Você está na página 1de 36

REVISTA DE FORMAÇÃO CONTÍNUA EM ENFERMAGEM www.nursingportuguesa.

com Nº283 • setembro 2012 • Ano 24 • € 6,00

ATELECTASIA
ESTUDOS DE CASO
– INTERVENÇÃO
DO ENFERMEIRO
ESPECIALISTA DE
REABILITAÇÃO

CATETERISMO CARDÍACO
INTERVENÇÕES
DE ENFERMAGEM

A PERDA E O LUTO…
UMA CONDIÇÃO
HUMANA?

SUPLEMENTO
Revista indexada
à base de dados
2 I NORMAS DE PUBLICAÇÃO SETEMBRO .12

REVISTA DE FORMAÇÃO CONTÍNUA EM ENFERMAGEM

INSTRUÇÕES AOS AUTORES b) Ilustrações, abreviaturas, símbolos e notas de ro- bem como o processo de obtenção do Termo de Consen-
dapé: as tabelas, quadros e figuras (fotografias, desenhos, timento Informado, dos participantes.
A Revista Nursing Portuguesa recebe submissões de gráficos, etc) devem ser numeradas consecutivamente, e)Tipos de Artigos aceites pela Revista
artigos, de acordo com as seguintes secções: com algarismos árabes, na ordem em que foram citadas - Investigação/Revisões Sistemáticas da Literatura: tra-
- Investigação/Revisões Sistemáticas da Literatura no texto. Para ilustrações extraídas de outros trabalhos, balho de investigação, inédito, e que contribua para o de-
- Revisão, previamente publicados, os autores devem enviar a res- senvolvimento da disciplina Enfermagem, com um limite
- Reflexão/ Relato de Experiência, pectiva autorização. O título e resumo não devem con- de 15 páginas. Este tipo de artigos deve conter, pelo me-
- Espaço do leitor. ter abreviaturas. Devem evitar-se notas de rodapé. nos, Introdução; Objectivos; Revisão da Literatura; Méto-
A Revista Nursing adopta as orientações das Normas de c) Citação de Referências Bibliográficas: As referências do; Resultados; Discussão e Conclusões.
Vancouver. Estas normas estão disponíveis na URL: devem ser numeradas forma consecutiva de acordo com - Artigo de Revisão: Revisão teórica de literatura
http://www.icmje.org/index.html. a ordem em que forem mencionadas pela primeira vez no actual e relevante para o conhecimento em Enferma-
O artigo deve ser elaborado no Editor de Texto MS Word corpo de texto. Identificar as referências no texto por nú- gem. Limite de 10 páginas.
com a seguinte formatação: todas as margens de 2 cm; meros árabes, entre parêntesis e superiores à linha. - Reflexão/Relato de experiência: aceitam-se estudos
fonte Arial ou Times, tamanho 11, com espaçamento en- Quando se trate de citação sequencial os números devem de caso e experiências de estratégias de cuidado inova-
trelinhas de 1,5 pt. separar-se por traço (ex: 1-3) e quando intercalados, por doras, ou eticamente dilemáticas, que possam conduzir
a) Página Inicial: Deverá conter os seguintes dados e na vírgula (ex: 1,3,9). à reflexão sobre a profissão. Limite de 8 páginas.
seguinte ordem: 1) título do artigo (conciso mas informa- • Exemplos de Listagem das Referências - Espaço do leitor: este possibilita comentários de
tivo e em português e inglês); 2) nome do(s) autor(es), in- Livros leitores/recensão crítica, sucinta, sobre os artigos publica-
dicando para cada um deles o(s) título(s) universitário(s), Martin R. La psicología de humor: un enfoque integrador. dos na revista, bem como outro tipo de notas que o leitor
ou cargo(s) ocupado(s), nome do Departamento e Insti- Madrid: Orión Ediciones, S. L.; 2008. deseje fazer chegar ao Editor ou Conselho Científico.
tuição aos quais o trabalho deve ser atribuído, Cidade, Dis- Capítulo de livro f) Descrição dos procedimentos
trito e endereço electrónico; 3) resumo, abstract (português Simons C, McCluskey-Fawcett K, Papini D. Theoretical and Recebido o artigo este é analisado face ao cumpri-
e inglês); 4) descritores nestes dois idiomas. functional perspectives on the development of humor du- mento das normas estabelecidas nas Instruções aos
Resumos e Descritores: o resumo terá que ter, no má- ring infancy childhood, and adolescence In: Mahemow K, Autores, sendo liminarmente rejeitado se estas não
ximo, 120 palavras e quando de investigação deve con- McCluskey-Fawcett K, McGhee P. (Eds). Humor and aging. forem cumpridas. Quando aceite, o artigo passa por
ter: objectivo da investigação, metodologia, procedimen- Orlando: Academic Press; 1986. p. 53-80. um processo de avaliação de dois revisores, que emi-
tos de selecção dos participantes do estudo, principais Artigos de periódicos tem pareceres independentes. Quando existir discor-
resultados e conclusões. Deverão ser destacados os Sudres J. La créativité des adolescents: de banalités en dância dos pareceres, um Membro do Conselho Cien-
novos e mais relevantes aspectos do estudo. Seguida- aménagements. Neuropsychiatr Enfance Adolesc. 2003; tífico, que não esteja envolvido em conflito de interes-
mente ao resumo incluir 3 a 5 descritores. De acordo 51, 49–61. ses, emitirá o parecer definitivo. Se existirem altera-
com a Associação Portuguesa de Documentação e In- A exactidão das referências é de responsabilidade dos ções a efectuar, ao artigo, estas serão enviadas, como
formação em Saúde os artigos publicados na área da autores. sugestão, para os autores. Em caso de co-autoria deve
saúde, deverão adoptar como base de indexação, a lis- Solicita-se que estes consultem as normas de Vancouver ser bem explícita a contribuição de cada autor.
ta de Descritores em Ciências da Saúde - DeCS para a correcta referenciação de todos os tipos de docu- g) Agradecimentos – Podem surgir de acordo com
(http://decs.bvs.br), a qual corresponde à tradução bra- mentos utilizados. Sempre que possível e adequado, o au- o desejo dos autores e centram-se no agradecimento
sileira do Medical Subject Headings (MeSH) disponí- tor deve incluir duas ou mais referências, de publicações a pessoas/entidades que contribuíram, efectivamente,
vel em http://www.nlm.nih.gov/mesh/MBrowser.html e da Nursing Portuguesa, no artigo. para o trabalho em causa, desde que estas tenham
elaborado pela NLM (National Library of Medicine). De- d) Aspectos Éticos dado autorização expressa.
verão, no entanto, salvaguardar as diferenças de termi- Nas pesquisas que envolvem seres humanos os autores (Nota: artigo escrito de acordo com a ortografia antiga da Língua

nologia usada em Portugal e no Brasil. deverão deixar claro a aprovação da Comissão de Ética Portuguesa)

AVISO
Nenhuma das partes desta revista pode ser além do uso legal como breve citação em arti- conta através do tel. 213 584 300 ou do e-mail
utilizada ou reproduzida, no todo ou em parte, gos e críticas) sem autorização prévia por escri- geral@nursingportuguesa.com
por qualquer processo mecânico, fotográfico, to da Informação em Saúde.
electrónico ou de gravação, ou qualquer outra Se desejar reproduzir qualquer dos artigos desta Edições especiais, incluindo capa personalizada
forma copiada, para uso público ou privado, revista, deverá contactar os nossos gestores de estão disponíveis.
SETEMBRO .12 ÍNDICE I 3

06

SETEMBRO 2012
EDIÇÃO Nº283

23 31

04 Editorial 12 Cardiologia 24 Cuidados Paliativos


Cateterismo cardíaco – Intervenções A perda e o luto…
06 Tema de Capa de enfermagem Uma condição humana?
Atelectasia – Estudos de Caso
Intervenção do enfermeiro especialista
19 Saúde Infantil 30 Agenda
de reabilitação
O recém-nascido com sepsis na unidade
de cuidados intensivos neonatais
31 Suplemento
Feridas

REVISTA DE FORMAÇÃO CONTÍNUA EM ENFERMAGEM


Luísa Brito, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra ASSISTENTE DE PUBLICIDADE Registo ICS n. 112 746 • Direitos de autor: Todos os artigos PREÇOS DE ASSINATURAS ANUAIS
FUNDADA EM 1988 - Periodicidade: Mensal
Manuela Néné, Escola Superior de Saúde Nádia Neto - nadianeto@informacaoemsaude.com desenhos e fotografias estão sob a protecção do Código de
DIREÇÃO CIENTÍFICA da Cruz Vermelha Portuguesa Tel. 21 358 43 00
Direitos de Autor e não podem ser total ou parcialmente repro- PORTUGAL
Francisco Vidinha Maria Adelaide Soares Paiva, Escola Superior GESTORA DE PUBLICIDADE
duzidos sem a permissão prévia por escrito da empresa editora Enfermeiros e estudantes € 40,00
direccaocientifica@nursingportuguesa.com de Saúde da Universidade do Algarve Filomena Valente
Maria da Conceição Silva Farinha, Escola Superior Institucional*
DIREÇÃO EDITORIAL DEPARTAMENTO DE ASSINATURAS da revista. A NURSING envidará todos os esforços para que o
de Saúde da Universidade do Algarve €130,00
Aida Borges assinaturas@nursingportuguesa.com material mantenha total fidelidade ao original, pelo que não pode
Maria Filomena de Oliveira Martins, Escola Superior Tel. 21 358 43 02 Fax. 21 358 43 09 Assinatura Digital € 25,00
CORPO DE REVISÃO ser responsabilizada por gralhas ou outros erros gráficos entre-
Andreia Silva, Escola Superior de Saúde de Portalegre de Saúde de Portalegre PROJETO GRÁFICO E PRÉ-IMPRESSÃO Combi (Revista + Digital) € 50,00
Amélia Matos, Hospital de Santa Maria Mário de Oliveira Martins, TED-Tempora Design tanto surgidos. As opiniões expressas em artigos assinados não ESTRANGEIRO
Artur Batuca, INEM Escola Superior de Saúde de Portalegre correspondem necessariamente às opiniões dos editores. Enfermeiros e estudantes €94,00
Carlos Melo-Dias, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra Nuno Salgado, IPO de Coimbra
EDITORA Institucional* €180,00
Cristina Miguéns, Centro de Saúde da Figueira da Foz Paula Sapela, Escola Superior de Saúde Lopes Dias TIRAGEM - 9 000 exemplares
Elaine Pina, Coordenadora da Comissão Nacional Paulo Alves, UCP Porto DEPÓSITO LEGAL - 21 227/88 *Escolas, hospitais, centros de saúde, bibliotecas
de Controlo de Infeção Pedro Lopes Ferreira, Faculdade de Economia
IMPRESSÃO E ACABAMENTOS Estes preços incluem IVA à taxa de 6%. O número no qual se
Emília Costa, Escola Superior de Saúde da Universidade de Coimbra
Finepaper-Atelier de Produção Gráfica, Lda. inicia a assinatura corresponde ao mês seguinte ao da recep-
da Universidade do Algarve Pedro Parreira, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra Rua da Prata, nº208, 3º
Filipa Veludo, ICS – Universidade Católica Portuguesa Raul Cordeiro, Escola Superior de Saúde de Portalegre ção do pedido de assinatura nos nos-
1100-422 Lisboa
Filomena Matos, Escola Superior de Saúde DEPARTAMENTO DE PUBLICIDADE sos serviços.
da Universidade do Algarve ENDEREÇO
DIRETORA COMERCIAL
Helena Arco, Escola Superior de Saúde de Portalegre Andrea Lima Rua Padre Luís Aparício n 11 - 3ºA
Ilda Lourenço, CHCL – Hospital de São José INDEXAÇÃO
DIRETORA DE PUBLICIDADE 1150-248 LISBOA
José Vilelas, Escola Superior de Saúde da Cruz À BASE DE DADOS DA CINAHL
Fátima Lima - fatimalima@informacaoemsaude.com CONTACTOS
Vermelha Portuguesa Tlm. 919 673 470 Telef.: 21 358 43 00 • Fax: 21 358 43 09

PARCERIAS
4 I EDITORIAL SETEMBRO .12

VINCULAÇÃO À PROFISSÃO … PASSADO E PRESENTE

FRANCISCO VIDINHA

Nos últimos anos temos sido convidados cumprir e fazer cumprir os códigos deonto- Os tempos mudam e as cerimónias
pela Ordem dos Enfermeiros, entidade lógicos e morais, no que apelidávamos de organizadas pela Escola enquadram-se
que regula a atividade profissional da “juramento de Florence Nightingale”. agora em eventos maiores, frequente-
Enfermagem em Portugal, a participar na Faz parte do nosso álbum de recorda- mente integrados na “bênção das pas-
cerimónia de vinculação à profissão, ou ções, e que presentemente muitos de tas”, sendo mais uma atividade no ali-
seja, o momento solene, em que os diplo- nós divulgam nas redes sociais, a foto nhamento do programa da semana aca-
mados com um curso de enfermagem de grupo, as fotos com os professores e démica de cada Instituição de Ensino
são apresentados à comunidade como colegas a que atribuíamos mais significa- Superior ou academia duma cidade.
possuindo as competências para exercer do no nosso percurso académico, já que Sinais dos novos tempos… talvez…
a profissão de enfermeiro, pelo que lhes tal evento era promovido pela Escola, mas penso que tal como eu, muitos
é entregue a sua cédula profissional. que com orgulho apelidamos de nossa. dos enfermeiros irão sempre recordar
Este acontecimento ativa memórias e Assim como a Ordem dos Enfermeiros, mais as cerimónias “mais privadas” do
recordações transportando-me, eventual- também as Escolas estão em processo que as megaproduções… embora
mente com alguma nostalgia, até ao de receção aos caloiros… o que difere possa enquadrar todas nos rituais de
momento em que, solenemente, jurávamos, são as atividades, já que os “rituais” passagem próprios de cada etapa
em cerimónia frequentemente religiosa, parecem-me semelhantes! do ciclo de vida.
6 I TEMA DE CAPA SETEMBRO .12

ATELECTASIA - ESTUDOS DE CASO


INTERVENÇÃO DO ENFERMEIRO
ESPECIALISTA DE REABILITAÇÃO
ATELECTASIS – CASE STUDY
Intervention by the nurse specialist rehabilitation
CRISTINA ALEXANDRA FERNANDES RODRIGUES
Enfermeira Especialista de Reabilitação, no Serviço de Neurocirurgia do Hospital Garcia de Orta, em Almada

ESTELA MARIA GUERREIRO VARANDA


Enfermeira Especialista de Reabilitação, no Serviço de Neurocirurgia do Hospital Garcia de Orta, em Almada

ABÍLIO JOSÉ ALMEIDA DA COSTA


Enfermeiro Especialista de Reabilitação, no Serviço de Neurocirurgia do Hospital Garcia de Orta, em Almada

Recebido para publicação: Abril de 2011


Aprovado para publicação: Maio de 2011

RESUMO played by a rehabilitation specialist nurse in addressing atelectasis, con-


A atelectasia é uma complicação respiratória frequente no doente em ducted in the Intensive Care Unit of the Neurosurgery Unit in Garcia da
cuidados intensivos que pode desencadear uma insuficiência respirató- Orta Hospital.
ria grave. Requer tratamento atempado no qual é fundamental a cinesite- A total of three cases of atelectasis patients were chosen to the present
rapia respiratória. study. The method followed was first, the evaluation of each patient, secon-
Este trabalho teve como objetivo principal comprovar a eficácia da interven- dly, the intervention of the rehabilitation specialist nurse and finally the
ção do Enfermeiro Especialista de Reabilitação no tratamento das atelecta- results obtained from the available data. The cases under analysis were eva-
sias, na UCI do Serviço de Neurocirurgia do Hospital Garcia de Orta. luated clinically by chest x-rays and lungs auscultation.
Neste estudo selecionámos três casos de doentes com atelectasia. A meto- The results as well as the conclusion have clearly shown the key role played
dologia seguida passou pela avaliação de cada doente, seguida das inter- by the rehabilitation specialist nurse in the treatment of atelectasis.
venções do Enfermeiro Especialista de Reabilitação. Finalmente apresenta-
mos os resultados obtidos. Nestes verificou-se a resolução imediata da ate- Keywords: Pulmonary Atelectasis; Respiratory Kinesiotherapy; Rehabilitation
lectasia, comprovada pelo RX tórax e auscultação pulmonar. Nursing.
Conclui-se que o Enfermeiro Especialista de Reabilitação tem um papel
relevante no tratamento das atelectasias. INTRODUÇÃO
Na nossa prática diária, como Enfermeiros Especialistas de Reabilitação,
Palavras-chave: Atelectasia Pulmonar; Cinesiterapia Respiratória; Enfermagem verificámos empiricamente que a nossa intervenção, junto dos doentes
Reabilitação. com atelectasia, era uma importante mais valia no tratamento desta compli-
cação respiratória. Resolvemos por isso comprovar a eficácia da nossa
ABSTRACT atuação através de estudos de caso.
Atelectasis is frequently described as a common breathing complication in Começaremos por uma breve revisão teórica sobre as causas, avaliação/
intensive care patients, which may further develop in an acute respiratory fai- diagnóstico e prevenção/tratamento das atelectasias. De seguida apresen-
lure. It requires an immediate, accurate diagnosis and prompt treatment in tamos 3 casos com avaliação, intervenções e resultados que demonstram,
which respiratory kinesiotherapy plays a decisive role. inequivocamente, a eficácia das intervenções do Enfermeiro Especialista
This aim of the present study was to assess the efficiency and key role de Reabilitação.

Revista Nursing; Edição setembro 2012; pág. 6


SETEMBRO .12 TEMA DE CAPA I 7

Os objectivos pretendidos com este estudo são:


• Dar a conhecer o papel do Enfermeiro Especialista de Reabilitação no tra-
tamento das atelectasias.
• Demonstrar resultados da intervenção do Enfermeiro Especialista de
Reabilitação, no tratamento das atelectasias.
• Demonstrar vantagens para o doente e instituição.

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
Antes da apresentação dos casos, faremos uma pequena revisão bibliográ-
fica sobre as atelectasias, abordando a sua classificação e etiologia, avalia-
ção e diagnóstico, assim como a sua prevenção e tratamento.

DEFINIÇÃO

Foto: Andrei Malov I Dreamstime


As atelectasias pulmonares surgem como consequência do colapso dos
alvéolos, por ausência ou deficiente ventilação destes. Podem atingir exten-
sões variáveis, desde um segmento ou lobo pulmonar até todo um pulmão.
Ocorrem quando o volume residual decai para níveis que não permitem a
manutenção da distensão alveolar.

CLASSIFICAÇÃO E ETIOLOGIA A atelectasia é uma complicação respiratória frequente no doente em cuidados


As atelectasias, consoante o mecanismo que as origina, podem classificar-se intensivos que pode desencadear uma insuficiência respiratória grave. Requer
em (Quadro I): tratamento atempado no qual é fundamental a cinesiterapia respiratória.

Quadro 1 – Tipos e Causas de Atelectasia muco bloqueia parcial ou completamente a entrada de ar. As doenças que se
caracterizam pela produção de muco, tais como a fibrose quística, DPCO,
Tipos Causas
bronquiectasias, pneumonia, estão relacionadas com o aparecimento
Atelectasias de Obstrução
Secreções deste tipo de atelectasias.
Absorção das vias aéreas Corpo estranho
No entanto a obstrução das vias aéreas também poderá estar relacionada com
Tumor
Cirurgia/Anestesia
outros fatores como a aspiração de corpo estranho e tumor das vias aéreas.
Padrão
respiratório Dor Um padrão respiratório ineficaz é outra das causas, pois provoca uma
ineficaz
Imobilidade diminuição do volume pulmonar. Poderá ocorrer em situações de cirurgias
Paralisia dos músculos respiratórios com anestesia, dor, imobilidade, paralisia dos músculos respiratórios
Administração de altas concentrações de oxigénio
Iatrogénicas (LVM; doenças neurológicas). A anestesia geral reduz a distensibilidade
Tubo endotraqueal inadequadamente introduzido
pulmonar e da parede torácica, interfere com a ação diafragmática normal
Aspiração de secreções demasiado prolongada
Pneumotórax, derrame pleural, perturbações da parede torácica, obesi- e redução da capacidade residual funcional. A posição que os doentes
Atelectasias de com-
pressão dade, distensão abdominal. são colocados durante a cirurgia, nomeadamente em decúbito dorsal,
Atelectasias por defi-
Doença da Membrana Hialina, pneumonia, edema pulmonar, Síndrome diminui cerca de 30% a capacidade residual funcional, assim com a
de Dificuldade Respiratória do Adulto (SDRA).
ciência de surfactante mudança da posição de pé para a posição de deitado, a insuflação pulmo-
nar diminui. A presença de dor impede que o doente suspire normalmen-
te, e apresente hipoventilação, bem como o efeito secundário de alguns
1 - Atelectasias de absorção fármacos (sedativos, hipnóticos, tranquilizantes). A Imobilidade de doen-
2 - Atelectasias de compressão tes acamados também interfere com a expansão pulmonar normal. A insu-
3 - Atelectasias por deficiência de surfactante flação pulmonar é facilitada com a posição de semi-Fowler, e alternância
de decúbito lateral direito e esquerdo.
1 - Atelectasias de absorção Na origem de uma atelectasia de absorção pode estar também a adminis-
A atelectasia de absorção surge quando há impedimento, total ou parcial, da tração de altas concentrações de oxigénio. Nesta situação, o azoto,
entrada de ar renovado aos alvéolos. O ar existente é reabsorvido ocorrendo que contribui para manter os alvéolos permanentemente distendidos, des-
colapso alveolar. vanece-se, tanto mais quanto maior for a concentração de oxigénio. Por
A causa mais comum é a obstrução das vias aéreas provocada pela acu- isso não é recomendada a administração de oxigénio com um FiO2 supe-
mulação anormal de secreções. As atelectasias desenvolvem-se porque o rior a 40% - 50%.

