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Esta coletinea apresenta reflexdes do Grupo de ‘Trabalho em psicologia social ‘comunitiria da Associagao Nacional de Pesquisa ePos- sgraduagiio em Psicologia (ANPEPP), Esta nova irea de estudos, a psicologia social comunitéria, pretende contribuir para a construgo de relagdes sociais mais democrticas ¢ solidirias, e para a promogiio da autonomia e da melhoria da qualidade de vida nas comunidades. Neste livro, diferentes aspectos das relagGes entre o psicdlogo ea ccomuniidade sio abordados, cem especial 0 historico, as perspectivas tedricas e os instrumentos de analise & intervengiio disponiveis e em laboragdo neste campo, “Fazer psicologia comunitiria ‘estudar as condigdes (internas ¢ externas) a0 hhomem que impedem de ser sujeito e as condiges que 0 fizem sujeito numa comunidad, a0 mesmo tempo que, no ato de compreender, ‘wabalhar com esse homem a partir dessas condigdes, na HISTORICO E FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA COMUNITARIA NO BRASIL* ‘Sia Tatiana Maurer Lane Introdugio Uma revisio da psicologia comunitiria no Brasil nie pode ser feta fora do contexto econdmico e politico do Brasil e da América Latina. Sem dévida, o golpe militar de 1964 tem muito a ver com o seu surgimento, pois se num primeiro momento (1968-75) vivemos um periodo de ex- trema represszo e violencia, quando uma reunio de cinco pessoas j6 era con; subversio, ele fez com que, individualmente, os Esta preocupagio é mais sentidana SARE do a partir dos movimentos de 1968, questionando o lensino e a academia, 6 desenvolvida uma reflexio critica quanto ao seu papel, principalmente em paises do Terceiro Mundo que ndo podem se darao luxo de uma universidade “Tota dpa ig ad du ago em coat com aes sai Aig Lat oan Por Sinchen Ee Wesel Er ser 7 fechada numa “torre de marfim". Neste contexto, os pro- fessores dos cursos de formacao profissional do psicélogo {questionam a sua pratica, 20 mesmo tempo em que a crise te, em que a antipsi- q Iceftos de doenca mental, deslocando © problema para a questdo da sate mental e para uma possivel ago preventiva junto & maioria da populagao - pobre, oprimida e desatendlda pelo Estado, Enesse periodo também que surge nos Estados Unidos Jo “psicolo- vo, utiizando técnicas e procedimentos sem a ne fia andlise critica ~ a intengo era boa, porém no os resultados obtidos. Fora da universidade, médicos e psiquiatras preocupa- dos com a satide piblica € uma aco preventiva criam, na década de 70, os centros comunitirios de saiide mental ‘que, segundo A. Abib Andery (1981:12), 0 fazem numa tentativa de superar os léssicos hospitals psiquidtricos, mas também, nesse caso, as mudancas foram mais aparentes do que estruturas, Por outro lado, js va TERED uma preocu- pacio com a educacio popular, com a alfabetizacio de adultos como 0 ~ Sio os ttabalhos de Paulo Freire e de outfos-@os tas participa ‘vam diversos profissionais e, entre eles, psicdlogos, sem ‘qualquer preocupagao em definir especificidades em ter- mos de dreas de trabalho — eram atvidades ineretes & de psicologia Assim vamos encor ‘voltads logos, psiquiatras e assist ppedlagogos,psicdlogos, sociSlogos e asistentes Socials. No enconiro de 81 as duas linkas se confundem. Também neste encontro uma questio pouco discuida, mas neces: siria de ser aclarada, foi colocada: “O que é uma comuni dade?” Ela € possivel numa sociedade capitalsta baseada fa idéia de competicio? Ou ela é uma utopia que se pretende atingir algum diat Na nossa revisio utiizaremos dois referenciais: 1) 0 18 Encontro Regional de Psicologia na comunidade, realizado, lem Sao Paulo em 1981, com trabalhos realizados na