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A REND

DESENVOLVI
SOBRE PADRÕ
TRADICION
DA
A RENDA
IDA DESENVOLVIDA
ÕES SOBRE PADRÕES
TRADICIONAIS
NAIS
JACKSON BOUÉRES DAMASCENO JÚNIOR
Universidade Estadual do Maranhão

RUMI REGINA KUBO


Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Júnior, J. B. D. | Kubo, R. R.

A RENDA DESENVOLVIDA SOBRE PADRÕES TRADICIONAIS


Resumo
Os processos de reordenamento agrário têm influência na for-
mação da renda das famílias de agricultores, utilizando o trabalho
para articular as dimensões social e ambiental do processo, for-
matando um processo cultural específico evidenciado cotidiana-
mente, permitindo avaliar a inserção de cada contexto sob a ótica
do capital financeiro e a lógica da resistência à entrada do referido
capital no meio rural.
Palavras-chave: reordenamento agrário, cultura, políticas públicas,
reprodução social.

THE INCOME DEVELOPED OVER TRADITIONAL STANDARDS


Abstract
The agrarian reordering process has influence on the formation
of the income of farming families, using the work to articulate
the social and environmental dimensions of the process, format-
ting a specific cultural process daily evidenced, allowing to eva-
luate the insertion of each context under the perspective of the
financial capital and the logic of resistance to the entry of the said
capital in the rural environment.
Keywords: agrarian reordering, culture, public policies, social re-
production.

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A renda desenvolvida sobre padrões tradicionais

EL INGRESO DESARROLLADO A PARTIR DE PATRONES TRA-


DICIONALES
Resumen
Los procesos de reordenamento agrário influyen em la genera-
ción de renta de las famílias de agricultores, donde se utiliza el
trabajo para articular las dimensiones social y ambiental para crear
um proceso cultural específico que se evidencia cotidianamente,
que permite evidenciar la inserción de cada contexto sobre la óp-
tica del capital fincanciero y la lógica de la resistencia a la entrada
de referido capital en el entorno rural.
Palabras clave: reorganización agraria, cultura, política pública,
reproducción social

Jackson Bouéres Damasceno Júnior


jbagroeco@gmail.com

Rumi Regina Kubo


rumikubo2002@gmail.com

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INTRODUÇÃO teorias fundadoras da ciência econô-


mica e social, sendo responsável incon-
O processo de intervenção estatal por
testavelmente pelo fracasso do modelo
meio das políticas públicas está desper-
utilizado para analisar e formatar e im-
tando a curiosidade de muitos pesqui-
plementar políticas públicas destinadas
sadores. Inicialmente, este processo era
à geração de renda dos camponeses.
entendido como uma forma de pro-
porcionar a geração de renda por parte
do campesinato, mas, com o avanço OS COTIDIANOS E AS (DES)ECO-
dos estudos outras variáveis foram in- NOMIAS
troduzidas na referida discussão.
Nestes termos, foi observado que a in- A relação entre a apropriação e a utili-
clusão de elementos sociais e referen- zação dos recursos naturais, particular-
ciais históricos e culturais nas análises mente da terra, com o desenvolvimen-
tende a fortalecer as práticas produti- to das nações tem sido reconsiderada
vas e ao mesmo tempo em que as igno- recentemente no contexto de reflexões
ra, fomenta o insucesso da intervenção que vêm buscando superar as reconhe-
do Estado no processo de desenvolvi- cidas limitações e simplificações das
mento rural. teorias e análises, principalmente dos
economistas (Ramos 2001).
O etnodesenvolvimento incorpora
diversos fatores dentro da análise do A terra como fator de produção tam-
desenvolvimento, pois, entende que o bém é encarada como elemento de
desenvolvimento econômico é fruto acumulação primitiva do capital, apre-
de um processo de construção peculiar sentando nesta afirmação o primei-
a cada grupo social específico, e que ro paradigma deste texto (Marx et al.
essa construção precisa ser observada 1997). Embora tais reflexões levem
na concepção das políticas públicas, em conta também a situação dos pa-
elemento decisivo para o sucesso das íses desenvolvidos, elas parecem ser
mesmas. mais importantes quando se referem
ao caso dos países subdesenvolvidos,
Nenhum processo de desenvolvimen- pois, é nestes que “a terra é ainda o
to rural pode ser observado de fora mais importante meio de produção”
para dentro das realidades onde estão (Ramos 2001), pois, “seu estatuto é
evidenciados, pois, antes de qualquer muitas vezes determinado por consi-
coisa, a economia, em seu significado derações culturais de alocação, uso e
traz a maneira como é desenvolvido o gestão ambiental” (Cuéllar 1997:45),
trabalho em um ambiente específico, “sendo também uma fronteira para a
no mesmo sentido em que a terra para expansão dos padrões capitalistas de
o campesinato é um meio de produção produção e consumo, ainda não in-
essencial para a gênese do capital. corporados pelas sociedades rurais”
Assim, a forma como se comportam, (Schineider 2004:90), e nos quais é ne-
as políticas públicas de desenvolvimen- cessário “uma economia e uma políti-
to rural são contradições clássicas das ca renovadas” que tenham em conta a

