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‘Marcos Ferreira Santos Agenda para o inicio do século: harmonizando caminhos Harmonizando Caminhos: sapateiros tecelées & peregrinos” Prot. Dr. Marcos Ferreira Santos ® "Mothor que 0s ignorantes so os que lem bus: ‘Melnor que estes so os que retém o ido na mem; Melhor ainda s20 0: que entondom 0 que foram, ‘Mas 0s memores de lodos sao 0s que comeeam a ir” “A escatclogia nada é som 0 rectatv os aios de iberiacdo do passage” 1. AEDUCACAO NOS DESAFIOS DA CONTEMPORANEIDADE Quando situamos nossas angtstias e perplexidades num determinado perfodo de tempo (neste caso, a contemporaneidade), std subjacente & argumentacdo ofalo de que algo ciferiia as possiveis constatagSes do perfodo vivido com os anteriores, mantendo um olhar Ccurioso auscutando 0 coragao do futuro. No entanto, gostaria de uilzar festa demarcacdo temporal em sentido diverso. Tentar compreender, ‘ouvir, veriicar, vivenciar as alternativas ja dadas em outros perfodos dda historia humana, singradas no caudaloso percurso da humanidade, Neste outro sentido, ser contemporéneo da juventude de outros passos. ‘Ainda que tal tentativa parea, inicialmente, embebida de algum ‘nostdigico sentimento, de algum saudosismo de prisca aetas (‘velhos ‘tempos’... prefiro correro risco para ressaltar a possibildade educatva dde harmonizar caminhos, levando-se em conta uma cultura da paz um modelo de desenvolvimento auto-sustentado na agenda deste inicio de século no terceiro miléio, ‘Se pensarmos que nosso planeta sempre foi a arena de Incontavels querras, algumas delas com saldos moriferos de fazer tenrubescer qualquer pacifsta mediano; se pensarmos que os modelos ‘econémicos que pressupde qualquer acumulagao (capital, tempo livre, libido, recursos naturais, tc. sempre trazem consigo um aparato social baseado na hierarquia e na dominacso matriciada pelo poder, Se pensaimos que a educago sempre foi um problema basico das geragies procedentes langando todas as estratégias possiveis de “adaptago” &s novas gerapses, inbindo os germes de mudanga e, conseqientemente, a possivel destruigdo do estabelecido; nao me parece muito inovador apelar para uma educagdo inclusiva, um desenvolvimento auto-sustentado © uma cultura da paz. ‘Talvez, o dado de maior novidade seja a ordem de grandeza posta hoje para estas questées. Mas, eu ainda cederia a tentagdo de ‘elativizar a ordem de grandeza, haja vista que, sempre fomos muito ‘umerasos. O planeta é que foi muito generaso conosco — até pouco tempo airés. Hoje jé mostra seus sinais de desconientamento. Como iia 0 personagem do diretor de cinema japonés, Akira Kurosawa, em ‘sua bela obra chamada “Sonhos” ‘Dreams’, 1889), no citimo sonho _adapiado ao cing, intitulado "O Povaado dos Moinhos’ o anciao diz a0 Jovem Akira: “o homem procisa de poueas coisas: ar puro, égua limpa €@ drvores @ grama que os produzem; hoje ar sujo, agua suyja...swando © coragdo dos homens”. ‘Os meios de comunicagio 6 que tomam a ordem de grandoza ‘superior ao que ela 6, Assim sendo, a midia ce paula por uma estratégia, perversa de terrorismo banalizante (quo 6, a0 mesmo tempo, sua etratégia de sobrovivéncia econdmica). Num primero momento, a ngistia © 0 terror “20 vivo" @ em tempo real ("on line"). AS a edigao rnotuma do mesmo jomal, no mesmo dia, a mosma noticia © suas ‘meemas imagens ja banalizaram 0 evento que so iquala ao pitoresco leo que fugiu do zoolégico e engarrafou o transito. Ou a greve dos agricultores que levaram suas ferramentas © maquinas ao centro da cidade. Durante a