Revista Nursing; Edição setembro 2012; pág. 7


8 I TEMA DE CAPA SETEMBRO .12

De referir ainda que causas iatrogénicas, como um tubo endotraqueal ina- A humidificação das vias aéreas permite uma melhor mobilização das
dequadamente introduzido ou aspiração de secreções demasiado prolon- secreções. Pode ser feita com reforço hídrico e nebulizações com soro
gada, podem também ser causa de uma atelectasia de absorção. fisiológico. Estas são particularmente eficazes cerca de 15 minutos antes
2 - Atelectasias de compressão da cinesiterapia. No doente ventilado a nebulização é feita através da adap-
A atelectasia de compressão surge quando há compressão do tecido pul- tação de copo humidificador com soro fisiológico no circuito inspiratório.
monar, que pode impedir a entrada de ar nos alvéolos. A diminuição das for- As intervenções médicas, podem coadjuvar no tratamento da atelectasia
ças de distensão que interferem com as forças normais de insuflação pul- com broncodilatadores/mucolíticos, oxigenoterapia se hipoxémia, bron-
monar podem ocorrer em situações de pneumotoráx, derrame pleural, cofibroscopia, para limpeza das vias aéreas obstruídas e Ventilação
perturbações da parede torácica, obesidade, distensão abdominal, Mecânica, se ocorrer insuficiência respiratória.
com compromisso do funcionamento normal do diafragma e formação de A Cinesiterapia Respiratória é, no entanto, o tratamento fundamental das
bolhas de enfisema. atelectasias. Tal como irá ser referido nos exemplos por nós apresentados,
3 - Atelectasias por ausência de surfactante (ARDS). os Enfermeiros Especialistas de Reabilitação tiveram um papel fundamen-
As atelectasias por deficiência de surfactante surgem por aumento da ten- tal na resolução imediata da atelectasia.
são superficial dos alvéolos, o que promove o colapso alveolar e produz ate- A cinesiterapia respiratória é referida como a terapêutica pelo movimen-
lectasias difusas. As causas mais comuns são Doença da Membrana to aplicada ao aparelho respiratório. Inclui técnicas como a drenagem
Hialina, pneumonia, edema pulmonar e Síndrome de Dificuldade postural, percussões, vibrações e compressões torácicas. Podem ser
Respiratória do Adulto (SDRA) usadas isoladamente ou associadas, de forma a mobilizar as secreções e
também conjuntamente com exercícios respiratórios, técnica da tosse
AVALIAÇÃO E DIAGNÓSTICO e/ou aspiração de secreções.
As manifestações clínicas, resultantes da atelectasia, dependem também A drenagem postural é utilizada para drenar as secreções, provenientes
do compromisso respiratório subjacente, da extensão da atelectasia e da dos diversos segmentos pulmonares. A gravidade é o princípio usado
rapidez com que se instalou. para facilitar a mobilização e eliminação das secreções, consoante o local
À observação do doente, atelectasias mais extensas podem produzir um a drenar. São usadas doze posições para drenar os vários lobos e seg-
desvio da traqueia para o lado afetado, como também diminuição da mentos broncopulmonares. Nas posições que exigem que a cabeça fique
expansão torácica desse lado. Na auscultação pulmonar pode-se verifi- a nível inferior de tronco e o doente não tolere ou quando há risco de
car diminuição ou ausência do murmúrio vesicular na zona atelectasia- hipertensão intracraneana, utiliza-se a drenagem postural modificada, a
da. No entanto, na periferia, podem ser auscultadas crepitações. Os valo- qual foi utilizada nos nossos casos.
res da gasimetria arterial podem evidenciar hipoxémia. Mas a confirma- A percussão torácica é realizada com as mãos em concha, por meio de
ção do diagnóstico é realizada com a Radiografia de Tórax. Nesta poderá pancadas rítmicas na região pretendida do toráx. Ajuda a desprender as
ser visível a opacificação da zona; deslocamento das fissuras lombares; secreções que estão aderentes às paredes dos brônquios. Não deve ser
elevação do diafragma do lado afetado e apagamento dos contornos de realizada sobre o esterno, vértebras, ou áreas dolorosas e está contra-indi-
referência, como o cardíaco, e retração dos arcos costais. cada em pessoas com patologia cardíaca, osteoporose ou derrame pleural.
A vibração torácica é realizada sobre a parede do toráx na fase expirató-
PREVENÇÃO E TRATAMENTO ria. Facilita a progressão das secreções através da árvore brônquica. As
Um dos aspetos importantes na prevenção e tratamento da atelectasia con- mãos assentam abertas sobre a região do toráx que vai ser drenada, tendo
siste no ensino ao doente - quando este tem capacidades para tal - de exer- os braços estendidos. As vibrações são realizadas alternando a tensão e
cícios respiratórios com inspirações profundas, mantidas durante 3 ou contração dos músculos dos braços e ombros, durante toda a expiração.
mais segundos, podendo também utilizar-se a espirometria incentivadora Estimular a tosse ou incentivar o doente a tossir a seguir às vibrações, ou
ou o IPPB (Intermittent Positive-Pressure Breathing). A inspiração profunda aspirar se necessário.
é mais eficaz na posição de Fowler, pois a gravidade ajuda a empurrar o dia- As percussões e vibrações são frequentemente associadas à drenagem
fragma e o abdómen para baixo. postural de forma a facilitar que as secreções se dirijam para as vias aéreas
No doente com entubação endotraqueal, podem realizar-se insuflações superiores e serem expelidas pela tosse ou aspiradas.
com ressuscitador manual, de forma a aumentar a expansão pulmonar. A A cinesiterapia respiratória não deverá ser feita imediatamente após as
aspiração de secreções nos doentes ventilados deve ser efetuada por perío- refeições, pelo risco de aspiração de vómito.
dos breves, para evitar colapso alveolar, e se possível em circuito fechado.
A alternância de decúbito frequente favorece a expansão alternada de APRESENTAÇÃO DE CASOS
cada um dos hemitóraxes e favorece a drenagem das secreções. O levan- A metodologia seguida na apresentação dos três casos foi a seguinte:
te precoce é essencial para a mudança de padrão respiratório, com aumen- 1 - Avaliação dos doentes
to da frequência e profundidade das inspirações. No doente já com atelec- 2 - Intervenções de Enfermagem de Reabilitação
tasia privilegiar o posicionamento para o lado oposto ao da atelectasia. 3 - Reavaliação/Resultados

Revista Nursing; Edição setembro 2012; pág. 8


SETEMBRO .12 TEMA DE CAPA I 9

1 - AVALIAÇÃO DOS DOENTES

ESTUDO DE CASO 1 horário


PÓS-LABORAL
MHSMF, do sexo feminino, 75 anos. Cefaleia súbita, com perda de
conhecimento. Realizou Angio TAC-CE a 18/12/2010 que revelou
Aneurisma da carótida interna esquerda. Antecedentes pessoais de
DPOC. Submetida a embolização de aneurisma a 21/12/2010.
Situação a 31/12/2010: Doente com score de Glasgow de 6 (seda-
da com midazolan em perfusão), ventilada em BIPAP, frequência respi-
ratória de 25, Fio2 70%, Peep 5.
Auscultação Pulmonar – Diminuição do murmúrio vesicular à esquerda;
roncos à direita. Secreções brônquicas - Em grande quantidade espessas.
Períodos de dessaturação - 9:00h Saturação de O2 de 87%
conhecimentos para a vida
R.X Tórax a 31/12/2010 às 0:52h - revela atelectasia pulmonar à
esquerda. (Figura 1)
PÓS-GRADUAÇÕES NA ÁREA DE
ENFERMAGEM

ANESTESIOLOGIA E CONTROLO DA DOR

URGÊNCIA E EMERGÊNCIA HOSPITALAR

SAÚDE DA MULHER E DA CRIANÇA


Figura 1 – (Caso 1) Rx Tórax dia 31/12/2010 ás 00:52h. Antes da cinesiterapia
respiratória.
URGÊNCIA E EMERGÊNCIA:
ESTUDO DE CASO 2 NEONATAL E PEDIÁTRICA
JMDG, do sexo masculino, 86 anos. Queda no domicílio a 11/10/2010, com
TCE sem perda de conhecimento e TVM cervical. RMN a 14/11/2010, reve-
CUIDADOS INTENSIVOS
lou fratura do corpo e base de C2, sub-luxação C1-C2. Diagnosticada pneu-
monia bilateral e entubado orotraquealmente a 23/10/2010, com necessida- PARA ENFERMEIROS
de de suporte ventilatório. Realizada traqueostomia a 5/11/2010. Derrame
pleural bilateral drenado a 04/12/2010. Iniciou períodos de desconexão do BLOCO OPERATÓRIO

GESTÃO E LIDERANÇA
EM SERVIÇOS DE SAÚDE

EMERGÊNCIA E REABILITAÇÃO DO AVC

ENFERMAGEM FORENSE

todos os cursos de Pós-Graduação têm a duração de 1 ano

Figura 3 - (Caso 2) RX Tórax, dia 10/12/2010 às 00:13h. Antes da cinesiterapia


Fábrica da Pólvora de Barcarena
respiratória.
2730-036 Barcarena, Oeiras
Tel. 21 439 82 44
Fax 21 430 25 73
pos-graduacoes@uatlantica.pt www.uatlantica.pt
Revista Nursing; Edição setembro 2012; pág. 9
10 I TEMA DE CAPA SETEMBRO .12

ventilador (Aerox), após as sessões de cinesiterapia e levante para cadeirão. • Posicionamento final em decúbito lateral direito.
Situação a 10/12/2010: • Orientação dos colegas para favorecerem os decúbitos semi-dorsal e
Doente com score de Glasgow 14. Em respiração espontânea mas super- lateral direito e para realizarem insuflações regulares e fluidificação de
ficial, com aporte de O2 a 10l/min. secreções na aspiração.
Auscultação Pulmonar – Diminuição do murmúrio vesicular à esquerda.
Secreções brônquicas - Em moderada quantidade, espessas. 3 - RESULTADOS/REAVALIAÇÃO APÓS CINESITERAPIA
R.X Tórax a 10/12/2010 às 0:13h - Apresenta opacificação de todo o CASO 1
campo pulmonar à esquerda, sugestivo de atelectasia pulmonar. (Figura 3) Libertação de secreções em grande quantidade, espessas, amareladas
e com rolhões. Auscultação Pulmonar - murmúrio vesicular normal em
ESTUDO DE CASO 3 ambos os hemitoráx.
AMSCP, do sexo feminino, 65 anos. Recorreu ao Serviço de Urgência de Melhoria da Saturação de O2 de 87% para 95%.
Setúbal por alteração do estado de consciência e foi transferida para HGO em Gasimetria arterial – discreta hipercápnia e hipoxémia (DPCO)
17/01/11. TAC-CE a 17/01/2011, revela Hematoma Temporal Direito com efeito R.X tórax dia 31/12/2010 às 15:06h, após cinesiterapia, apresenta franca
de massa e desvio da linha média e Hemorragia Subaracnoideia. Craniotomia melhoria. (Figura 2)
a 18/01/2011 para drenagem de hematoma e clipagem de aneurisma.
Situação a 19/01/2011:
Doente com score de Glasgow 6 (sedada), Ventilada em SIMV, Fr. 10;
FiO2 50%, PA 15.
Secreções brônquicas – Acastanhadas, espessas e quantidade abundante.
Auscultação Pulmonar – Diminuição do murmúrio vesicular na base do
hemitórax esquerdo. (Figura 5)

Figura 2 – ( Caso 1) Rx Tórax dia 31/12/2010 às 15:06h. Após cinesiterapia respiratória

CASO 2
Libertação de secreções em moderada quantidade, esbranquiçadas e
espessas.
Figura 5 – (Caso 3) RX Tórax, dia 19/01/2011 às 11.50h. Antes da cinesiterapia Auscultação Pulmonar - murmúrio vesicular normal em ambos os hemitoráx.
respiratória Saturação de O2 - 100 %.
R.X tórax dia 10/12/2010 às 17:07h, após cinesiterapia, apresenta franca
2 - INTERVENÇÕES DE ENFERMAGEM DE REABILITAÇÃO melhoria. (Figura 4)
- CINESITERAPIA RESPIRATÓRIA
Estas intervenções foram efetuadas no turno da Manhã, após observação
das radiografias de tórax, realizadas frequentemente no turno da noite.
• Inaloterapia com soro fisiológico, antes da Cinesiterapia Respiratória
Caso 1 - com copo acessório do ventilador, visto o doente estar ventilado.
Caso 2 - com nebulizador ultrasónico.
• Drenagem postural bilateral modificada associada a vibrações, per-
cussões e compressões torácicas com maior incidência no hemitoráx
esquerdo.
• Insuflações com prévia fluidificação das secreções com soro fisiológico, em
drenagem postural esquerda. Associação com compressões e vibrações no final
da insuflação.
• Aspiração de secreções, associada a compressões e vibrações.
• Abertura costal esquerda em sincronia com os ciclos inspiratório e expi- Figura 4 – (Caso 2) RX Tórax, dia 10/12/2010 às 17:07h. Após cinesiterapia
ratório do ventilador, no caso 1 e 3 e do doente no caso 2. respiratória

Revista Nursing; Edição setembro 2012; pág. 10


SETEMBRO .12 TEMA DE CAPA I 11

e orientação da equipa. É de referir que as intervenções foram semelhantes


dado que os três casos apresentavam atelectasia à esquerda.
Demonstrámos a eficácia das nossas intervenções com a resolução ime-
diata da atelectasia, cujo comprovativo é evidente através da compara-
ção da auscultação pulmonar e do RX tórax, antes e após cinesiterapia
respiratória. Os resultados foram semelhantes, com a respetiva expansão
pulmonar à esquerda, como ficou comprovado, excepto no caso 3, que
apareceu nova atelectasia apical direita, sendo também tratada, com
intervenções dirigidas para essa nova situação.
Nestes 3 casos é de referir que se evitaram técnicas invasivas, como bron-
cofibroscopias, com riscos associados, desconforto para o doente e altos
custos para a instituição.
Figura 6 – (Caso 3) RX Tórax, dia 19/01/2011 às 19:24h. Após cinesiterapia Estes casos alertam-nos para a necessidade da prevenção e tratamento
respiratória continuados destas situações de risco.

CASO 3
Libertação de secreções em grande quantidade, espessas e amareladas. Bibliografia
Auscultação Pulmonar - Murmúrio vesicular normal em ambos os hemi-
tórax. 1. Couto A, Ferreira R. O Diagnóstico Funcional Respiratório na
Saturação O2 - 100 %. Prática Clínica. Lisboa: Serviço de educação, Fundação Calouste
R.X tórax dia 19/01/2010 às 19:24 após cinesiterapia, apresenta melhoria Gulbenkian; 1992.
à esquerda. Atelectasia apical à direita. (Figura 6) Perante esta nova ate- 2. Duggan MMB, Kavanagh BP. Pulmonary Atelectasis, Anesthesiology.
lectasia, foi repetida a cinesiterapia respiratória, dirigida especialmente ao 2005; 102,838–54
ápice direito. Tendo a situação revertido: 3. Esmond G. Enfermagem das Doenças Respiratórias. Loures:
Auscultação Pulmonar - murmúrio vesicular normal em ambos os hemitoráx. Lusociência; 2005.
R.X tórax dia 21/01/2011 às 00h. 09h. - melhoria apical direita (Figura 7) 4. Gomes MJ. Sotto MR. Tratado de Pneumologia. 1 ed. Lisboa: Sociedade
Portuguesa de Pneumologia; 2003
5. Hedenstierna G, Edmark L. Mechanisms of atelectasis in the periopera-
tive period, Best Practice&ResearchClinicalAnaesthesiology. 2010; 24,
157 -169
6. Heitor MC. Canteiro MC. Reeducação Funcional Respiratória. 2 ed.
Lisboa: Boehringer Ingelheim; 1998.
7. Heitor MC. Sousa M. Reabilitação Respiratória, In Freitas Costa (Ed.)
Pneumologia na Prática Clínica. 2 ed. Lisboa; 1997.
8. Hoeman SP. Enfermagem de Reabilitação: Aplicação e Processo. 2 ed.
Loures: Lusociência; 2000.
8. Peroni D G, Boner A L. Atelectasis: Mechanisms, Diagnosis And
Management, Paediatric Respiratory Reviews. 2000; 1, 274–278
Figura 7 – (Caso 3) Rx Tórax dia 21/01/2011 às 00:09h. Após cinesiterapia respiratória 9. Rama-Maceiras P. Peri-Operative Atelectasis and Alveolar Recruitment
Manoeuvres, Archivos de Bronconeumologia. 2010; 46(6), 317-324
CONCLUSÕES 10. Saraiva C, Magalhães J, Sousa M. Respirar uma Energia Vital. Lisboa:
No final deste estudo consideramos ter atingido os objetivos a que nos Escola Superior de Enfermagem Calouste Gulbenkian; 2007
propusemos. 11. Thelan LA, Davie JK, et al. Enfermagem em Cuidados Intensivos -
Demos a conhecer o papel relevante do Enfermeiro Especialista de Diagnóstico e Intervenção. Lusodidacta; 1993
Reabilitação no tratamento das atelectasias, nomeadamente na avaliação 12. Radiografias de Toráx [Imagens]. Almada. Hospital Garcia de Orta
do doente, intervenções específicas/cinesiterapia respiratória; reavaliação EPE; 2010

Revista Nursing; Edição setembro 2012; pág. 11


12 I CARDIOLOGIA SETEMBRO .12

CATETERISMO CARDÍACO
– INTERVENÇÕES DE ENFERMAGEM
CARDIAC CATHETERIZATION - NURSING INTERVENTIONS
RICARDO SANTOS VERA SANTOS
Enfermeiro no serviço de Especialidades Médicas do Centro Hospitalar Enfermeira no serviço de gastrenterologia do Centro Hospitalar Cova da
Cova da Beira, EPE. Beira, EPE.