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situação de “seus produtores agrícolas te, sendo este o principal fomento das
e de suas sociedades rurais” (Perroux atividades culturais, religiosas e espor-
1981:252). Dentre as funções destina- tivas desenvolvidas no meio em ques-
das a terra (Sabourin 2008), a produção tão. O trabalho das famílias é utilizado
agrícola, ou seja, a função econômica é para dar suporte à realização de diver-
apenas uma delas, existindo ainda mui- sas atividades, fugindo especificamen-
tas outras. Polanyi (1980: 181) aborda te do contexto produtivo, sendo estas
tal problemática partindo do reconhe- responsáveis pelo desejo de continuar
cimento de que “a função econômica é sendo camponês.
apenas uma entre as muitas funções vi-
tais da terra. Esta dá estabilidade à vida
do homem, é o local da sua habitação, MATERIAIS E MÉTODOS
é a condição da sua segurança física, é O método da pesquisa se baseou na
a paisagem e as estações do ano”. Na aplicação de questionários semiestru-
análise histórica que fez, constatou que turados e aplicados particularmente
“o caso do dinheiro revelou uma analo- em três recortes diferentes, onde se
gia muito real à do trabalho e à da terra. configuram realidades diferenciadas de
A aplicação da ficção da mercadoria a reordenamento agrário.
cada um deles levou à sua inclusão efe-
tiva no sistema de mercado” (Polanyi Recorte 1 – Famílias de Posseiros sem
1980:195). Contudo, a estrutura fundi- a titulação da terra: este recorte é for-
mado por agricultores posseiros de
ária é fundamental para o processo de
uma área denominada povoado Boa
geração de renda, pois, está alicerçada
Vista dos Pinhos no município de Pre-
em padrões tradicionais e culturais sen-
sidente Juscelino - MA. Este povoado
do organizada como forma a permitir
é formado por 62 (sessenta e duas) fa-
que os conhecimentos acumulados ve-
mílias de agricultores tradicionais que
nham a serem utilizados.
desenvolvem atividades agrícolas utili-
Desta forma, ao desenvolver padrões zando a tecnologia de corte e queima.
próprios de geração de renda, é for- O principal produto dessa economia é
matado uma lógica própria onde são a farinha de mandioca e a juçara. Neste
desenvolvidas as atividades econômi- contexto, foram entrevistadas 8 (oito)
cas que são observadas apenas naquele famílias de agricultores, totalizando
contexto específico, nunca sendo re- aproximadamente 13% (treze) do total
plicado para outras sociedades, pois, de famílias residentes na comunidade.
os hábitos e a cultura são conforma- Durante a realização da pesquisa de
dos por fatores intrínsecos a cada gru- campo também foram realizadas visi-
pamento social específico, e, tendo a tas às áreas de produção com a finali-
terra como meio do desenvolvimento dade de conhecer os sistemas produti-
destes. Nesta mesma perspectiva, o tra- vos, as variedades e espécies de plantas
balho familiar também é utilizado para e animais criados, a tecnologia adotada
a reprodução social e fixação de hábi- e também as formas utilizadas para o
tos e costumes construídos socialmen- beneficiamento e comercialização da

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produção obtida, sendo observados produção, cultivo e (des)organização


elementos de organização social da social, diminuindo assim, as relações
produção e gestão territorial da comu- com as pessoas e também com a na-
nidade. tureza viva, tornando esta dispensável
Recorte 2 – Famílias de Quilombolas, para a vida destas famílias. Estes recor-
tendo a área reconhecida e não homo- tes foram eleitos por serem as princi-
logada: este recorte se refere à comuni- pais formas de disposição das famílias
dade de Juçaral dos Pretos no municí- no território Lençóis Munim, confor-
pio de Presidente Juscelino - MA, esta me descritos anteriormente, e esta re-
comunidade já foi reconhecida pela alidade se estende para todo o estado
Fundação Cultural Palmares como co- do Maranhão, que possui boa parte
munidade quilombola, apesar de ainda de suas terras ocupadas por possei-
não ter sido homologado o processo ros, assentamentos estaduais, federais,
definitivo de titulação. A população é crédito fundiário ou cédula da terra, e
formada por 48 (quarenta e oito) famí- também apresenta expressivo número
lias de quilombolas que desenvolvem de áreas de ocupação tradicional por
atividades econômicas baseadas na remanescentes de quilombos que já fo-
agricultura de corte e queima de for- ram ou estão tendo o seu processo de
ma tradicional. Em Juçaral dos Pretos reconhecimento efetivado pela Funda-
foram aplicados 10 (dez) questionários ção Cultural Palmares.
totalizando aproximadamente 27% Os questionários utilizados foram
(vinte e sete) das famílias quilombolas. construídos observando a metodolo-
Recorte 3 – Famílias de Quilombolas gia dos sistemas agrários, e traz uma
que foram inseridas dentro do con- complexidade de informações muito
texto formal de reforma agrária: este grande, muitas vezes fugindo dos pa-
recorte é formado por quilombolas drões tradicionais desenvolvidos pelas
que tiveram o seu território tradicional sociedades pesquisadas, complexifi-
regularizado sob a forma de reforma cando ainda mais a leitura dos dados e
agrária do Governo do Estado do Ma- posterior análise dos mesmos.
ranhão.
Nesta área foram aplicados dez ques- DISCUSSÃO
tionários semiestruturados junto à
sociedade local e feitas observações
coletadas no processo de observação
A TECNOLOGIA DE ROÇA E QUEIMA
participante que contribuíram para co-
leta e compreensão das informações. As formas de obtenção da produção
Durante o processo, ficou claro que e a tecnologia utilizada no desenvolvi-
a influência dos agentes externos tem mento da agricultura precedem a dis-
transformado as relações internas, que- tinção das formas de transformação de
brando laços historicamente construí- produção em renda, desta maneira, é
dos e implementando novas formas de necessária uma caracterização da for-