semana, jd ndo se suporta o mesmo toma repetido & ‘exaustéo, De maneira contraditéria, a imagem que fol continuamente (proverb indianoy” Paul Ricoeur? discursos e praticas ha assume seu império. — sore ot eee ee acc os meee oe ‘saturacdo dos icones, esterestipos @ designs. A palavra se refugia. A Sore cnt ne a Saloon sas ues oer aces ears Co eae onc tgemstoae Saas on ar Sa an ane Sara tersiguneceriscateusiersens ee eee soratars het eae ae a ae José Hemandez (1872). Um de seus versos nos adverte: “A pergunia tio escura aivauee em de um pobre negro de estancia: ets € 0 principio do saber™ > a time Entdo, socraticamente, admitimos de imediato nossa ‘gnorancia. A humnildade epistemolégica € prudente a criagao.e saudavel {0 espinito. Se nao sabemos onde e nem como situar a educaco, talvez devéssemos, inicialmente, destocé-la do centro habitual consenso em todas as plataformas politico-partidarias de vidos candidatos a supremacia da bandeira da educagao. No entanto, ‘conhecemos as praticas governamentais pés-elellorais (que nao so ‘exclusividade deste atual govero, mas desrespeito parthado por todas 1s coloragées partidarias). ‘A educagao vem sendo tratada como matéria especitica de ‘uma entidade burocratica: a escola formal. Como insttuigdo burocratica 6, predominantemente, ostatal -o que no quer dizer, necessariament, Pdblica. Se entendermos, minimamente, a educagao na mesma linha Compreensiva da Profa. Beatriz Fétizon: “a educagdo 6 0 processo © 0 mecanismo da construcéo da ‘humanidade do individuo, ou da pessoa (como preferirem). Enquanto pprocesso, a educagdo 6 pertenga do inaividuo (ou da pessoa) - isto é, € 0 processo pelo qual, a partir de seu préprio equipamento pessoal (biofsiolégico/psicolégico), cada indlviduo se auto-constréi como ‘homem. Enquanto mecanismo, a educagdo 6 pertenca do grupo -6 0 ‘recurso (ou 0 Instrumente) que 0 grupo humano ~ e 6 ele ~ possui, ;para promover a autoconstrupao de seus membros em humanidado (ou como homens)."® ‘Como processo € recurso que 86 0 grupo humano dispée, ‘atuaizando a humanidade potoncial da pessoa; podoriamos relaivzar ‘9 “escolacentrismo", colocando om relovo 0 procosso educativo que ‘varias outras inettuigdes 0 instincias sociais desencadoiam. Croio que voltar 08 olhos para além dos muros @ grades escolares onigena @ f Harmonizando Caminhos: sapateiros tecelées & peregrinos”” propria discussio escolar. Se ainda no conseguimos efetuar a tio 'propalada ‘Yormarao integral do ser humano’é por prudéncia do destino, Imaginom se conseguissemos tal faganha. Skinner nem precisara ter escrito Waldenn | ¢ Il, nem George Orwell precisaria criar 0 protético "1984", Seria documento € nao fgao. Nao me parece caber a escola formal tamanha pretensao. Abrindo mao de qualquer viés totalitario (ainda que imbuido de boas intengdes), reconduzir a unidade escolar, sua sistematizagao e intencionalidades pedagogicas e os sistemas formais que os comportam, aos seus proprios limites, aparenta ‘ser uma conduta razoavel (Que outras instancias educativas poderiam nos auxliar nesta rellexdo sobre uma harmonizagio dos caminhos ja apontados? Principalmente, se entendermos esta harmonizagio no seu sentido musical. Nao como um estado estatico, etereamente, livre de Contradigdes e confitos; mas como a sobreposicdo,ariculagao e didlogo de notas diferentes num mesmo acorde; ov ainda, de vérios acordes e instrumentos diferentes, no em um dormitante unissono, mas numa vibrante harmonia confitual onde a diferenga é o elemento contra ‘Aqui sugiro, por questo de método (“caminho’), de tarika (camino na tradieao suf ou de tao (caminho na tradicdo zen), rofotir ‘sobre esta possivel harmonia confitual nas figuras, exomplares aos rrossos educadores, de trés ofcios: sapateiros,teceides e peregrinos. 