déca dda de 70 e 2) 0 2° Encontro Regional, ocortido em Belo Horizonte em 1988, com relatos referentes a trabalhos da década de 80. Ambos foram organizados pela Associagio, Brasileira de Psicologia Social (ABRAPSO}, tendo por obje- tivos a troca de experiéncias e, principalmente, o de nao Ccometer os mesmos erros. Em cada encontro foram apre- sentados em torno de 10 relatorios, para uma audiéncia de mais de 100 projissionais, como psicélogos, assistentes Socials, educadores, socidlogos etc. Podemos observar estes dois encontros o contraste entre preacupacBes com a saGde mental e aqueles com a edlucago popular, ambos ‘com objetivos diferentes, © encontro de 1981 - A procura de uma compreensio de uma psicolos i © Projeto de Satide Mental Comunitiria do. Jardim Santo Antonio foi apresentado por Helio Figueiredo, como proposta que se origina na universidade em 77, numa visio do compromisso dela com a sociedade. A equipe ¢ forma- 19 dda por dois professores de psicologia, uma sociéloga e um administrador que devem orientar alunos estagiérios do curso de psicologia, © projeto & precedido por uma pesquisa que devera dizer 0 melhor local de trabalho, ¢ levando ao aluguel de uma sede propria em julho de 79, gpde sio_prestados senvig Le gru pal, wens, e pl uipe com grupos do baitro ‘Ogramas de acio. A presenca constante e fixa da equipe no bairro faz com que os grupos passem « procuria, tendo como referéncia a casa da sede. Com 0 objetivo de atuar a nivel da satide mental, a equipe detecta como princ) da populacio, al Bes como a questdo da perda da identidade cultural, devido A migracio, ’ aco dos meios de comunicacao transmitindo a ideologia de uma sociedade de massa e de consumo e, por iltimo, a auséncia de organizacio popular Da pratica desenvolvida, o grupo profissional chega a definigao clara de seu objetivo que seria o de proporcionar ‘© crescimento da consciéncia dessa e 7 duos em grupos, que os levartamt les que Uma outra experiéncia 6 relatada por Pedro de C. Pontual e Paulo Moldes (1981), realizatla pelo centro de Educacio Popular do Instituto Sedes Sapientiae ~ SP, cuja propostaé deintervencao critica ede prestacio de servicos has reas de satide e educagio, através de duas equipes interdisciplinares (jomalistas, psic6logos, socidlogos, assis lentes sociais, te6logos, economistas, pedagogos, geoera fos, engenheiros e arquitetos). 20 s principios bésicos que norteiam as duas equipes Sioa lagi lo- res por eles mesmos; a for dos gru: 0s, nunca como lideranca. E Pontual que afirma: “Nesse sentido, o que identifica qualquer profssional ligado real Iente aos movimentos populares 6 0 seu papel de educa dor popular, embora ele possa dar uma contribuigao maior cconhecimento em que ele se formou" (1981:30), metodol6gicas e de avaliacao, também devem fensdes e problemas de relacionamento, porém sem fazer tecortes ~ todos se identifica como educadores popula- res. Ha, & popu: Comunidade a tealidade e a realizar uma pesquisa no bairto e apresentar 1s seus resultados em um cademo em quadrinhos que, divulgado, leva a uma assembléia com objetivo de discutir 1 resultados da pesquisa e definir 0s problemas priori Tios, ou seja, creche, posto de satide e coleta de lixo, A discussdo da creche, por sua vez, leva a producio de um filme super 8 sobre as criancas do baitro, que, quando ‘exibido, mobiliza a populacao num movimento reivindlica- trio por creche. Um terceiro relato, nesse encontro, referiuse & utiliza Gh ria, apresentado por Maria Alice Vassimon )E {colocado como objetivo a educagao popular, auxiliando “o {grupo a perceber a sua propria realidade, a sua propria Ceultura” (Vassimon, 1981:41), O trabalho inicia-se