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ma de associação entre trabalho e terra -prima a mandioca, que é produzida


para a obtenção de capital (financeiro ainda utilizando a tecnologia de roça e
ou não). queima, bem peculiar a todas as comu-
Para Damasceno Júnior (2010), a nidades rurais. A questão torna-se ain-
abertura da mata para a implantação da mais complexa quando é observado
de roças é uma técnica adotada pelos que a especialidade adquirida garante
agricultores há muitos anos, primeira- uma diferenciação positiva no preço
mente eles retiram a vegetação nativa, da farinha, fazendo com que esta inse-
gurança se transforme em frustração,
derrubando a floresta, seguida da quei-
pois, mesmo com os preços atraentes
ma das árvores que não foram retira-
da farinha, isso não se refere ao ganho
das para a implantação das lavouras.
econômico real, em virtude, principal-
Após dois ou três ciclos de cultivo a
mente, das respostas negativas do solo
área é abandonada, e a cada novo ci-
em se tratando de produtividade, não
clo os agricultores adentram a mata
podendo assim, atender às demandas e
para realizarem as mesmas operações,
necessidades apresentadas pelos mer-
caracterizando a inerência do sistema.
cados.
A solução encontrada pelas famílias de
PRODUÇÃO COMERCIALIZADA posseiros foi a utilização de espaços
menores com outros tipos de produ-
A produção destinada ao mercado as- tos que também são demandados pelos
sume diferentes papéis e funções em mercados. Dentre os produtos, encon-
cada contexto estudado por este tra- tramos o coentro, a cebolinha, a abó-
balho, visto que, embora os contextos bora, o quiabo e o maxixe, destinados
culturais se assemelham em função da ao consumo e à comercialização, e ain-
proximidade física das comunidades da uma pequena produção de frango
estudadas a forma de organização so- geneticamente melhorado. Estas práti-
cial é diversa e influenciada sobrema- cas caracterizam a transição do sistema
neira pela forma de reordenamento tradicional de produção para um siste-
agrário utilizado. ma onde são utilizadas outras tecno-
Recorte – 1: No primeiro recorte ob- logias. Durante o processo de obser-
servamos um nível de insegurança la- vação participante também foi notada
tente e peculiar às famílias pesquisadas. uma relação de respeito e preservação
A não solução da questão fundiária do meio físico, pois, dele depende tam-
estimula uma diversificação maior da bém uma importante fonte de renda da
produção e um desejo bem grande de sociedade de Boa Vista dos Pinhos, a
substituição dos padrões tradicionais produção de juçara.
de produção agrícola, mas, paradoxal- Ficou claro que os agricultores pesqui-
mente a especialização do trabalho fez sados já perceberam que preservando
com que estas famílias desenvolvessem os igarapés, as juçareiras irão continuar
uma diferenciação na forma de produ- a produzir e garantir mais uma fonte
ção de farinha, que tem como matéria- de renda para essas famílias. A preser-

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vação dos padrões culturais também muito pelo contrário, as demandas são
passa pelo consumo de juçara, visto externas e muita das vezes até recha-
que, além de consumir e comercializar, çadas pelos quilombolas de Juçaral dos
o líquido extraído da juçareira, é res- Pretos, desta forma, a política de reco-
ponsável pela manutenção das relações nhecimento das comunidades de Juça-
de parentesco e compadrio. Dentro ral dos Pretos como área quilombola é
das práticas de transição dos sistemas perfeitamente entendida e validada, ca-
tradicionais para sistemas mais eficien- recendo agora da titulação definitiva da
tes do ponto de vista econômico foi área em questão. Nesta perspectiva, a
observado que algumas famílias vêm consolidação do processo será respon-
adotando técnicas diferenciadas de be- sável pelo fortalecimento dos padrões
neficiamento da juçara, como as des- produtivos peculiares que tanto são
polpadoras elétricas, servindo como demandados pelas outras sociedades.
forma de diminuição da penosidade do A farinha de mandioca, principal pro-
trabalho e aumento da capacidade de duto comercializado não passou por
geração de renda. nenhum tipo de transformação para
Recorte – 2: A produção comerciali- atender às demandas do mercado, con-
zada pelos quilombolas de Juçaral dos tinua sendo produzida em barracões
Pretos é formada pelo excedente da de taipa com fornos de ferro aquecidos
produção destinada ao consumo fa- com lenha retida das capoeiras próxi-
miliar, desta forma, todos os produtos mas. A tradição alimentar do quilom-
disponíveis possuem uma caracterís- bo de Juçaral dos Pretos garante a essa
tica identitária muito forte. A relação comunidade a ampliação do plantel
com o mercado se dá principalmente de aves, dentre elas, galinhas caipiras,
quando outras sociedades se aproxi- patos e marrecos, que são criados nos
mam do quilombo, e percebem neste, fundos de quintal, denominados terrei-
um potencial produtor de alimentos e ros, e são alimentados de milho pro-
produtos culturais. Estes produtos são duzido na roça de toco junto com a
centrais na manutenção do meio de mandioca, assim, pode-se imaginar que
vida daquelas famílias. Dialeticamen- Juçaral dos Pretos não produz renda
te, esta relação é construída de fora monetária fruto da produção, mas, ao
para dentro da comunidade, fazendo chegarmos à comunidade e entrevis-
construir um processo de apropriação tar os quilombolas percebemos outro
continuada por parte das outras socie- produto comercializado, a cultura qui-
dades das culturas e tradições próprias lombola, que é expressa por meio das
da comunidade de Juçaral dos Pretos, festas e festejos, atraindo centenas de
assim, quando a farinha produzida no pessoas da região, transformando-se
quilombo é consumida, é também con- na maior fonte de receita desta comu-
sumida e aceita pelas outras sociedades nidade.
a realidade adotada naquela sociedade, Recorte – 3: Possuindo uma complexi-
de maneia que, não existem produtos dade bem maior que os dois sistemas
produzidos destinados ao mercado, analisados anteriormente, o Assenta-