2. DOS SAPATEIROS: CALGANDO O CAMINHAR, (© progresso tecnolégico fez, dos oficios modemos, profissionais da técnica © servos da ofemeridado. Este mundo ‘contempordineo é 0 mundo das super-info-vias de comunicacao val, ‘de antenas parabilicas e cabos de fibra Spica, conduzindo informagoes no etéreo espaco de lugar nenhum, espaco elético (ou eletrénico, alguém corrigiia) por exceléncia, para um usuario vido das dlimas informagdes dos titimos minutos. Neste mesmo mundo, encontramos ainda um antipoda do progresso tecnoi6gjco: 0 sapateiro. Nos diz Gilbert Durand: “Gragas a Deus ha profissdes mais estavels do que essas, tnbutdrias das mutagdes energéticas. Podemos prescindir do petréleo, €@ até mesmo do carvao, talvez também das idéias. J4 que existe a biomassa vegetal e 0s frutos silvestres. No entanto, serd possivel dispensar os sapatos? A lenha @ as caldeiras mudaram bastante, mas a arte do sapateiro, no"? Em sua cficina, geralmente, de pouca luz, cheiros fortes de resina, colas, tinturas, couros curtidos, um quase aniro em que a fundigdo dos velhos ferreiros alquimicos se atualiza, inocente, na ‘operagao singola de unir opostos: ele costura a pala do sapato com sua sola. Simbolicamente, reiga a absbada celeste com o chao telco. Cola, costura funde, ig, re-iga. O oficio do sapateiro pressupde uma sensibildade das aproximagdes, das conciliagbes, dos remendos. Oticio dos cheires que funde o reine vegetal ¢ © reino mineral na alquimia uirolégica das macs. Méos trabalhadores. ‘Mas, néo seria, exatamente, nos odores que nos fundimos &s coisas? Como coibir que o perfume dos curtumes nos invada o ser nas ‘suas circulag6es? O préprio sapatairo-remendao 6 aquele que, percorre avila para executar os seus sorvigos. Doixa a oficina-antro para ofciar ra estrada. O cheiro doixa o antro @ se antropologiza, 6, procisamonio, na estrada, no caminho, na viagem que a ssandélia 60 faz imprescindivel, Nos atestam a importancia da sandalia, dos sapatos o Jaso grego na busca do velocino de ouro na Célquida, © deus Hermes com suas sanddlias aladas @ 0 sapateiro cristdo- lagisiador Moisés quo, diante da sarca ardente no espaco sagrado, tetira suas sandallas. Em quase todas as culturas 6 prociso retrar as ssandélias em solo sagrado. Nao que as sandals sejam impuras © estojam “contaminadas" com 0 pé dos caminhos, mas simplesmente porque jé nao se precisa mais delas. Precisamos delas para chegar ao ‘espaco sagrado. Chegando a ale, ja podemos delas dispor. filbsoto-sapateiro, por exceléncia, radiador de uma gnose {para além da ciéncia e dos esoterismos), Jacob Bdehme, nascido em 1875 e filosofando na florescéncia do século XVII, tomou-se um. ‘sapatelro-emendéo: “como néo era suficientomente robusto para 0 b trabalho no campo, 162-8e aprendi2 de sapateiro; porém suas idélas sobre moral, excessivamente severas, trouxeramine problemas com (0 outros trabalhadores: assim, foi despedido e se fez sapateiro remendo ambulante." Sua concepcéo de unidade que contém a ‘multipicdade, na témmula “unitas mufiplex”, hoje relia ere-apropriada poor varios epistemélogos contemporaneos, se origina de uma Ccompreensdo profunda baseada na sensibiidade de harmonizaco de ‘contrérios. Concebia 0 mundo do Fogo (vontade divina) que contém ‘em si, o mundo da uz (sabedora © 0 amor) © mundo das trevas (eterna natureza). Quando escreve