do ensino fundamental, como têm feito nos últimos anos, sobretudo
depois da implantação obrigatória do Fundef, em 1998. Quando a EC 14 fixa a atuação prioritária dos
Municípios, sua intenção não é impedir que Estados e mesmo a União atuem no ensino fundamental e
na educação infantil, mas sim evitar que prefeituras passem a oferecer o ensino médio e mesmo o
superior sem antes terem atendido satisfatoriamente os seus níveis de atuação prioritária. Em outras
palavras, prefeituras, governos estaduais e governo federal podem atuar em qualquer nível de ensino,
mas prefeituras devem primeiro atender ao ensino fundamental e à educação infantil e, depois, uma vez
satisfeita essa necessidade, podem atuar em qualquer outro nível ulterior (médio e superior), conforme
estipula o inciso V do art. 11 da LDB (Lei 9.394), de 1996.
Outras disposições constitucionais e legais confirmam a atuação prioritária dos Estados e
Municípios no ensino fundamental. O Art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias,
conforme alterado pela EC 14, prevê que 60% dos 25% vinculados à educação sejam aplicados por
Estados, Distrito Federal e Municípios no ensino fundamental. O § 2º do art. 5º da LDB, por sua vez,
estabelece que “o Poder Público [que abrange as três esferas de governo: União, Estados e Municípios]
assegurará em primeiro lugar o acesso ao ensino obrigatório [o ensino fundamental], nos termos deste
artigo, contemplando em seguida os demais níveis e modalidades de ensino, conforme as prioridades
constitucionais e legais.” Ou seja, primeiro Estados, DF e municípios devem assegurar o ensino
fundamental e, depois, no caso dos municípios, a educação infantil e, no caso dos Estados, o ensino
médio. Outra confirmação é o inciso VI do Art. 10, segundo o qual os Estados devem assegurar o
ensino fundamental e oferecer, com prioridade, o ensino médio. Alega-se que “com prioridade”
significa atendimento prioritário do Estado ao ensino médio e a secundarização do ensino fundamental,
transferido para os municípios através da municipalização. Se as disposições constitucionais e legais já
citadas não são suficientes para refutar tal interpretação, basta lembrar que este inciso deixa claro que
primeiro o Estado deve assegurar o ensino fundamental (juntamente com os municípios) e, depois,
oferecer com prioridade o ensino médio, o que significa que, uma vez assegurado o ensino fundamental
(regular e EJA), a sua prioridade não é nem a educação infantil nem o ensino superior.
Na verdade, com base no inciso II do Art. 10 da LDB, os Estados devem ser mais responsáveis
pelo EF do que os Municípios, uma vez que tal inciso prevê que as responsabilidades destas esferas
seriam proporcionais à população a ser atendida e os recursos financeiros disponíveis em cada uma
dessas esferas. Ora, os governos estaduais, sobretudo porque ficam com a maior fatia do maior imposto
(75% do ICMS) dispõem de muito mais recursos por aluno do que os municípios e, por isso, deveriam
assumir uma responsabilidade maior pelo EF.
Entretanto, a responsabilidade pelo ensino fundamental não é só dos Estados e Municípios, mas
também da União, segundo a CF e a LDB. O § 1º do art. 211 da CF de 1988, por exemplo, estipulava
que a União prestaria assistência técnica e financeira para o atendimento prioritário à escolarização
obrigatória (ensino fundamental). Embora o novo § 1º reformulado pela EC 14 não tenha se referido a
esta escolarização, ela continuou presente no inciso III do Art. 9º da LDB, cabendo à União exercer
função redistributiva e supletiva, que continua insignificante, uma vez que o Brasil continua com
milhões de analfabetos e a contribuição do governo federal para o Fundef (Fundo do Ensino
Fundamental) em 2006 foi de menos de 1% (R$ 300 milhões) da receita total (R$ 35,9 bilhões).
Também a Constituição Estadual do RJ (de 1989), estranhamente não mencionada na proposta
de Plano Estadual de Educação do governo estadual e com muitos artigos não cumpridos até hoje (18
anos depois de promulgada), é bastante clara sobre a responsabilidade do Estado com o ensino
fundamental. O art. 308 estipula que o Estado e os Municípios devem garantir ensino público
fundamental, com o estabelecimento progressivo do turno único (inciso I) e oferecer este ensino
também aos que a ele não tiverem acesso na idade própria (educação de jovens e adultos) (inciso II).
Esta determinação é reforçada pelo art. 320, segundo o qual o Estado proverá “a sua rede de ensino de
condições plenas de abrigar tantos quantos busquem matrículas nas séries de 1º grau, na faixa etária dos
sete aos quatorze anos, sendo proibida a sua negativa”.