Recebido para publicação: Maio de 2011


Aprovado para publicação: Junho de 2011

RESUMO manece como um procedimento eficaz para avaliação e diagnóstico da doença


O cateterismo cardíaco é um procedimento invasivo utilizado para avaliação, diag- coronária. Além dos riscos do procedimento em si, o utente entra em contacto
nóstico e controle de pacientes com doença cardíaca. Realizado no Laboratório com novas situações, movimentos, sons e experiências que podem ser ameaça-
de hemodinâmica em utentes em ambulatório ou internados, tem como indicação dores durante o tempo na unidade de hemodinâmica1. Nesse sentido, as inter-
confirmar ou definir a extensão da cardiopatia, determinar a gravidade da doença, venções de enfermagem dirigidas ao utente submetido ao cateterismo cardíaco
bem como analisar a presença ou ausência de condições relacionadas1. são indispensáveis para o estabelecimento de condições seguras, além da pro-
O enfermeiro inserido na equipa multidisciplinar tem um papel fundamental neste moção e adaptação à nova condição de vida destes utentes e seus cuidadores.
tipo de doentes, tanto a nível dos cuidados imediatos, como no internamento nos Este artigo tem como objetivo geral conhecer a importância do cateterismo cardía-
cuidados intensivos e mais tarde na preparação para a alta. O apoio, psicológi- co como meio complementar de diagnóstico e respetivos cuidados de enfermagem.
co, formas de alívio da dor, alterações do sono e repouso, e o ensino para alta, O artigo está organizado em duas partes fundamentais. A primeira parte é consti-
devem ser de essencial importância para atenuar a ansiedade e a dor ao doen- tuída pela fundamentação teórica, onde abordamos as artérias coronárias e aces-
te e suas famílias, para encararem a nova situação de uma forma mais optimista. sos vasculares. A segunda parte é constituída pelo exame cateterismo cardíaco,
razões para sua realização, cuidados de enfermagem pré, durante e pós exame.
Palavras-chave: Caterismo cardíaco; Intervenções de enfermagem; Finalizamos com a conclusão na qual fazemos referência a algumas sugestões.
Doença cardíaca; Cuidados intensivos. Esperamos que este artigo possa vir a contribuir para uma melhor compreen-
são da problemática do cateterismo cardíaco e seus cuidados de enfermagem,
ABSTRACT concedendo deste modo um suporte teórico a todos aqueles que, de forma
Cardiac catheterization is an invasive procedure used for evaluation, diagnosis direta ou indireta, têm um papel ativo sobre este exame tão importante, onde,
and management of patients with heart disease. Held at Catheterization labo- uma vez mais, o enfermeiro tem um papel determinante.
ratory in users of ambulatory or hospitalized, is indication confirm or define the
extent of heart disease, determine the disease severity, as well as assess the ARTÉRIAS CORONÁRIAS
presence or absence of conditions Related 1. A circulação coronária compreende todos os vasos que suprem as estrutu-
The nurse inserted the multidisciplinary team has a key role in such patients, both ras cardíacas com sangue oxigenado (artérias coronárias) e que devolvem
at the level of immediate care, as in hospitalization in intensive care and later in o sangue à circulação sistémica (veias coronárias)2.
preparation for discharge. The support, psychological forms of pain relief, sleep
and rest, and for high school, must be essential to alleviate the anxiety and pain
to patients and their families to face the new situation in a way more optimistic.

Keywords: Cardiac catheterization; Nursing interventions; Heart disease;


Intensive care.

INTRODUÇÃO
Embora as técnicas não invasivas (eletrocardiograma, ecocardiografia, prova de Figura 1 – Artéria coronária direita Figura 2 – Artéria descendente anterior
esforço cardíaco) representem um papel importante, o cateterismo cardíaco per- Fonte: Gurgel, (2005). Fonte: Gurgel, (2005).

Revista Nursing; Edição setembro 2012; pág. 12


SETEMBRO .12 CARDIOLOGIA I 13

Existem duas artérias coronárias principais: • Braquial - é o acesso menos utilizado, mais utilizado em PTCA (angioplas-
• Artéria Coronária Direita (ACD). tia transluminal percutânea), tendo indicações restritas a procedimentos
• Artéria Coronária Esquerda (ACE). onde o utente apresenta doenças aorto ilíacas.
A ACD irriga a aurícula e ventrículo direitos, sendo também responsável • Femoral - é o acesso vascular mais utilizado. Utiliza um introdutor (bainha)
pela irrigação dos nódulos sinoauricular (SA) e auriculoventricular (AV) e que pode variar o seu calibre, permitindo assim a utilização e troca de cate-
uma parte do septo. teres guia durante o procedimento.
Fornece sangue para: • Radial - é a mais recente técnica e ainda pouco difundida no nosso meio.
• Parede inferior do ventrículo esquerdo;
• Parede anterior do ventrículo direito; CATETERISMO CARDÍACO
• Átrio direito; É um meio auxiliar de diagnóstico invasivo, extremamente valioso para a
• Parte posterior do septo; obtenção de informações detalhadas acerca da estrutura e função das
• Nodulos sinoatrial e atrioventricular. cavidades, válvulas cardíacas e dos grandes vasos.
A ACE divide-se em duas ramificações: A cateterização cardíaca poderá incluir estudos do lado direito e do lado
• Artéria Anterior Esquerda Descendente (AED); esquerdo do coração e das artérias coronárias.
• Artéria Coronária Circunflexa (ACC).
A AED abastece o miocárdio ventricular esquerdo, o septo, o músculo INDICAÇÕES
papilar anterior e partes do ventrículo direito. Além disso, abastece geral- Assim, nos grandes centros mundiais de Cardiologia, foi ganhando progres-
mente o vértice anterior, como também uma parte do vértice posterior. sivo relevo o cateterismo terapêutico, que se tornou a indicação principal do
Fornece sangue para: exame hemodinâmico, continuando o cateterismo de diagnóstico a ser fun-
• 2/3 anteriores do ventrículo esquerdo. damental para o estudo minucioso de certas cardiopatias e, em particular,
• Parte anterior do ventrículo direito. para o estudo dos grandes vasos e cálculos hemodinâmicos precisos1.
• Ápice e septo interventricular, incluindo o feixe de HIS. Para o mesmo autor, o cateterismo de diagnóstico está indicado sempre que
A ACC e as suas ramificações abastecem a maior parte da aurícula esquer- não seja possível esclarecer completamente a cardiopatia por meios não inva-
da, a parede lateral do ventrículo esquerdo e parte da parede posterior do sivos e que esse esclarecimento seja relevante para o tratamento da doença.
ventrículo esquerdo. Perante uma malformação congénita é fundamental o estabelecimento da
Fornece sangue para: anatomia da lesão, da fisiologia cardíaca particular e do padrão de fluxos
• Paredes lateral e posterior do ventrículo esquerdo. sanguíneos dentro do coração e nos grandes vasos. Embora a anatomia e
• Átrio esquerdo. os fluxos intra-cardíacos sejam perfeitamente identificados com a ecocar-
• Nodulo sinoatrial (SA). Os seus ramos são chamados de ramos marginais diografia complementada pelo estudo de Doppler, a avaliação correta das
obtusos. pressões intra-cardíacas, o estudo dos débitos e resistências vasculares e
os fluxos nos grandes vasos só são possíveis através do cateterismo car-
díaco complementado pela angiocardiografia. O cateterismo terapêutico
está indicado sempre que exista uma lesão com indicação para tratamento
e que esse tratamento seja possível e eficaz por via percutânea com meno-
res riscos que através de cirurgia cardíaca3.
Apesar do exame físico, do eletrocardiograma, da prova de esforço e do eco-
cardiograma fornecerem consideráveis informações sobre a função cardíaca,
o cateterismo cardíaco reveste-se, ainda assim, de fundamental importância
para a visualização das artérias coronárias e para a determinação com exati-
Figura 3 – Artéria coronária circunflexa Figura 4 - Sistema cardiovascular dão do grau de obstrução nestes vasos.
Fonte: Gurgel, (2005). Fonte: Gurgel, (2005) De entre as diversas indicações para a execução de uma cateterização car-
díaca, destacam-se as seguintes3:
ACESSO VASCULAR • Confirmação da presença da doença cardíaca de que se suspeita, incluin-
O acesso ao sistema vascular faz-se habitualmente por via percutânea, do doença cardíaca congénita, doença valvular e doença miocárdica;
através de punção venosa ou arterial, mas em casos raros pode ser neces- • Determinação da função do músculo cardíaco;
sária a dissecção com exposição direta do vaso. A abordagem (figura 4) é • Determinação da localização e gravidade do processo patológico;
quase sempre e preferencialmente pela femoral, geralmente direita, poden- • Determinação da presença e gravidade de estreitamentos ou bloqueios
do a femoral esquerda ser também necessária quando se introduz mais de nas artérias coronárias;
um cateter simultaneamente. Outras vias de acesso são raramente usadas • Determinação da presença de aneurismas ventriculares;
e incluem a branquial, subclávia, jugular e umbilical (em recém-nascidos). • Avaliação das pressões hemodinâmicas medidas na raiz da aorta, nos ventrí-
Deste modo, os acessos mais utilizados são os seguintes2: culos esquerdo e direito, nas aurículas esquerda e direita e na artéria pulmonar;

Revista Nursing; Edição setembro 2012; pág. 13


14 I CARDIOLOGIA SETEMBRO .12

• Avaliação de utentes com enfartes do miocárdio e infusão de agentes trom- te o aparecimento de um "rash" cutâneo facial, que desaparece em poucas
bolíticos no interior das artérias coronárias ocluídas; horas. A alergia ao iodo do produto de contraste é bem mais grave e pode
• Avaliação pré-operatória para determinar se a cirurgia cardíaca se afi- acontecer em doentes suscetíveis pelo que essa possibilidade deve sempre
gura indicada; ser pesquisada junto da família3.
• Avaliação da função ventricular após revascularização cirúrgica;
• Avaliação do efeito das modalidades de tratamento médico na função EQUIPA DE INTERVENÇÃO
cardiovascular; A equipa multidisciplinar responsável pelo cateterismo cardíaco é geral-
• Realização de técnicas cardíacas especializadas, como a colocação de mente composta pelos seguintes profissionais, onde o enfermeiro tem sem-
um pacemaker interno. pre um papel fundamental:
• Um técnico especialista em euipamento de hemodinâmica;
CONTRA-INDICAÇÕES • Um técnico de cardiopneumologia;
Este tipo de exame está contra-indicado nas seguintes situações1: • Uma enfermeira;
• Utentes que não querem ou não são capazes de cooperar durante o exame; • Um ou dois cardiologistas especialistas em cateterismo.
• Utentes que recusam o tratamento;
• Utentes com alergia aos contrastes ionizados que não foram dessensibilizados; Estes profissionais constituem uma equipa multidisciplinar fundamental, para
• Utentes grávidas; o cateterismo cardíaco trabalhando para os mesmos objetivos: diminuir o risco
• Utentes com certas alterações renais graves, na medida em que o contraste de infeção, obter a colaboração do doente durante e após a técnica e diminuir
pode ser nefrotóxico; risco de disritmia, dor e hemorragia. É ainda uma equipa que deverá ter ainda
• Utentes com alterações hemorrágicas não tratadas. como principais princípios: acolhimento do doente, comunicação e assepsia.

POSSÍVEIS COMPLICAÇÕES PROCEDIMENTO NO CATETERISMO CARDÍACO


A manipulação de um cateter dentro do coração não é isenta de riscos e, por A rotina do laboratório de hemodinâmica é semelhante à de qualquer bloco
vezes, a estimulação do miocárdio auricular ou ventricular desencadeia arrit- operatório pelo que se procede à desinfeção e assepsia do doente e pes-
mias importantes. É frequente o aparecimento de extrassístoles e taquicardia, soal técnico antes de iniciar a intervenção.
tanto auricular como ventricular, habitualmente benignas e auto-limitadas. A Durante a realização do cateterismo, o utente permanece numa mesa
simples retirada do cateter é suficiente para as reverter. Mais grave é o apa- angiográfica, encontrando-se sobre a sua cabeça ou ao seu lado a câmara
recimento de bloqueio Auriculo-ventrivular (BAV) completo por lesão do nó cujo braço móvel, em forma C ou de U, permite visualizar o coração sob
aurículo-ventricular que, se for prolongada e causar deterioração hemodinâ- diversos ângulos. No decorrer de todo o procedimento, é fundamental que
mica do doente, obriga a suspender o cateterismo e a instituir tratamento o utente se encontre acordado e alerta, a fim de poder informar os profis-
urgente. A fibrilhação ventricular, seguida ou não de assistolia, é excecional1. sionais caso sinta alguma alteração1.
Uma complicação a temer em alguns doentes e com determinados procedimen- Após a desinfeção da região tricotomizada com uma solução anti-séptica,
tos é a perfuração cardíaca com tamponamento, que necessita intervenção cirúr- o cardiologista injeta um anestésico local na região onde será introduzido
gica urgente para drenar o sangue da cavidade pericárdica e suturar a laceração. o cateter – cujas configurações e diâmetros são bastante diversificadas.
Doentes particularmente sensíveis, como pessoas portadores de Trissomia 21, Consoante o estudo a efetuar, o catéter é introduzido na artéria femoral, a
podem sofrer depressão respiratória e broncoespasmo durante o exame, rapi- fim de cateterizar o coração esquerdo, incluindo as artérias coronárias, ou
damente revertidos com cuidados gerais respiratórios. na veia femoral, se se visa cateterizar o coração direito.
Outra complicação muito rara mas sempre temível é a embolia cerebral, por O procedimento de introdução do cateter consiste na realização de um
coágulos ou gasosa, provocando por vezes alterações neurológicas focais ou pequeno corte na pele com cerca de meio centímetro, utilizando para tal um
crises convulsivas generalizadas. bisturi. Em seguida, é introduzido no vaso sanguíneo um filamento flexível (fio-
Mais frequentes são as complicações locais no membro ou membros catete- guia), que, com o auxílio de raio X, confirma-se que chega ao coração. O
rizados, as quais devem sempre fazer parte da vigilância de rotina destes cateter é passado sobre o fio-guia, sendo colocado em posição com a ajuda
doentes: hemorragias no local da punção, que devem ser imediatamente de uma televisão e de leituras diretas da pressão arterial. Durante o procedi-
detetadas e tratadas por compressão manual, hematomas subcutâneos e, mento, o utente é heparinizado, a fim, de diminuir o risco de embolias.
principalmente, isquémia do membro afetado por espasmo ou trombose da Tendo o cateter atingido o local pretendido, solicita-se ao utente que respi-
artéria femoral1. A isquémia é facilmente detetada pela temperatura e palidez re fundo, injetando-se um contraste nos vasos sanguíneos e nas câmaras
do membro e confirmada pela ausência de pulso pedioso homolateral. Outra do coração a fim de possibilitar a sua observação por fluoroscopia e de se
complicação possível, mas muito rara atualmente, é a infeção do local de pun- obterem imagens radiográficas permanentes, gravadas em filme e destina-
ção, resultante de uma assépsia inadequada. O tratamento é fácil com desin- das a auxiliar um posterior diagnóstico definitivo.
feção local e antibióticos apropriados. A injeção do contraste nas artérias coronárias poderá provocar uma sensa-
As reações alérgicas, muito vulgares alguns anos atrás, são hoje em dia muito ção dolorosa no peito e na ventriculografia poderá causar uma sensação
raras com os novos fármacos utilizados em sedação e analgesia. É frequen- de calor por todo o corpo, cuja duração não ultrapassa cerca de 15 a 20

Revista Nursing; Edição setembro 2012; pág. 14


SETEMBRO .12 CARDIOLOGIA I 15

segundos. Refira-se, porém, que os contrastes mais modernos provocam


menor incidência de sensações desagradáveis.
Após este desenvolvimento, pensamos agora, e de acordo com uma estru-
tura lógica do trabalho, ter condições para descrever os cuidados de enfer-
magem aos doentes submetidos a cateterismo cardíaco.

Figura 5 - Sala de hemodinâmica

CUIDADOS DE ENFERMAGEM A DOENTES SUBMETIDOS


A CATETERISMO CARDÍACO
O conhecimento do procedimento, indicações, contra-indicações e compli-
cações são pilares essenciais que os enfermeiros devem ter presentes.
Dessa forma, um aumento de conhecimentos teóricos, e posteriormente
práticos, confirmará a importância dos cuidados de enfermagem junto da
equipa multidisciplinar.
Neste contexto, os cuidados de enfermagem a doentes submetidos a catete-
rismo cardíaco serão apresentados segundo três fases que considerámos fun-
damentais: antes, durante e após a realização do cateterismo.

ANTES DO CATETERISMO CARDÍACO


Na admissão do doente na enfermaria, deverá ter-se em conta vários aspetos4:
Acolhimento do doente na unidade:
• Confirmar o nome do doente com o nome do doente em plano;
• Apresentar-se ao doente;
• Apresentar o serviço ao doente;
• Informar os familiares que acompanham o doente quanto ao:
- Número de cama onde o doente irá ficar instalado;
- Número de telefone do respetivo serviço;
- Horário de visitas;
- Data provável da alta.
• Apresentar o doente aos restantes doentes da respetiva enfermaria.

Preparação psicológica do doente:


• Informar o doente acerca do exame que vai realizar, esclarecendo-o da sua fina-
lidade, riscos e complicações, obtendo desta forma a sua máxima colaboração;
• Esclarecer o doente acerca das sensações que poderá sentir durante a rea-
lização do cateterismo cardíaco:
- Explicar ao doente que durante o procedimento estará monitorizado para vigilân-
cia de sinais vitais e traçado eletrocardiográfico para despiste de eventuais arritmias;
- Explicar ao doente que durante o procedimento estará sob o efeito de anes-
tesia local, sendo que a dor que irá sentir será mínima ou nula;
- Explicar ao doente que durante o procedimento estará deitado e imóvel
durante cerca de duas horas pelo que poderá sentir desconforto, fadiga ou
dores musculares;

Revista Nursing; Edição setembro 2012; pág. 15


16 I CARDIOLOGIA SETEMBRO .12

- Explicar ao doente que à medida que o cateter passa no interior do cora- tranquilidade3. Deve ser permitido aos familiares que colaborem na preparação
ção poderá sentir sensação de vibração e/ou palpitações; do doente, explicando-lhes todos os procedimentos que antecedem o exame:
- Explicar ao doente que poderá sentir sensação de calor pelo corpo durante cerca • Preparação física
de 10 a 15 segundos, efeito adverso aquando da injeção do contraste iónico; • A hora a que irá ser realizado o respetivo procedimento;
- Explicar ao doente que irá ouvir sons estridentes provocados pelo funciona- • Local onde fica situada a sala de cateterismo;
mento dos equipamentos de fluoroscopia. • Local onde poderão esperar pelo seu familiar.
• Permitir que o doente verbalize os seus medos diminuindo desta forma a Possibilitar que a família acompanhe o respetivo doente à sala de cateteris-
sua ansiedade; mo, providenciando que consigam falar com o médico após a realização do
• Providenciar consentimento livre e esclarecido do doente uma vez que se exame contribuirá para que a angústia e ansiedade diminuam gradualmente.
trata de um exame complementar de diagnóstico invasivo cujo consenti-
mento escrito do doente é obrigatório por lei; DURANTE O CATETERISMO CARDÍACO
• Administrar pré-medicação prescrita (sedativos ou analgésicos) a fim de As unidades de cateterização cardíaca, também denominadas por salas de
manter o doente calmo, diminuir a sua ansiedade e diminuir o traumatismo hemodinâmica, requerem habitualmente equipamento e recursos humanos
psicológico provocado pelo exame. especializados, entre os quais enfermeiros. O aparato tecnológico inerente à
realização deste tipo de procedimento constitui uma fonte acrescida de
Preparação física do doente: ansiedade para o doente pelo que, uma vez mais, é preponderante o apoio
• Pesquisar história prévia de alergias a fim de prevenir reações anafiláticas psicológico ao doente durante esta fase.
ao contraste radiopaco, sendo possível a administração prévia de anti-his- Os procedimentos técnicos e o tipo de material utilizado poderão variar
tamínicos ou corticosteróides; consoante o local ou os respetivos profissionais envolvidos, contudo apre-
• Providenciar jejum de alimentos sólidos de 6 a 8 horas e líquidos de 4 horas sentaremos o material e os cuidados inerentes a este tipo de procedimen-
no sentido de prevenir náuseas e vómitos e a aspiração de conteúdo alimentar; to, com base na pesquisa realizada no âmbito deste trabalho.
• Determinar o peso e altura do doente a fim de calcular posteriormente a
quantidade de contraste radiopaco a injetar; Material necessário:
• Retirar eventuais próteses (próteses dentárias entre outras); Trousse angiográfica composta por:
• Fornecer uma camisa do hospital ao doente explicando-lhe que não pode- • Campo de mesa;
rá usar roupa interior; • Campo grande auto-adesivo com dois orifícios (para as regiões inguinais);
• Se abordagem femoral, realizar tricotomia inguinal bilateral a fim de evitar • Saco esterilizado para o intensificador de imagem;
riscos de infecão; • Compressas esterilizadas 10x10 - 20;
• Puncionar acesso venoso periférico no membro superior esquerdo para adminis- • Toalhetes - 4;
tração de eventual terapêutica de urgência e colocar Soro Fisiológico (SF) em curso; • Batas esterilizadas - 2;
• Se o doente for diabético realizar pesquisa de glicemia capilar e colocar • Agulha intramuscular (IM);
soro glicosado em curso (Dextrose 5% ou Polielectrolítico com Glicose 5%); • Agulha subcutânea (SC);
•Aguardar chamada da sala de hemodinâmica. • Cateter venoso periférico 16G;
• Seringas de 10cc - 5;
Durante os momentos prévios à realização do cateterismo cardíaco cabe • Seringas de 20cc - 3;
ao enfermeiro que acompanha o doente: • Pinça hemostática;
• Reavaliar sinais vitais; • Cabo com lâmina de bisturi n.º 11;
• Verificar permeabilidade do cateter venoso periférico; • Manifold 2 vias;
• Providenciar um saco de areia para realização de compressão no local de • Sistema de injeção manual de contraste;
punção após a cateterização cardíaca; • Guia telefonado 0.35mm/175cm curvo 3mm;
• Transmitir ocorrências do doente ao colega da sala de hemodinâmica. • Taças pequenas - 4;
Qualquer doença que afete o coração provoca ansiedade não só ao doente • Taças médias (capacidade 500cc) - 2;
como também à respetiva família. Em muitos casos, esta ansiedade não é • Taça grande;
infundada, mas noutros ela é maior do que a gravidade que a doença sugere. • Rótulos de identificação de medicamentos.
Neste último caso, está incluída a angústia que geralmente antecede a realiza- A este material junta-se:
ção do cateterismo cardíaco. Assim, os cuidados de enfermagem, a prestar - Prolongamento de alta pressão para o injetor de contraste;
antes da execução do referido exame, englobam a preparação física do doen- - Sistema de monitorização de pressões;
te, a sua preparação psicológica, bem como da respetiva família. - Sistema de perfusão de soros;
Habitualmente, o cardiologista explica ao doente e respetiva família, todos os - Introdutor de 5 a 8F (indicação médica) com via lateral;
procedimentos que irão ser realizados. No entanto, o enfermeiro pode reforçar e - Soro fisiológico isotónico;
esclarecer algumas das informações que eles receberam, incutindo confiança e - Seringa de 10cc com 10 000 U de heparina;