Aurora, é atacado veementemente acusado de heresia, j que pressupunha que ser humano vive 05 ‘tés mundos em simesmo, vivendo omesmo drama que o drama divin: “a vida humana é uma divisa entre a luz eas trevas e, a qualquer delas que se entrogue, rela arderé." .Portanto, esta sensibildade dramética se concretiza no oficio do sapateio e, ao mesmo tempo, no oficio de sapatcio, as més guiam a perceprao do mundo. As maos costuram calgam nosso caminhar. Em nossa tradigdo opera, 6 preciso lembrar que abalicio a escravatura na ante-sala da repiblica nos coloca frente a frente com a esirutura autoritéia © patrarcal da sociedade brasicira. Diante a alforia goral, os sonhores do engenho e das casas-grandes so ‘negavam a pagar um salério a quem, na véspora, era seu escravo. A aboligdo engendra a perileria da cidade que comporta um contingente ‘no incorporado a0 sistema econémico-produtivo da “nova” sociedade ropublicana.O posivismo benjaminiano do farda ecionifcismo também ‘no tolera o negrume da pele. A saida “surrealista"6 0 recebimento de navios repletos de imigrantes para suprir a “deficiéncia” de mao de ‘obra num pais agrérto como o Brasil, resuitante de varios convénios firmados com paises de tradigao agricola e de 18 catdlica. Principalmente,ttlia @ Espanha. Estes imigrantes, de imediato, percebem a realidade brasileira de uma “escravidao branca” nos mecanismos meeiros que os seqiestram com a conta no armazém da fazenda que, por sua vez, também pertence ao dono da fazenda. Os colonos com seus casebres No entomo da casa-grande S40 apenas atualizagbes autortarias € Patrarcais da velha senzala. Os escandalos chegam 20s paises que proibem a continuidade da imigragdo até os esclarecimentos do governo brasileiro. A nova saida surrealisia S80 os convénios com um pais ndo-catdlico e o envio do Burajro-Maru com trabalhadores japaneses. No entanto, estes trabalhadores descontentes com a realidade {do campo vo consubstanciar a nossa primeira classe operdria nos Centos urbanas do Rio de Janeiro © Sao Paulo. Nossos primeiros urburinhos metropolitanos tem sotaque _italo-espanhol. Goincidentemente, estes trabalhadores que s80 somar 60% de nosso ‘perariado em 1905 sao de paises com forte tradigéo anarquista. Os rimeiros congressos operarios realizados em 1906 e 1907 sdo ‘exemplos da organizagao e capacidade de mobilizagao destes ‘anarquisias que titham como maximas pedagégicas: ‘no'se pode ser livre sendo ignorante'e que “6 possivelo ser humano organizar-se em ‘autogesto som a tutela do Estado, partidos, et.” Curiosamente, hd um grande nimero de trabalhadores, cespanhéis ¢ italianos dedicados as artes graficas, & tocelagom ¢ a0 ficio de sapateiro. Quase toda oficina do sapataria no bai italiano do Brés era um germe anarquista de escola liberia. Uma pedagogia ddas méos que, entre 0s reinos minerais ¢ vegetais das colas © couros, fundia um ideal ibertario. Hé um compromisso sociale poli primordial ‘naquele remenda a sola gasta dos caminhos. 'Na grande greve de 1917 na Praca da 8é em Sao Paulo, dianto da violenta reprossao, ¢ assassinado Antonio Martinez, um sapateio espanhol. Um gigante cortejo funebre destila no dia seguinte & manitestacao. Logo depois, se aprova em 1918, a Lei Adolfo Gordo ‘que, de forma impiedosa, persegue e elimina as liderancas anarquistas ‘0u08 extradita aos seus paises de origem, sob a ‘nocente”orientago de regularzar a situagao dos Imigrantes em solo brasileiro. Junto a esta violenta represséo liberal-conservadora soma-se @ difamacao marxista imputando aos anarquistas a pecha de