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PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
SMAB
Nº 70074557133 (Nº CNJ: 0219828-95.2017.8.21.7000)
2017/CRIME
ACÓRDÃO
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ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
SMAB
Nº 70074557133 (Nº CNJ: 0219828-95.2017.8.21.7000)
2017/CRIME
RELATÓRIO
DES. SÉRGIO MIGUEL ACHUTTI BLATTES (RELATOR)
Na Comarca de São Sepé, o Ministério Público denunciou Joice Brum
Bolzan como incurso no art. 1º, II e §4º, I e II da Lei nº 9455/97, duas vezes, na forma do
art. 69 do Código Penal, pela prática do seguinte fato delituoso:
“No dia 28 de novembro de 2012, em horário não precisado nos autos, mas no
período da manhã, na Escola Municipal de Ensino Fundamental Professora Maria
Pereira Teixeira, no município de Vila Nova do Sul/RS, a denunciada Joice Brum
Bolzan, agente pública, submeteu os adolescentes Ricardo Goulart dos Santos e Vitor
Daniel Gomes de Sousa, que estavam sob seu poder e autoridade, com emprego de
grave ameaça, a intenso sofrimento mental, como forma de aplicar castigo pessoal e
medida de caráter preventivo.
Na ocasião, a denunciada, que era professora da Escola Municipal de Ensino
Fundamental Professora Maria Pereira Teixeira, após acreditar que seus alunos Vitor
Daniel e Ricardo haviam subtraído o seu aparelho celular, passou a lhes proferir
ameaças, afirmando que iria contar para toda a escola o ocorrido. Disse que os
ofendidos seriam chamados por todos de ladrões e que, em razão disso, não teriam
mais amigos, pois todos teriam vergonha de estar em suas companhias. Após, a
denunciada conduziu o seu automóvel na companhia dos infantes, com o intuito de que
os mesmos localizassem o chip do telefone que, em tese, eles haviam subtraído. Ao
encontrá-lo, continuou trafegando pelas ruas da cidade proferindo ameaças de que iria
os levar até a Delegacia de Polícia e, ao passar por uma viatura da Brigada Militar,
disse que ambos os adolescentes iriam ter uma “conversinha” com os policiais, para se
explicarem. Durante o percurso a denunciada chamava os adolescentes de ladrões,
sendo que em determinado momento os infantes tiveram a idéia de tirar suas próprias
vidas, uma vez que não agüentavam mais sentir tanto medo e vergonha.
As ameaças provocaram intenso sofrimento mental nos adolescentes, tanto que
Ricardo escreveu a seguinte carta para sua genitora, cujo texto segue: “Eu estou
partindo porque eu tenho vergonha de mim mesmo porque eu fiz uma coisa que não
devia me discumpa mas eu só te faço sofrer e você é tam boa comigo mas eu estou
partindo para me encontrar com o pai e o mano. (...) Mãe eu não roubei nada de
ninguém por tudo que é mais sagrado” (fl. 16 do IP). Ainda, Ricardo tentou se suicidar
ao desferir disparo de arma de fogo contra o seu peito, acabando por atingir a própria
perna, consoante com Radiografia de Joelhos e Receituário Médico das fls. 30 e 31”.
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VOTOS
DES. SÉRGIO MIGUEL ACHUTTI BLATTES (RELATOR)
Eminentes colegas:
O Ministério Público apela de sentença absolutória proferida em favor de
Joice Brum Bolzan, processada pelo crime capitulado no art. 1º, II e §4º, I e II da Lei nº
9455/97, duas vezes.
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
A fim de introduzir o exame do mérito, transcrevo a análise da prova
realizada pelo juízo de origem:
Trata-se de ação penal pública, objetivando-se apurar a responsabilidade
criminal da denunciada JOICE BOLZAN, pela prática do delito previsto no art. 1º,
inciso II, e §4º, incisos I e II da Lei n.º 9.455/97, que assim dispõe:
“Art. 1º Constitui crime de tortura:
(…).
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Neste contexto, tenho que não ficou bem demonstrada a ocorrência do fato nos
termos descritos na denúncia, situação que traz dúvidas quanto à ocorrência do crime
de tortura.
Assim, a prova colhida é frágil para a conclusão de juízo condenatório,
impondo-se a observância do princípio in dubio pro reo e a absolvição da ré.
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exposição vexatória dos menores, praticada em âmbito escolar, certamente esta teria sido
presenciada por demais alunos e professores, o que não houve. Mesmo o fato de a diretora da
escola ter deixado de comunicar a situação aos pais dos adolescentes, a pedido de Ricardo,
revela que a intenção das educadoras em momento algum foi humilhar os alunos, mas tão
somente reaver o aparelho celular que esteve na posse destes.
Ademais, consigne-se que o fato de o adolescente dispor de uma arma de
fogo, com a qual teria tentado ceifar a própria vida, trata-se de fato gravíssimo que deve ser
imputado não à ora acusada, senão à própria família do ofendido, não sendo admissível que
um artefato bélico de potencial letal esteja simplesmente à disposição de um menino de 12
(doze) anos de idade.
Verifica-se, pois, que há uma série de fatores que vão de encontro à palavra
das vítimas, de forma a suscitar dúvida na versão acusatória, o que enseja a manutenção da
absolvição da ré.
Importante salientar que a absolvição da acusada, no presente caso, não
importa em desmerecimento às palavras dos infantes, ou mesmo afirmar que estes estão
incorrendo em inverdades ao imputar a conduta narrada na exordial à educadora. É que se
entende, por outro lado, que não pode o Estado proceder a um juízo condenatório,
submetendo a acusada à privação de liberdade ou mesmo restrição de direitos, sem o mínimo
de elementos que o embasem.
Posto isso, reitero ser a manutenção da absolvição de rigor, pelo que deve ser
negado provimento ao recurso ministerial.
Ante o exposto, voto por negar provimento ao recurso.
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