Revista Nursing; Edição setembro 2012; pág. 16


SETEMBRO .12 CARDIOLOGIA I 17

- Cateter de diagnóstico pré-formado (indicação médica);


- Penso transparente em spray;
• Penso pós-operatório.
Soluções:
• Iodopovidona dérmica;
• Lidocaína 1% - 10cc;
• Soro fisiológico isotónico 500cc heparinizado com 10 000 U de Heparina;
• Soro fisiológico isotónico. Figura 6 - Agulhas e fio guia Figura 7 - Introdutores (bainhas)
Fonte: Gurgel, (2005 Fonte: Gurgel, (2005)
Durante a cateterização cardíaca os cuidados de enfermagem assentam em três
princípios: acolhimento do doente, comunicação e assépsia, tendo como princi- aos respetivos registos, focando-se nos seguintes aspetos:
pais objetivos: obter a colaboração do doente durante o procedimento, diminuir o • Procedimento efetuado/via de acesso;
risco de infeção e vigiar e despistar eventuais complicações. Neste contexto, • Estado de consciência do doente;
apresentaremos os cuidados de enfermagem considerados relevantes nesta fase: • Sinais vitais: pressão arterial, frequência cardíaca e frequência respiratória;
• Acolher o doente na sala de hemodinânica estabelecendo uma relação empá- • Morfologia do traçado eletrocardiográfico;
tica favorecendo um clima propício ao esclarecimento de dúvidas e alívio da • Sinais e/ou sintomas apresentados pelo doente;
ansiedade, de modo a obter a colaboração do doente durante o procedimento; • Duração da compressão;
• Posicionar o doente na mesa angiográfica; • Características do penso;
• Tomar conhecimento com o doente sobre o que ele sabe em relação ao • Cuidados a ter na vigilância do penso;
exame e/ou esclarecê-lo em relação à técnica; • Ensino realizado ao doente.
• Confirmar jejum do respetivo doente;
• Verificar permeabilidade do acesso venoso periférico; APÓS O CATETERISMO CARDÍACO
• Verificar funcionalidade do equipamento; Após a realização do cateterismo cardíaco, os cuidados de enfermagem
• Verificar material de reanimação; prestados têm como principais objetivos: a avaliação do doente, a preven-
• Preparar material necessário à realização do respetivo procedimento: ção de eventuais complicações e a deteção precoce destas complicações.
- Introdução de contraste no injetor automático; De seguida apresentamos os cuidados de enfermagem que consideramos
- Preparar a manga de pressão com soro fisiológico isotónico hepariniza- relevantes nesta fase5.
do 500cc/5000U (para sistema de monitorização de pressão); • Proporcionar a instalação cómoda do doente na enfermaria;
- Preparar a manga de pressão com soro fisiológico isotónico (para per- • Avaliar sinais vitais (frequência cardíaca e tensão arterial) de 15 em 15 minu-
meabilizar a via lateral do introdutor); tos durante 1 hora e posteriormente de 30 em 30 minutos durante 3 horas;
- Montar e expurgar o sistema de monitorização de pressão, com técnica • Monitorizar ritmo e frequência cardíaca e vigiar sinais de dor torácica a fim
asséptica; de despistar eventuais arritmias cardíacas ou outras complicações (compli-
- Montar e expurgar o sistema para a via lateral, com técnica asséptica; cações vasovagais ou EAM);
- Montar e expurgar o sistema de contraste, com técnica asséptica; • Manter extensão do membro onde foi efetuada a punção:
- Adaptar e expurgar o prolongamento de alta pressão do injetor, com téc-
nica asséptica. - Se abordagem femoral, manter o doente em repouso absoluto no leito
• Monitorizar sinais vitais e traçado electrocardiográfico; não devendo elevar a cabeceira acima dos 30º durante 12 a 24 horas com
• Dar apoio na colocação do campo angiográfico; o membro inferior em extensão e com um peso (saco de areia) sobre a
• Lavar com soro fisiológico e secar bem o local de inserção do introdutor; região femoral;
• Explicar ao doente os procedimentos efetuados, esclarecendo-o acerca - Se abordagem braquial ou radial, o doente poderá realizar levante, contu-
das sensações que poderá sentir, já descritas no capítulo anterior; do deverá manter o braço estendido durante várias horas com a ajuda de um
• Manipular o intensificador de imagem; suporte, não podendo levantar qualquer tipo de peso durante as 24 horas
• Explicar e pedir ao doente a sua colaboração na remoção do introdutor e seguintes ao exame.
colocação do compressor; • Verificar pulsos periféricos, coloração, temperatura e sensibilidade, presença
• Depois do exame, o cateter é removido e é aplicada compressão sobre de dor na extremidade distal do membro puncionado de 15 em 15 minutos
esse local. Essa compressão poderá ser manual ou mecânica e tem a durante a primeira hora a fim de despistar sinais de insuficiência arterial, entre
duração de 30 minutos; os quais: perda de pulso periférico, parestesias, pele fria, pálida e cianótica;
• Após a hemostase, aplicar penso transparente em spray e penso pós-ope- • Vigiar o penso compressivo no local da punção para despiste de
ratório e um saco de areia (+/- 2Kg). hemorragia. Colocar um peso (saco de areia) durante 4 a 6 horas a fim
de facilitar uma adequada compressão e prevenir eventual hemorragia;
Após a realização do cateterismo cardíaco cabe ao enfermeiro proceder • Proporcionar dieta ligeira após 3 horas do cateterismo;

Revista Nursing; Edição setembro 2012; pág. 17


18 I CARDIOLOGIA

• Vigiar o doente quanto à presença de náuseas, vómitos, rubor ou erupções O apoio, psicológico, formas de alívio da dor, alterações do sono e repou-
cutâneas que constituem sinais de hipersensibilidade ao contraste injetado; so, e o ensino para alta, devem ser de essencial importância para atenuar
• Estimular o doente a ingerir líquidos de modo a facilitar uma adequada a ansiedade e a dor ao doente e suas famílias, para encararem a nova situa-
reposição hídrica e eliminação renal do contraste; ção de uma forma mais otimista.
Proporcionar um ambiente confortável ao doente, esclarecendo eventuais A realização deste procedimento de diagnóstico pressupõe a existência de uma
dúvidas pós-cateterismo; equipa especializada, na qual o enfermeiro assume um papel fundamental.
• 24 Horas após o cateterismo cardíaco retirar penso do local da punção Neste contexto, é preponderante que os enfermeiros sejam detentores de
vigiando eventuais complicações, entre as quais: hematoma, hemorragia, conhecimentos que lhe permitam prestar cuidados de enfermagem de quali-
inflamação e/ou edema. dade ao doente submetido a cateterismo cardíaco.

CONCLUSÃO
Os problemas, que envolvem o sistema cardiovascular, incluem grande
variedade de alterações frequentes e menos frequentes. As alterações do Bibliografia
sistema cardiovascular apresentam situações de desafio para o tratamento
médico e as intervenções de enfermagem. 1. WOODS S. L., FROELICHER E. S. S. e MOTZER S. U. Enfermagem em
A avaliação de enfermagem de um doente com problemas cardiovascula- Cardiologia (4. ed.) Barueri: Manole. 2005.
res internado é de extrema importância, uma vez que permite determinar as 2. GURGEL, E. Cateterismo cardíaco e angioplastia coronária. Acedido em
necessidades fundamentais afetadas, permitindo estabelecer o planeamen- Janeiro, 25, 2010, em http://www.huwc.ufc.br/arquivos/biblioteca_cientifi-
to de cuidados, estratégias e objetivos para a resolução dos problemas. ca/1210635976_68_0.pdf.2005.
O doente com perturbações cardíacas apresenta à equipa e profissionais espe- 3. CARVALHO, F. A Criança submetida a Cateterismo Cardíaco. Porto:
cializados nestes cuidados um desafio único. O êxito no tratamento do doente Universidade do Porto, Tese de Mestrado em Ciências de Enfermagem
depende do conhecimento e do empenhamento dos membros da equipa. Um Pediatria, 2001.
papel importante da parte dos enfermeiros é o apoio emocional aos utentes e 4. SVAVARSDOTTIR, E. K. e MCCUBBBIN, M. Parenthood transition for
sua família e uma avaliação diária dos cuidados a prestar ao doente/família. parents of an infant diagnosed with a congenital heart condition. Journal
O enfermeiro inserido na equipa multidisciplinar tem um papel fundamental of Pediatric Nursing, 4 (11), 1996. pp.207-216.
neste tipo de doentes, tanto a nível dos cuidados imediatos, como no inter- 5. BRUNNER L. S. e SUDDARTH D. S. Textbook of Medical-Surgical Nursing
namento nos cuidados intensivos e mais tarde na preparação para a alta. (10. ed.). Philadelphia: J.B.Lippincott Co, 2006.

Revista Nursing; Edição setembro 2012; pág. 18


SETEMBRO .12 SAÚDE INFANTIL I 19

O RECÉM-NASCIDO COM SÉPSIS NA UNIDADE


DE CUIDADOS INTENSIVOS NEONATAIS
THE NEWBORN WITH SEPSIS IN THE NEONATAL INTENSIVE
CARE UNIT
ANA CRISTINA DE NÓBREGA MACHADO GOMES
Enfermeira Especialista de Saúde Infantil e Pediatria
Mestre em Enfermagem
Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais e Pediátricos do SESARAM, E.P.E. – Funchal

Recebido para publicação: Abril de 2012


Aprovado para publicação: Maio de 2012

RESUMO natal devido à sua frequência, alta mortalidade e inúmeras sequelas”(2) (p.307).
A sépsis consiste numa infeção bacteriana generalizada na corrente sanguí- A incidência global de sépsis varia de 1-10/1000 nados vivos mundialmen-
nea, a qual pode ser adquirida no período pré-natal, durante ou após o parto, te(3). A sépsis neonatal tem uma incidência e mortalidade associada inversa-
podendo ser classificada como: sépsis de início precoce; sépsis de início tar- mente proporcionais à idade gestacional e peso ao nascimento(3). “A septi-
dio ou sépsis hospitalar. Devido ao índice significativo de mortalidade e mor- cémia atinge 0,1% dos recém-nascidos de termo e até 20% dos recém-
bilidade da sépsis neonatal, os recém-nascidos com esse diagnóstico ou sus- nascidos de muito baixo peso, sendo de 10% em recém-nascidos com
peita são geralmente internados numa Unidade de Cuidados Intensivos peso ao nascimento entre 1000-1500g, 35% em recém-nascidos com
Neonatais (UCIN). O internamento do recém-nascido numa UCIN, represen- peso inferior a 1000g e 50% se peso inferior a 750g”(3) (p.4).
ta uma situação inesperada e de stress para a família, o que pode afetar a A mortalidade associada à septicémia permanece globalmente elevada,
organização estrutural do sistema familiar e acarretar diversos condicionalis- entre 2-50%, apesar do tratamento anti-infecioso apropriado, dependendo
mos para a parentalidade e vinculação entre os pais e o recém-nascido. do peso ao nascimento e da idade gestacional(3).
Nos Estados Unidos da América estima-se que sejam gastos cerca de 5 a
Palavras-chave: Sépsis; Recém-nascido; Unidade de Cuidados Intensivos 10 biliões de dólares por ano no tratamento de sépsis entre os adultos e as
Neonatais (UCIN). crianças, bem como se estima que, nos prematuros, a sépsis seja respon-
sável por 50% dos óbitos(2).
ABSTRACT Os recém-nascidos de muito baixo peso (inferior 1500 g) encontram-se
Sepsis is a generalized bacterial infection in the bloodstream that can be sob maior risco de infeção por fatores endógenos intrínsecos (imaturidade
acquired in the prenatal period, during or after birth and may be classified as do sistema imunitário; níveis reduzidos de anticorpos adquiridos transpla-
early-onset sepsis, late-onset sepsis or hospital-acquired sepsis. Due to the centariamente) e fatores exógenos (maior necessidade de cuidados prolon-
significant rate of morbidity and mortality of neonatal sepsis, neonates with gados em Unidades de Cuidados Intensivos Neonatais (UCIN) e conse-
this diagnosis or suspicion are usually hospitalized in a Neonatal Intensive quente exposição a patogéneos oportunistas, dispositivos invasivos e fre-
Care Unit (NICU). The admission of the newborn in a NICU represents an quentes manipulações pelos profissionais de saúde)(3).
unexpected and stressful experience for the family which may affect the Os neonatos são altamente suscetíveis a infeções devido à sua imunidade
structural organization of the family system and lead to several constraints on diminuída(1). Os anticorpos, nomeadamente os IgG, IgM e IgA, possuem a
the parenthood and bonding between both parents and the newborn. função de reconhecer os antígenos bacterianos e neutralizar as substân-
cias estranhas, permitindo que se tornem suscetíveis à fagocitose(4).
Keywords: Sepsis; Newborn; Neonatal Intensive Care Unit (NICU). Nos recém-nascidos de termo, segundo os mesmos autores, os níveis dos
anticorpos IgG são superiores aos maternos, porque estes anticorpos passam
O RECÉM-NASCIDO COM SÉPSIS através da placenta a partir das 34 semanas de gestação. No entanto, os anti-
A sépsis, que tem como sinónimo septicémia, consiste numa “(…) infeção bac- corpos IgM, que são responsáveis pela defesa do organismo contra as bacté-
teriana generalizada na corrente sanguínea”(1) (p.282). No período neonatal a rias gram-negativas, não atravessam a barreira placentária, razão pela qual os
sépsis “(…) é descrita como a enfermidade mais importante no período neo- recém-nascidos apresentam uma maior suscetibilidade às infeções causadas

Revista Nursing; Edição setembro 2012; pág. 19


20 I SAÚDE INFANTIL SETEMBRO .12

por estas bactérias. Deste modo, se houver IgM presente no sangue do cor- e ouvidos, bem como através dos órgãos internos como o sistema respira-
dão umbilical é indicativo de infeção fetal ou imunização ativa materna(4). Por tório, nervoso, urinário e gastrointestinal. Na sépsis de início tardio, os orga-
sua vez, os anticorpos IgA, são anticorpos sintetizados intra-útero e são trans- nismos agressores são geralmente o stafilococcus, a klebsiella, o enteroco-
mitidos da mãe para o recém-nascido através do leite materno. cos e as pseudomonas. Os casos de sépsis neonatal de início tardio são
No período neonatal muitas situações maternas constituem risco infecioso geralmente acompanhados por meningite, tendo uma taxa de mortalidade
para o recém-nascido(5). O risco infecioso bacteriano perinatal consiste menor à da sépsis de início precoce, cerca de 5 a 20%(2).
na probabilidade de ocorrência de infeção bacteriana no recém-nascido. A A sépsis hospitalar ocorre principalmente nos recém-nascidos doentes e
sépsis no período neonatal “(…) pode ser adquirida no período pré-natal a com hospitalização prolongada e tem uma taxa de mortalidade de cerca de
partir da corrente sanguínea materna, através da placenta, ou durante o 5 a 10%(2). A sépsis hospitalar tem maior incidência nos prematuros de
parto, pela ingestão ou aspiração de líquido amniótico infectado”(1) (p.282). muito baixo peso (inferior a 1500 gramas), acometido de doenças que debi-
Os fatores de risco infecioso de causa obstétrica podem ser: rotura prema- litam o sistema imunitário como a doença da membrana hialina, atraso de
tura de membranas – superior a 18 horas; rotura prematura das membranas crescimento intra-uterino, asfixia, bem como o uso de métodos invasivos
– inferior a 37 semanas de gestação; febre materna; infeção intra amnióti- nomeadamente medidas de ventilação invasiva, técnicas cirúrgicas, admi-
ca; colonização materna por streptococcus do grupo B; bateriúria por strep- nistração de drogas via endovenosa, nutrição parentérica, entre outras.
tococcus do grupo B; antecedentes de recém-nascido com infeção por Nestes casos, a frequência e os germes predominantes dependem do sis-
streptococcus do grupo B e infeção urinária periparto(5). tema de controlo de infeção hospitalar podendo-se encontrar como agen-
O risco associado à infeção por streptococcus do grupo B deve-se ao facto tes patogénicos: staphylococcus aureus multirresistente, staphylococcus
de que nos recém-nascidos os monócitos têm a capacidade fagocitária epidermidis e gram-negativos como as pseudomonas e a klebsiella(2).
diminuída para os streptococcus do grupo B e uma atividade menor para a O diagnóstico de sépsis baseia-se habitualmente na presença clínica de sinais e
morte intracelular no caso dos staphylococcus aureus e streptococcus do sintomas, sendo o seu diagnóstico definitivo estabelecido por avaliação laborato-
grupo B(4). Os streptococcus do grupo B “(…) têm emergido como organis- rial(5). “Os sinais clínicos de sépsis não são específicos e há patologias infeciosas
mos extremamente virulentos em neonatos, com uma alta taxa de mortalida- que cursam com o quadro clínico sobreponível”(5) (p.188).
de (50%) entre os neonatos afetados”(1) (p.282). As manifestações da sépsis neonatal podem ser perspetivadas segundo os sinais
Durante o período intra-uterino pode ocorrer a transferência transplacentá- gerais, o sistema circulatório, o sistema respiratório, o sistema nervoso central, o sis-
ria de organismos e vírus, tais como o citomegalovírus, a toxoplasmose e a tema gastrointestinal e o sistema hematopoiético(1). Relativamente aos sinais gerais,
treponema pallidum (sífilis), os quais podem atravessar a barreira placentá- o recém-nascido com sépsis apresenta-se com mau estado geral e com um contro-
ria durante a segunda metade da gestação(1). le térmico inadequado manifestando hipotermia ou hipertermia. No que concerne às
Outro fator de risco para ocorrer sépsis neonatal é a prematuridade, na manifestações no sistema circulatório, os recém-nascidos podem apresentar: pali-
qual o risco aumenta proporcionalmente com a diminuição do peso ao nas- dez; cianose; manchas cutâneas; pele fria e pegajosa; hipotensão; edema e frequên-
cer. Os recém-nascidos com menos de 1500 gramas têm um risco relativo cia cardíaca irregular com bradicardias e/ou taquicardia(1). A nível do sistema respira-
8 a 11 vezes maior que os recém-nascidos de termo de adquirirem sépsis(2). tório os recém-nascidos podem manifestar: ventilação irregular; apneia; taquipneia;
Outros fatores de risco para a sépsis neonatal são os procedimentos invasi- cianose; roncos; dispneia e tiragem(1). No sistema nervoso central o recém-nascido
vos, nomeadamente a monitorização com aparelhos invasivos e a assistência pode manifestar: atividade reduzida com letargia; hiporreflexia; coma; atividade
ventilatória prolongada com permanência prolongada do tubo endotraqueal(2). aumentada com irritabilidade; tremores; convulsões; fontanela abaulada; tónus
A sépsis neonatal pode ser classificada como: sépsis de início precoce; aumentado ou diminuído e movimentos oculares anormais(1). No que respeita ao sis-
sépsis de início tardio e a sépsis hospitalar(1,2). tema gastrointestinal o recém-nascido pode apresentar as seguintes manifestações:
A sépsis de início precoce ocorre com menos de três dias após o parto e é vómitos; diarreia ou obstipação; distensão abdominal; hepatomegália e sangue ocul-
adquirida no período neonatal, sendo os organismos infetantes mais comuns to nas fezes(1). Finalmente, no que concerne ao sistema hematopoiético, o recém-nas-
os streptococcus do grupo B e escherichia coli, que podem estar presentes cido pode manifestar: icterícia; palidez; petéquias; equimoses e esplenomegália(1).
na vagina da mãe. No entanto, também se pode observar na sépsis com iní- O rastreio laboratorial da sépsis envolve exames laboratoriais indiretos que auxi-
cio precoce os seguintes patogéneos: haemophilus influenzae, cândida albi- liam o diagnóstico precoce de infeção invasiva no recém-nascido, tendo indica-
cans, herpes simples, listeria e clamídias. A sépsis de início precoce tem uma ção para a sua realização nas seguintes duas situações: quando o recém-nasci-
incidência variável de 1 a 10 em cada 1000 natos vivos, com uma taxa de mor- do mostra sinais evidentes de infeção (neste caso os exames servem para con-
talidade alta de 15 a 70%, sendo mais frequente em prematuros(1,2). Estas firmar a suspeita clínica) e nas situações em que existe risco de infeção mas o
situações manifestam-se de forma “(…) fulminante, com predomínio do sofri- recém-nascido está clinicamente bem (neste caso os exames são pedidos na
mento respiratório de forma semelhante da membrana hialina (…)”(2) (p.308). expectativa de serem encontrados resultados anormais antes do recém-nascido
A sépsis de início tardio ocorre entre uma a três semanas após o parto(1). manifestar sinais da doença)(5).
Esta infeção pós-natal é adquirida por contaminação cruzada com outros Os exames indiretos de infeção mais utilizados para auxiliar o diagnóstico de sép-
neonatos, profissionais ou objeto no ambiente. A invasão bacteriana, em sis no recém-nascido são: a proteína C-reativa (PCR), a contagem de leucóci-
consonância com os autores supramencionados, pode ocorrer através do tos, a contagem de neutrófilos imaturos/neutrófilos totais e a contagem de pla-
coto umbilical, da pele, das membranas mucosas dos olhos, nariz, faringe quetas porque o recém-nascido geralmente responde ao processo inflamatório

