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BIBLIOTECA ALFA-OMEGA DE CIENCIAS SOCIAIS SERGIO SILVA Série 1? —- Volume 1 ECONOMIA ’ DIREGAO _ Expansao Cafeeira arma. Goa ue, e Origens da Consett OnierAboR : Industria no- Brasil Luiz Pinto Ferreira Reynaldo Xavier Cameiro Pessoa Geraldina Porto Witter Nagib Lima Feres Duglas Teixeira Monteiro Paulo Sergio Monteiro Joo Manuel C. de Mello José Sebastido Witter Maria de Lourdes Janotti EDITORA ALFA OMEGA ‘So Paulo 1976 Il. ECONOMIA CAFEEIRA ‘do século, ela toma proporgées muito importantes: a fra se aproxima de 3 milhées de sacas em média por ano. A partir da década de 1870, © sobretudo a partir de 1880, quando a Jo_média anual ultrapassa os 5 milhd a — PRODUCAO DE CAFE — 1821-1900 (em miliées de sacas), 18-1830 reasie0 10) reeties0 wn sastit6o 26“ 1861-1870 29 | serasa ae 1881-1890 530 . 1891-1900 72° Fontes; A. @E Taunay, ob. cit, vol. IX, pp. 16-17, © Pierre Dennis, ob. cit, p. 176. © répido crescimento da produgdo cafeeira nas décadas de 1870 e 1880 € acompanhado por um deslocamento do centro geogrdfico das plantagdes: durante _a_década_de 1880 49 a _produgéo_de Sio Paulo ultrapassa a producio do Rio de ag Os plataligs de SHo Paulo pratleamente ni ibstituem 0° ‘Vale do Paraiba. Em 1852-1857, 0 porto de Santos nao ¢s- coava mais qué 6% da producao nacional do café, enquanto que o do Rio de Janeiro era responsivel por 92% das expor- tagdes desse produto. Em 1867-1872, € ainda o porto do Rio de Janeiro que escoa 81% da producio cafecira brasilei- ra. Mas a partir da década de 1870, a Provincia de Sio Paulo é de longe a principal responsével ‘pela expansio cafeci- ra. Se tomamos como base de célculo 0 ano 1877-1878, os indices da produgao cafeeira em 1907-1908 sio, para o Bra- sil como um todo 530, para o Rio de Janeiro I ail cong em Pi io de Janeiro 166, para Séo A importancia do rapido crescimento da produgao € desse deslocatmento geografico s6 poderé ser entendida se conside- rarmos as simultangas mudancas ocorridas ao nivel das rela~ Ges_de_producao, | ‘Ao subir os pl tos de Sao Paulo, © trabalho assalariado, a produgio cafeeira co- nhece a mecanizacéo (pelo menos uma mecanizagao parcial, a0 nivel das operacdes de beneticiamento do café). Além disso, a_possibilidade desse deslocamento é determinada pela construcdo_de uma rede de estradas de ferro bastante impor- -lante. Finalmente, 0 financiamento e “a comercializacao de luna _producio que ‘tinge milhdes' de sacas: implica o desen- volvimento_de_um sistema_comercial relat avanc formado por casas de exportacio ¢ uma red 7 £ fundamentalmente por essas razOe8 que o café se tornou © centro motor do desenvolvimento capitalista no Brasil. Con- vyém eniéo examiné-las mais de perto para compreender as caracteristicas do capitalismo no Brasil. 1. Plantagoes 1.1. Trabatho assalariado Com a imigragéo massiva, 0 trabalho escravo cede 2 iv 0 leu lu a0 trabalho assalariado nas plantagoes de café. Dois tergos 1Cf. A. d'E. Taunay, ob. cit., Vol. IV, p. 176 e vol. XI, p. 134. 