com 60 ’ 2 ‘mulheres avidas em discutir problemas de seu cotidiano em relacdo a filhos, maridos, casa, familia etc, e a equipe (também interdisciplinar) preocupase, durante dois anos, berate ei amo Este grupo de mulheres assume o clube de mies, aproxima-se da escola, organiza uma feira de arte trabalha 1no posto de satide dando curso para gestantes, cada vez ‘mais independentes da equipe, 3 qual recorrem quando ecessério, necessidade essa que se espaca cada vez mais, a longo do tempo. falar nem sempre € fil.) epara esimular uma lbertagio, imprimir a direcao a sua propria reaidade (o psicodrama) € muito importante” (198148), Brithl e Malheitos apresentaram suas reflexes sobre a Psicologia social comunitéria no Nordeste (Paraiba), agora voltada para uma formacao universitira a nivel de mestra- do em psicologia na comunidade da Universidade Federal dda Paraiba, Das observagdes e experiéncl definem dois niveis de atuacio: as, 0s autores E finalizam afirmando que a atuacac do psicélogo iagbes idicoes socials que geraram” (1981:102) através de um processo de conscientizagio, 2 Outras experigncias em centros de sate, em bairros, com grupos de mulheres, de adolescentes, de teatro, € ‘outros, foram apresentados, sempre enfatizando 0 grupo ‘como condicdo basica tanto para a ago clinica, como preventiva e educativa, (O Encontro de 1981 se encetra como questionamento se aatuagao do psicélogo se caracteriza por tarefas visando a prevencao © a cura da doenca mental ou por tarefas educativas © conscientizadoras. "O que € especitico da Psicologia © dos demais profissionais envolvidos nas mes: ‘mas tarefas? , qual o papel da universidade?” (1981:987), © que vemos nesse momento é ainda uma visio do psicol go pelo conhecimento que el jano, do individuo como pessoa que se constvorn fo com os outros, no desenvolvimento de suas atividades, no movi- mento de sua consciéncia ena produgio desuaidentidade, Jo frag indi rendizar ainda. Parece que o tinico ponto constante no encontro com os outros semelhan- tes que descobrimos a realidade, que descobrimos a ind Vidualidade e a sociedade. As diferentes idéias so discu- ‘sam de nas 20 ins de considerate natureztdo psiquismo humano e a natees te mado que interage com outros Encontro de 1988: A procura da sistematizagao No Encontro Mineito de Psicologia Comunitivia de 1988, 0s relatores procuraram definir qual a especificidade da pratica psicol6gica em comunidade, e grande énfase é dada as técnicas de dinamica de grupo como se pode ‘observar nos relatos de Elizabeth Bomfim (1988:200), € a 2 partir do conhecimento dos grupos e das insttuigées que se chega 8 organiza¢ao popular - 6 a experiéncia que ela Maria N. da Mata Machado telatam sobre a favela de Vila Acaba Mundo em Belo Horizonte, As atividades de- senvolvidas, além de propiciaro treinamento de estudantes de psicologia, treinam os moradores em técnicas de auto- organizacdo, através de recursos que vao desde um video sobre a favela, de informacdes sobre direitos que a comu- nidade tem para ir em busca de solucdes, até uma pratica 140.0 erguirnel é ainda na Vila Acaba Mundo que Alayde M. Caifa de ‘Arantes (1988:150) rlata sua experiéncia com grupos de adolescentes, onde “nio se fala em psicélogos” mas se trabalha em artesanato,visando, através do desenvolvimen- to grupal, a compreensio das relagdes sociais e das regras necessirias para uma melhor convivéncia Elizabeth Bomfim sintetiza 0 trabalho de sew grupo afirmando a existincia de uma relacio esteita entre sate condigdes de vida, cabendo ao psicélogo atuar no sent do de que “as condicées e modos de vida precisam ser

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