Revista Nursing; Edição setembro 2012; pág. 20


SETEMBRO .12 SAÚDE INFANTIL I 21

e infecioso com um aumento dos níveis plasmáticos de alfa e beta-globulinas, CUIDAR DO RECÉM-NASCIDO E SUA FAMÍLIA NA UCIN
com aumento da PCR e ainda o aumento de formas imaturas de leucócitos(4). Com o nascimento do bebé real a família começa a operar o ajustamento do
O reconhecimento e o diagnóstico precoce da sépsis no recém-nascido, sub-sistema conjugal que a parentalidade e as crianças exigem, caracterizada
bem como a instituição de medidas terapêuticas adequadas são essenciais por novas funções, novas tarefas e reorganizações relacionais intra e inter-fami-
para aumentar as possibilidades de sobrevivência do neonato e reduzir liares, bem como sistémicas(6). No momento do nascimento, a mãe defronta-se
a probabilidade de lesões neurológicas permanentes(1). com as seguintes tarefas: o fim abrupto da sensação de fusão com o feto; das
Perante uma situação clínica de suspeita de sépsis neonatal, a terapia antibiótica é fantasias de perfeição e omnipotência fomentadas pela gravidez; a adaptação
iniciada antes da confirmação e identificação do organismo infecioso por exames a um novo ser, que provoca sentimentos de estranheza; lamentar a perda do
laboratoriais. No recém-nascido “(…) os sinais clínicos de infeção são inespecíficos filho imaginário e adaptar-se às características específicas do bebé real; domi-
e a possibilidade de deterioração rápida é uma realidade, pelo que a atitude a tomar nar o medo de fazer mal ao filho indefeso e aprender a tolerar e a desfrutar as
deverá ser caracterizada por um elevado grau de suspeição para iniciar antibióticos, exigências do bebé, dada a sua dependência total da mãe(7).
mantendo contudo firmeza e sabedoria para os parar às 48/72 horas se a clínica, O nascimento de um recém-nascido com necessidade de cuidados espe-
os exames complementares de diagnóstico e culturas foram negativas”(5) (p.185). ciais representa uma situação de stress na família que advém de problemas
O tratamento da sépsis neonatal consiste no suporte circulatório e respiratório, na não normativos de adaptação do sistema familiar, consistindo num problema
administração agressiva de antibióticos e imunoterapia(1). Após o início da terapia inesperado que pode afetar fortemente a organização estrutural da família(6).
antibiótica, nos quadros clínicos de sépsis, os sinais e sintomas habitualmente per- A experiência de hospitalização após o nascimento exige a capacidade de
sistem por mais de 12 horas(5). Nestas situações, a terapia antibiótica deverá ser adaptação da família, uma vez que as expectativas dos pais em relação ao filho
mantida por 7 a 10 dias se as culturas forem positivas e interrompidas em três dias idealizado durante a gravidez são frustradas quando este, ao nascer, necessita
se as culturas foram negativas e o recém-nascido estiver assintomático(1). de ser hospitalizado numa Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais (UCIN)(8).
Além do tratamento clínico da sépsis no recém-nascido, a vigilância e a obser- A experiência dos pais que vivem o internamento do seu recém-nascido
vação dos recém-nascidos por parte dos enfermeiros é também de primordial numa UCIN pode comportar diversas perdas, nomeadamente: “(…) a
importância. “O reconhecimento do problema existente é de importância ines- perda de uma gravidez que se esperava normal; a perda de uma criança
timável, é geralmente a enfermeira que observa e avalia os neonatos, e iden- saudável e, por vezes, a perda real do bebé”(9) (p.264).
tifica que ‘algo está errado’ com eles”(1) (p.284). Tal facto ressalta a importân- Os pais deparam-se com um ambiente pouco familiar e desconhecido da UCIN,
cia sobre a compreensão dos modos de transmissão da infeção, porque auxi- confrontando-se com obstáculos ao desenvolvimento dos seus papéis parentais(10).
lia o enfermeiro a identificar os recém-nascidos sob risco de desenvolverem O recém-nascido que no parto normal não necessita de ser hospitalizado
sépsis. Além disso, o conhecimento dos efeitos colaterais do antibiótico numa UCIN, funciona “(…) como um elemento fundamental na estimulação
específico, a regulação e administração apropriadas do medicamento são das atitudes interativas e reforçador dos comportamentos e emoções de
essenciais nos cuidados de enfermagem a estes recém-nascidos. vinculação, apresenta-se aqui como um parceiro claramente diminuído, vul-
Os enfermeiros, durante a prestação de cuidados aos recém-nascidos com nerável e pouco competente. Em vez dos habituais sentimentos de satisfa-
sépsis, devem promover a redução de qualquer stress fisiológico ou ção, ternura, curiosidade e orgulho parental, estes pais têm de lidar com
ambiental(1). Deste modo, o enfermeiro deve promover a manutenção de um emoções complexas de medo, ansiedade, raiva, culpabilidade, e alguns
ambiente idealmente termorregulado e a antecipação de potenciais proble- sentem mesmo uma incapacidade de olhar aquele ser tão estranho e vulne-
mas, como a desidratação ou hipóxia. Outro aspeto importante nos cuida- rável rodeado de tantos aparelhos e instrumentos ameaçadores.”(9) (p.305).
dos ao recém-nascido com sépsis envolve a observação de sinais de com- O nascimento de um recém-nascido de risco representa uma crise muito difí-
plicações, nomeadamente a meningite e o choque séptico(1). cil para os pais, normalmente associada a reações emocionais intensas, carac-
A terapia antibiótica prolongada apresenta riscos adicionais para os recém- terizadas por grande confusão, ansiedade, medo, perturbação, depressão e
nascidos com sépsis. Os antibióticos predispõem o recém-nascido ao cres- labilidade(11). Nas situações em que o prognóstico sobre a morbilidade e a mor-
cimento de organismos resistentes e superinfeção por agentes fúngicos talidade do recém-nascido é incerta, os pais poderão apresentar algumas dife-
como, por exemplo, a candida albicans(1). renças na iniciativa de atitudes interativas e alguns podem recusar em estabe-
Ao longo do internamento, os enfermeiros devem de promover a implemen- lecer um relacionamento com o recém-nascido enquanto a sua sobrevivência
tação de medidas preventivas face ao risco de disseminação da infeção não estiver assegurada(1, 11). Quando a sobrevivência do bebé de risco ainda
para outros recém-nascidos. Deve ser fomentada a lavagem adequada das não está assegurada “(…) as mães tendem a ser menos ativas do que as dos
mãos, o uso de equipamento descartável, a eliminação de excreções e bebés saudáveis, e algumas podem mesmo mostrar-se apáticas e desinteres-
higienização adequada do ambiente e dos equipamentos(1). sadas”(11) (p.243). Os pais “(…) se preparam para a morte do neonato enquan-
O prognóstico da sépsis neonatal é variável. “A mortalidade da sépsis pre- to esperam pela recuperação. O luto antecipado e a hesitação em estabelecer
coce varia de 15-70%, enquanto que nas sépsis tardia e hospitalar é de 5 um relacionamento são evidenciados por comportamentos como o retardo na
a 20%”(2) (p.320). Além disso, podem ocorrer diversas sequelas neurológi- escolha do nome do recém-nascido, a relutância em visitá-lo (…) e a hesitação
cas e respiratórias na sequência da sépsis de início precoce(1). Por sua vez, em tocar e manusear o neonato quando lhes é dada oportunidade”(11) (p.249).
na sépsis de início tardio, também podem induzir a resultados desforáveis Alguns estudos de investigação destacaram que quando o bebé recém-nas-
em recém-nascidos imunocomprometidos(1). cido é admitido na UCIN as mães experienciam sentimentos de ansiedade;

Revista Nursing; Edição setembro 2012; pág. 21


22 I SAÚDE INFANTIL SETEMBRO .12

angústia; depressão; choque; infelicidade; sofrimento e sentimentos de impo- Os Enfermeiros devem promover a consecução do papel parental o que impli-
tência; desesperança e manifestam estar assustadas; preocupadas; estar ca “(…) aumentar a auto-estima dos pais; respeitar as crenças culturais; pro-
fora de controlo devido à instabilidade emocional; culpa e insegurança(12). Os mover interações pai-bebé e mãe-bebé; ouvir o que os pais têm para dizer,
sentimentos de impotência e de incapacidade podem ser agravados pelas nomeadamente as suas expectativas e esperanças; motivá-los para a compe-
barreiras físicas colocadas ao contacto com o bebé, nomeadamente tência e avaliar as relações conjugais e o funcionamento familiar”(16) (p.39).
a incubadora e os aparelhos de monitorização e de suporte ventilatório, que Compete aos Enfermeiros “(. . .) ajudar os pais a ultrapassar os obstáculos ine-
reduzem as possibilidades de interação. “Estas máquinas são, por isso, sen- rentes a paternidade/maternidade e a estabelecer uma relação afetiva preco-
tidas, simultaneamente, como imprescindíveis à sobrevivência do bebé e ce com os seus filhos”(16) (p.42). “É fundamental ajudar os pais a desenvolver
ameaçadoras, porque anulam o papel da mãe”(13) (p.264). competências para cuidar do seu bebé pois, na transição para o domicílio,
Alguns estudos de investigação evidenciaram a existência de problemas estes passam a ter que desempenhar um papel mais ativo e de maior respon-
nos pais de neonatos hospitalizados na UCIN que decorrem do stress cau- sabilidade no seu cuidado”(17) (p.18). O Enfermeiro, cuidador mais direto e pró-
sado pela hospitalização em si, os quais podem levar a sintomas de trans- ximo do bebé e seus pais na UCIN, encontra-se numa posição privilegiada
torno de stress agudo, um precursor de stress pós-traumático(10). Com a para agir como promotor do processo de parentalidade no binómio pais-bebé
análise das fontes específicas de stress, identificaram que a alteração no prematuro, envolvendo-os através dos cuidados centrados na família.
papel parental foi a mais fortemente associada aos sintomas de stress De modo a ajudar os pais de recém-nascidos com sépsis internados na
agudo. Nesses estudos, os pais relataram que a impossibilidade de ajudar, UCIN no estabelecimento do seu papel parental, diminuição do stress
pegar, cuidar, proteger da dor e compartilhar a convivência do bebé com parental e promoção da vinculação pais–recém-nascido, os enfermeiros
outros membros da família, foram as principais fontes de stress(10). devem envolvê-los desde o início do processo de cuidados ao bebé inter-
A separação física entre os pais e o recém-nascido decorrente do interna- nado. “Os cuidados de neonatos de alto risco centrados na família incluem
mento na UCIN pode induzir a algum afastamento emocional por parte dos o encorajamento e a facilitação do envolvimento dos pais, em vez de isolá-
pais, o que pode prejudicar a capacidade de assumir os seus papéis fami- los do neonato e de cuidados associados a ele”(1) (p.249).
liares frente ao neonato (p.249)(1). Valorizar o papel da família como principal cuidador tem como fundamento
A separação precoce do binómio pais-bebé aumenta a tensão sobre a rela- a “(…) função protetora da família, pois cuida e cria os seus filhos, e promo-
ção pais-bebé, especialmente durante longas estadias na UCIN, porque os tora da saúde, pois influencia significativamente a saúde física e mental dos
pais precisam ser capazes de ver, segurar e tocar seu recém-nascido, a fim indivíduos”(17) (p.19).
de facilitar a vinculação precoce e criação de laços(12). Existem evidências A implementação dos cuidados centrados na família na UCIN tornou-se na
que indicam que a separação emocional que acompanha a separação físi- ponte que liga as famílias aos profissionais de saúde em parceria para cui-
ca entre mães e recém-nascidos podem interferir no processo de criação dar das crianças hospitalizadas(18). Os cuidados centrados na família têm
de laços familiares, nomeadamente na vinculação(1). “A interrupção desta sido associados a vários contributos, que incluem: a diminuição da duração
relação, por necessidades de tratamento, tem efeitos altamente nefastos do internamento; o reforço da vinculação e da ligação pais-filho; a melhoria
levando com maior incidência a abandonos, negligência e maus-tratos”(14) no bem-estar dos bebés prematuros; melhores resultados de saúde men-
(p.28). Além disso, existe o risco do recém-nascido ser rejeitado devido à tal; melhor alocação de recursos; diminuição da possibilidade de proces-
diferença entre o bebé idealizado pelos pais e o real(7). sos legais e maior satisfação do paciente e da família(19).
A condição emocional dos pais “(…) é hoje conhecida como da maior impor- Os enfermeiros devem fundamentar os seus cuidados na filosofia dos cui-
tância para o estabelecimento da interação, para o desenvolvimento de uma dados centrados na família, reconhecendo “(…) a diversidade entre as
relação de vinculação positiva e para atitudes educativas em geral”(11) (p.246). estruturas e culturas familiares, as metas, os sonhos, as estratégias e os
A vinculação é um foco de atenção na prestação de cuidados de enfermagem, comportamentos da família; e as necessidades de apoio, serviço e infor-
definida pela CIPE versão 1, como uma “ação de parentalidade com as seguin- mação da família”(1) (p.10). Os Enfermeiros devem permitir e estimular os
tes características específicas: ligação entre a criança e a mãe e/ou pai; forma- pais a verem e tocarem os seus recém-nascidos imediatamente após o
ção de laços afetivos”(15) (p.43). A ligação mãe-filho, de acordo com a fonte parto e antes que sejam transferidas para a UCIN, uma vez que esta inter-
supracitada, caracteriza-se pelo “(. . .) estabelecimento de relações próximas venção parece diminuir sentimentos de culpa e ressentimento, podendo
entre a mãe e o filho, procura de mútuo contacto visual com a criança, inician- ajudar os pais a se adaptarem à situação(20). Além disso, os pais devem ser
do o toque com os dedos da criança e chamando-a pelo nome”(15) (p.41). encorajados a visitar o seu bebé na UCIN o mais cedo possível. No entan-
A aquisição da identidade parental processa-se de acordo com quatro fases: to, antes da primeira visita à UCIN, os pais devem ser previamente avisa-
a fase antecipativa (em que os pais começam a experimentar o papel e adap- dos da aparência do recém-nascido, do equipamento ligado à criança e
tam-se às mudanças sociais e psicológicas); a fase formal (que começa com receber algumas indicações sobre o ambiente físico da unidade(1).
o nascimento do bebé e o desempenho do papel de acordo com as expecta- Ao longo do internamento na UCIN, os enfermeiros devem envolver os pais
tivas dos outros); a fase informal (quando os pais efetuam o seu papel como em algum tipo de atividade dos cuidados, permitindo-lhes o assumir de um
uma forma única de lidar com o seu bebé e que não é transmitido pelo siste- papel mais ativo, como por exemplo: o mudar a fralda, a alimentação, a lei-
ma social) e a fase de identidade do papel (quando os pais sentem confian- tura de um livro de histórias infantis e cantar canções de embalar numa voz
ça e competência no desempenho do seu papel) (16). suave e tranquila(1).

Revista Nursing; Edição setembro 2012; pág. 22


SETEMBRO .12 SAÚDE INFANTIL I 23

O período de hospitalização do bebé, em que os pais estão em “(…) contac- 7. Brazelton, B. & Cramer, B. A relação mais precoce: os pais, os bebés e a
to diário com os diferentes profissionais e com os outros pais, e o próprio pro- interacção precoce (4 ed.). Lisboa: Terramar; 2004.
cesso de adaptação ao filho, é um tempo crucial de ensaio de novas signifi- 8. Silva, M. et al. Experiência dos pais com filhos recém-nascidos hospitali-
cações e construções sobre este filho e sobre o papel de pais”(11) (p.249). zados. Referência, Dezembro, 2009 (11), p. 37-46.
As expectativas e crenças dos pais sobre o recém-nascido contribuem de 9. Barros, L. Perdas e luto durante a gravidez e puerpério. In M. Canavarro (Eds.).
forma significativa para a definição da relação pais-filho. Deste modo, a Psicologia da gravidez e maternidade. Coimbra: Quarteto; 2001. p. 255-293.
persistência de crenças e expectativas inadequadas, pode induzir a efei- 10. Cleveland, L. Parenting in the neonatal intensive care unit. 2008
tos negativos nas atitudes dos pais a médio prazo, mesmo quando os pro- [Consulta: 22.Maio.2011]. URL: http://web.ebscohost.com/ehost/pdfvie-
blemas da criança já foram corrigidos ou ultrapassados(11). wer/pdfviewer?vid=80&hid=106&sid=07d2d9dd-d17d-400c-b6fc-
A equipa de enfermagem da UCIN tem um papel fundamental na inserção do 24e907f1a12c%40sessionmgr110.
recém-nascido na sua família, pelo que a educação para a saúde e a parce- 11. Barros, L. O bebé nascido em situação de risco. In M. Canavarro (Eds.).
ria dos cuidados devem ser direcionadas no sentido de assegurar aos pais a Psicologia da gravidez e maternidade. Coimbra: Quarteto; 2001. p. 235-251.
aquisição de competências para que possam garantir o desenvolvimento har- 12. Obeidat, H., Bond, E. & Callister, L. The parental experience of having an Infant in
monioso do bebé após a alta hospitalar. No entanto, “a maioria dos bebés e the newborn intensive care unit. The Jornal of Perinatal Education. Summer, 2009;
famílias que passam por esta experiência vão ser capazes de um conjunto de 18 (3), 23-29. [Consulta: 21.Maio.2011]. http://web.ebscohost.com/ehost/pdfvie-
adaptações e compensações que lhes permitirão um futuro adaptado, numa wer/pdfviewer?vid=43&hid=107&sid=07d2d 9dd-d17d-400c-b6fc
ilustração clara da capacidade de resiliência humana”(11) (p.236). 13. Barros, L. A unidade de cuidados intensivos de desenvolvimento como
unidade de promoção do desenvolvimento. In M. Canavarro (Eds.).
Psicologia da gravidez e maternidade. Coimbra: Quarteto; 2001. p. 297-316.
Bibliografia 14. Jorge, A. Família e hospitalização da criança: (re)pensar o cuidar em
enfermagem. Loures: Lusociência; 2004.
1. Hockenberry, M., Wilson, D. & Winkelstein, M. Wong Fundamentos de 15. International Council of Nurses. Classificação internacional para a prática
Enfermagem Pediátrica (7 ed.). São Paulo: Elsevier; 2006. de enfermagem – CIPE versão 1. Lisboa: Ordem dos Enfermeiros; 2006.
2. Miura, E. Sepse bacteriana. In E. Miura & R. Procianoy (Eds.). Neonatologia 16. Lopes, S. & Fernandes, P. O papel parental como foco de atenção para
princípios e prática (2 ed.). Porto Alegre: Artes Médicas; 1997. p.307-321. a prática de enfermagem. Sinais Vitais, Novembro, 2005 (63), p. 36-42.
3. Alves, R. Tratamento das infecções neonatais bacterianas e fúngicas: fundamen- 17. Nunes, S. et al. A dinâmica familiar após a alta do pré-termo. Sinais
tos teóricos para uma aplicação prática - Dissertação de candidatura ao grau de Vitais, Junho, 2010 (91), p. 16-20.
Mestre em Medicina, submetida ao Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, 18. Malusky, S. A concept analysis of family-centered care in the NICU
da Universidade do Porto. Porto, Junho de 2011. [Consulta: 20.Maio.2012].http://repo- [versão electrónica]. Neonatal Network, Novembro/Dezembro, 2005,
sitorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/62199/2/Tratamento%20das%20infeces 24 (6), p. 25-32. [Consulta: 18.Dezembro.2010]. http://web.ebs-
%20neonatais%20bacterianas%20e% 20fngicas.pdf cohost.com/ehost/pdfviewer/pdfviewer?vid=93&hid=106&sid=07d2d
4. Tamez, R. & Silva, M. Enfermagem na UTI Neonatal: assistência ao recém- 9dd-d17d-400c-b6fc-24e907f1a12c%40sessionmgr110
nascido de alto risco (2 ed.). Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2002. 19. Cooper, L. et al. Impact of a family-centered care initiative on NICU care,
5. Pereira, A. et al. Risco infeccioso e rastreio séptico. In A. Valido et al. staff and families [versão electrónica]. Jornal of Perinatology, 2007, 27, 32-
(Eds.). Consensos Nacionais em Neonatologia. Secção de Neonatologia 37. [Consulta:20.Dezembro.2010]. http://www.nature.com/jp/journal/
da Sociedade Portuguesa de Pediatria: Coimbra; 2004. p.185-190. v27/n2s/full/7211840a.html
6. Alarcão, M. (Des)Equilíbrios familiares: uma visão sistémica. Coimbra: 20. Aita, M. & Snider, L. The art of developmental care in the NICU: a con-
Quarteto; 2000. cept analysis. Journal of Advanced Nursing, 2003; 41 (3), 223-231.