desordeiros © bbagunceirs. Tudo ao inverso! Nao ha ninguém mais obcecado com a ‘organizagio do que um anarquista! Mas, soba luta ideoligica de ambos ‘Marcos Ferreira Santos Drevalaceu a sombra da perseguicdo. Até hoe 6 ic encontrar ene aS passoas comuns alguém que se assuma como anarguista. A ‘momenia das atrocdades cometidas conira o movimento fo subsume polo temor cautla Mas, néo somonte os sapatios anarquistas do século XX conseguir a proeza da organizagao comunitia com ideas eros Concilando 0 conhecimento e a liberdad. No século Xl, ha um Brecursor deste espilo quo despojou seus pés das sandals, pois tntendia todo 0 mundo como slo sagradoe,significalivamente,teve 0s pés estigmatizacos com as chagas de Crist: Francesco Assist Anda que devames procedor com cuidado ao aproximar sapateros tous com sapateros desta, mas as agbes comunitarias, sodas © {ratormas de ambos so convergontes em vitue da senibidade que possuem e cufvam. Prontament, 0 Hoerério ofc do sapatero assume um ‘ciplome sacerdotl"™ no sentido nurinoso do temo. Outro espitto francscano cujes sandias cruzaram toda @ Inca levande os prncpios de sua vite moral, relgiozae, a mesmo tempo, polica fi Mohandas Karamchand Ganchy(1869-1048)"", ou mais conheci como Mahatma Gandhi. Mahatma 6 um titulo honoriico ‘estinado a poucas pessoas e quo pode ser raduzido om sénscrto como “a grande alma” Este homem pouco comum, fanzine, cuja ‘iqueza material consita nam Mac, sous Sculos, sou caja @ suas sandélias; ousou conciliar 0 que julgava ser duas pérolas da ‘epirtuaidade humana: o Sorméo da Mentanha da Bila denial eo ‘Bhagavad Gta (Subkme Cangso)calogo entre Krishna e Arjuna quo faz parte do pooma wédico Mahabharata Lastreado por és prncpios basis, esto poquono homom consoguis a independéncia da india, antiga cla do Impéro Bririco, sm derramar uma inca gota do ‘sangue, Suas batalhas foram, alm dos vis jejun que eatalsaram uma nagao itera, ast tres plaros™: “Ashram: palavra’em sanscto que pode sgniicar fazenda, alia, ou ainda, comunidade od mundo; dopendondo do contexto em ‘qu 6 utizaca.Sigtiea ainda na qual um grup do discipulos segue Uimmestre espitale tab a denominagao dolecal onde se rnem. “raves do convivo de pessoas ciferentes numa mesma comuniged, Gandhi congregava hindus, sikhis, mugulmanos, cristéos, judeus, alomaes... enim, todos aquelas que, compartando os mesmos Drincpios,organizadose intormados través do um Joma, multavamn ra busca da liberdade. Consegua a unidade a parr da dversidade tendo a cferenga como elemento basico da comunidade™ ~ Ahimsa: palavra em sénscito que quer dizer. eralmente, “nio-vlenca” (a = ndo, himsa = dano ou ina. Principio de aga0 que se pata por nao oender, no aged e muito menos matar qualquer Ser humano, ainda que este sea o seu algoz. Tal principio, alaco & ‘esobeciencia civ, desconceriou tolalmente 0 govemo inglés © 08 mecanismos de repressdo &s manifestagbes e liderangas hindustanis acostumads a suocar os movimentos ibeirios de suas ccénias campo de batalha Muito além do um principio moral erelioso,¢ uma pratca poltca. Corelato da maxima crista no Novo Evangotho de “oferecer a outra face’, radicaliza a percepgao de que, quando ndo- retibuo com voléncia um ato volonto que recebo, eto provera algo de humaro no agressr. "'Satyagraha: igualmonte em sénsorto, significa “apego & vordado”agrana =fmeza, constncia; satya ~verdade) 0 principio «que norte a busca e a conduta de qualquer nto henosio ao buscar Sua plenitude, Tata oe de cultivar a autentidade pessoal e a busca de covréncia entre oczcureo 0 apates, ovlando