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A renda desenvolvida sobre padrões tradicionais

mento Folhal diferencia-se, primei- PRODUÇÃO DESTINADA AO AUTO-


ro, por se tratar de uma comunidade CONSUMO
quilombola, e segundo, observando a
Na maioria das vezes o entendimen-
forma como o Estado promoveu a po-
to de produção para autoconsumo se
lítica de reordenamento agrário. A co-
restringe aos alimentos, e isso não é
munidade de Folhal, hoje é um assen-
verdade, pois, existe uma quantidade
tamento de reforma agrária, com lotes
bastante grande de produtos e serviços
coletivos sendo utilizados de acordo
que são produzidos e consumidos pe-
com os contratos verbais firmados en-
las sociedades rurais, especificamente
tre as famílias. A infraestrutura habita-
as populações contextualizadas neste
cional também foi viabilizada durante
estudo.
o processo de transformação do qui-
lombo em assentamento. Estes produtos são alimentos, serviços
ambientais, serviços culturais, passan-
Com a chegada das políticas públicas,
do por utensílios para o trabalho coti-
houve um processo de individualiza-
diano e para a satisfação de inúmeras
ção da sociedade, onde as demandas,
necessidades apresentadas pelas famí-
antes coletivas, foram transformadas e
lias, assim, apresentando uma cisão
atreladas aos recursos e programas go-
entre rural e agrícola, visto que, no
vernamentais.
meio rural são produzidos e consumi-
A discussão produtiva relacionada di- dos também produtos de natureza não
retamente à infraestrutura e assistên- agrícola e que são fundamentais para a
cia técnica deu lugar às demandas de preservação dos meios de vida das fa-
projetos produtivos e substituição total mílias, capazes de gerarem outras ren-
das roças de toco por campos agrícolas das além da renda monetária.
mecanizados, buscando o aumento da
A produção de alimentos para o con-
escala de produção. sumo das famílias do povoado Boa
Tudo o que é produzido é para o aten- Vista dos Pinhos é bastante diversifi-
dimento das demandas externas da cada, sendo composta por produtos
comunidade, a farinha produzida é que fazem parte da dieta alimentar das
praticamente toda destinada ao mer- famílias de agricultores, perdendo seu
cado, as questões ambientais como a significado específico. Esta produção
conservação da água e da terra foram é obtida por meio de práticas de pro-
esquecidas, uma vez que, a priorização dução agrícola, criação de pequenos
é por aumento da produção que vai ge- animais e extrativismo vegetal, todas
rar mais renda monetária àquela socie- obtidas utilizando as tecnologias tra-
dade, em função disso, boa parte das dicionais de roça e queima, criação de
referências tradicionais foram perdidas fundo de quintal e extrativismo, todas
ou estão se perdendo, a relação com o as atividades são desenvolvidas em es-
meio físico diminuiu, e principalmente calas pequenas. A base da alimentação
a capacidade de organização e supera- das famílias de agricultores posseiros
ção dos problemas está sendo erodida. de Boa Vista dos Pinhos é a farinha

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de mandioca, produto que se destaca referem com muita frequência às mu-


tanto na comercialização quanto no danças no calendário de produção de
consumo, apresentando grande impor- diversos frutos e frutas, interferindo de
tância para a geração de renda na co- forma significativa nos meios de vida
munidade. A transformação sofrida ao das famílias de agricultores, essas mu-
longo dos anos na qualidade da farinha danças ocorrem por meio da quebra de
produzida em Boa Vista dos Pinhos tradições culturais, como é o caso dos
também fora incorporada pela socieda- produtos à base de milho, que eram
de local, assumindo uma importância consumidos durante a Semana Santa,
tal que, todos os agricultores pesqui- que, não vai mais ser possível, em fun-
sados produzem mandioca para trans- ção do atraso do calendário de plantio.
formar em farinha, com o objetivo de O milho, além de produzir pratos típi-
alimentação humana. cos e bolos, também é consumido in
natura pelas famílias de agricultores, o
Dentre as famílias pesquisadas todas
destino de boa parte da produção des-
consomem juçara, este fato se consti-
te grão é a alimentação de pequenos
tui em um hábito cultural dos morado-
animais que são criados nos fundos
res de Boa Vista dos Pinhos, mas, nem
dos quintais, como forma de suprir as
todas possuem capacidade de praticar
necessidades de consumo de proteína
o extrativismo da espécie, pois, esta
animal.
prática demanda de habilidades físicas
específicas para subir na juçareira para No quilombo de Juçaral dos Pretos,
coletar o fruto e o transformar em vi- a produção agrícola é muito mais di-
nho, posteriormente. versa do que nas outras duas socie-
dades pesquisadas, este fato pode ser
No contexto específico da pesquisa,
explicado observando que, do ponto
60% dos agricultores desenvolvem
de vista agrícola, existe uma autono-
esta atividade, caracterizando como
mia produtiva muito forte em função
renda de autoconsumo gerada, duran-
principalmente da manutenção dos há-
te os meses de outubro a janeiro. O
bitos culturais, refletidos nesta discus-
extrativismo também é observado em
são pela alimentação das famílias em
espécies vegetais endêmicas na região,
questão. O comércio local é formado
como a manga de foice e o caju. Estas basicamente de uma pequena cantina
espécies são encontradas com muita onde são oferecidos produtos que não
frequência ao longo de toda a comu- podem ser produzidos pelas socieda-
nidade, fazendo com que as famílias de des locais, dentre esses produtos são
agricultores utilizem seus frutos como comercializados o sabão, o macarrão,
complemento da sua dieta durante a óleo de soja, refrigerantes e biscoitos,
safra. elementos que começam a impactar na
Um fato peculiar que chamou atenção realidade da formação da dieta destas
foram as mudanças climáticas que já famílias, não caracterizando uma de-
começam a serem notadas pelas famí- pendência ao capital financeiro. Neste
lias de agricultores, pois, os mesmo se comércio também são vendidos o ar-