Revista Nursing; Edição setembro 2012; pág. 23


24 I CUIDADOS PALIATIVOS SETEMBRO .12

A PERDA E O LUTO…
UMA CONDIÇÃO HUMANA?
THE LOSS AND MOURNING ... A HUMAN CONDITION
LILIANA LOURENÇO
Enfermeira com Pós-Graduação em Cuidados Paliativos e Pós Graduação
em Enfermagem Oncológica, Escola Superior de Saúde de Viana do Castelo.

Recebido para publicação: Julho de 2010


Aprovado para publicação: Janeiro de 2011

RESUMO best way to watch the person / family at his death and in mourning, after
A percepção das vivências de morte tem sofrido transformações ao longo all the care is always possible even if the cure is not part of their hori-
da história, passando de uma experiência tranquila e até mesmo desejada, zon of possibilities.
a uma possibilidade impregnada de angústias e que deve ser evitada a
todo o custo. Neste contexto, os profissionais de saúde têm deveras gran- Keywords: Death; Grief; Palliative Care; Nursing Intervention.
de responsabilidade em discutir e reflectir sobre a questão, de modo a que
possam prestar e proporcionar um Cuidado Autêntico ao ser Humano, em INTRODUÇÃO
toda a sua Plenitude. A morte é sem sombra de dúvida, condição da vida. Perante tal, porque não
Na continuidade dos aspectos já referidos, posso afirmar então, que a refle- estudá-la, compreendê-la e reflectir sobre ela? Já Carvalho, 2006, p.2, con-
xão sobre a questão da morte como parte inerente da existência humana, siderava que, o que é verdadeiramente mórbido não é falar da morte, mas
considerando a necessidade de se compreender as relações de cuidado e antes nada dizer sobre ela.1
as formas de relacionamento humano, assume-se como crucial. Aqui, des- Com efeito, morrer faz parte da vida, sendo que a morte corresponde
taca-se também a importância da preparação dos profissionais de ao passo final de uma dança emocional que começou muito antes de
Enfermagem para compartilhar com o doente e família um momento existen- nascermos, e como em todas as danças, os últimos passos querem-se
cial que pode e deve ser vivido com Dignidade. sentidos e nunca sozinhos.
Perante tal, a filosofia dos Cuidados Paliativos, apresenta-se como o cami-
nho para melhor assistir a pessoa/família na sua morte, bem como no luto,
afinal o cuidar é sempre possível ainda que a cura não faça parte do seu
horizonte de possibilidades.

Palavras-chave: Morte; Luto; Cuidados Paliativos; Intervenção de


Enfermagem.

ABSTRACT
The perception of the experiences of death has been transformed throug-
hout history, from experience a quiet, even want, a chance steeped in
anguish and should be avoided at all costs. In this context, health professio-
Foto: Andrei Malov I Dreamstime

nals have very big responsibility to discuss and reflect on the issue, so that
they can provide and provide Genuine Care to be human, in all its fullness.
Following on the aspects already mentioned, I can say then, that reflection
on the question of death as an inherent part of human existence, conside-
ring the need to understand the relationships of care and forms of human
relationship, it is assumed as crucial. Here, we highlight the importance of
preparation of nursing professionals to share with the patient and family an A percepção das vivências de morte tem sofrido transformações ao longo da história,
existential moment that can and should be lived with dignity. passando de uma experiência tranquila e até mesmo desejada a uma possibilidade
Given such, the philosophy of Hospice Care, presents himself as the impregnada de angústias e que deve ser evitada a todo o custo.

Revista Nursing; Edição setembro 2012; pág. 24


SETEMBRO .12 CUIDADOS PALIATIVOS I 25

Porém, aquilo que se verifica frequentemente é que a ciência médica na Aqui, a hora não é mais de acompanhamento dos doentes terminais, mas
ânsia de “matar a morte” esquece-se do Homem. Neste contexto, urge, de prolongamento da vida. 3
que a filosofia inerente aos Cuidados Paliativos impregne na sociedade, A morte passa a ser vista como vergonhosa, assunto interdito ou fracasso.
como caminho de descoberta no apoio à pessoa em luto. Contudo, não Hoje, a morte parece dotar-se do seu carácter sombrio, na medida em que,
basta o conhecimento dos seus princípios, mas sim fundamental, é a sua são realizados os maiores esforços no sentido de silenciá-la, ocultar todo o
integração e aplicação ao processo de tomada de decisão. sofrimento e dor por ela causados.
Neste artigo procede-se à análise da importância da intervenção no luto na Perante tal, precisamos com urgência de caminhar rumo à humanização da
prática de Enfermagem, particularmente no âmbito dos Cuidados morte e ao encontro com vida real que fica depois da morte. Afinal, a pos-
Paliativos, aprofundando-se alguns aspectos mais complexos provenientes sibilidade de morte e a própria morte dão sentido ao nosso existir, sendo
sobretudo da reflexão sobre as experiências e vivências neste contexto, que esta jornada só tem sentido porque há um fim.
que muitas vezes não são abordados na bibliografia existente. Afinal como
já nos dizia Nóvoa, 1988, p. 115, Formar-se, não é instruir-se, é antes de O PROCESSO DE LUTO
mais, reflectir, pensar numa experiência vivida. 2 O luto é uma experiência que todos nós vivenciamos ao longo da nossa
Os trajectos estão traçados, compete-nos a nós profissionais de saúde, vida, constituindo um processo sempre difícil e doloroso. Carvalho
escolher o caminho, percorrê-lo e aplicá-lo, nunca esquecendo que (2006) defende que o luto é uma reacção normal à perda de um objec-
Humanizar a Morte é de facto, reencontrar um Sentido para a Vida. to importante, constituindo uma fase transitória e necessária da readap-
tação do investimento em novos objectos.1 Já Sanders, cit por, Carvalho,
ABORDAGEM HISTÓRICA E SOCIAL DO FENÓMENO MORTE 2006, p.4, considera o luto como a representação de um estado expe-
Numa época em que vários tabus começam a ser quebrados, a morte continua riencial que a pessoa sofre após tomar consciência da perda.1
a ser um tema que a sociedade persiste em ignorar. Porém, este é um aconte- Contudo, mesmo sendo universal, o luto é profundamente marcado pela
cimento perante o qual cada indivíduo se vê inevitavelmente confrontado.1 forma como cada indivíduo, membro de determinada cultura, o experiencia
Desde sempre o homem se inquietou com a sua existência e mais ainda na sua individualidade. Desta forma, a dor da perda não pode ser quantifi-
com a sua finitude. Na verdade, tomamos consciência de forma mais cada, e cada indivíduo deve ser compreendido na sua necessidade pes-
clara dessa finitude a partir da morte dos outros, principalmente daque- soal, com características e reacções particulares.
les que nos são próximos. Contudo, é também sobre a nossa morte que Como nos diz Chambel, 2007.p.9, uns partem suavemente num sabor agri-
emergem as nossas angústias. doce, outros deixam-nos chagas por dentro, no coração.4 Porém, a isto não
Apesar dos grandes feitos históricos associados ao homem, desde as des- é alheia a teia relacional que connosco construíram, afinal existimos por
cobertas cientificas aos avanços tecnológicos, o certo, é que a morte teima dentro dos outros e só por isso, quando a morte chega para os que mais
em ser um dos mistérios que ele ainda não conseguiu desvendar. amamos, a ausência física impõe um processo de desvinculação, a que
Segundo Carvalho, 2006, p. 3, a vivência da morte varia de sociedade chamamos luto, e que verificamos que se divide em três fases: negação,
para sociedade, de cultura para cultura, de família para família e de indi- desorganização e reorganização emocional.
víduo para indivíduo. 1 Neste sentido, é fundamental que na abordagem Com efeito, é da nossa condição humana, reagirmos à morte com a força
de enfermagem ao doente em situação de morte, bem como a aborda- do instinto de vida. Porém, quando tal não se verifica, surgem os lutos pro-
gem à pessoa em luto sejam respeitadas e conceptualizadas as crenças longados e complicados com comportamentos depressivos para além do
e os contextos culturais de determinada personalidade, pois nunca razoável, aquilo que designamos por luto patológico. Este está associado
poderemos intervir e apoiar convenientemente a pessoa na sua dor, se à intensificação, inibição, adiamento, ou prolongamento das respostas
não encontrarmos e não percebermos o seu conceito de morte e o seu decorrentes do luto em si. Aqui, podemos então pensar que o luto nada
significado. Na minha opinião, crucial, não se trata de acreditar no que mais faz do que pôr a nu a fragilidade estrutural preexistente.
outro acredita, mas sim acreditar que o outro acredita. No âmbito do acompanhamento no luto, é fundamental, primeiramente
Outro dos aspectos que é possível constatar, perante a realidade que nos conhecermos os nossos medos e termos consciência daquilo que sen-
envolve actualmente, diz respeito àquilo que designamos por “matar a morte timos, para podermos apoiar efectivamente o outro. Frequentemente,
ou vender a morte”. Com efeito, se até ao século XII, a morte era considerada aquilo que verifico neste contexto, no profissional de saúde, é o refle-
familiar, próxima, na qual a morte era aguardada com maior naturalidade, em xo de uma postura de defesa, que impede de facto a empatia, o encon-
meados do século XIX, a visão da morte sofre uma grande transformação, pre- tro real com alguém. Portanto, é emergente “tirar a máscara” e criar
cisamente pela troca desse espaço pelo hospital. Outrora, competia aos fami- uma ligação autêntica e profunda com o outro, no sentido de Cuidar
liares o cuidar na morte. Actualmente, cabe ao profissional de saúde esta res- verdadeiramente.
ponsabilidade, ainda que constate muitas vezes nos profissionais de saúde, Na infância, o luto é ainda ignorado, nesta altura temos tendência quase
uma ânsia de “matar a morte”, com consequente esquecimento da pessoa. inata para proteger a criança, romanceando a morte ou ocultando a verda-
De facto, segundo Neves (2000) 70% da população francesa morre em de. Porém, a verdade é que a criança já sente, vê e sofre, e tal influencia
hospitais ou serviços de internamento prolongado para pessoas idosas. o seu desenvolvimento e a forma como ela vai viver.

Revista Nursing; Edição setembro 2012; pág. 25


26 I CUIDADOS PALIATIVOS SETEMBRO .12

Muitas vezes, a criança entende que a pessoa partiu porque quis, e para tal con- do todo, ainda que numa intervenção técnica, não deixamos de atender ao
tribuem explicações como: “foi fazer uma viagem…está num sítio melhor”…ou sofrimento sobre o acto, estamos perante um momento de Cuidar. Não
então, uma espécie de silêncio ensurdecedor, onde a voz cala e os olhos gritam. esqueçamos que o corpo manifesta a pessoa.
Com efeito, não devemos, pela ausência da verdade, pela mentira ou pelo Vários estudos demonstram que o conhecimento e a valorização dos siste-
silêncio, deixar a criança entregue à sua imaginação, é fundamental enqua- mas de crenças dos doentes colaboram com a aderência do indivíduo à
drar a fantasia da criança numa base realista, assim sim para sua protec- terapia, assim como com melhores resultados das intervenções. 6
ção. Proteger a criança, pela negação da dor, pode ser conveniente para A compreensão dos profissionais de saúde sobre a espiritualidade, reli-
os familiares mais angustiados, mas desvaloriza a criança. 4 giosidade ou crenças pessoais da pessoa, contribui de facto, para um
As crianças não precisam ser infantilizadas, precisam de sinceridade e cuidado efectivo. Neste sentido, é fundamental a abordagem da dimen-
disponibilidade afectiva, afinal elas tudo percebem, excepto a mentira. são espiritual pelos profissionais de saúde. Embora, os primeiros passos
Se elas se sentirem parte do todo, irão expressar-nos os seus senti- nessa caminhada já tenham sido dados, inclusive, verificamos recente-
mentos com maior facilidade. mente o estabelecimento de regulamentação da assistência espiritual e
Neste sentido, no âmbito do acompanhamento da criança em luto, como religiosa nos hospitais (Dec. Lei n 253/2009 de 23 de Setembro), não
profissionais de saúde que somos, torna-se crucial, olhar a criança, não há dúvida, que existe ainda um longo caminho a percorrer. 7
como superiores adultos, mas como alguém que já foi criança, estando Neste contexto, aquilo que penso é que seria extremamente vantajosa a
atentos às suas necessidades. Para tal, podemos recorrer a um vasto inclusão desta temática na formação dos profissionais de saúde, dado que
conjunto de técnicas, desde o desenho à utilização de plasticinas, entre pouca tem sido a discussão destes aspectos. Torna-se necessária a reali-
outras, no sentido de diminuir o seu sofrimento e o da sua família, afinal zação de estudos na área para uma melhor compreensão da espiritualida-
não é através da fuga, mas sim incluindo a criança em todo o processo de e suas implicações no contexto da saúde. Na minha opinião, é importan-
que poderemos intervir adequadamente. te mudarmos conceitos e mentalidades, mas somente alcançaremos tal
objectivo, através da difusão do nosso trabalho, das evidências e resulta-
A DIMENSÃO ESPIRITUAL NOS CUIDADOS DE SAÚDE dos das nossas intervenções, da nossa experiência e da dinamização da
Desde sempre o ser humano possui uma propensão para a busca de signi- investigação neste âmbito. Obviamente, que a mudança não será fácil, até
ficado para a vida, por meio de conceitos que transcendem o tangível. porque esta, é sempre um processo gradual e progressivo, porém cabe-
Todos nós somos “buscadores de sentido”. Esta busca e crença num sen- nos também a nós não desistir e Acreditar!
tido de conexão com algo maior que nós próprios, é aquilo que designamos Quando falamos em CP, como nos diz a OMS, 1990, cit por, Cer-
de espiritualidade. De acordo com Mendes, 2005.p.160, a espiritualidade queira, 2005, p.26, falamos de “(…) cuidados activos, totais, presta-
é o princípio de vida que se propaga à totalidade do ser humano, inclui as dos a doentes que não respondem a tratamentos curativos com o gran-
dimensões da vontade própria, emocional, moral e ética, intelectual e psi- de objectivo de controlo da dor e de outros sintomas, dos problemas
cológica, gerando a capacidade para formação de valores transcendentes.5 psicológicos, sociais e espirituais, proporcionando a melhor qualidade
A espiritualidade é assim, parte constituinte de todos nós, seres huma- de vida aos doentes e familiares.”8 Neste sentido, não podemos pres-
nos, manifestando-se sob a forma de sentimentos, sendo a razão para tar CP, sem atendermos à dimensão espiritual, no respeito pela autonomia
a existência humana.5 e vulnerabilidade inerentes a todos nós seres humanos. Portanto, os
O estudo do contributo da espiritualidade para a saúde conduziu à emer- CP não surgem por acaso, eles pretendem dar resposta ao valor
gência do conceito de bem-estar espiritual. Segundo Carvalho, 2006, supremo da solidariedade.
p.7, o bem-estar espiritual, é uma forma de estar dinâmica que se reflec- Na prática, lidamos com pessoas que apresentam necessidades espiri-
te na qualidade das relações que o indivíduo estabelece em quatro domí- tuais. Mas como identificá-las? Esta responsabilidade de promover a
nios da existência humana, ou seja, consigo próprio, com os outros, com espiritualidade das pessoas interpela as nossas próprias emoções.
o ambiente e com algo ou Alguém que transcende o humano. Assim, o Portanto, se não conhecermos a cartografia do nosso próprio mundo
nosso bem-estar espiritual global será então resultante do efeito combi- interior nunca poderemos ajudar. Tal como nos diz Mendes (2005) é fun-
nado do bem-estar espiritual em cada um destes domínios. damental que estejamos conscientes da necessidade de analisarmos
Por outro lado, é importante que não se confundam os conceitos de espiri- também nós, o nosso próprio sentido da vida, para que as convicções
tualidade e religião, pois a espiritualidade pode estar ligada à religião, mas pessoais sobre o mundo e sobre o homem que defendemos estejam em
não necessariamente, dado que esta antecede a religiosidade. consonância como o corpo de conhecimentos que sustenta a nossa
A espiritualidade e a sua relação com a saúde têm se tornado claro para- intervenção profissional. 5
digma a ser estabelecido na prática de cuidados. A doença permanece
como entidade de impacto amplo sobre aspectos de abordagem desde a UMA COMPETÊNCIA, REFLEXO DA EXPERIÊNCIA
fisiopatologia, até a sua relação social, psíquica e espiritual, e aqui é funda- Se não tivéssemos emoções ou sentimentos não sentíamos angústias, medo, dor
mental reconhecer que estes diversos aspectos estão correlacionados e …porém também não tínhamos ilusões, sonhos ou desejos…Seria isso bom?!
em múltipla interacção. Quando cuidamos alguém, é crucial a integração Não sei se seria…