50 dos imigrantes chegados a S30 Paulo, so empregados nas plan- tages ?. Um contrato de trabalho padrio é preparado pelo eserit6rio de imigracdo. Trata-se de um contrato de um ano, podendo ser fescindido pelas duas partes, com um aviso prévio de um més. Esse contrato previa 0 pagamento de um.salario base pro- porcional ‘ao niimero de pés de café atribufdos ao trabalhador (o trabalhador se engajava de fato com sua familia, o mémero de pés que Ihe eram atribufdos podiam variar em funcio, por exemplo, da idade de seus filhos). A esse saldrio-base junta- vase uma soma variével (uma espécie de prémio), em fungio da colheita obtida. Além disso, o trabalhador comprometia-se a efetuar trabalhos exteriores 4 plantagdo (por exemplo: par- ticipar nos trabalhos de beneficiamento, ensacamento ¢ carre- gamento da produc). O preco da jornada de trabalho fora da plantacao era fixado no contrato. ‘Ao lado dessas retribuigdes monetirias, o trabalhador re~ cebia um pedago de terra que podia cultivar por sua conta. local desse terreno, assim como as culturas que nele podiam ser estabelecidas, eram precisadas no contrato. Em geral, as culturas autorizadas eram o milho, a mandioca ¢ 0 feijao preto, isto é, culturas de subsisténcia. © produto dessas culturas era, em geral, inteiramente consumido pelo trabalhador e sua f milia. Contudo, nos bons anos, 03 trabalhadores levavam a0 mercado local o excedente da produgao alimentar realizada na terra destinada a subsisténcia °. . Em vez de conceder a0 trabalhador um pedaco de terra exterior as plantagoes, o fazendeiro podia autorizar o traba- Ihador a realizar culturas intercaladas. Esse sistema era o mais, corrente nas plantacdes novas, dado o tamanho relativamente reduzido dos pés de café ¢ o estado da terra, ainda muito rica. Esse sistema tinha a preferéncia dos trabalhadores, porque eles podiam, dessa maneira, manter com menos trabalho as duas cul- turas. Dennis observa que os trabalhadores preferiam ganhar 60 mil-réis (por mil pés) nas fazendas ondé a cultura intercalada era autorizada do que 80 mil-réis nas culturas onde a terra des- tinada @ lavoura de subsisténcia estava fora das plantagdes, ‘Pierre Monbeig, Pionniers et planteurs de Sao Paulo, Armand Colin, Paris, 1952, p. 132. SCE. Pierre Dennis, ob. cit, p. 141 SI obrigando-os assim a longos percursos didrios*. Esse fato mostra a importancia dessas culturas de auto-subsisténcia, apesar do papel dominante do regime assalariado. Progressivamente, o sistema das culturas intercaladas’ tor- nou-se bastante raro. Dois fatores de ordem “técnica” podem ser considerados na explicaco dese fénémeno: o envelheci- mento das plantagdes (isto é, com o tempo o niimero de plan- tages velhas tende a ser mais importante em relagéo 3s plan- tagoes novas, apesar do deslocamento constante das fronteiras do café e o abandono de um certo néimero de plantagées) © as caracterfsticas fisicas das novas terras. A interdigiio cada vez mais freqiiente das culturas intercaladas aparece como um meio de aumentar a rentabilidade das plantagdes as custas dos tra~ balhadores. ° Essa tendéncia reforca-se com a crise de superprodugdo do café, que conduz ao aumento das taxas de exploracao nas plan- tagdes. Ela € certamente estimulada com a chegada dos pri- meiros contingentes importantes de trabalhadores de origem brasileira, apés a Primeira Guerra Mundial. ti igrantes brasileir a mos decénios do século XIX; eles representavam ay 5,5% “do nmero total de imigrantes chegatas ee TSO eee raver SS ‘As migrag&es no interior do Brasil so uma conseqiiéncia do préprio desenvolvimento das relagSes capitalistas que tinha como centro a economia cafeeira. Progressivamente, esse de- senvolvimento comeca a subverter o sistema latifundiario e co- meca a “libertar”forca de trabalho. Esse desenvolvimento traz com ele as estradas de ferro, que facilitam as grandes mi- gragdes. As estradas de ferro desenvolvem-se também no Es- tado de Minas Gerais ¢, ligadas as de Sao Paulo, serviram para transportar trabalhadores