2- A participação estadual, municipal e privada na oferta de educação básica no RJ em 1997 e


2006

Apesar de todas estas determinações constitucionais e legais, o governo estadual do Rio de


Janeiro tem sido extremamente omisso na oferta de educação básica, sobretudo no ensino fundamental
(regular e EJA), com uma participação historicamente bem menor do que a média nacional da
participação estadual. Enquanto em 1997 (último ano antes da implantação do FUNDEF) a rede
estadual do EFR respondia por apenas 26,9% do total de matrículas no Rio de Janeiro, a média
nacional das redes estaduais era de 52,8% (o dobro), cabendo salientar que em alguns Estados (São
Paulo e Minas Gerais, por exemplo) este percentual chegava a 80%. Ou seja, na comparação com
Estados relativamente prósperos, o Estado do RJ tinha três vezes menos matrículas no EFR em termos
percentuais. Esta participação insignificante do governo estadual no RJ explica a maior presença da
rede privada, que detinha 22,7% do total de matrículas, pouco mais do dobro da média privada nacional
no EFR (10,7%). O percentual privado só não foi maior porque a participação das redes municipais
fluminenses (49,8%) foi bem superior à média municipal nacional (36,3%).
Em 2006 a participação estadual declinou para 21,3%, o mesmo acontecendo com a média
nacional, que caiu para 35,5%, no processo de municipalização permitido (porém não determinado
legalmente) pelo Fundef. Embora a rede privada no RJ tenha caído de 22,7% do total (em 1997) para
18,6% (em 2006), a sua fatia continuou bem superior à média privada nacional (10,4%) e só não foi
maior porque a participação municipal no RJ subiu de 49,8%, em 1997, para 59,7%, em 2006. Este
crescimento municipal se deve sobretudo à incorporação das matrículas de CA (classes de
alfabetização) no EFR e a uma certa transferência de matrículas estaduais (a municipalização) para
prefeituras e/ou ao fechamento de vagas estaduais no EFR.
A tabela a seguir mostra a participação das redes federal, estaduais, municipais e privadas no
EFR em 1997 e 2006 no Brasil e no RJ.
Tabela 1 – Número de matrículas no ensino fundamental regular (EFR) no Brasil como um todo e no Estado do Rio de Janeiro em
1997 e 2006, proporção das redes estaduais, municipais e privadas no total nacional e no Rio de Janeiro, e evolução 97/06 em termos
absolutos e percentuais
Total Federal Estadual Municipal Estadual + Privada
Municipal
Brasil 34.229.388 30.569 (0,1%) 18.098.544 12.436.528 30.535.072 3.663.747 (10,7%)
(1997) (52,8%) (36,3%) (89,2%)

Brasil 33.282.663 25.031 (0,1%) 11.825.112 17.964.543 29.789.655 3.467.977 (10,4%)


(2006) (35,5%) (54%) (89,5%)
Evolução -946.725 (-2,7%) -5.538 (-18,1%) -6.273.432 (- +5.528.015 (+ -745.417 (-2,4%) -195.770 (-5,3%)
97/06 34,6%) 44,4%)
RJ (1997) 2.250.296 10.134 607.111 (26,9%) 1.121.890 1.729.001 511.161 (22,7%)
(49,8%) (76,8%)
RJ (2006) 2.425.991 10.273 (0,4%) 515.661 (21,3%) 1.448.184 1.963.845 451.873 (18,6%)
(59,7%) (80,9%)
Evolução +175.695 +139 (+1,3%) -91.450 (-15%) +326.294 +234.844 -59.288 (-11,5%)
97/06 (+7,8%) (+29,1%) (+13,5%)
Fontes: Tabela 1.4 do Censo Escolar de 1997 (Brasil. MEC. INEP, 1998) e Censo Escolar de 2006 do INEP (disponível em
www.inep.gov.br)