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A renda desenvolvida sobre padrões tradicionais

roz, o feijão e o milho, além de bebidas sendo este fato marcante, pois, como
alcoólicas que são adquiridas por meio já foi discutido em outro momento
da renda monetária conseguida jun- deste trabalho, a produção de farinha
to aos programas de transferência de envolve uma quantidade expressiva de
renda e seguridade social destinadas a elementos e percepções por parte dos
estas famílias de quilombolas. agricultores, sendo mais forte ainda no
Mas a realidade da compra de produtos quilombo de Juçaral dos Pretos.
básicos é bastante distante na comuni- Em função da importância da farinha
dade, este processo de substituição da para a economia local, existe uma pre-
produção agrícola pela compra dos ocupação bem grande com a preserva-
mesmos no mercado não se constitui ção das fontes de água, pois, são nestes
uma realidade objetiva, podendo ainda balneários que ocorre o processo de
serem bastante influenciados por po- fermentação da raiz de mandioca.
líticas públicas, inclusivas de fomento Dentro desta perspectiva surgem algu-
às atividades tradicionais de produção. mas preocupações referentes às condi-
Um caso bem característico dessa dis- ções higiênicas e sanitárias do proces-
cussão refere-se à produção de arroz, so. O mesmo local onde as raízes são
observando que, as suas limitações fermentadas, a sociedade local utiliza
produtivas são ocasionadas por pro- para lavar roupas, louças, tomar banho,
blemas edáficos e climatológicos, e banhar e matar a sede de animais de
mesmo assim, 70% das famílias pes- carga, além dos porcos que frequentam
quisadas ainda praticam o cultivo do estes logradouros.
arroz, configurando-se em um impor-
tante elemento na composição da ren- As fruteiras endêmicas, como o caju,
da das famílias de agricultores, uma vez são utilizadas na época da safra para
que o mesmo produto tem uma impor- complementar a alimentação dos qui-
tância cultural reconhecida. O milho, lombolas, pois, cerca de 70% das famí-
cultura fundamental na manutenção da lias se valem destas fontes de recursos
identidade dos quilombolas é cultivado para terem a sua soberania alimentar
por 60% dos agricultores do povoado, preservada. A manga aparece em um
sendo utilizado basicamente para sub- contexto muito parecido com o caju,
sidiar a criação de porcos, atividade de- sendo que, dentro de um universo de
senvolvida por 3 entre os 10 agriculto- 10 famílias pesquisadas, 6 famílias de-
res pesquisados, e de galinhas caipiras, claram que tem na coleta da manga
criadas por 30% das famílias de agricul- uma atividade complementar ao cardá-
tores pesquisados, que são consumidas pio e na geração de renda de autocon-
na própria comunidade. No contexto sumo.
de consumo dos produtos agrícolas, a No contexto geral, já começam a apa-
farinha, mais uma vez, assume o pro- recer agricultores que buscam outras
tagonismo do processo, uma vez que, atividades produtivas fora das práticas
100% das famílias pesquisadas produ- tradicionais, como é o caso de uma
zem farinha para o consumo próprio, família que começa a desenvolver a

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criação de bovinos destinada ao corte, bem raras de acontecerem em Folhal,


para o consumo na comunidade, não as reuniões para discutir os problemas
se configurando assim, como uma ati- do assentamento são cada vez menos
vidade apenas de autoconsumo, mas, frequentes, e que está em curso um
uma atividade que gera excedente de processo de individualização desta
produção para o mercado. sociedade, principalmente, naquelas
A produção de ovos na comunidade é famílias que foram atendidas por dife-
decorrente ao processo de reprodução rentes políticas públicas.
das galinhas destinadas à criação para É latente o fato de que as políticas pú-
o abate, mesmo assim, ainda são retira- blicas destinadas a este assentamen-
das algumas dúzias para a complemen- to específico chegam a quantidades
tação do cardápio diário das famílias de insuficientes, fato que pode explicar
agricultores, portanto, não existe uma o fenômeno da individualização das
produção de ovos destinada à alimen- atividades econômicas e o enfraqueci-
tação dos quilombolas. mento das estruturas organizativas do
assentamento de Folhal. A produção
No assentamento de Folhal, a produ-
da roça tradicional ainda é significati-
ção agrícola tem uma importância me-
va, mas bem inferior quantitativamente
nor se comparada às outras realidades
das realidades anteriormente descritas,
pesquisadas, pois, grande parte do que
um produto que chama atenção para
é consumido advém de aquisição em
essa realidade é o arroz, que apesar
quitandas localizadas dentro da área
de ser cultivado por 80% das famí-
do assentamento. Não existe dúvida
lias pesquisadas, não é suficiente para
que há uma diversificação bem maior
atender as necessidades alimentares,
da produção de alimentos, mas, esta
carecendo complementar essa quanti-
diversificação não é significativa, pois,
dade com o arroz encontrado no ar-
as quantidades produzidas são muito
mazém do assentamento. A produção
pequenas, não sendo suficientes para
de milho está diretamente associada à
atenderem as necessidades nutricio-
produção de frangos, pois, este grão
nais das famílias assentadas. Existem,
é destinado basicamente à alimenta-
no assentamento Folhal, atividades de
ção destes animais, mostrando uma
fundo de quintal que remetem a uma mudança na matriz e direcionando
nova fase de estruturação dessa socie- a produção para o mercado externo,
dade, visto que as roças de toco foram fato este que faz com que as famílias
praticamente esquecidas e são poucos os do assentamento possam galgar algum
assentados que ainda as desenvolvem. nível de desenvolvimento econômico,
Um fato que chamou muito a atenção mas, por outro lado, a desagregação
durante o processo de observação par- social é muito marcante nesta socieda-
ticipante foi que, as trocas de diárias de. Apenas duas famílias pesquisadas
(empréstimos de dias trabalhados) e (20%) desenvolvem o cultivo do feijão,
troca de sementes desenvolvidas, mui- ratifica que em outras épocas era mais
to comum nas outras realidades, são frequente, fazendo com que a maior