a infidedade & ua propria realizago, ao proximo © ao seu povo. Neste aspecto, Huberto Fohen qualfica Gandhi da seguinte forma: “a pollica solidaia do Gandhi 6 um transbordamento espontineo de sua mistica sotiia. Ei 6 polio por ser raligoso Esis tré pilaros so as trés aguas que fzeram a costa da pala mistica com a sola poltica calgando © caminhar do um “tranciscanoinconscente“em pono século XX. Albert insti amar sobre este homem assassinadofamente ports os disparados por Nathuram Vinayak Godse, um fundamentalsta rind, em 30 de janeiro do 1943, sois meses apos conseguir aindependncia da india: “Fturas geragées dleimento acredtarao que lenha passaco pela ara, em ‘carne e osso, um homem como Gana." 3. DOS TECELOES: VESTINDO A TRADIGAO 'Além de nossos sapateros, a sugerida harmonizago dos ‘caminbos necessita contar com a sensbilidade de um outro oficio: 0 teceldo. Eo trabalhador que habitao universo vegetal dos ios extraidos ‘a0 algodao, & seda, ou ainda habita o universo animal exiraindo os fos 41d dos cordeiros e ovelhas, pasioreados pelos némades caminhos ‘de um pastor qualquer. O teceldo 6, por exceléncia, aquele que une os fios numa trama, Tece com o tear de madeira cujas pequenas partes, rocas, pentes, novelos vo constituindo, pouco a pouco, a paisager Uurdida de algo que até entéo eram apenas fios enovelados em si ‘mesmos. Justaposicao, aladura e trama so seus objetivos. Coser © Cingir 840 0s esquemas verbals bisicos. Urdidura 6 sou principio. Vestimenta 6 0 resultado de sua labuta, Entre os varios teceldes que podemos citar no Ocidente haa inesquecivel figura de Penélope, a esposa que aguarda o retomo de ‘Sou Uliss0s a ltaca e sou roino. Pressionada pelos 108 pretendentes, [Promete casar-se novamente dante da presumivel morte de seu amado ‘quand findar seu trabalho teceléo ao tecor as mortalhas de sou sogro Laorte™. A noite destaz o trabalho do dia @ assim protola a dacisso ‘enquanto mantém a esporanca do regresso do odissou. A tocold, assim ‘como a costureira, paroco que se nutre desta osporanga matriz. Enquanto os fis sao tecidos & o proprio tempo que se tece. ‘Atriade cléssica das Parcas ou Moras (“quinhio quo cabe a cada um, destino? atestam esta ligago temporal dos tecelGes com a ‘esperanca e com aprépria morte, so elas: Cloto(a fandeira), Laquesis (aque enrola fo da vida no novelo esorteia quem perecerd) © Atropos (@ que nao volta atras © quo corta 0 fio da vida)". As fiandoiras, portanto, miticamenta se identificam com o trabalho dos fos do destino. Mas, curiosamente, um de nossos personagens nesta harmonizagiio de caminhos, Francesco di Pietro Bernardone (1182- 1226), nascido Giovanni, era fiho de um rico comerciante de tecidos, na cidade de Assis e que, “em matéria de roupas andava sempre na ‘moda. Esbanjador e frugal, Francesco pretendia ser cavaleiro @ ‘mestre de armas no clima das Cruzadas. No entanto, sua conversio 220 longo de tr8s anos aproxima-o, gradativamente, dos flos de seu ‘proprio destino. Rouba tecidos de seu pai para vender, assim como 20 ‘cavalo, @ conseguir dinheiro para a igrejinna de San Damiano, quase ‘em ruinas. Admoestado pelo furioso pal e encarcerado na sua propria casa, Francesco ¢ liberiado pela mde. Vai ao bispo e diante dele se ‘despe de suas vestimentas: “se despojou, néo sé do dinheiro que seu pai Ihe cobrava, mas também de suas vestes porque provintiam dele. Ecortou os ages com sua famila nas célebres frases: Em vez de meu pai Bemardone, diet: Pai nosso que estés no céu!’. O Bispo, muito ‘comovido, cobriuro com seu manto."