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Biografia

Jesuíno Francisco de Paula Gusmão (Santos, São Paulo, 1764 - Itu, São Paulo,
1819). Pintor, arquiteto, escultor, encarnador, dourador, entalhador, mestre em
torêutica, músico, poeta. Negro, filho de Antônio Gueraldo Jácome e Domingas
Inácia de Gusmão, sobrinha do padre jesuíta brasileiro Bartolomeu Lourenço de
Gusmão, conhecido como Padre Voador. Em 1781 transfere-se para Itu e vive
entre religiosos locais. Na construção da Igreja Matriz Nossa Senhora da
Candelária, trabalha como ajudante do pintor José Patrício da Silva Manso (ca.1753-
1801), de quem se torna auxiliar e discípulo. Na cidade de São Paulo, em 1796,
pinta o forro da nave da Igreja da Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo e os
painéis do antigo Convento de Santa Teresa, que atualmente compõem o acervo
do Museu de Arte Sacra de São Paulo (MAS). Ao enviuvar, após breve vida matrimonial,
que lhe gerou cinco filhos, ingressa na vida religiosa. É ordenado padre carmelita
em 1797, e adota o nome de Frei Jesuíno do Monte Carmelo. Reza sua primeira
missa no ano seguinte. Em Itu, realiza os forros da capela-mor e da nave da Igreja
e Convento de Nossa Senhora do Carmo, por volta de 1784, e os painéis laterais
da capela-mor da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Candelária, datados do fim
do século XVIII. Entre 1815 e 1819, dirige a construção da Igreja e Convento de
Nossa Senhora do Patrocínio, desempenhando simultaneamente as tarefas de
arquiteto, mestre-de-obras, pintor e escultor. Realiza ainda oito quadros para a
igreja e compõe músicas sacras para sua inauguração. Falece antes de terminar a
obra, que é concluída por seus filhos e inaugurada em 1820. Em 1945, é
publicado pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan), em
São Paulo, o livro de Padre Jesuíno do Monte Carmelo de Mário de Andrade (1893-1945).

Análise da trajetória
Frei Jesuíno do Monte Carmelo é reconhecido como um dos principais artistas do
período colonial em São Paulo. De sua obra de compositor de músicas sacras,
construtor de órgãos, entalhador e arquiteto, restam apenas os trabalhos de
pintura realizados nas cidades de São Paulo e Itu. Negro e de origem humilde,
Jesuíno tem duas inclinações quando criança: o sacerdócio e a pintura. Não sendo
possível aprender o latim necessário para se ordenar padre, e diante da
necessidade de trabalhar desde cedo, volta-se para o ofício de pintor. Sua
formação dá-se pela observação das poucas decorações de igrejas existentes na
época em sua cidade natal, principalmente o templo do convento carmelita de
Santos. Devoto de Nossa Senhora do Carmo desde menino, os frades carmelitas
exercem papel fundamental em sua vida. O padre-mestre o inicia na música e na
técnica do órgão. Também provém dos carmelitas sua primeira encomenda
importante: estofar e encarnar as imagens esculpidas em madeira de Nossa
Senhora da Conceição, de Sant'Ana e de São Joaquim. Apesar da má qualidade do
trabalho, devido à inexperiência do artista, os religiosos decidem levar o jovem de
17 anos para auxiliar nos serviços da nova igreja da ordem em Itu, em 1781.

Enquanto trabalha na igreja carmelita em vários serviços - como sacristão,


tocando órgão nas missas, enfeitando os altares para festas -, é contratado pelo
artista José Patrício da Silva Manso para ajudar na decoração da recém-construída
Matriz de Nossa Senhora da Candelária de Itu. Não se sabe ao certo quais das
obras devem-se exclusivamente ao mestre e quais são as do ajudante. Em todo
caso, nota-se que mesmo nos trabalhos cuja autoria é atribuída a Jesuíno - como
os 12 painéis da capela-mor -, a orientação de José Patrício, artista mais
experiente, é indiscutível. Como observa Mário de Andrade, único estudioso da
obra do pintor colonial, os painéis apresentam uma "paleta emprestada",
tradicional e bastante acadêmica, em vermelhos e azuis intensos e sombrios. São
também muito irregulares como conjunto, principalmente no que diz respeito à
unidade de composição das cenas narradas.1 Esta coleção de 12 telas apresenta a
primeira obra de Jesuíno pintor, embora como pintor aprendiz.