brasileiros que vinham nao so- mente de. Minas, mas ainda da Bahia, para procurar trabalho » P. 140. Esse fato € também observado por Monbeig: “A atraga0 das zonas novas sobre os colonos (astim cram chamados no Brasil os trabalhadores imigrantes) nfo provinha exclusivamente dos ‘salérios, mas também, © talvez mais ainda, das condigoes dos gontratos ¢ ‘particularmente das possibilidades de’ praticar culturas in- tercaladas”. “Cf. ob. cit, p. 140. SCF. Pierre Dennis, Ob. cit, p. 131 e Pierre Monbeig, ob. cit, pp. 136-137. 52 em Sio Paulo. A chiegada de trabalha so: ios, ‘iros_ baixar jnas_plantagdes, Até os anos 1920, os imigrantes de origem estrangeira sao i ITO. les nao aceilam sem a0 Gqual si submetidos. Essas Jutas tomam as formas mais diversas, € muitas vezes violentas, dada a repressio exercida pelos fazendeiros que proibem, por exemplo, aos trabalhadores todo direito de associagao. E assim que as plantac&es sio 0 palco de varias greves e que muitas vezes as divergéncias entre irabalhadores ¢ fazendeiros ou seus administradores termina vam em tiros ¢ assassinatos °. Em razio das condicées sociais e da remuneracio, 0s tra- balhadores abandonam voluntariamente as plantacdes ao fim do contrato (1 ano), para procurar uma situago mais vanta- josa nas novas plantagdes, nas cidades, ou mesmo em outros pafses da América Latina, como a Argentina. No limite, se nao havia mais esperanca de melhorar sua sorte deste lado do Atlantico, retornam para a Europa. As saidas so importantes, sobretudo a partir das grandes crises de superproducao, no co- mego do século XIX. ‘A. esse propésito & interessante comparar as cifras das en- tradas © saidas entre 1902 ¢ 19067: Il ENTRADAS E SAIDAS DE TRABALHADORES, 1902-1906 Safdas (em milhares) Entradas ans (em milhares) 1902 404 314 1903 182 364 ~ 1904 278 32,6 1905 43,1 344 1906 484 413 jerre Monbeig, ob. cit., pp. 138-139. TCE. Pierre Dennis, ob. cit., p. 131 ¢ Delgado de Carvalho, Le Brésil meridional: une éiude sur les Etats du Sud, Société Anonyme de Publications Periodiques, Paris, 1910, p. 119. 53 Parece entdo que Dennis no exagera muito quando afirma: “0 final da colheita resultava em um deslocamento_geral dos trabathadores ngricolas, Os colonos (Isto os trabalbado- rep migrants) ado deverss nomads ‘Todos os fagondeitos vivem com a inguietude perpétwa de ver seu pesoal abandons Jos no més de setembro... Nao exaperamos 20 dizer que um treo das families empregadas ‘na cra do cafe deslocase j-ano emn ano... Imagine-se 0 abstéculo que representa para indistia do café essa instabilidade da mao-de-obra"8. Ao examinar esse problema da indistria cafeeira, Dennis nao leva em consideracéo 0 fato de que essa indistria € em grande parte o resultado da luta de trabalhadores que nao aceitavam passivamente as condigdes de trabalho impostas pelos fazendeiros. Mesmo a mecanizacdo parcial das fazendas nao pode ser explicada se nao consideramos essa luta (nas formas mais diversas) entre o capital cafeeiro e os trabalhadores agri colas, 1.2. Mecanizagao A_substituicao. scravo_pelo trabalhador_assalariado ¢ o dese lantaces_de café em todo o Estado ‘de Sia_ arretaram a mecanizacio de_uma parte da ‘desde beneficiamento. aparel construidos principalmente-em madeira e movidos pela 4gua dos riachos ou pela forca humana, predominantes na época da escravidio, foram rapidamente abandonados a partir da década de 1870. As secadeiras mecanicas preparadas. pelos fazendeiros Taunay ¢ Silva Telles impuseram-se, do mesmo mo- do que os classificadores