Entretanto, estes números precisam ser vistos com cautela, uma vez que as matrículas estaduais
e municipais de CA (classes de alfabetização) foram incorporadas totalmente ao ensino fundamental
regular e houve falsificação de matrículas em larga escala, provavelmente porque os governos estavam
de olho no dinheiro do Fundef, destinado apenas ao EFR. É interessante observar (coluna „total‟ da
Tabela 1) que o aumento das matrículas totais (somente as municipais na verdade) do EFR no RJ entre
1997 (2.250.296) e 2006 (2.425.991) não acompanhou a tendência nacional, que foi de queda (de
34.229.388, em 1997, para 33.282.663, em 2006). Este acréscimo provavelmente se deve, além de
transferência de matrículas estaduais para prefeituras (a municipalização do ensino) e falsificação de
matrículas, à incorporação de matrículas de CA, que no RJ tiveram muito mais peso do que no Brasil
como um todo. Em 1997, 16,5% (236.529) de todas as matrículas de CA no Brasil (1.426.694)
estavam no RJ, enquanto no EFR a participação fluminense (2.250.296) em 1997 no total nacional
(34.229.388) era bem menor (6,5%). Como essas 236.529 de matrículas de CA foram incorporadas ao
EFR, o aparente crescimento de 175.695 no RJ transforma-se na perda de 60.834 matrículas (175.695 –
236.529), ou seja, o aparente aumento de 7,8% de 1997 para 2006 transforma-se numa redução de
2,7%, idêntica à queda nacional (2,7%), que na verdade seria ligeiramente maior se considerássemos a
incorporação das matrículas nacionais de CA. Já o aumento de 234.844 (+13,5%) matrículas estaduais
e municipais no RJ, descontando-se as 171.697 de CA incorporadas ao EF, cai para um aumento de
63.147, ou apenas +3,6%, conforme pode ser observado na Tabela 2, a seguir.

Tabela 2 – Evolução em termos absolutos e percentuais do número de matrículas no ensino fundamental regular (EFR) e de CA
no Brasil como um todo e no Estado do Rio de Janeiro em 1997 e 2006, proporção das redes estaduais, municipais e privadas no
total nacional e no Rio de Janeiro, e evolução 97/06 em termos absolutos e percentuais
Total Federal Estadual Municipal Estadual + Privada
Municipal
BRASIL – Ev. do -946.725 (-2,7%) -5.538 (-18,1%) -6.273.432 (- +5.528.015 (+ -745.417 (-2,4%) -195.770 (-5,3%)
EFR 97/06 34,6%) 44,4%)
BRASIL – Ev. de -1.462.694 -1.474 -209.772 -929.036 -1.138.808 -286.412
CA 97/06
BRASIL – Ev. -2.409.419 -7.012 -6.483.204 +4.598.979 -1.884.225 -482.182
total
RJ – Ev. 97/06 +175.695 (+7,8%) +139 (+1,3%) -91.450 (-15%) +326.294 +234.844 -59.288 (-11,5%)
(+29,1%) (+13,5%)
RJ – Ev. de CA -236.529 -466 -39.806 -131.891 -171.697 -64.366
97/06
RJ – Ev. total -60.834 (-2,7%) -327 -131.256 +194.403 +63.147 (+3,6%) -123.654
Fontes: Tabelas 1.3 e 1.4 do Censo Escolar de 1997 do INEP (Brasil. MEC. INEP, 1998) e Censo Escolar de 2006 do INEP
(disponível em www.inep.gov.br).