= ‘A doenga nos olhos e no aparetho digestivo t8m papel Importante também na sua conversdo assim como o bejo ao leproso- “achards ozo e contentamento no que antes detestavas™", Ihe diz ‘uma voz em oragao ¢ ole cumpre beljando um leproso. Mas, 0 passo ecisivo na configuragéo de sua regra se dé quando auve na igreja o ‘capitulo 10 da epistola de So Matous: "Prega, dizendo: E chegado ‘eino dos céus. Curai 0s enfermos, mpal os leprosos, ressuscital os ‘mortos, expuisai os deménios; de graga recebestes, de graga dal. NEo ;possuais ouro, nem prata, nem cobre, em vassos cintos. Nem alfores ‘Para o.caminho, nem duas tinicas, nem sanddiias, nem bordo; porque digno 6 0 oporério do seu alimento. E, em qualquer cidade ou aldeia ‘om que entrardes, procurai saber quem nela soja digno, © hospedal- vos a/ até quo vos ratieis. E, quando entrardes nalguma casa, sauda- 2, S0.a casa for dgna, desca sobre ola a vossa paz; mas, se néo for ‘ina, tome para vés a vossa paz. E, 6 ninguém vos receber, nem ‘escutar vossas palavras, saindo daquela casa ou cidade, sacudi o pé dos vossos pés. = ‘Num gfto Francesco diz: ‘Eis 0 que quero, é isso que procuro, ‘isso que desejo fazer do tundo do coragao!"=. Ao sair da igreja, \despoja-se dos sapaios, alia 0 bastao e manto, veste um saco de bburolcinza, semeitante ao dos camponeses, substitu o cinto por uma corda tosca, escuipe um tosco erucixo de madeira que amarra & corda, Harmonizando Caminhos: sapateiros tocel6es & peregrinos”” © assim, de pés nus como o fizram os apéstole,esté pronto para leverouaprogardo pecs camnnos © ganharoeustentocom 9 rabaho Go euas ioe" Nexto sonido do oni aome, Gand nos ensnai: “uote que consagra sue vida pare srr nao pode far no So Um sdinsiaie preca aprender a distingur aoa ca ma atividade. Esto Giscemimente acompanna natrsiments Uma consagraga ina 29 feat ce serv ‘Muto prox aos tr pinciplos que vos em Gand na tras principios basicos em Sao Francisco: pobreza, castidede © aiegra Tal semelnanga, ainda que separada poo hao de ste ‘sécuos, 8804 nas rlagbes ene o astra ea pobreza vvida ene aqueles Iranciscanos que mantém o seu proprio sustento em Comunidade; ene acastdade eo principio casto dogo ka ninguern texpresso na aise ete ase © regoro na busca © apego & ‘erdade exprssos na salyagraha, De maneia muito “concdente tts pncipioe cos basioos na citarao ncaica que se deservoWe na Amérioa Latina no periodo pre-colombiane. No reino co Tahuantnsyu (rein das gato ovdes hoje ooupado pelos paises travoceadoe pola Cordinora dos Andes, 0 neas dundam seu tp Eco na rma expresa om sua ng, 0 qué: "ama ua, ama tua, ama quel. Leralmorte: ‘no mont, no roubar e no ser preguioso™". Como ndo peresber a8 aproxnagsae do ama qua (nao ser preguigoso) com o trabalho para o prépno sustento da pobreza franciscana ¢ do ashram de Gandhi? Como nao admitir as relagdes trite o ama ua (so roubar com a casa ranciscana 92 aha (nao-violéncia) do Mahatma? E, finalmente, como nao se impressionar ‘com a ressonancia entre 0 ama sua (ndo mentir) incaico, a alegria de Francesco eo apego & verdade de Ganchi expresso no salyagraha? “E onde se erconra 0 conhecimento vardadelo hi semore a alegria (ananda), nao ha lugar para dor. A Verdade sendo eterna, também a alogia que dela Gerva 0 6, por isso que conhoremes Deus soto nome de Sa-chitananda, £0 que reine om sa Verdade, © Conhecimantoo a Alegria ™* Mas, nesta rama teida sob a égide de téo importantes principe eens, percabomos qv, de acado com Francesa, "3 ne fla eo amor eda” pols a mais hide von do jdm 20 ad pode amar a Dous mais do quo um dovtor em