Revista Nursing; Edição setembro 2012; pág. 26


SETEMBRO .12 CUIDADOS PALIATIVOS I 27

Quando confrontada com a perda de alguém que muito AMO, a vida pare- Sofre-se duas vezes, por uma ferida interior dispersa, que nos reme-
ceu perder o sentido. Senti-me perdida. Emocionalmente, senti que nada te para o sofrer sem significado, e para uma vida sem sentido.
em mim seria mais profundo e doloroso do que esse sentimento de perda Precisamos então mudar a nossa realidade, a realidade dos nossos
irremediável. Pensei que nada, nem ninguém podia preencher o sentimen- serviços, onde nós profissionais de saúde, utilizando como defesa
to de vazio que quem partiu deixou em mim. Nada, nem ninguém poderia emocional, a redução afectiva, impedimos que a pessoa se despeça
acalmar a angústia e as feridas interiores… de si própria, da vida e dos que mais ama. Ainda se morre sozinho, no
Agarro-me a todos os bens que me deixou, mas sinto saudade das suas meio de alta tecnologia…
palavras serenas, das tardes de gargalhadas, do seu cheiro doce e da sen- Neste contexto, não podemos deixar a nossa intervenção pelo modelo bio-
sação de protecção que em mim despertava. psicossocial, devemos ir além deste, contemplando também a vertente
Sinto saudade dos momentos que vivemos, mas sinto também uma certa espiritual que se traduz nos valores, nos significados, nas crenças e propó-
tristeza, por não lhe ter dito todos os dias, incessantemente, o quanto gos- sito da vida da pessoa.
tava dele…como me arrependo dos silêncios, das palavras não ditas… Urge a criativa disponibilidade emocional nos profissionais. Retiremos o
Há lágrimas que tem de ser choradas, há gritos que tem de ser gritados, a melhor partido das diferenças! Afinal, como alguém dizia, o facto de não
nossa condição pede-o. Como diria alguém que conheci: quem desconhe- existirem clones emocionais confere a cada ser humano a possibilidade de
ce o amargo da tristeza não se poderá deliciar com o doce da alegria… percorrer mares nunca dantes navegados, e consequentemente a nós, pro-
Porém, acredito plenamente que há vida depois da morte, e o seu encontro fissionais, a oportunidade de crescimento pessoal na tentativa da realiza-
físico comigo, não foi em vão, pois o que dele ficou em mim, aquilo que me ção profissional.
transmitiu e a mensagem que me deixou é para mim motivo de orgulho. Neste sentido, não nos esqueçamos também de nós, cuidadores, pois
A morte é o contrário da vida? Para mim, definitivamente não, quem morre essencial é também cuidar de quem cuida. Trabalhar na área da prestação
continua a viver por dentro dos sobreviventes. de cuidados, implica também a aceitação das nossas vulnerabilidades e
Assim, todos nós somos seres eternos, e esta eternidade não começa limitações com humildade. Afinal, a vulnerabilidade não é sinónima de
quando acaba a morte, mas sim quando começa a vida. Aqui não há pas- incompetência.
sado, nem futuro, mas sim o Presente, saibamos Vivê-lo… Assumirmos uma postura de defesa, impede efectivamente a empatia.
Quem melhor do que alguém que já sentiu a perda, que já vivenciou um tur- “Tirar a máscara” é saudável, pois permite criar a verdadeira ligação com o
bilhão de emoções e que já conhece a cartografia do seu próprio mundo outro, algo mais profundo. Numa fase em que estamos a ultrapassar o tec-
interior existencial, para ter a sensibilidade necessária no sentido de acom- nicismo, precisamos desenvolver “uma terceira orelha”, é fundamental a
panhar o outro neste caminho?! De facto, esta experiência acarreta inúme- escuta activa, afinal viver é comunicar.
ras aprendizagens, aplicáveis à vida profissional. Obviamente, todos nós temos medos, nomeadamente, o medo da soli-
O que poderei dizer a uma criança ou adolescente que perdeu o pai ou dão, o medo do abandono, o medo de não viver uma vida plena, porém,
a mãe para aliviar o seu sofrimento? O que poderei dizer a um pai ou é crucial possuirmos consciência dos nossos sentimentos. Não esque-
mãe que perdeu um filho? Provavelmente nada…a profundidade da çamos que sem qualidade relacional, nunca poderá haver absoluta qua-
questão não é da mesma ordem de grandeza das palavras, é da dimen- lidade assistencial.
são do inexplicável. Por isso, muitas vezes talvez só possa ajudar com Assim, por mais desgastante e extenuante que possa ser a nossa activida-
uma presença serena, disponível e sincera na afectividade. Talvez um de, o privilégio de acompanhar alguém na sua viagem para a finitude,
silêncio sentido que respeite a dor alheia. Talvez um espaço de aceita- com uma tranquilidade reconfortante, supera de facto tudo, e enriquece
ção emocional incondicional, para que a pessoa não se feche e encon- verdadeiramente a nossa própria vida.
tre mecanismos capazes de transformar a angústia da perda, em activi-
dades satisfatórias de vida. RUMO AO CUIDAR COM QUALIDADE
Na maioria das vezes, aquilo que ouço dizer a alguém em luto é que “é A perda não é condição humana. Portanto, quando falamos de
preciso seguir em frente”. Para mim, quando assumimos esta atitude perda, falamos de uma condição terrestre e biológica. Por sua
transparecemos duas coisas: “desculpe, mas eu não tenho tempo para vez, o processo de luto é uma reacção vital, essencialmente ine-
ouvir as suas lágrimas e por favor não acorde em mim um sofrimento rente à condição humana. Este representa a resposta à perda de
maior do que o seu”. algo ou de alguém e inclui um conjunto de sentimentos que levam
Entender o luto do outro, é então encontrar em nós os caminhos das experiên- determinado tempo a serem resolvidos, dependendo de pessoa
cias emocionais de perda e angústia, talvez por isso se diga tanto “esquece e para pessoa, bem como da particularidade de cada situação
segue em frente”. Esta, não é a atitude profissional correcta, pois é a negação (GPAP, 2007). 9
humana, é alimentar o sofrimento, é colocar-nos ao serviço da doença. O processo de luto não se constitui como processo linear, muito pelo
Negar o sofrimento, é sofrer duas vezes, “esquecer e seguir em fren- contrário, envolve uma série de etapas ou componentes sequenciais,
te” nunca foi acto de coragem, não é mais do que fugir de chorar a que são subjectivas, na medida em que variam de acordo com as
aceitação da verdade. Perde-se o controlo, o rumo, o sentido da vida. características e vicissitudes de cada um de nós.

Revista Nursing; Edição setembro 2012; pág. 27


28 I CUIDADOS PALIATIVOS SETEMBRO .12

Desde os primórdios da humanidade, que o humano tem necessidade de nhamos para propostas de intervenção em saúde mais direccionadas para
ritualizar a morte. De acordo com Carvalho (2006) retratando os tempos questões das reais necessidades do ser humano enquanto passível de
mais longínquos, os mortos dos povos musterenses eram cobertos de morte, porém, ainda temos um longo caminho a percorrer para que a morte,
pedras com o intuito de protegê-los dos animais e evitar que voltassem na nossa sociedade seja respeitada e vivida com dignidade.
para junto dos vivos.1 Mais tarde, eram ainda depositados alimentos Por outro lado, sejamos francos, o acompanhamento no luto não acontece
sobre a sepultura dos mortos. Portanto, sempre valeu a pena a atitude na maioria dos nossos serviços, não intervimos para além da morte, este é
pela morte serena e em paz. um cuidado que deveras não se presta, embora a descoberta deste cami-
Neste contexto, podemos compreender que há de facto rituais distintos, nho delineado no apoio à família em luto seja precioso.
provenientes de realidades distintas, e a este nível, é importante também Chambel (2007) considera o luto, antes de qualquer acção comporta-
adaptar a nossa abordagem, na medida em que a compreensão da diferen- mental, um processo interior que não se condiciona com exteriores
ça gera melhor acompanhamento à pessoa que está a morrer. Esta cons- ornamentados. Portanto, o luto como tudo o que é do psíquico, íntimo
ciência atenua o sofrimento no processo de luto, afinal não nos sentimos e afectivo humano, é pouco dado a catalogações objectivas, observa-
sós neste momento. ções directas ou outras técnicas racionalizantes. Daí que exige de nós,
A religião assume, neste sentido, também grande relevo, na medida em que profissionais de saúde uma delicadeza que vai para além do físico, e
é uma das dimensões mais importantes da vida humana. Erikson, cit por que atinja a dimensão espiritual.4
Carvalho, 2006. p.8, descreve religião como força ordenadora capaz de tra- Porém, sejamos realistas, não podemos idealizar a “boa morte”, pois
duzir e dar sentido escuridão que rodeia a vida humana, e a luz que permeia tal é utopia. Todas estas situações são extremamente difíceis quer
além de toda a compreensão.1 para o doente/família, quer para nós, não podemos eliminar todo o
Mas relativamente ao acompanhamento no luto, no âmbito dos sofrimento, contudo, podemos ajudar o doente e família a encontrar o
Cuidados Paliativos, o que acontece na nossa realidade? O que preci- significado desse sofrimento.
samos mudar para que deixem de estar ao nível da teoria e se transpo- A nossa dificuldade está muitas vezes associada ao facto de tais situações,
nham para a prática? nos remeterem para a nossa condição humana, o que implica lidar com
Aquilo que constato é que na maioria dos nossos serviços, a equipa é ainda emoções, aspecto com o qual temos enorme dificuldade em lidar desde
depositária do saber, ou seja, baseada no princípio da beneficência, de se sempre. Não podemos pensar que não irão existir momentos de melanco-
fazer o bem e evitar o sofrimento adicional, a equipa age unilateralmente, lia, choro e por vezes até descrença, o importante é não desistir e trabalhar
considerando que sabe o que é melhor para o doente, não valorizando aqui- incessantemente na área, com exigência e rigor.
lo que ele sente como melhor para si próprio. Na minha opinião, era importante a criação de momentos de reflexão e
Esta reflexão é neste contexto crucial, pois está em jogo a busca da dig- seminários de discussão sobre a temática por todos os grupos profissio-
nidade, não só durante a vida, mas também com a aproximação da morte, nais que integram a equipa de saúde. A formação nesta área seria também
envolvendo a valorização das necessidades e a diminuição do sofrimen- pertinente, embora deve realçar que a grande dificuldade neste âmbito, não
to. Portanto, como nos diz o princípio da justiça, que envolve a proprieda- se prende somente com o “saber fazer”, pois a este nível seria simples, mas
de natural das coisas e o bem-estar colectivo entendido como equidade, sim, com o “Saber Ser”.
cada pessoa deve ter as suas necessidades atendidas, reconhecendo-se Por outro lado, no seio de uma verdadeira equipa, uma equipa coesa, todo
as diferenças e as singularidades. o processo seria mais facilitado. Actualmente, aquilo que verificamos são
Não esqueçamos que de acordo com o Código Deontológico do grupos profissionais, nomeadamente, o grupo dos enfermeiros, o dos médi-
Enfermeiro, 2003, p.5, é dever do enfermeiro “defender e promover o direi- cos, psicólogos…que se reúnem por momentos apenas. Esta constitui
to do doente à escolha do local e das pessoas que deseja que o acompa- para mim, outra das nossas maiores dificuldades, pois se não tivermos efec-
nhem na fase terminal da vida”; “respeitar e fazer respeitar as manifesta- tivamente uma verdadeira equipa, não poderemos aliviar o sofrimento seve-
ções de perda expressas pelo doente em fase terminal, pela família ou ro. E aqui, é fundamental sobretudo a persistência. Como ouvi alguém dizer
pelas pessoas que lhe são próximas” e “respeitar e fazer respeitar o corpo uma vez, é fundamental “passar pelo meio de dois pingos de chuva e não
após a morte”, para desta forma respeitar-mos com dignidade não só a pes- parar porque está a chover”.
soa, mas também a sua família e pessoas significativas.10 A filosofia e perspectiva inerente aos CP deveria ser, na minha opinião,
Quando se trata de um utente em fim de vida, a palavra “curar” é substituí- transversal a todas as fases dos cuidados de saúde. E porque não? Porque
da por “cuidar”, auxiliando, aliviando a dor, escutando, promovendo o máxi- só o morrer é merecedor de tal Atitude? E o nascer, e o crescer, e o
mo de autonomia, bem-estar e qualidade de vida, centrando-se nas neces- idoso…? Somente assim, se Cuidaria plenamente e verdadeiramente.
sidades da pessoa e da família. A nossa vida é então uma construção contínua, e para nós profissionais
Ainda que recentemente tenha sido criada regulamentação da assistência de saúde, é uma construção muito mais rica, dadas as enormes oportu-
espiritual e religiosa nos hospitais e outros estabelecimentos do SNS, atra- nidades de aprendizagem, que temos o privilégio de encontrar no nosso
vés do Dec. -Lei n . 253/2009, e que constitui de facto já um passo signi- dia-a-dia, pautado por grandes Mestres, que descobrimos nos doentes
ficativo, a nossa caminhada ainda é longa. Efectivamente, parece que cami- que cuidamos.

Revista Nursing; Edição setembro 2012; pág. 28


SETEMBRO .12 CUIDADOS PALIATIVOS I 29

Pode ser que com eles aprendamos a valorizar a vida, a enaltecer os seus
“pequenos” valores, que na realidade são os mais importantes, e que infeliz- Bibliografia
mente somente valorizámos quando os perdemos. Será que no meio da nossa
azáfama diária, temos tempo para viver, ou somente estamos vivos? 1. Carvalho, C.(2006). Luto e Religiosidade. Monografia realizada no âmbi-
Arriscaria ser ambiciosa ao dizer, que para mim, pensar sobre todas estas ques- to da Licenciatura em Psicologia. Maia.
tões e ponderar conscientemente sobre esta última, foi de facto, o maior contri- 2. Nóvoa, A. (1988). A formação tem de passar por aqui: As histórias de
buto desta reflexão. Assim sendo, tal como Neves, 2000, p.19, eu acredito que vida no projecto prosalus. Universidade de Lisboa. Lisboa.
o amanhã nunca será como hoje. A dinâmica dos CP está lançada, o espírito 3. Neves, C. (2000). Cuidados Paliativos. Formasau. Coimbra.
paliativo ganha terreno, mas exige de nós muita imaginação e energia…3 4. Chambel, H. (2007). Processo de luto e humanização da morte – coor-
denadas de um percurso emocional. Recuperado em 5 Março, 2010, de
CONCLUSÃO http://www.psicologia.com
A partir das reflexões contempladas neste artigo, depreendemos que a 5. Mendes, J. (2005). Como inserir a espiritualidade no processo terapêu-
morte, apesar de ser uma parte da existência humana, acarreta de facto tico. Servir, N 54,158-164.
uma grande carga de angústias e temores, para quem dela se aproxima, 6. Gouveia, M. ; Ribeiro, J.; Marques, M. (2000). Adaptação Portuguesa
bem como para os profissionais de saúde. Neste sentido, somente pela do Questionário de Bem-estar Espiritual. Resultados psicométricos prelimi-
compreensão dessa possibilidade existencial, é que nós profissionais de nares. Actas do 7 congresso nacional de psicologia da saúde, 423-426.
saúde poderemos experimentar o cuidado autêntico com o ser que adoe- 7. Dec.-Lei n . 253/2009 – Assistência espiritual. “D.R.” - I-A Série, n .
ce, assumindo compromisso com uma assistência que não vise única e 185/09 (2009-09-23), p. 6794-6798.
exclusivamente a cura, mas que favoreça o cuidado do doente como um ser 8. Cerqueira, M. (2005). O cuidador e o doente paliativo. Formasau.
pleno de humanidade, com necessidade afectivas, sociais e com direito de Coimbra.
viver o seu morrer com respeito e dignidade. 9. Gabinete de psicologia e apoio psicopedagógico da Universidade
Não poderia concluir este artigo, sem reafirmar uma frase na qual acredito do Algarve. (2007). Perda e Luto. Recuperado em 21 Fevereiro, 2010, de
plenamente e que para mim traduz o verdadeiro sentido da vida: Talvez um http://www.gpap.pt
dia aceitemos a nossa condição de Humanos simplesmente finitos em vida, 10. Ordem dos Enfermeiros. (2003). Competências do enfermeiro de cui-
mas infinitos de vida nos outros Homens… dados gerais. Ordem dos Enfermeiros. N 10, 49-56.

(Nota: artigo escrito de acordo com a ortografia antiga da Língua Portuguesa)

Revista Nursing; Edição setembro 2012; pág. 29


30 AGENDA

9 e 10 de novembro de 2012
1ºCongresso de Enfermagem em Urgência
Pediátrica das Beiras

Local: Grande Auditório Faculdade Ciências da Saúde - UBI, Covilhã

A Associação das Beiras dos Enfermeiros de Urgência Pediátrica organiza o


seu 1º Congresso. O encontro, que decorrerá nos dias 9 e 10 de novembro,
no Grande Auditório Faculdade Ciências da Saúde - UBI – Covilhã, abordará
diversas temáticas como Infeções respiratórias: novos caminhos, Interrelações
humanas em urgência pediátrica, Dor: do mito à realidade, Comportamentos
desviantes: distúrbios alimentares e depressão, Comportamentos adversos: 13 a 17 de outubro de 2012
deteção, acompanhamento, encaminhamento e Morte em Pediatria. Para 25ºCongresso Anual da Sociedade
mais informações contactar o site www.chcbeira.pt Europeia de Medicina de Cuidados
Intensivos (ESICM)

Local: Centro de Congressos de Lisboa

O Congresso Anual da Sociedade Europeia de


Medicina de Cuidados Intensivos (ESICM) vai ter
lugar no Centro Congressos de Lisboa, entre os
dias 13 e 17 de outubro de 2012. Para aceder a
mais informações sobre a 25ª edição do Congresso
consulte o site http://www.esicm.org ou o E-mail:
Lisbon2012@esicm.org

12 e 13 de outubro de 2012
III Congresso da Fundação
Portuguesa do Pulmão

Local: Lisboa 11 a 13 de outubro de 2012


VI Congresso Nacional e I Congresso Lusófono
Sob a temática central «Acompanhamento do doen- de Cuidados Paliativos
te respiratório crónico», o III Congresso da Fundação
Portuguesa do Pulmão vai realizar-se em Lisboa, no anfi- Local: Porto, no Hotel Ipanema Park
teatro da Associacão Nacional das Farmácias, nos dias
12 e 13 de outubro de 2012. A conferência inaugural é A Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos vai realizar, entre os dias 11 e
da responsabilidade do Professor Viriato Soromenho 13 de outubro de 2012, no Hotel Ipanema Park, Porto, o VI Congresso Nacional
Marques, que apresentará a preleção «Crise, Ambiente e I Congresso Lusófono de Cuidados Paliativos. Do programa fazem parte
e Doença». Para mais informações contactar o E-mail: Workshops, Encontros com peritos e Sessões plenárias e pararelas. Controle de
geral@fundacaoportuguesadopulmao.org ou o site sintomas em CP pediátricos, Feridas em CP, Avaliação das necessidades espe-
http://www.fundacaoportuguesadopulmao.org/ ciais e Referenciação para CP são alguns dos temas a abordar. Para mais infor-
mações contactar o E-mail: geral@apcp.com.pt ou o site http://www.apcp.com.pt

VI NACIONAL
SUPLEMENTO • Edição 283 • setembro de 2012

A EXPERIÊNCIA DO ELO DE LIGAÇÃO


À COMISSÃO DE CONTROLO DE INFEÇÃO HOSPITALAR ................................................. pag. 02
2 I SUPLEMENTO SETEMBRO.12

A EXPERIÊNCIA DO ELO DE LIGAÇÃO


À COMISSÃO DE CONTROLO
DE INFEÇÃO HOSPITALAR
Modus Vivendis vs Modus Operandis
FERNANDA PEREIRA SANTOS
Enfermeira. Comissão de Controlo de Infeção Hospitalar do Centro Hospitalar de Lisboa Central/Pólo Hospital de Santa Marta.

SUSANA DOMINGOS SILVA


Enfermeira. Unidade de Cuidados Intensivos de Cardiologia do Centro Hospitalar de Lisboa Central, EPE/ Pólo Hospital de Santa Marta.