A omissão do governo estadual também pode ser constatada no ensino médio regular. Em 1997
só respondia por 55,2% das matrículas fluminenses, enquanto a média nacional das redes estaduais era
de 72,5%. Isso explica a maior presença da rede privada, que tinha no RJ uma fatia muito maior
(36,3%) do que a média privada nacional (19,7%). Embora a rede estadual do Rio tenha crescido
bastante (+103,8%) em 2006 na comparação com 1997, respondendo por 80,9% do total e
acompanhando um aumento (+63,3%) que aconteceu nas redes estaduais como um todo, o percentual
privado no RJ em 2006 (16%), mesmo caindo em relação a 1997 (até bem mais do que a queda da
média nacional), continuou superior à média nacional de participação das privadas (12%), conforme
mostra a tabela a seguir.
Tabela 3 – Número de matrículas no ensino médio regular no Brasil como um todo e no Estado do Rio de Janeiro em 1997 e
2006, proporção das redes estaduais, municipais e privadas no total nacional e no Rio de Janeiro, e evolução 97/06 em termos
absolutos e percentuais
Total Federal Estadual Municipal Estadual + Privada
municipal
Brasil 6.405.057 131.278 4.644.671 (72,5%) 362.043 (5,6%) 5.006.714 (78,1%) 1.267.065 (19,7%)
(1997)
Brasil 8.906.820 67.650 (0,8%) 7.584.391 (85,2%) 186.045 (2,1%) 7.770.436 (87,2%) 1.068.734 (12%)
(2006)
Evolução +2.501.763 (+39%) -63.628 (-48,4%) +2.939.720 (63,3%) -175.998 (-48,6%) +2.763.722 -198.331 (-15,6%)
97/06 (+55,2%)
RJ (1997) 525.794 16.219 (3,1%) 290.318 (55,2%) 28.151 (5,3%) 318.469 (60,5%) 191.106 (36,3%)

RJ (2006) 731.754 12.565 (1,7%) 591.754 (80,9%) 10.397 (1,4%) 602.151 (82,2%) 117.038 (16%)
Evolução +205.960 (+39,1%) -3.654 (-22,5%) +301.436 -17.754 (-63%) +283.682 (+89%) -74.068 (-38,7%)
97/06 (+103,8%)
Fontes: Tabela 1.11 do Censo Escolar de 1997 (Brasil. MEC. INEP, 1998) e Censo Escolar de 2006 do INEP (disponível
em www.inep.gov.br)

Também na educação de jovens e adultos (EJA) o setor privado no Rio de Janeiro tem tido uma
participação maior do que a média nacional. Em 1997 respondia por 19,5% das matrículas em EJA,
enquanto a média nacional era de 13,4%. Essa maior presença privada no Rio se devia principalmente à
pequena participação das redes municipais, que só ofereciam 8,5% das matrículas, enquanto a média
nacional das redes municipais era de 23,7%. A presença privada só não foi maior no RJ porque a rede
estadual respondia por 71,9% das matrículas, percentual superior à média nacional das redes estaduais
(62,7%). Em 2006, o setor privado caiu tanto na média nacional quanto no Rio, se bem que mais na
média nacional (-53,7%) do que no RJ (-26,3%). Mesmo assim, o setor privado continuou maior no Rio
(11,9%) do que na média nacional (3,7%), o que se deve (i) à menor participação municipal (32,5%) no
RJ se comparada à média nacional das prefeituras (43,7%), e (ii) à redução da participação estadual do
Rio na oferta de EJA (-10.798 matrículas, ou -5,8%), contrariando a tendência nacional de aumento de
matrículas estaduais de EJA em termos percentuais (+41,2%) e absolutos (+745.658). Esta redução
estadual no Rio é que explica o menor crescimento das públicas no Rio (+33,2%) na comparação com a
média nacional (+87,8%).
Tabela 4 – Número de matrículas em EJA no Brasil como um todo e no Estado do Rio de Janeiro
em 1997 e 2006, proporção das redes estaduais, municipais e privadas no total nacional e no Rio de
Janeiro, e evolução 97/06 em termos absolutos e percentuais
Total Federal Est. Mun. Est. + Mun. Priv.
Brasil 2.881.770 1.609 1.808.161 683.078 2.491.239 388.922
(1997) (62,7%) (23,7%) (86,4%) (13,4%)
Brasil 4.861.390 1.203 2.553.819 2.126.552 4.680.371 179.816
(2006) (52,5%) (43,7%) (96,2%) (3,7%)
Ev. 97/06 +1.979.620 406 (- +745.658 +1.443.474 +2.189.132 -209.106 (-
(+68,6%) 25,2%) (+41,2%) (+211,3%) (+87,8%) 53,7%)
RJ (1997) 255.609 0 183.830 21.740 (8,5%) 205.570 50.039
(71,9%) (80,4%) (19,5%)
RJ (2006) 310.826 0 173.032 100.945 273.977 36.849
(55,7%) (32,5%) (88,1,%) (11,9%)
Ev.97/06 +55.217 0 -10.798 +79.205 +68.407 -13.190 (-
(+21,6%) (-5,8%) (+364,3%) (+33,2%) 26,3%)
Fontes: Tabela 1.24 do Censo Escolar de 1997 (BRASIL. MEC. INEP, 1998) e Censo Escolar de 2006 do INEP.