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A renda desenvolvida sobre padrões tradicionais

parte do produto consumido venha Os suínos, ainda são criados de forma


dos mercadinhos e quitandas localiza- muito artesanal, provocando proble-
das no assentamento. Não diferente da mas sociais graves, como a invasão des-
realidade observada nos recortes ante- ses animais nas roças de mandioca dos
riores, a produção de farinha destinada vizinhos. Estes animais são produzidos
à alimentação das famílias do assenta- observando a lógica do consumo de
mento Folhal é significativa, fazendo proteína animal por parte das famílias
com que esta atividade seja de extrema de assentados. Destes animais é con-
importância para a segurança e sobera- sumida a carne fresca, alguns pedaços
nia alimentar da sociedade local. são salgados para serem adicionados
ao feijão, e outros transformados em
A quantidade consumida é significa-
toicinho que podem ser consumidos
tiva, visto que, o consumo da farinha
fritos, colocado no arroz ou no feijão.
está associado a diversos tipos de ali-
Desta forma, a produção destinada ao
mentos que compõem a dieta desta
autoconsumo das famílias do assenta-
sociedade. Inicialmente, ao amanhecer
mento Folhal é bastante diversificada e
o café é tomado com farinha, nos in-
assumem vários papéis. Com a abertu-
tervalos, as frutas como a manga são ra social para a aplicação de políticas
comidas com farinha, a juçara é toma- públicas de desenvolvimento, as ques-
da com farinha, no almoço, qualquer tões de identidade são bastante afeta-
prato que venha ser servido é consu- das, fazendo com que sua importância
mido com uma quantidade significativa venha ser diminuída.
de farinha, e assim se estendendo por
todo o cotidiano dessas famílias. Observou-se que no assentamento Fo-
lhal está sendo desenvolvida uma polí-
Esta realidade também é observada tica de crédito agrícola, o PRONAFA,
nos dois recortes anteriores, a man- cujo objetivo principal é a substituição
ga, o caju e a juçara apesar de serem da tecnologia tradicional de roça e
produtos sazonais assumem uma im- queima por outra dita moderna, mas, o
portância fundamental na renda de método utilizado é questionado, prin-
autoconsumo das famílias do assen- cipalmente observando o conhecimen-
tamento, pois, são consumidas nos to das famílias do processo que está
intervalos das refeições fazendo com sendo implantado.
que haja um complemento nutricional,
Para isso, foi construída uma infraes-
melhorando a qualidade da dieta destas
trutura produtiva na comunidade, que,
famílias.
sem dúvidas nenhuma, não é capaz de
As safras ocorrem em períodos di- atender as novas demandas apresenta-
ferentes do ano, fazendo com que das pelas tecnologias, uma dessas de-
sempre esteja disponível um destes mandas é o aumento do número de
produtos para alimentar as famílias capinas influenciado pelo afloramento
dos assentados de Folhal, perdendo a do banco de sementes após o revolvi-
importância ao mesmo tempo em que mento inicial do solo durante as etapas
ocorre a desagregação social. iniciais do processo.

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Desta forma, criar um novo problema os programas de transferência de ren-


para as famílias de assentados e não da têm servido para garantir a sobrevi-
proporcionar métodos para a solução vência destes povos, muito distante de
dos já existentes não se configura em observações pontuais que induzem a
momento nenhum uma estratégia de avaliações preconceituosas como, por
desenvolvimento rural. exemplo, aquelas que falam que os pro-
gramas sociais têm contribuído para a
criação de uma geração de preguiçosos.
RENDA MONETÁRIA
Na comunidade de Boa Vista dos Pi-
Geralmente, a literatura trata a ren- nhos, sete famílias pesquisadas rece-
da monetária como aquela obtida por bem o valor de R$ 298,00 (duzentos e
meio da venda de produtos e mão de noventa e oito reais) mensais do pro-
obra por parte das famílias de agricul- grama Bolsa Família, correspondendo
tores. Neste trabalho buscou-se ir além a um total anual de R$ 3.576,00, muito
desta abordagem convencional, conta- significativo para estas famílias de agri-
bilizando outras fontes de entrada de cultores. As transferências sociais estão
recursos financeiros na Unidade Fami- restritas aos programas Bolsa Família
liar de produção. e a aposentadoria por idade, se consti-
Recentemente, o governo do Brasil, tuindo em um elemento muito impor-
por meio de programas de redistribui- tante na formação da renda das famí-
ção de renda, vem destinando quanti- lias. Dentre as famílias pesquisadas, as
tativos monetários mensais às famílias maiores rendas estão nas famílias de
que mantêm seus filhos na escola, po- aposentados. Um aposentado recebe
lítica também desenvolvida no meio anualmente R$ 9.384,00. A média de
rural. Este processo tem sido respon- repasse feita por família pelo progra-
sável pelo aumento da entrada de capi- ma Bolsa Família corresponde a R$
tal financeiro, e consequente elevação 3.552,00/ano.
dos níveis de consumo das famílias de As atividades comunitárias e culturais
agricultores. também são consideradas rendas fi-
Assim, com a elevação da renda, as fa- nanceiras pelas famílias do povoado de
mílias de agricultores têm tido acesso Boa Vista dos Pinhos, neste contexto
a bens duráveis de consumo, princi- específico estas rendas correspondem
palmente eletrodomésticos e motoci- a rendas diversas, e estão presentes na
cletas, que possibilitam a diminuição composição monetária de seis entre
da penosidade e elevam a qualidade oito famílias pesquisadas. A venda da
de vida desta população. Em se tra- força de trabalho também é importan-
tando de agricultores tradicionais, esta te na composição final da renda das fa-
discussão induz a algumas reflexões mílias pesquisadas, pois, está presente
como, por exemplo, a de que, com a em seis das oito famílias.
diminuição dos recursos naturais, base No quilombo de Juçaral dos Pretos não
de insumos da população tradicional, existe venda de diárias, e sim troca de