É com a decoração da Igreja do Carmo de Itu (ca.1784) que Jesuíno alcança um


primeiro momento de independência artística. Do conjunto realizado resta o forro
da capela-mor. Se ainda tem em mente a tradição que conhecia, mistura-a com
intervenções do próprio temperamento. Assim como no teto da matriz, pintado
por ele e concebido por Silva Manso, não trabalha o assunto em perspectiva de
fuga, optando por colocar as figuras bem de frente, achatando a curva natural do
teto. Para reuni-las, dando unidade à cena representada,2 utiliza uma grinalda de
folhas e flores3carregadas por querubins e serafins, de modo a agrupar as seis
figuras veneráveis e os santos carmelitas num único espaço, com a Visão da
Virgem do Carmo ao centro. O artista liberta-se aqui das tonalidades escuras e
tons terrosos. Ocorre o clareamento de sua paleta. O conjunto cromático formado
pelo resplendor da luz amarela que parte da coroa da virgem, o forro azul-celeste,
os brancos, os tons de vermelho, azul, laranja e verde presentes tanto nas vestes
dos papas quanto nas dos anjos e flores lançadas por eles, sugerem uma
atmosfera quente e luminosa. De modo curioso, Jesuíno insere, no lado direito
inferior da composição, um único anjo de pele parda, mas com traços semelhantes
aos dos anjos brancos.

Após a morte da esposa, o artista vai para São Paulo, em 1795, com a tarefa de
decorar as igrejas carmelitas da capital. Dos trabalhos realizados, pode ser
apreciada apenas a pintura do teto da Igreja da Ordem Terceira do Carmo, obra de
maior vulto. Volta ao cromatismo austero nas 24 figuras do teto da nave. Não cede
nunca à movimentação barroca; suas figuras são hieráticas e seus gestos sugerem
um ritmo contido.

Inicia estudos de latim, recebe a ordenação em 1797 (porém, por ser negro, com a
ressalva do ex defectu natalium), é chamado a partir de então de Frei Jesuíno do
Monte Carmelo. Sua produção artística diminui após o recebimento das ordens.

Retorna a Itu em 1797. Fica abalado pela tentativa frustrada de ingressar na


Ordem Terceira de Nossa Senhora do Monte Carmelo. Começa a idealizar a
congregação dos padres do Patrocínio por volta de 1800. Consegue o apoio local e
até mesmo de Dom João VI (1767 - 1826) para construir a Igreja de Nossa Senhora
do Patrocínio, em Itu. Improvisa-se arquiteto e desenha seu risco (a fachada
original é remodelada ao gosto eclético em 1894). É assessorado pelos filhos,
todos religiosos. Seus últimos trabalhos, os mais dramáticos de sua produção
artística, são as oito telas de santos carmelitas em tamanho natural para
a decoração dos corredores laterais da igreja. Compõe músicas para sua
inauguração, mas morre em 1819 antes de vê-la pronta, o que acontece um ano
depois. Segundo Mário de Andrade, Frei Jesuíno do Monte Carmelo é o protótipo
do artista do Brasil colônia, muito mais intuitivo do que culto, localizado no
"entremeio entre a arte folclórica legítima e a arte erudita legítima".

Notas
1
Para Mário de Andrade pode-se dividir os painéis em duas séries, levando-se em consideração sua qualidade

artística e os temas: seis telas altas sobre a vida de Maria e seis telas largas contando a vida de Jesus. - A

primeira teria sido desenhada por José Patrício da Silva Manso e a segunda por Jesuíno. Contudo, ambas

teriam sido coloridas pelo discípulo e retocadas posteriormente pelo mestre.


2
Como observa Mário de Andrade, - "Jesuíno não sabe contar, ou não gosta dessa possibilidade literária, mais

própria do desenho do que da pintura. O dramático de Jesuíno não residirá nunca, quando bem expressado, no

entrecho da cena, mas na psicologia das figuras". Disso decorre uma galeria de figuras-retrato (por vezes dos

próprios filhos) conjugadas com figuras-padrão (principalmente as femininas) na obra do artista.


3
Sobre o festão de folhagens e flores, Mário de Andrade, afirmará: "Na verdade, Jesuíno está utilizando, senão

criando, um 'brasileirismo' de decoração. Esse é um jeito de enfeitar muito brasileiro, muito tradicional entre nós,

aproveitando verdes e as flores com prodigalidade esbanjadora, tangente da ingenuidade e do mau gosto. É

uma gostosura que só dá para esse teto uma aparência inusitada, como um sabor alegremente festa-de-arraial".

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