a vapor. Monbeig resume assim essas transformacée: _“O metal e © vapor triunfaram sobre a madeira e a gua... Sua produgio (a dos fazendeiros que empregavam ‘miquinas modernas) tem venda mais féeil e prego melhor. Os inte:mediérios e 0s exportadores, com efeito, podem negociar com mais seguranca as diferentes qualidades de café clas cados automaticamente, Eles recebem uma mercadoria perfei- tamente seca e que nio corre o riteo de se estragar durante @ fase de transporte. Assim, os cafés tratados prio secador Taunay-Silva Telles obtém pregos superiores em um tergo aos SCE ob. cit, pp. 143-144, 54 de outros tipos. Do mesmo modo, os ppassados pelas maquinas Lidgerwood, que sio chamados café de mdquina, tinbam um preso mais elevado. A técnica melhor acarretava, ima valorizagao que compensava as despesas de modernizacio; fla facilitava’as economias de mAo-de-obra no momento ‘em ‘gue esta se tornava rara e mais cara. Enfim, as colheitas dos novos cafezais podiam ser manipuladas mais rapidamente do gue pelos processos tradicionais” 8 A. @E. Taunay atribui uma posicdo dominante aos pro blemas da raridade de mio-de-obra na mecanizagao das planta- ges. Apés ter analisado o relatério do Presidente A. da Costa Pinto & assembléia Legislativa da Provincia de Sao Paulo (5 de feverciro de 1871) — relatério que insiste sobre as dificuldades dos fazendeiros para encontrar trabalhadores — Taunay afirma qué a qualidade dos cafés de Sao Paulo estava melhorando & cle atribui essa melhoria ao progresso no tratamento dos gréios imposto pela ‘“raridade” da forca de trabalho. Entre esses pro- gressos, ele cita também a adocdo em numerosas fazendas pau- fistas da maquina norte-americana Lidgerwood. Isso represen- tava — diz. ele — um investimento importante mas rentivel, porque o café tratado com essa maquina era pago 200 mil-réis mais caro, isto &, cerca de 10% acima dos pregos internacionais da época '°, ‘Apesar de limitar-se as operagdes de beneficiamento, a me- canizagao nio deve ser subestimada. Ela constituiu, de um lado, um meio necessério ao estabelecimento de plantages a distncias muito grandes do porto de embarque, como sublinha Monbeig na passagem acima. De outro lado, apesar de a pro- priedade fundiria ter permanecido sempre o elemento princi- pal que separava os trabalhadores dos meios de producao, a mecanizago desempenha também um papel importante nesse sentido. Os produtos eram tratados ¢ ensacados nas fazendas. "A organizacio de uma plantacdo moderna implicava entio_na di i ‘cujo pre wa lar ‘os recursos da massa de trabalhadores. Além disso, o funcio- jamento desses equipamentos supunha grandes plantagées, ca- pazes de fornecer uma produgao suficiente para tomar rentavel esses investimentos. Essa mecanizagio mesmo parcial repre- sentava um elemento importante do sistema de grandes planta Ges domiinado pelo capital. Como destaca Dennis: Cf. ob. cit, pp- 88-89. 10 Ct. A. dE, Taunay, ob. vol. IT, pp. 221-223. 55 “Uma fazenda representa, (...) grandes capitals, ¢ mesmo fs agricultores paulistas nfo éram ‘bem sucedidos senao gragas 20 apoio financeiro que recebiam do grande comércio de expor- tagdo de Santos. Uma semelhante organizagtio agro-industrial ‘nao podia adaptar-se a0 regime de pequena sociedade” 32, Esse aspecto da economia cafeeira — a industria cafeeira — que caiu um pouco no esquecimento com o desenvolvimento * posterior da industria no Brasil foi muito fortemente assinalada pelos autores da época, como Pierre Dennis e também Delgado de Carvalho: “A aparelhagem da using de café atingiu um grau de per- {feigéo muito notavel em Sio Paulo. & hoje a inddstria melhor organizada do Brasil. As grandes fazendas de Sto Paulo si0 instalagdes modelo, que surpreendem o viajante estrangeiro ¢ so dignas de figurar ao lado das industrias mais bem apare- thadas da Europa” 12, 1.3. Estradas de ferro (2 tesenvolvimento_da_economia cafecira_nio_teria_sido. possfvel sem_as_estradas de ferro. A antigas tropas de mulas ndo podiam escoar uma grande producdo espalhada por milhares de quilémetros. Com as estradas de ferro as distancias dei xaram de ser obstdculo importante. Todo o interior de Sao Paulo estava portanto apto a ser conquistado pelos “pioneiros” do café. As plantagGes no seriam mais esmagadas sob 0 ‘peso: de colheitas impossiveis de escoar ®, A primeira estrada de ferro do café foi a Sociedade de Estradas de Ferro Pedro II, organizada pelo Governo do Im- Ppério. Suas primeiras linhas comegaram a funcionar no fim de 1859. Progressivamente ela foi buscar o café em todo o Vale do Paraiba e estendeu-se até 0 Norte de Sao Paulo e o Sudeste de Minas Gerais, 11CE. Pierre Dennis, ob. cit, p. 162. 12Cf. D. Carvalho, ob. cit, p. 167. Grifos do A, Para uma des- das operagdes industriais do café, ver pp. 164-168. 18Calcula-se que em 1855, 500.000 arrobas, ou seja, cerca de 120.000 ‘sacas de 60 kg, foram ‘disperdicadas por falta dos’ meios ne- ccessirios para transporta-las. Cf, Pierre Monbeig, ob. cit,, p85. Em 1860, isto é antes do fuscionamento da So Paulo Railway, os fazen- deiros nio se arriscavam a instalar-se a 40 léguas (240m) do porto de Santos (Cf. A. dE. Taunay, ob. cit, vol, IX, p. 19). 56 A importancia das estradas de ferro para a economia ca- feeira pode ser ilustrada por esse célculo de A. d’E. Taunay- considerando que © preco do transporte pelo trem era seis vezes, inferior 20 das tropas de nhulas, le estinna a economia realizads ‘somente-pelas Estradas de Ferro Pedro Il, entre 1860 © 1868, em 48.677 contos. Somente para o ano de 1868, essa econo- mia é estimada em 9.393 contos, ou seja, mais de 10% do valor total das exportagdes brasileiras de café nessa época ™. Em 1858, a Sao Paulo Railway Co. Ltd. era organizada na Gra-Bretanha. Ela foi encarregada de construir uma estra- da de ferro ligando o planalto de Sao Paulo ao porto de Santos. s trabalhos comecaram em 1860, e em 1867, a linha principal (Santos-S4o Paulo) entrava em servigo. ;Cuites companhias construfram estradas de ferro_para, a partir de Sa0 Paulo, servir todo o planalto. Essa companhias ==enire as quais destacaram-se a Paulista, a Sor: — ‘organizadas pelo capi asileiro. ‘Sens principais_acionistas eram os préprios grai i ‘No caso da Paulista, os fazendeiros de Campinas, Rio Claro, Limeira e Araras. Um outro exemplo, o principal acionista da ‘Mogiana era o rei do café de Mogi-Mirim, Queiroz Telles *, “Em 1879 — afirma Delgado de Carvalho — a zona ca- fecira encontravase .quase inteiramente coberta, mas a febre de construsa0, longe “de diminuir, frente aos belos resultados gue dava o transporte do café, procurava prolongar as diferen- tes redes ferroviarias” 1°, Em 1908, a companhia Paulista, administrava 1.100 km de vias férreas. Sua receita, para esse mesmo ano, foi de 22.664 contos (isto €, 1.000 mil-réis), ou seja, a0 cambio médio do ano, cerca de 1,5 milhdes de libras. A Mogiana e a Sorocabana a seguiam de perto, a primeira com 1.046 km de vias férreas TGFEE ob cit, vol. IV, pp. 405-406, 25°O desenvolvimento das estradas de ferro era comandado_pelos imeresses dos administradores, produtores © comerciantes de café seu) iragudoy ‘por Vezes,caprichoso e que ‘sera necesstio cortgir ‘ou suportar penosamente, depende da posigdo das maiores fazendas e da logalizagdo das eidades do cafe". P, Monbeig., ob. cit, pp. 157-158. 