Também nas creches e pré-escolas a rede privada no RJ é bem maior do que na média brasileira,
o que se deve à menor presença das redes municipais. Enquanto em 1997 detinha 48% do total das
matrículas em creches, no Brasil respondia por 32,8% do total nacional. Já as matrículas municipais no
RJ respondiam por 49,1%, em 1997, bem menos do que os 62,2% de média municipal nacional. Em
2006, os percentuais modificaram-se pouco. O setor privado no RJ, apesar de ter um aumento
expressivo (+454,5%), continuou detendo uma fatia semelhante à de 1997 (48,3%), enquanto, em
termos nacionais, passou para 35,7%, comparados com os 32,8% de 1997. Os percentuais municipais
no RJ e no Brasil, mesmo tendo crescimento expressivo (+469,1% e +314,9%, respectivamente),
passaram para 51,3% (RJ) e 63% (nacional). É provável que o grande crescimento de matrículas em
creches em 2006 (1.427.942) na comparação com 1997 (348.012) se deva, não ao maior compromisso
dos governos municipais, mas sim à subnotificação delas em 1997, primeiro ano em que passaram a
constar das estatísticas educacionais.
As matrículas na pré-escola revelam semelhanças com a situação das creches. O setor privado
no Estado do Rio (42,7% do total das matrículas) em 1997 era quase o dobro da média brasileira do
setor privado (23%), o que se devia à menor participação (44,8%) das redes municipais fluminenses na
comparação com a média nacional (62,8%) das prefeituras. Em 2006, mesmo com aumento (+29,1%)
das matrículas, o setor privado teve ligeira queda no RJ, passando a 39,4% do total das matrículas,
contra os 42,7% de 1997. Ainda assim, estes 39,4% são bem superiores ao percentual nacional de
25,8% em 2006, que devem ser atribuídos à menor presença das redes municipais, que respondiam por
apenas 57% das matrículas em 2006, bem inferior à média nacional das prefeituras (70,2%). Uma
particularidade da média nacional do setor privado é que, ao contrário do ocorrido no RJ, ela subiu para
25,8% (contra os 23% de 1997), com 45,8% de acréscimo de matrículas, o que talvez possa ser
atribuído à grande redução de matrículas estaduais no Brasil, que perderam 381.461 matrículas (-
62,8%) de 1997 para 2006.
Tabela 5 – Número de matrículas em creches e pré-escolas no Brasil como um todo e no Estado do Rio de Janeiro em 1997 e 2006,
proporção das redes estaduais, municipais e privadas no total nacional e no Rio de Janeiro, e evolução 97/06 em termos absolutos e
percentuais
Creches Pré-escolas
Total Federal Estadual Municipal Privada Total Federal Estadual Municipal Privada
Brasil (1997) 348.012 387 16.349 216.664 114.612 4.292.208 2.025 606.858 2.695.893 987.432
(4,6%) (62,2%) (32,8%) (14,1%) (62,8%) (23%)
Brasil (2006) 1.427.942 933 (0,1%) 17.582 898.945 510.482 5.588.153 1.538 225.397 3.921.291 1.439.927
(1,2%) (63%) (35,7%) (4%) (70,2%) (25,8%)
Evolução 1.079.930 546 1.233 682.281 395.870 1.295.945 -487 -381.461 (- 1.225.398 +452.495
97/06 (+310,3%) (+7,5%) (+314,9%) (+345,4%) (+301,9% 62,8%) (+45,4%) (+ (45,8%)
RJ (1997) 19.769 0 444 (2,2%) 9.828 9.497 269.203 0 33.462 120.719 115.022
(49,7%) (48%) (12,4%) (44,8%) (42,7%)
RJ (2006) 109.056 130 (0,1%) 331 (0,3%) 55.933 52.662 376.837 144 13.165 214.969 148.559
(51,3%) (48,3%) (3,5%) (57%) (39,4%)
Evolução 89.287 130 113 +46.105 43.165 +107.634 144 -20.297 (- +94.250 +33.537
97/06 (+451,6%) (+469,1%) (+454,5%) (+39,9%) 60,6%) (+78%) (+29,1%)
Fontes: Tabelas 1.1 e 1.2 do Censo Escolar de 1997 do INEP (Brasil. MEC. INEP, 1998) e Censo Escolar de 2006 do INEP
(disponível em www.inep.gov.br)