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A renda desenvolvida sobre padrões tradicionais

dias trabalhados, o nível de organiza- e culturais o processo de obtenção de


ção implementa uma dinâmica própria renda está estagnado e as organizações
de troca de força de trabalho, baseados promotoras da integração das famílias
em princípios de reciprocidade. A ven- não têm representatividade política ne-
da de diárias é feita para fora da co- cessária para exercer o seu papel. Em
munidade, muitas vezes em atividades Folhal começa a surgirem atividades
ligadas a outras atividades não relacio- econômicas ligadas a outros serviços
nadas às práticas agrícolas, como ser- como, por exemplo, a venda de produ-
viços de marcenaria e construção civil. tos cosméticos e acessórios de beleza.
Estas receitas são responsáveis por um
percentual significativo na formação da
renda final, chegando a corresponder a A RENDA FINAL
18% (dezoito por cento) do total. Nes- Para fins deste trabalho, é considerado
ta comunidade também é premente as renda final o somatório da renda da
receitas oriundas das transferências de comercialização, a renda dos produtos
renda por meio da Bolsa Família, vis- consumidos e a renda oriunda de ativi-
to que, 9 (nove) das 10 (dez) famílias dades não agrícolas.
pesquisadas recebem a subvenção do
Estado Brasileiro. Os valores também A renda final em área de posseiros sem
correspondem aos valores repassados a titulação da terra: no primeiro recor-
nos outros dois recortes pesquisados. te é observada uma variação grande na
No contexto representado, quatro fa- renda das famílias pesquisadas, indo de
mílias recebem aposentadoria, tendo R$ 688,00 a R$ 45.489 anuais, estando
apenas um dos membros da família concentrada em uma faixa intermediá-
aposentado. ria entre R$ 20.000,00 e R$ 30.000,00.
A maior parte da renda destas famílias
O Assentamento Folhal é marcado por advém das transferências sociais segui-
contradições relacionadas à formação das pela venda de produtos de origem
da renda, neste aspecto, é notada a de- agrícola, mais especificamente da fari-
sarticulação social e uma individuali- nha de mandioca, seguida pela renda
zação, porque os princípios de coesão de autoconsumo e por último a renda
social foram rompidos pela criação do da venda da força de trabalho.
assentamento. As rendas não agrícolas
Tabela 1 - Representação Gráfica da com-
correspondem ao significativo percen- posição da renda final em área de posseiros
tual da receita total, quando observado sem a titulação da terra
os percentuais acrescidos pelo progra-
ma de transferência de renda e aposen-
tadorias. As trocas de diárias são cada
vez menos frequentes, existindo casos
de vendas de dias trabalhados, princi-
palmente para aquelas famílias que pos-
suem pessoas empregadas e aposenta-
dos rurais. Nas atividades comunitárias Fonte: Pesquisa de Campo (2015).

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Gráfico 1 – Representação Gráfica da nidade para quem tem interesse em


composição da renda final em área de pos- adquirir o produto, caracterizando
seiros sem a titulação da terra um sistema incompleto e desorga-
nizado do ponto de vista do desen-
volvimento.
Tabela 2 – Renda final entre famílias de
Quilombolas de Juçaral dos Pretos

Fonte: Pesquisa de Campo (2015).


Renda final entre famílias de qui-
lombolas, tendo a área reconhecida
como quilombo, mas não homolo-
gada: no segundo recorte existe uma Fonte: Pesquisa de Campo (2015).
uniformidade bem maior na variação Gráfico 2 – Renda final entre famílias de
da renda final indo de R$ 10.830,00 Quilombolas de Juçaral dos Pretos
a 24.260,00, ficando concentrada na
faixa de R$ 15.000,00, mostrando
uma desigualdade pequena. A maior
parte da renda produzida no quilom-
bo de Juçaral dos Pretos é destinada
ao abastecimento das necessidades
das famílias, seguida da renda origi-
nada da venda da força de trabalho e
por último da renda obtida pela ven- Fonte: Pesquisa de Campo (2015).
da de produtos da agricultura e do Renda final entre as famílias de qui-
beneficiamento da produção. lombolas, tendo a área reconhecida
A maior renda é obtida junto à famí- como assentamento de reforma: as
lia que mantem as atividades de ven- atividades não agrícolas correspon-
da de farinha muito ativas, não se res- dem ao grande percentual na forma-
tringindo apenas ao comércio do que ção de renda final das famílias, segui-
é produzido, mas, também desenvol- da de atividades de autoconsumo e
vendo atividades de atravessador da em terceiro lugar estão os produtos
produção agrícola. A menor renda comercializados. Pode-se observar
também vem de famílias que desen- que a produção agrícola que gera
volvem atividades de comercializa- receita é tida como atividade secun-
ção de farinha, mas, o diferencial está dária, sendo desenvolvida em peque-
onde não é observada a presença de nas áreas e muitas vezes por meio da
atravessadores, neste caso, a farinha aquisição da força de trabalho das
é comercializada na própria comu- famílias que não possuem empregos.