478 dos 736 km de estradas de ferro construidas no Brasil em 1868 eram “estradas do café". Cf, A. dE. Taunay, ob. cit, vol. IV, p. 41) A6CE. ob. cit, pp. 80-82. 57 uma receita de 15.579 contos, a segunda com 1.090 km ¢ 11.719 contos*". Com 0 rapido desenvolvimento da rede de estradas de ferro brastletra a partir de 1860 (vet tabela abaixo). const capialismo, em particular-na_regiio cafeeira. III. EXPANSAO DAS ESTRADAS DE FERRO, DA CRIACAO DAS PRIMEIRAS LINAS EM 1834, A 1929 | Resifo cafecira(?) 2.395,9 3.830,1 5:590,3, 7676.6 8.7139 10.212,0 11.2813, 18.326,1 1 Espirito Santo, Rio de Janeiro, Guanabara (antigo distrito, Fe- deral), Minas Gerais ¢ Si0 Paulo. Fonte: Para os anos de 1854-1906, Centro Industrial do Brasil, Le Brésil.. Ses richesses naturelles, ses industries, Paris, 1909, vol. Tl, pp. 40-43. Para os anos seguintes, Ministério da Agricaltura, Comér cio © Industria do Brasil, Brasil’ Atual, Rio de Janeiro, 1930, pp. 147-149. . 2. Capital cafeciro © proceso de transformagio das plantiagées de café é também _o processo de formacao da burguesia cafecira. O de- 37 Tbid., pp. 80-82. Em sua obra, Taunay apresenta-nos cifras que confirmam “a rentabilidade das primeiras grandes vias férreas do café (Pedro I © So Paulo Railway) desde os comecos, isto , durante os anos 1860 © 1870. Cf. ob. cit, vol. IV, pp. 391-313. 58 senvalvimento da economia cafeeira é 0 desenvolvi do.ca- Bilal cafeeiro--Mas a economia ¢ 0 capital cafeeiros ultrapas- sam largamente as plantagoes. A transformagao das plantagdes faz. parte de um processo mais amplo e ndo pode ser correta- mente explicado isoladamente. Em particular, a natureza ca~ pitalista dessas transformagées e 0 desenvolvimento do capi- {alismo que tem por base a economia cafecira nao pode ser determinada unicamente a0 nfvel das plantagdes. Desde o comeco, os principais Iideres da marcha pioneira nao Se Timi ‘a organizar e dirigir plantacdes de calé. Ele: eram_também_compradores 0 do. conjunto de_pro-, rietrios de terra. Eles exerciam as funcGes de_um_banco, ‘tinancii jento de novas plantagdes ou_a mo- ernizacio_de seu equipamento, emprestando aos fazendeiros Pouco a pouco, eles se afastam das tarefas ligadas & ges- \Go direta das plantacoes, que so confiadas a administradores. Eles se-estabeleceram nas grandes cidades, sobretudo em Sao Paulo. Suas atividades de comerciantes ndo se conciliavam com uma auséncia prolongada dos centros de negécios ca- feeiros. A medida que a economia cafeeira se desenvolve, o papel produgao, cresce. A importancia dos capitais aplicados nessa “esfera_de_economia est igada_ao_nassimento dos -primeitos fe economia std lgada a0 nascimento dos primeiras bancos brasileiros. As operagdes comerciais explicam o nas- ‘cimento e o desenvolvimento dos bancos. Encontramos, muitas vezes, 0s mesmos homens que estéo a frente de empresas que desempenham as fungées mais diver- sas. Eles esto também — é importante destac4-lo — & frente do aparelho de Estado, seja ao nivel regional (Estado de Sao Paulo), seja ao nivel federal. As biografias dos principais fa- zendeiros de café sao ricas em informagdes a esse respeito. Toledo Piza e A. Prado sao dois exemplos significativos. Todos os dois eram grandes fazendeiros, isto 