Ao contrário do constatado em outros níveis e modalidades de ensino, na educação especial a


rede privada no RJ tem uma participação menor do que a média nacional (ver tabela a seguir).
Enquanto a média nacional era de 48,3% em 1997, no RJ caía para 36,2%. Porém, em 2006, o avanço
da privatização aumentou estes percentuais para 64,8% (nacional) e 42,2% (RJ). No entanto, as
matrículas na rede privada no RJ aumentaram mais (4.507, ou + 66,9%) do que o conjunto das
estaduais (-572, ou -12,5%) e municipais (+ 4.185, ou + 65,3%) e a média nacional (+ 81.413, ou +
50,3%). Em termos nacionais, o avanço do setor privado se deve, em grande parte, à redução das
estaduais, que perderam 60.866 (-49,2%) matrículas de 1997 para 2006.
Tabela 6 – Número de matrículas em educação especial no Brasil como um todo e no Estado do Rio de Janeiro em
1997 e 2006, proporção das redes estaduais, municipais e privadas no total nacional e no Rio de Janeiro, e evolução
97/06 em termos absolutos e percentuais
Total Fed. Est. Mun. Priv.
Brasil 334.507 1.157 (0,3%) 123.461 (36,9%) 48.164 (14,3%) 161.725 (48,3%)
(1997)
Brasil 375.488 888 (0,2%) 62.595 (16,7%) 68.867 (18,3%) 243.138 (64,8%)
(2006)
Evolução 40.981 (+12,2%) 269 (-23,2%) -60.866 (-49,2%) +20.703 (+42,9%) 81.413 (+50,3%)
97/06
RJ (1997) 18.573 885 (4,7%) 4.548 (24,4%) 6.408 (34,5%) 6.732 (36,2%)
RJ (2006) 26.660 852 (3,2%) 3.976 (14,9%) 10.593 (39,7%) 11.239 (42,2%)
Evolução +8.087 (+43,5%) -33 (-3,7%) -572 (-12,5%) +4.185 (+65,3%) +4.507 (+66,9%)
97/06
Fontes: Tabela 1.16 do Censo Escolar de 1997 (Brasil. MEC. INEP, 1998) e Censo Escolar de 2006 do INEP.
3- Conclusão

Este breve texto mostrou, com base na CF, na LDB e na Constituição Estadual, que, ao
contrário do alegado por autoridades, o ensino fundamental é responsabilidade conjunta do governo
estadual e das prefeituras e também, através da ação redistributiva e supletiva, do governo federal, não
sendo, pois, responsabilidade apenas das prefeituras. Na verdade, com base na maior capacidade
financeira dos Estados, estes deveriam assumir uma responsabilidade maior pelo ensino fundamental,
conforme prevê o inciso II do Art. 10 da LDB. No caso do RJ, o texto mostra, com base na evolução
das matrículas em vários níveis e modalidades da educação básica de 1997 a 2006 no Brasil e no Rio
de Janeiro, que o governo estadual do RJ tem sido muito omisso (sobretudo no ensino fundamental e
médio), assim como as prefeituras fluminenses (sobretudo nas creches, pré-escolas e EJA), fazendo
com que a rede privada no RJ seja a maior do Brasil em termos percentuais, comparada com a média
nacional.

