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PROCESSO Nº: 0801774-85.2023.4.05.8201 - AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO


SUMÁRIO
AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RÉU: VICTOR MARCELINO DE OLIVEIRA SANTOIANNI
ADVOGADO: Jose Dannilo Estrela De Oliveira e outro
4ª VARA FEDERAL - PB (JUIZ FEDERAL TITULAR)

SENTENÇA
(TIPO D - RES. CJF Nº. 535/2006)

RELATÓRIO

Tratam os presentes autos de ação penal promovida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO


FEDERAL em face de VICTOR MARCELINO DE OLIVEIRA SANTOIANNI, já
devidamente qualificado, pelo cometimento, em tese, do delito previsto no artigo 20, § 2º, da
Lei n. 7.716/89, por três vezes, em concurso material, por praticar, induzir e incitar
discriminação e preconceito de raça, etnia e religião contra pessoas de etnia ou confissão
judaica, por meio de postagens na rede social Facebook.

Consta da denúncia que, nos dias 02/04/2022, 27/05/2022 e 12/04/2023, o réu, de forma livre e
consciente, realizou três postagens ofensivas ao povo judeu e ao judaísmo, através de sua página
pessoal na rede social Facebook.

Denúncia recebida em 21/06/2023.

O réu, devidamente citado, apresentou resposta à acusação.

Audiência de instrução realizada neste juízo em 23/08/2023, na qual foram ouvidas duas
testemunhas e realizado o interrogatório do réu. Ao final, o MPF apresentou suas alegações
finais orais.

Alegações finais da defesa apresentadas no id. 12224133.

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Autos conclusos para sentença.

É o relatório.

FUNDAMENTAÇÃO

Ausentes preliminares a resolver, passo ao mérito.

Imputação

O Ministério Público Federal imputou ao réu VICTOR MARCELINO DE OLIVEIRA


SANTOIANNI a prática, em tese, da conduta prevista no 20, § 2º, da Lei n. 7.716/89, que
assim dispõe:

Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou
procedência nacional. (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)

Pena: reclusão de um a três anos e multa.(Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)

§ 2º Se qualquer dos crimes previstos no caput é cometido por intermédio dos meios de
comunicação social ou publicação de qualquer natureza: (Redação dada pela Lei nº 9.459, de
15/05/97)

§ 2º Se qualquer dos crimes previstos neste artigo for cometido por intermédio dos meios de
comunicação social, de publicação em redes sociais, da rede mundial de computadores ou de
publicação de qualquer natureza: (Redação dada pela Lei nº 14.532, de 2023)

Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.(Incluído pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)

Caso concreto

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O Procedimento Investigatório Criminal 1.24.001.000108/2023-08 foi instaurado a partir de


uma notícia de fato junto à Ouvidoria do Ministério Público de Estado da Paraíba, dando conta
de que o réu publicou, através de sua conta do Facebook (https://web.facebook.com
/victor.marcelino.562), frase supostamente apresentando um discurso de ódio aos judeus.

O Relatório de Pesquisa 850/2023, por sua vez, indicou que foram realizadas outras duas
postagens no mesmo perfil da referida rede social, também com conteúdos antissemitas.

Em seguida, foi solicitado à rede social Facebook que fosse realizada a preservação de dados e
conteúdo referentes a conta do perfil do réu, o que foi devidamente cumprido.

Materialidade e autoria

Sobre o tema, precedentes do STF (RHC 134.682) e STJ (RHC 117539) caracterizam o delito
de intolerância religiosa a partir da presença cumulativa de três requisitos: afirmação da
existência de desigualdade entre os grupos religiosos; defesa da superioridade daquele a que
pertence o agente e tentativa de legitimar a dominação, exploração e escravização dos
praticantes da religião que é objeto de crítica, ou, ainda, a eliminação, supressão ou redução de
seus direitos fundamentais.

No presente caso, os documentos que acompanham a denúncia demonstram que foram postados,
no perfil mantido pelo réu na rede social Facebook, postagens de conteúdo discriminatório
contra pessoas de origem ou confissão judaica, voltadas a denegrir sua imagem e a instar
violência contra os mesmos.

Verifica-se, ademais, que as postagens são voltadas a afirmar a existência de superioridade por
parte dos praticantes da religião professada pelo demandado em detrimento da religião judaica.
Vê-se pelos termos empregados ("inimigos da humanidade", "demônios", "pervertidos", "dignos
de abate", "pérfidos"), que representam discurso de ódio contra a religião judaica, extrapolando
os limites do proselitismo.

Ressalte-se que a liberdade religiosa assegurada pela Constituição da República Federativa do


Brasil, em seu art. 5º, inciso VI, não é absoluta, devendo ser exercitada de acordo com os
princípios constitucionais de convivência das liberdades públicas, não servindo de escudo para

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denegrir e infamar terceiros e disseminar o ódio entre as pessoas, devendo-se reconhecer que a
prática de atos de intolerância religiosa constitui verdadeira violação ao Estado Democrático de
Direito.

Resta caracterizada, desta forma, a materialidade delitiva.

Autoria, por seu turno, é incontroversa. Além dos elementos materiais, em especial a resposta
enviada pelo Facebook, que comprovam que a conta através da qual foram realizadas as
postagens pertence a Victor Marcelino Santoianni, o próprio réu confirma que foi ele quem as
realizou.