6, proprietarios de grandes extensdes de terras consagradas ao café. Prado foi 38 Bssas fungSes se concretizavam na figura dos comissirios que desempenbaram tm papel importante na expansio cafeeira até o final do século XIX, quando as grandes casas de exportacio © os bancos fassumiram suas fungdes. Taunay estuda em dois capitulos a posiggo dos ‘comissirios na economia cafecira dos anos 1872-1889. Ci. op. cit., vol. VII, pp. 35-52. so ‘um dos principais personagens da marcha para o oeste, um dos pioneiros do café. Mas ele era também o proprietério de um dos primeiros ¢ um dos principais bancos de Séo Paulo e do Brasil; um dos principais dirigentes do Oficio de Imigra- sao; 0 mais importante acionista da Paulista (companhia de estrada de ferro), onde exercia as fungGes de presidente. To- ledo Piza era o proprietério de uma das mais importantes casas de exportacio de Santos © também “‘comerciante de terras”. Foi diversas vezes Secretério da Agricultura do Estado de Sao Paulo. 2.1, Diversos aspectos e aspecto dominante do capital cafeciro O capital cafeeiro tinha ito diversos_aspectos; cle “do caplial industrial-do capital bancirio © do capital comercial ‘Esses: diferentes aspectos, correspondom a difwentes Tungaes” do capital ¢ tendem, com o desenvolvimento do capitalismo, a constituirem fungoes relativamente auténomas, preenchidas por capitais diferentes — 0 capital agrdrio, o capital industtial, etc — e fragdes de classe particulares (a burguesia agréria, bur- gucsia industrial, burguesia comercial, etc.). Na economia ca- feeira, caracterizada por la fraco de desenvolvi- mento capitalista, essas diferentes funcdes so reunidas pelo cay cafeeiro € lo menos diretamente) fra- ‘soes_de classe _relativamente autOnomas: nao havia_uma_bur- jia_agraria cafecira, uma bur; ‘uma ur Jas fur Mas se 0 capital cafeeiro exerce funcies diversas, essas fungdes estavam estruturadas de uma maneira precisa. As di- ferentes fungGes exercidas pelo capital cafeeiro correspondem a relagoes reais que mantinham entre si relacdes especificas. E © estudo dessas relag6es que nos permite melhor caracterizar 0 capital cafeeiro, determinando qual, entre os seus aspectos, era © seu aspecto dominante. A anélse destas relagdes for ressaltar q_ddmingsin-das. funcfies_comesciaix Em outros termos, a cafacterizar_o-ca- cafeeiro como emente_ comers Essa mesma andlise nos permite também distinguir duas cam: das bastante bem definidas no seio da burguesia cafeeira. A 60 divisio da burguesia cafecira remete a estrutura das relagdes entre as diferentes fungdes do capital cafeciro e portanto, em particular, & dominacéo da funcdo comercial. Em seu conjunto, a tancia do capital cafeeiro esté ciais.. Isso € verdade se consideramos cada capital inc dualmente. Porque o desenvolvimento do capital cafeeiro desde essa fase (segunda metade do século XIX) conduziu a sua diviséo em duas fragdes, que podem ser entendidas em uma primeira aproximacio, como uma divisdo entre grandes capitais € capitais médios. A sua base, contudo, encontra-se a estrutura do capital cafeciro. Os grandes capitais — isto é, a camada superior da burguesia cafeeira — definiam fundamentalmente ‘uma burguesia comercial. Os médios capitais — isto €, a ca- mada inferior da burguesia cafecira — definiam sobretudo uma burguesia agraria, cuja fraqueza (resultante do fraco desenvol- vimento do capitalismo ao nivel de produgdo) a aproximava de uma simples classe de proprietdrios de terra. E necessério insistir no fato de que essa divisio nao ¢ uma divisio entre; de uma parte, 'o capital comercial e, de outra parte, © capital agrério: os maiores “produtores” de café, os ‘maiores fazendciros fazem parte da camada superior da bur- guesia cafeeira; as grandes plantagdes so propriedades do grande capital.” O capital cafeeiro representa a unidade dos dois, sob ‘a dominagéo do primeiro. De fato, quando falo, como'faco neste momento, de capital agrdrio e capital comer- cial, faco uma distingGo teérica, que ajuda a compreender a realidade concreta mas nao pode ser considerada mais do que uma aproximagao. Na realidade da economia cafeeira dessa poca, esses capitais nado existem de uma maneira auténoma. A ynderancia_do capital comercial é, em_primeiro Jugai, OhestTtado do desenvolvimento ainda Trato das velaghes aches de produgao capitelistas_no Brasil. andlise do trabalho assalariado e da mecanizagao nas plantagdes mostrou a0 mes- mo tempo a existéncia e os limites dessas relag6es no seio da economia cafeeira. No Brasil, o capital comercial no se apre- senta de uma maneira auténoma, enquanto capital comercial puro; ele domina diretamente a produgdo € s_suas exigéncias ‘outros termos, a_acumulacio_capitalista 39 Marx insistin nos aspectos reacionérios do capital mercantil_na transicGo capitalista. Ver particularmente 0 capitulo “Resumo histérico sobre o capital mercantil. ‘Cf. Le capital, vol. VI, pp. 332-348. 61 ealiza-se_sobretudo a0 nivel do comércio, 0 rreta Sree ute beuie-dae- ores hata "Em segundo lugar, a_dominagao do capital comercial ex- 0 0 Hraco desenvolvimento de suas forcas pro- dutivas, 9 Brail s¢ v2 designado, na-divisio internacional do| a posicao de pais exportador dc tos_agricolas., Esse efeito do desenvolvimento das relagdes capitalistas mun diais (sobre as condigdes préprias da estrutura econémica bra- sileira, isto é um capitalismo ainda fraco) manifesta-se por juma dependéncia em relagéo ao mercado mundial. Essa de-| Jpendéncia vem reforgar o papel dominante do comércio na| leconomia cafeeira e na economia brasileira em geral, 3. Desenvolvimento da Economia cafeeira no inicio do sé culo XX 3.1. Superprodueao problema da superprodugio_de_café apareceu_desde_o _final_do-século XIX. Em 1882, a produgio mundial havia trapassado-o consumo mundial *t~-Com a crise de T893 nos Estados Unidos, principal consumidor do café brasileiro, os pre- gos desse produto no mercado mundial caem rapidamente. A cotagdo média anual do saco de 60 kg passa de 4,09 libras, em 1893, a 2,91 libras em 1896, e a 1,48 libras em 1899*, A politica inflaciondria seguida pelos primeiros governos republicanos ¢ a répida desvalorizagao da moeda brasileira que acompanha a inflagio, permitem a burguesia cafceira amorte- cer 08 efeitos da baixa dos precos. Com efeito, a moeda bra- sileira (na €poca o mil-réis), apés ter variado entre 18, 5 pence 20 por essas razdes que a grande burguesia cafeeira instala-se nnas grandes cidades e, mais precisamente nos grandes portos. A cidade de Sd0 Paulo talvez ‘no possa ser considerada como uma excessio, na medida em que ele € a porta do corredor que vai do planalto 20. porto de Santos. £ entretanto importante no menosprezar’a_parti- Cipagio da inddsiria nascente — desde 1880 — na consolidagio de ‘Sto Paulo como capital econémica da regio, 21 produgo mundial era entio de 10.415 milhares de sacas (60 kg) © 0 consumo de 10.270. $6 a produgdo brasileira representava 53.5% da produgio mundial. Cf. W. G. dos Santos, Introdugdo ao

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