4- Legislação pertinente
4a- Sobre alguns deveres dos Estados e Municípios com o ensino fundamental na CF
Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:
I – ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria.
I – ensino fundamental obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ele não
tiveram acesso na idade própria [alterado pela EC 14, de setembro de 1996]
Art. 211 – § 2º Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e no pré-escolar.
§ 2º - Os Municípios atuarão prioritamente no ensino fundamental e na educação infantil. [alterado pela EC 14]
§ 3º - Os Estados e Distrito Federal atuarão prioritariamente no ensino fundamental e médio. [acrescentado pela EC
14]
Ato das Disposições Constitucionais Transitórias
Art. 60 – Nos dez primeiros anos da promulgação da Constituição, o Poder Público desenvolverá esforços, com a
mobilização de todos os setores organizados da sociedade e com a aplicação de, pelo menos, 50% dos recursos a que se
refere o art. 212 da Constituição, para eliminar o analfabetismo e universalizar o ensino fundamental.
Art. 60 – Nos dez primeiros anos da promulgação desta Emenda, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
destinarão não menos de sessenta por cento dos recursos a que se refere o art. 212 da Constituição Federal à
manutenção e desenvolvimento do ensino fundamental, com o objetivo de assegurar universalização de seu
atendimento e a remuneração condigna do magistério. [Alterado pela EC 14]

4b- Sobre alguns deveres do Estado e dos Municípios com o ensino fundamental na Constituição
Estadual do RJ (1989)
Art. 308 – O dever do Estado e dos Municípios com a educação será efetivado mediante a garantia de:
I- ensino público fundamental, obrigatório e gratuito, com o estabelecimento progressivo do turno único;
II – oferta obrigatória do ensino fundamental e gratuito aos que a ele não tiverem acesso na idade própria [a EJA].
Art. 320 - Proverá o Estado a sua rede de ensino de condições plenas de abrigar tantos quantos busquem matrículas nas
séries de 1º grau, na faixa etária dos sete aos quatorze anos, sendo proibida a sua negativa.

4c- Sobre alguns deveres dos Estados e dos Municípios com o ensino fundamental na LDB
Art. 5º - § 2º - Em todas as esferas administrativas, o Poder Público assegurará em primeiro lugar o acesso ao ensino
obrigatório, nos termos deste artigo, contemplando em seguida os demais níveis e modalidades de ensino, conforme as
prioridades constitucionais e legais.
Art. 10 – Os Estados incumbir-se-ão de:
II – definir, com os Municípios, formas de colaboração na oferta de ensino fundamental, as quais devem assegurar a
distribuição proporcional das responsabilidades, de acordo com a população a ser atendida e os recursos financeiros
disponíveis em cada uma das esferas do Poder Público.
VI – assegurar o ensino fundamental e oferecer, com prioridade, o ensino médio.
Art. 11 – Os Municípios incumbir-se-ão de:
V – oferecer a educação infantil em creches e pré-escolas e, com prioridade, o ensino fundamental, permitida a atuação em
outros níveis de ensino somente quando estiverem atendidas plenamente as necessidades de sua área de competência e com
recursos acima dos percentuais mínimos vinculados pela Constituição Federal à manutenção e desenvolvimento do ensino.

4d- O dever da União com o ensino fundamental na CF


Art. 211 - § 1º - “A União organizará e financiará o sistema federal de ensino e o dos Territórios, e prestará assistência
técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para o desenvolvimento de seus sistemas de ensino e
o atendimento prioritário à escolaridade obrigatória. [o ensino fundamental]”
Art. 211 – 1º - “A União organizará o sistema federal de ensino e dos territórios, financiará as instituições de ensino
públicas federais e exercerá, em matéria educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de
oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados,
ao Distrito Federal e aos Municípios.” [alterado pela EC 14)

4e- O dever da União com o ensino fundamental na LDB


Art 9º - A União incumbir-se-á de:
III – prestar assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para o desenvolvimento de
seus sistemas de ensino e o atendimento prioritário à escolaridade obrigatória, exercendo sua função redistributiva e
supletiva.

http://www.uff.br/feuff/departamentos/docs_politica_mural/artiresponsaEstadosMuncipios.doc

Você também pode gostar