teologi™. Eno, 08 {bceides nos ensnam no testomuno de sua urddura a huridade, ‘Servir ao proximo. Esta é a esséncia da Order Terceira (para os leigos) da Ordom dos Fades Menores(poverel) que vo ser econcsas alo Papa Inocéndo Il no sem Vrias resstncias pela nsisndia Se Francesco, até que © propo Papa passa a ullza o tau como 'Smbolo das retormas potas pio Quarto Conc de Late A sensibilidade do tecekao também permeia nosso gujarate™" ‘Mohandas. Uma das campanhas pela liberiagao da india que mobilizou toda napo 0, precisamente,oreagate da road far Nao acetal O ato de igurar no centro da bana da fda Ine roa de ar Go Gandhi. Criosament, na rite da celebraqdo da Independéncia da india de 14 para 15 de agosto de 1047, em Nova Del, o imo governador britanico, Mr. Mountbatten disse: “O arqutoto da ‘ndepandénca nao se cha entre nds, nesta note: mas ele est presents ‘no coraplo de cada um de nds E onde estava Gand, nesta no? Andava longe, do outro lado da india, construindo casas para os pore Em 1915, na fundago do ashram Satyagrae&havam so inroduzidos alguns teres @ embora seu prio, Maganial Gandhi tio nas aries manuais tna se expecakzado no manuseio das tocas de fare toares e ensiado a todos no ashram: anda flava encontrar 0 modelo Ideal para propagar a lela. Fo! com a sonora Gangaber Majmundar em 1917 que encontou amos, areca ® \éonica: "depots de perambular Incessantemente em Gufarate, Gangabehn encontrou a roca em Vijapur, no Estado de Baroda. La, tim grande nimero de pessoas tint Yocas em suas casas, mash ‘mut tempo astnham guardado como tastes hil. Essas pessoas ‘mostaramse depostas a volar a far, caso hes prometessom uma remessa regular de meadas de algodéo e comprassem os tecidos productos por eas "=> Durante a Primera Guerra Mundial, Gandhi tera. um f ‘movimento nacional de desobedéncia cv na ndo-colaboragio da india. Julgado e condenado portal campanha, ele préprio iz no tabunal: “Na ‘minha. humitde opiniao, a nao-cooperagao com o mal é um dever ‘Semolhante& cooperagao com o bem. Aqui estou, portant, no intito de pede submetor-me a maiorpena que me possa ser impos devido, ‘20 que, perante a le, é um crime premesdtado, mas, na minha opiniéo, 6 0 dever mais elevado de um cidadao."°" Gandhi suspende a desobediéncia dvi nia Severo jejum ‘empeniéncia. Apds és anos de risto, sal do catlvero om decoréncia ‘e uma crise de apendicitee a retorar ds avidades em 1924 funda 2 Assoclagdo Indiana de Fiacéo, incentivando a producio do kha, sendo que 0 ah (vestimenta cssicahindlana) passa ser a forma do veati-se que se junta a um ideal poltco-ibertério-eigioso: “A dela do luma nado de mies de tecelGes era um tanto romantica se tomada Iteralmente, mas de modo simbéico fazia um sentido peri. Gandhi passava parte de cada dia fiando e tecendo, 0 instava seus ‘companhsios de ashram a fazer 0 mesmo. A pritca fol adotada no pais intro," Trata-se de uma acéo concreta contra a espoliacéo britnica. Como todo sisioma colonial india fomeocia a matéria prima {algodo, sed, ot) e comprava da metrépoe as roupas marufaturadas. Gandhi chogou air Inglaterra expicar as motvagies da campanna 208 rabalhadorestéxeis ingleses 0, ainda, conseguir oapcio destos& causa. Alem dos desdobramentos omanccpadores evidentes, Gandhi fomecia uma forma de resgatar objets, ferramentas, estios de vida © vestimenta que recolocavam, explctamente, a re-assungao da, ‘ontidade hindu. A roda de fiar ¢e Gandhi enovelava o tempo na tessitura do amanta. Fl por tio, com a roca da esperenca e a agulna

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