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A renda desenvolvida sobre padrões tradicionais

As tradições e práticas agrícolas tradi- de pesquisa. A partir destas análises


cionais deram espaço a outras práticas é observada que existem profundas
que demandam pouca força e trabalho, diferenças na conformação da ren-
fazendo com que diminua a impor- da dependendo da política de reor-
tância destas atividades no cotidiano denamento agrário implementada. A
familiar. As principais atividades que maior variação ocorre no recorte 1,
compõem a renda final estão ligadas a falta de políticas públicas permite
aos empregos públicos e às aposenta- que regras próprias venham ser cria-
dorias rurais, desenvolvidas fora dos das, fazendo com que, este processo
domínios físicos do assentamento. desregulamentado, venha atender as
aspirações de quem possui os meios
Tabela 3 – Renda Final entre os Assenta- de produção, ou seja, reprodução da
dos de Folhal lógica capitalista, onde o principal
veículo de desenvolvimento rural é
o dinheiro gerado pela produção de
farinha.
No recorte 2, ou seja, no quilombo de
Juçaral dos Pretos, existe uma pequena
diferenciação no padrão da renda entre
as famílias pesquisadas, fazendo com
que as práticas sociais tenham capaci-
Fonte: Pesquisa de Campo (2015). dade de reprodução, visto que, as ne-
cessidades apresentadas pelas famílias
Gráfico 3 – Renda Final entre os Assenta-
dos de Folhal de agricultores estão sendo atendidas
pela economia desenvolvida interna-
mente no quilombo, apresentando um
grande diferencial, as atividades cultu-
rais, que neste contexto se tornam im-
portantes.
No assentamento Folhal o principal
elemento de diferenciação das rendas
geradas não é o valor monetário, e sim
a natureza da atividade desenvolvida.
Dentre aqueles que praticam a agricul-
tura, a renda é muito baixa, visto que,
Fonte: Pesquisa de Campo (2015).
os produtos não são comercializados
Comparação entre a formação da por falta de escala, e isto acarreta em
renda final entre os três recortes es- uma pequena demanda. As rendas
tudados: a representação gráfica a se- mais elevadas são formadas dentro das
guir trata das rendas finais nos três famílias que possuem empregos ou
recortes estudados por este trabalho aposentadorias.

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Gráfico 4 – Comparativo da renda nas três como a maior responsável pela forma-
realidades pesquisadas ção da renda final, passando por prá-
ticas de extrativismo e beneficiamento
da produção, até por meio de progra-
mas sociais como a previdência social,
que paga as aposentadorias até progra-
mas de transferência de renda como o
Bolsa Família.

Fonte: Pesquisa de Campo (2015). Outros produtos são gerados durante


o desenvolvimento das atividades eco-
nômicas, geralmente, estas atividades
CONSIDERAÇÕES FINAIS são responsáveis por processos de re-
conhecimento social, reciprocidade e
A estrutura fundiária é determinante trocas, todos estes processos capazes
para o processo de geração de renda de contribuirem para o incremento da
nas comunidades pesquisadas, pois, renda financeira.
esta garante a forma de utilização e
transformação dos recursos naturais Dessa forma, é constatado o fato de
em renda monetária. que as atividades econômicas são res-
ponsáveis pela formação de valores so-
O desenvolvimento das atividades ciais e não apenas valores monetários.
econômicas também recebe influência
pelos recortes agrários diferenciados,
uma vez que, depende do trabalho, o
principal fomento destas economias. REFERÊNCIAS
O trabalho pode ser vendido ou troca-
do na forma de dinheiro ou de unida- Cuéllar, J. P. D. 1997. Nossa diversidade cria-
dora: relatório da Comissão Mundial de Cultura
des de trabalhos adicionais.
e Desenvolvimento. Campinas: UNESCO, Ed.
Cada comunidade pesquisada possui Papirus.
uma forma específica de organização
Damasceno Júnior, J. B. 2010. Impacto
social, fazendo com que cada recorte dos mercados institucionais na agricultura
apresentado possua características pe- familiar no município de Zé Doca, Mara-
culiares, que podem ser expressas na nhão. Dissertação de Mestrado, Curso de
tecnologia desenvolvida em Boa Vista Mestrado em Agroecologia, Universidade
dos Pinhos, a coesão social observada Estadual do Maranhão.
no quilombo de Juçaral dos Pretos ou Marx, K., Easton, L. D. e Guddat, K. H.
as transformações e individualização 1997. Writings of the Young Marx on philoso-
das relações sociais observada no As- phy and society. Indianápolis, EUA: Hackett
sentamento Folhal. Publishing.
Observou-se que a formação da ren- Perroux, F. Ensaio sobre a filosofia do novo
da passa por um processo de diversi- desenvolvimento. 1981. Lisboa: Fundação Ca-
ficação, não sendo a atividade agrícola louste Gulbenkian.

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A renda desenvolvida sobre padrões tradicionais

Polanyi, K. 1980. A grande transformação: as


origens da nossa época. Rio de Janeiro, Cam-
pus.
Ramos, P. 2001. Propriedade, estrutura
fundiária e desenvolvimento (rural). 2001.
Estudos avançados 15(43): 141-156.
Sabourin, E. 2008. Marcel Mauss: da dádi-
va à questão da reciprocidade. Revista Brasi-
leira de Ciências Sociais 23(66): 131-138.
Schneider, S. A. abordagem territorial do
desenvolvimento rural e suas articulações
externas. 2004. Sociologias 11: 88-125.

Recebido em 03/06/2017
Aprovado em 20/08/2017

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