RESUMO INTRODUÇÃO
As Infeções Associadas aos Cuidados de Saúde (IACS) são um A problemática das Infeções Associadas aos Cuidados de Saúde
problema de saúde pública com impacto socioeconómico e (IACS) que apresentam taxas de morbilidade e mortalidade elevadas
mesmo demográfico, que perduram na história e que podem ser para além do prolongamento do tempo de internamento hospitalar e
prevenidas. custos económicos adicionais tem sido estudada e revisada numa
As comissões de controlo de infeção hospitalar têm tido um papel abordagem estatístico-epidemiológica. O percurso metodológico de
ativo nesta área e são os elos de ligação, elementos da prática clí- análise das IACS, em que se incluem taxas, números de redução e
nica que articulam não só informação, como monitorizam as práticas aumento, estimativas e médias, contribuem para a reflexividade crítica,
de prevenção da infeção nos cuidados prestados. estruturada e sistematizada de uma realidade que tem de ser explana-
Pretende-se um olhar crítico e reflexivo de uma experiência de um da em toda a sua abrangência. Ou seja, como o epicentro do proble-
elo de ligação à Comissão de Controlo de Infeção Hospitalar ma clínico situa-se na prática diária de cuidados, sendo neste cenário
(CCIH), explanando dificuldades, obstáculos, mas essencialmente de cultura organizacional que surgem as IACS, será também determi-
as construções e competências pessoais e profissionais adquiridas. nante para além da estatística, uma reflexão de experiências e vivên-
cias dos profissionais de saúde que cuidam do doente.
Palavras-chave: Elo de Ligação; Comissão de Controlo de Infeção Esta reflexão pretende demonstrar um percurso pessoal e profissional
Hospitalar; Infeções Associadas aos Cuidados de Saúde. enquanto elo de ligação à Comissão de Controlo de Infeção Hospitalar
(CCIH), revelando não só pontos históricos evolutivos, como posições
ABSTRACT favoráveis, handicaps e constrangimentos.
Health Care Associated Infections (HAI) are a preventable public
health problem, with a long-standing socio-economic and even demo- PINCELADAS DE HISTÓRIA
graphic burden. Quando comecei a estudar a temática de Infeções Nosocomiais reme-
Infection Control Committees (ICC) have had an active role in this teu-me para uma panóplia de informação historial e conhecimentos às
problem and local clinical healthcare personnel in connexion with quais: a história do Hospital de Santa Marta (local da prestação de cui-
these departments not only provide concerning data, but also monitor dados), Florence Nightingale, a «dama do lampião», e Pasteur, «o pai da
the implementation of infection prevention policies. microbiologia», se evidenciaram.
The aim of this study is to provide a critical and reflexive experience O Convento de Santa Marta, fundado no século XVI, em 1569, acolhia as
of a dynamic link between these local healthcare workers and the vítimas da grande Peste de Lisboa, em 1890 albergava as vítimas de um
other ICC constituents, explaining their difficulties, obstacles and the surto de Gripe e posteriormente funcionou como Hospital de doenças
development and acquisition of personal and professional skills. venéreas. Um historial ligado às doenças infeciosas.
Na génese da Enfermagem situa-se Florence Nightingale, em 1863,
Keywords: com a sua experiência na Guerra da Crimeia, no contexto de Hospital
Liaison Infection Control Elements; Infection Control Committee; Health Militar, em que descreve um conjunto de cuidados aos doentes, com a
Care Associated Infections. noção de assepsia e ao meio, com as ideologias do sanitário/higienização,

Revista Nursing; Edição setembro 2012; pág.2


SETEMBRO.12 SUPLEMENTO I 3

com o objetivo de diminuir o risco de infeção hospitalar. Também refe- vadas. Para além da transversalidade a toda a comunidade, nos transpor-
rencia uma forma de vigilância em saúde, tornando-se um propósito ino- tes públicos e todos os serviços públicos, nas escolas e nos hospitais,
vador dirigido ao cuidado de Enfermagem (LOPES, 2001). começou-se a falar uma linguagem comum, em que os próprios familiares
Louis Pasteur, por outro lado, expõe a teoria microbiana das doenças infe- reconhecem a necessidade de lavagem das mãos, procurando esses mes-
ciosas entre 1877 e 1887, que, apesar de cientista ligado à física e quími- mos recursos, tal como o uso de barreiras de proteção adequadas. O pró-
ca, cria laços com a medicina com a descoberta de microrganismos res- prio conceito de higiene brônquica substituído pela etiqueta respiratória tor-
ponsáveis pelas infeções, a descoberta das vacinas (1881) e a imunologia, nou-se um ícone importante, como gesto repetido em toda a comunidade.
obrigando, por exemplo, os médicos dos hospitais militares a «ferverem» o
material dos procedimentos médico-cirúrgicos (conceito de esterilização). EXPERIÊNCIA DO ELO DE LIGAÇÃO NA CCIH
Mas o crescente desenvolvimento da sociedade, a difusão de novas tecnologias Desde 2006 que tenho desempenhado funções de enfermeira na articulação
e terapêuticas também facilitaram a introdução de novas concetualizações. O como elo de ligação à CCIH, na Unidade de Cuidados Intensivos de
próprio conceito de saúde tem sofrido transformações, mas até o conceito de Cardiologia (UCIC) do Hospital de Santa Marta (HSM), do Centro Hospitalar
infeção nosocomial foi substituído pelo de IACS, o que lhe dá de imediato um de Lisboa Central (CHLC), EPE (publicado no Boletim Informativo n 084/CA
juízo de operacionalização. A esta definição também lhe foi agregado o nível de de 14/06/2006). Este duplo papel, não é nada mais nada menos do que saber
cuidados de que é independente, isto é, não terá que ser adquirida exclusivamen- e aplicar na prática políticas e procedimentos vigentes, que constantemente
te a nível hospitalar, mas ligada aos cuidados de pessoas em fase aguda, em rea- são atualizados segundo guidelines baseadas em evidências científicas, confor-
bilitação, em ambulatório ou domiciliários (GRUPO COORDENADOR DO me novas realidades. É-se o elo, uma ponte de ligação e dinamizadora, em que
PNCI, 2008). A nomenclatura Bundle constitui o mais recente desafio na práti- se dá informação de retorno da teoria para a prática e da prática para a teoria.
ca, o designado desafio do «Tudo ou Nada», na adesão a políticas e procedimen- Segundo a organização das atividades da CCIH do Plano Nacional de
tos, que requer coesão multi e pluriprofissional. Este termo desenvolvido pelo Controlo da Infeção (GRUPO COORDENADOR DO PNCI, 2008:48-49)
Corpo Docente do Institute for Healthcare Improvement, descreve um conjunto encontro-me integrada no núcleo de membros dinamizadores da CCIH, que
de processos fundamentados, mais ou menos 3 a 5 práticas simples, que melho- tem como funções específicas:
rem os resultados clínicos. A nossa realidade com aplicação do cumprimento de • Sensibilizar os pares para as questões de prevenção e controlo da infeção;
Bundles surgiu no transato ano de 2012, com a prevenção de infeções nosoco- • Participar na elaboração de normas para a respetiva unidade, com base
miais relacionadas com dispositivos intravasculares no Adulto e no nosso caso nas recomendações da CCIH, pôr em prática e acompanhar o cumprimen-
específico a observar - cateter venoso central (CVC) - que apresenta Central to das mesmas;
Line Bundle, com cinco componentes chave: 1 - higiene das mãos, 2 – barrei- • Identificar problemas de estrutura, de processo e/ou de resultados, e
ras de proteção máxima, 3 – antissépsia da pele com clorohexidina a 2% em informar a CCIH em caso de suspeita de surto epidémico ou de outras
álcool isopropílico a 70,4 – seleção ótima do local de inserção, preferencialmen- situações de risco em controlo da infeção;
te artéria subclávia, seguindo-se jugular e por último femural, 5 – avaliação diária • Propor à CCIH a realização de estudos na Unidade, ou a adoção de medi-
da necessidade de manter cateter, removendo imediatamente cateteres desne- das que consideradas necessárias para a prevenção e controlo de infeção;
cessários (PROCEDIMENTO MULTISSETORIAL CIH124, 2011). • Colaborar na recolha de dados para os estudos de vigilância epidemioló-
O Big Bang da Comissão de Controlo de Infeção Hospitalar (CCIH) gica e nas auditorias às práticas na respetiva unidade;
surge em 2008, com o manual de operacionalização do programa nacio- • Assegurar que os cuidados prestados a cada doente são apropriados,
nal de prevenção e controlo das IACS emanado pela Direção-Geral de relativamente à prevenção e controlo da infeção;
Saúde (disponível no microsite) e, em 2009, com o surgimento da estraté- • Participar e dinamizar as ações de formação promovidas na unidade na
gia nacional mutimodal para a higiene das mãos, através da campanha, área da prevenção e controlo da infeção e colaborar com a CCIH na iden-
medidas da Organização Mundial de Saúde (OMS) «Medidas Simples tificação de necessidades de formação na unidade.
Salvam Vidas». Todos estes instrumentos tornaram-se alicerces imprescin- O meu desenvolvimento nesta área teve maior representação a partir do
díveis do cuidar, que padronizam procedimentos, com o objectivo de momento em que tive um papel ativo na Comissão. Eu diria um papel ativo
melhorar a qualidade dos cuidados. na prestação de cuidados e junto dos profissionais de saúde e pares. Veja-
Talvez o momento mais marcante nesta viagem tenha sido em 2009, com a se a importância da formação na CCIH, não só na responsabilização da
epidemia de gripe suína, designada por gripe A, mais evidente que a gripe transmissão da informação, como na sua aplicabilidade.
aviária em 2006, que não teve expressividade em termos de números, com- Dentro da experiência formativa participei em múltiplos debates, jornadas e
parativamente à taxa de infeção anual de pessoas pelo vírus da Gripe. encontros, no âmbito da formação contínua e direcionado para a área do
Acabou por ser sim, uma mais valia no alerta da população em geral e dos controlo de infeção hospitalar (CIH). Destaco em 2005 as primeiras temá-
profissionais de saúde, em particular. As medidas preventivas e de contro- ticas que me despoletaram interesse nesta vertente, Jornadas Técnicas em
lo como: as precauções básicas e de isolamento e o uso racional de anti- Cuidados Intensivos, sob o tema «Sépsis» do Hospital de S. José, CHLC,
bióticos começaram a ser uma prática real, cumprindo-se novas rotinas na EPE. Neste evento científico houve uma abordagem mais preventiva do que
sua aplicabilidade. A lavagem higiénica das mãos foi uma das mais obser- o próprio tratamento em si. Por outro lado, já como elemento integrante

Revista Nursing; Edição setembro 2012; pág.3


4 I SUPLEMENTO SETEMBRO.12

da CCIH, a ação de formação sobre «Antibioterapia Profilática em junto da CCIH foram o reverso da medalha, um Know-How efetivo no
Cirurgia», em 2010, vislumbrou novas medidas terapêuticas e de pre- uso adequado de materiais, equipamentos e recursos. Esta atitude de
caução na administração de antimicrobianos, mesmo que de forma treino consciente facilitou uma abordagem multidisciplinar, orientando
empírica. para novos comportamentos e atitudes. Não se esqueça que: compor-
Ministrei também diversas ações de formação em serviço e sessões tamento gera comportamento.
de sensibilização a enfermeiros e assistentes operacionais sobre os Porém, esta mudança é um processo lento na formação de novos hábitos
grandes conteúdos temáticos do CIH, referenciando-se: profissionais, mas é gratificante observar essas alterações passo a passo.
• Precauções básicas de isolamento; Eu diria uma cultura institucionalizada, que necessita de disrupção com o
• Mãos como veículo de transmissão de infeção e Higienização das Mãos; velho, para dar razão ao novo agir.
• Equipamento de proteção individual; Veja-se a apresentação dos relatórios de prevalência de infeção, que dei-
• Higiene respiratória/Etiqueta respiratória; xaram de ser olhados pelos profissionais como uma crítica com conotação
• Transporte de produtos para exame microbiológico; negativa, mas algo construtivo a melhorar e a reduzir essas mesmo taxas
• Manuseamento de sacos coletores em doentes críticos. de infeção, com uma perspetiva detalhada dos procedimentos e incidên-
Neste mesmo contexto participei numa pluralidade de atividades, que cia nos comportamentos de melhoria, envolvendo, na maioria das vezes,
discrimino: toda a equipa. O conhecimento dos microrganismos isolados, os fatores
• Reunir com os outros elementos da CCIH e partilhar experiências, extrínsecos, os locais das infeções permitiram a adoção de estratégias
esclarecer dúvidas e conferir sugestões de melhoria/ação/intervenção; que confluíram numa sinergia e uniformização da metodologia a adotar.
• Dinamizar como observadora e formadora no 1ºdesafio da
Organização Mundial de Saúde (OMS) «Clean Care is Safer Care»,
no âmbito da implementação da Campanha Nacional de Higiene das
Mãos, na UCIC do HSM, CHLC, EPE, desde 2009;
• Integrar a equipa auditora na realização da Auditoria à Norma 6 –
Gestão do Risco – Controlo Infecioso «Higiene das Mãos», no con-
texto do Programa de Auditoria Interna, em 2008 e 2009, da CCIH
do HSM;
• Realizar diversas auditorias no serviço às práticas de CIH (higiene
das mãos, uso de equipamento individual, ambiente, manuseio e remo-
ção de resíduos, manuseio e remoção de corto-perfurantes, manuten-
ção de equipamento do doente, quartos de isolamento, copa), com ins-
trumentos próprios de auditoria da CCIH, do CHLC, avaliando níveis
de conformidade e identificando sugestões de intervenção;
• Efetuar a vigilância epidemiológica através dos estudos de prevalência
de infeção, com inquéritos de prevalência, realizados em 2009, 2010 e
o último em Maio de 2012. Este trabalho permitiu descrever doentes,
procedimentos invasivos e infeções/antimicrobianos prescritos, divulgar
os resultados a nível local, tal como disponibilizar uma ferramenta padro-
nizada para identificar metas para a melhoria de qualidade;
• Produzir posters para afixar em eventos científicos, com o intuito de
divulgar o trabalho e alertar para a temática (Vide Figura 1).
A formação tem tido, sem dúvida, o seu contributo no meu crescimen-
to profissional e no desenvolvimento de competências técnico-cientí-
ficas. Foi também a especialização em Enfermagem de Reabilitação,
concluída em 2011, que assentiu aprimorar competências comuns
partilhadas por todos os enfermeiros especialistas nos domínios de:
responsabilidade profissional, ética e legal, melhoria contínua da qua-
lidade, gestão dos cuidados e aprendizagens profissionais. Mas
entenda-se, é na prestação direta de cuidados que se é confrontado
com interrogações e colocado à prova nessas mesmas competências. Figura 1 – Poster alusivo à temática da Higienização das Mãos, integrado no evento
No início tornou-se até constrangedor perante alguns colegas, mas a de lançamento da estratégia Multimodal da OMS para a melhoria da Higiene das
permanente pesquisa, envolvimento e atualização de conhecimentos Mãos no HSM, CHLC, EPE, decorrido na semana de 22 a 26 de Junho de 2009.

Revista Nursing; Edição setembro 2012; pág.4


SETEMBRO.12 SUPLEMENTO I 5

Esta adesão é sem dúvida a chave do sucesso que funciona como impor-
tante indicador de qualidade dos cuidados. Bibliografia
O conceito de auditoria também deixou de ter um cariz autoritário ou
ditatorial, começando a ter expressividade na monitorização dos resul- 1. BOLETIM INFORMATIVO N 84 – Elementos de Ligação à Comissão de
tados, permitindo corrigir atempadamente erros de implementação ou Controlo de Infecção Hospitalar, de 14/06/2006 CA HSM, CHLC, EPE
interpretações inadequadas, promovendo boas práticas de prevenção. 2. CARAPINHEIRO, Graça – Saberes e Poderes no Hospital. Uma sociolo-
Para mim, a dicotómica incursão dos enfermeiros no núcleo executivo gia dos serviços hospitalares. Porto: 1993. ISBN: 972-36-0306-3.
da CCIH dos Hospitais e dos Hospitais em Centros Hospitalares 3. CENTRES FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION – Guideline for
hand hygiene in health-care settings. 2002. Acedido em Agosto 2012.
foram determinantes para as mudanças profissionais e institucionais.
Disponível em: http://www.cdc.gov/handhygiene/.
No que diz respeito à Enfermagem, esta decisão, permitiu um reconhe-
4. CIRCULAR INFORMATIVA Nº205 – Inquérito de Prevalência de Infecção
cimento do papel psicossocial da Enfermagem, revalorizando o nosso
no CHLC, de 23/05/2012 CA HSM, CHLC, EPE.
estatuto social, reconhecendo qualidades e competências dos enfer-
5. COLLIÉRE, Marie Françoise – Promover o Cuidar. Da prática das mulheres de virtu-
meiros. Prevê-se uma orientação mais dirigida e valorizada pelos de aos cuidados de Enfermagem. Lisboa: Lidel, 1999. ISBN: 972-757-109-3. P.385.
pares, que reconhecem uma voz importante para a concretização prá- 6. EUROPEAN CENTER FOR DISEASE PREVENTION AND CONTROL – The First
tica e execução com segurança, dos princípios de CIH. Tornam-se insi- European Communicable Disease Epidemiological Report. [Em linha] Stockholm:
ders na aplicação prática de procedimentos. Por outro lado, a agrega- 2007. ISBN 978-92-9193-062-3. 390p. [Consult. 08 Out. 2011]. Disponível em:
ção dos Hospitais em Centros Hospitalares abriram outros horizontes: http://ecdc.europa.eu/en/publications/Publications/0706_SUR_First_%20Annu
deixou-se de olhar para o problema local e abrangeu o regional, permi- al_Epidemiological_Report_2007.pdf.
tiu contactar com outras realidades, partilhar experiências, melhorar a 7. GRUPO COORDENADOR DO PNCI: COSTA, ANA CRISTINA; SILVA,
comunicação intra-equipa e acima de tudo trabalhar para confluirmos MARIA GORETI; NORIEGA, ELENA – Programa Nacional de Prevenção e
para um mesmo resultado e processo - a segurança do doente. Esse Controlo de Infecção associada aos Cuidados de Saúde. Manual de
trabalho tem vindo a ser desenvolvido na construção de procedimen- Operacionalização. Ministério da Saúde. Direcção Geral de Saúde. Fev. 2008.
tos multissetoriais que exigem incessante pesquisa do enquadramento 8. HEALTH PROTECTION SCOTLAND. Central Vascular Catheter Maintenance Bundle.
[Em linha] Infection Control Teliam, 2008 [Consult. 20 Out. 2011]. Disponível em:
legal de suporte nesta área, através de circulares e uniformização de
http://www.hps.scot.nhs.uk/haiic/ic/CVCMaintenanceCare Bundle.aspx.
medidas em contextos díspares. Também estes mesmos procedimen-
9. LOPES, Noémia Mendes – Recomposição Profissional da Enfermagem.
tos, encontram-se acessíveis a um duplo click, via intranet, com con-
Estudo Sociológico em contexto Hospitalar. Coimbra: Quarteto, Dez 2001.
sulta no momento, garantindo a rapidez e segurança na sua execução.
ISBN: 972-8717-17-2.
Constata-se que a partir destes momentos, a divulgação da finalidade e 10. MINISTÉRIO DA SAÚDE, DIRECÇÃO GERAL DE SAÚDE – Orientação de
importância das atividades da CCIH e a ampliação do número de profis- Boas Práticas para a higiene das mãos na Unidade de Saúde.
sionais de saúde, nomeadamente enfermeiros, que colaboram com a N 13/DQS/DSD de 14/06/2010.
CCIH são imprescindíveis na dinamização do CIH nos serviços, conjunta- 11. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Decreto de Lei 437/9, Conteúdo Funcional de
mente com a restante equipa e em articulação contínua com a CCIH Enfermeiro Especialista, n 3 a).
(BOLETIM INFORMATIVO nº 84, CA, 2006). Enfatiza-se a aproximação 12. O’GRADY, N. [et al] - Guidelines for the Prevention of Intravascular
que estes profissionais têm das necessidades e problemas do dia-a-dia. Catheter-Related Infections 2011. [Em linha] Center of Disease Control,
2011. 83p. [Consult. 21 Out. 2011]. Disponível em: http://www.cdc.gov/hic-
CONCLUSÃO pac/pdf/guidelines/bsi-guidelines-2011.pdf.
É na praxis clínica que ganha sentido e efetividade todo o trabalho epi- 13. PINA, ELAINE [et al]. Infecções associadaos aos cuidados de Saúde e
demiológico e científico realizado pela CCIH, que apresenta outcomes Segurança do doente. In: Revista Portuguesa de Saúde Pública. (2010) Vol.
10.p.27-39. Acedido em: 3/09/2012. Disponível em: http://www.elsevier.pt/rpsp.
relevantes para mudar uma realidade, muitas vezes enraizada e intoxi-
14. PROCEDIMENTO MULTISSECTORIAL – CIH.124 Prevenção da Infecção Relacionada
cada de hábitos nocivos para o ambiente hospitalar e para as pessoas.
com Dispositivos Intravasculares no Adulto, 2011. Disponível na Intranet CHLC.
Abrem-se novos caminhos, apela-se a uma consciencialização e res-
15. http://ecdc.europa.eu/en/publications/Publications/0706_SUR_First_%20
ponsabilização através do conhecimento, que muitas vezes é apenas
Annual_Epidemiological_Report_2007.pdf, acedido em 2010.
despoletado por nós: os que trabalham com e para o doente. 16. http://www.cdc.gov/hicpac/pdf/guidelines/bsi-guidelines-2011.pdf, ace-
São os elos de ligação à CCIH que zelam pela prevenção, deteção e dido em 2011.
controlo das infeções através da aquisição de formação. 17. http://www.chlc.min-saude.pt/content.aspx?menuid=445, acedido em
A capacidade para conhecer e partilhar o saber com consciência, Setembro de 2012.
mobiliza para um modus operandis de pensar. A experiência, como 18. http://www.hps.scot.nhs.uk/haiic/ic/CVCMaintenanceCareBundle.aspx,
modus vivendis, exige aquisição de saberes e atualização de conheci- acedido em 2012.
mentos, que conduzirão a uma prática dotada de qualidade na preven- 19. http://www.pasteur.fr/ip/easysite/pasteur/fr/institut-pasteur/histoire/l-
ção e controlo de infeção. oeuvre-de-louis-pasteur, acedido em Setembro de 2012.

Revista Nursing; Edição setembro 2012; pág.5

Você também pode gostar