Em relação à alegação de que as postagens tiveram pequena repercussão, pontue-se que além de
se tratar de crime formal, não sendo o resultado material um requisito para sua configuração, o
meio utilizado para a propagação do discurso de ódio, a internet, não permite ao usuário o
completo controle sobre sua disseminação, haja vista que, uma vez postado, um conteúdo pode
ser reproduzido em larga escala, independente da vontade do autor, através de print screen e
encaminhamentos, por exemplo.

No que tange à alegação de que o réu apagou voluntariamente as postagens, tem-se que se trata
de fato irrelevante, uma vez que, dada a natureza do crime em análise, impossível seu
enquadramento nos arts. 15 e 16 do Código Penal.

Em suma, a réu tinha plena capacidade de entender o caráter ilícito de sua conduta e de agir de
acordo com esse entendimento. Sabia, com base em juízo leigo, que sua conduta era reprovável,
podendo, nas circunstâncias em que se encontrava, adotar conduta diversa. Indiscutível, diante
disso, sua culpabilidade, razão pela qual lhe corresponde juízo de reprovação estatal.

Concurso de crimes

Praticados os crimes por meio de ações autônomas, que não guardam pertinência imediata de
tempo, reconheço a aplicação do art. 69 do CP, que trata do concurso material.

DISPOSITIVO

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Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a pretensão deduzida na denúncia para CONDENAR


o réu VICTOR MARCELINO DE OLIVEIRA SANTOIANNI nas penas do artigo 20, § 2º,
da Lei n. 7.716/89, por três vezes, em concurso material.

Fixação da pena

Em razão da condenação do réu VICTOR MARCELINO DE OLIVEIRA SANTOIANNI, passo


a dosar a respectiva pena a ser aplicada, na forma do art. 68 do CP.

O art. 20, § 2º, da Lei n. 7.716/89 comina ao crime praticado pelo réu penas cumulativas de
reclusão e multa, não sendo aplicável o disposto no art. 59, inciso I, do CP, que diz respeito à
hipótese de cominação alternativa.

Examino as circunstâncias judiciais elencadas no caput do art. 59 do CP:

Considerando que a culpabilidade é normal à espécie; que não possui maus antecedentes; que
a conduta social do acusado deve ser valorada positivamente; que não há nos autos como aferir
a personalidade do acusado; que os motivos são inerentes ao tipo; que as circunstâncias são
normais à espécie; que não houve consequências extrapenais relevantes; que o comportamento
da vítima em nada contribuiu para o cometimento do ilícito, FIXO a PENA-BASE em 02 (dois)
anos de reclusão e a pena de multa em 10 (dez) dias-multa, para cada crime.

Ausentes agravantes.

Apesar de presente a atenuante da confissão, deixo de atenuar a pena, haja vista a


impossibilidade de fixação da pena em patamar inferior ao mínimo legal nesta fase da
dosimetria (Súmula 231 do STJ).

Ausentes causas de diminuição ou aumento de pena, torno CONCRETA e DEFINITIVA a pena


de 02 (dois) anos de reclusão e a pena de multa em 10 (dez) dias-multa.

Considerando o concurso material entre os três crimes do art. 20, § 2º, da Lei n. 7.716/89, fixo a
pena definitiva em 06 (seis) anos de reclusão e a pena de multa em 30 (trinta) dias-multa,
sendo cada dia multa fixado em 1/3 (um terço) do valor do salário-mínimo vigente à época do
último fato delituoso gerador da condenação (2023), atualizado até o efetivo pagamento, uma
vez que o réu demonstra possuir condições financeiras favoráveis, sendo titular de cargo

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público.

Considerando o montante da pena de reclusão aplicada, a pena deverá ser cumprida em regime
inicial semiaberto (art. 33, § 2º, "b", do CP), em estabelecimento a ser fixado pelo juízo da
execução.

Incabível a substituição da pena, uma vez que aplicada pena superior ao patamar legal (art. 44, I,
do CP).

Providências finais

Custas a cargo do réu.

Deixo de fixar mínimo indenizatório previsto no art. 387, IV, do CPP, uma vez que a infração
penal evidenciada não importou qualquer repercussão monetária factível.

Oportunamente, expeça-se guia de execução, encaminhando-a ao Juízo de Execução para fins


de cumprimento de pena.

Transitada em julgado a sentença, lance-se o nome do acusado VICTOR MARCELINO DE


OLIVEIRA SANTOIANNI no rol dos culpados e oficie-se ao TRE/PB, para os fins do art.
15, III, da Constituição Federal.

A publicação e o registro desta sentença decorrem automaticamente de sua validação no


sistema. Intimem-se.

Campina Grande, data de validação no sistema.

VINÍCIUS COSTA VIDOR


Juiz Federal da 4ª VF/SJPB

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Processo: 0801774-85.2023.4.05.8201
Assinado eletronicamente por: 23090519001008700000012283576
VINICIUS COSTA VIDOR - Magistrado
Data e hora da assinatura: 05/09/2023 21:54:50
Identificador: 4058201.12233416

Para conferência da autenticidade do


documento:
https://pje.jfpb.jus.br/pje/Processo
/ConsultaDocumento/listView.seam

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