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ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA

SMAB
Nº 70074557133 (Nº CNJ: 0219828-95.2017.8.21.7000)
2017/CRIME

APELAÇÃO CRIMINAL. TORTURA. ART. 1º, II E


§4º, I E II DA LEI Nº 9455/97. MATERIALIDADE E
AUTORIA. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS.
ABSOLVIÇÃO MANTIDA.
Caso em que a prova testemunhal é frágil ao embasar um
decreto condenatório, tendo em vista que nem mesmo as
vítimas apresentam narrativa uniforme no sentido de
confortar a tese acusatória, ao passo que a única testemunha
que presenciou diálogo entre a educadora e os infantes nega,
de forma veemente, a prática de qualquer pressão
psicológica por parte daquela contra estes. Manutenção da
absolvição que se impõe.
RECURSO DESPROVIDO.

APELAÇÃO CRIME TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL

Nº 70074557133 (Nº CNJ: 0219828- COMARCA DE SÃO SEPÉ


95.2017.8.21.7000)

MINISTERIO PUBLICO APELANTE

JOICE BRUM BOLZAN APELADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.


Acordam os Desembargadores integrantes da Terceira Câmara Criminal do
Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao recurso.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores
DES. DIÓGENES VICENTE HASSAN RIBEIRO (PRESIDENTE) E DES. RINEZ DA
TRINDADE.
Porto Alegre, 11 de outubro de 2017.

DES. SÉRGIO MIGUEL ACHUTTI BLATTES,


Relator.

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ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA

SMAB
Nº 70074557133 (Nº CNJ: 0219828-95.2017.8.21.7000)
2017/CRIME

RELATÓRIO
DES. SÉRGIO MIGUEL ACHUTTI BLATTES (RELATOR)
Na Comarca de São Sepé, o Ministério Público denunciou Joice Brum
Bolzan como incurso no art. 1º, II e §4º, I e II da Lei nº 9455/97, duas vezes, na forma do
art. 69 do Código Penal, pela prática do seguinte fato delituoso:
“No dia 28 de novembro de 2012, em horário não precisado nos autos, mas no
período da manhã, na Escola Municipal de Ensino Fundamental Professora Maria
Pereira Teixeira, no município de Vila Nova do Sul/RS, a denunciada Joice Brum
Bolzan, agente pública, submeteu os adolescentes Ricardo Goulart dos Santos e Vitor
Daniel Gomes de Sousa, que estavam sob seu poder e autoridade, com emprego de
grave ameaça, a intenso sofrimento mental, como forma de aplicar castigo pessoal e
medida de caráter preventivo.
Na ocasião, a denunciada, que era professora da Escola Municipal de Ensino
Fundamental Professora Maria Pereira Teixeira, após acreditar que seus alunos Vitor
Daniel e Ricardo haviam subtraído o seu aparelho celular, passou a lhes proferir
ameaças, afirmando que iria contar para toda a escola o ocorrido. Disse que os
ofendidos seriam chamados por todos de ladrões e que, em razão disso, não teriam
mais amigos, pois todos teriam vergonha de estar em suas companhias. Após, a
denunciada conduziu o seu automóvel na companhia dos infantes, com o intuito de que
os mesmos localizassem o chip do telefone que, em tese, eles haviam subtraído. Ao
encontrá-lo, continuou trafegando pelas ruas da cidade proferindo ameaças de que iria
os levar até a Delegacia de Polícia e, ao passar por uma viatura da Brigada Militar,
disse que ambos os adolescentes iriam ter uma “conversinha” com os policiais, para se
explicarem. Durante o percurso a denunciada chamava os adolescentes de ladrões,
sendo que em determinado momento os infantes tiveram a idéia de tirar suas próprias
vidas, uma vez que não agüentavam mais sentir tanto medo e vergonha.
As ameaças provocaram intenso sofrimento mental nos adolescentes, tanto que
Ricardo escreveu a seguinte carta para sua genitora, cujo texto segue: “Eu estou
partindo porque eu tenho vergonha de mim mesmo porque eu fiz uma coisa que não
devia me discumpa mas eu só te faço sofrer e você é tam boa comigo mas eu estou
partindo para me encontrar com o pai e o mano. (...) Mãe eu não roubei nada de
ninguém por tudo que é mais sagrado” (fl. 16 do IP). Ainda, Ricardo tentou se suicidar
ao desferir disparo de arma de fogo contra o seu peito, acabando por atingir a própria
perna, consoante com Radiografia de Joelhos e Receituário Médico das fls. 30 e 31”.

Certificaram-se os antecedentes (fl. 59).


A denúncia foi recebida em 23.02.2015 (fl. 60). Citada (fl. 62v), a ré
apresentou resposta à acusação (fls. 73-82).
Na instrução, procedeu-se com a oitiva das vítimas e oito testemunhas, bem
como interrogada a ré (CD fl. 102).

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Atualizaram-se os antecedentes criminais (fl. 122).


As partes apresentaram memoriais (MP às fls. 123-128 e ré às fls. 134).
Sobreveio sentença (fls. 135-137) julgando improcedente a denúncia e
absolvendo a ré, com fulcro no art. 386, VII do Código de Processo Penal.
A sentença restou publicada em 23.04.2016 (fl. 137v) e o Ministério
Público interpôs apelação (fl. 138).
Nas razões, postula o provimento do recurso para julgar procedente a
denúncia condenando a ré como incurso nas sanções do art. 1º, II e §4º, I e II da Lei nº
9455/97, duas vezes.
A defesa interpôs embargos de declaração (fls. 150-152) que foram
rejeitados (fl. 153).
A defesa apresentou contrarrazões (fls. 155-164).
Nesta instância, a Procuradoria de Justiça exara parecer pelo conhecimento e
provimento do apelo ministerial (fls. 167-170v).
Vêm os autos conclusos para julgamento.
É o relatório.

VOTOS
DES. SÉRGIO MIGUEL ACHUTTI BLATTES (RELATOR)
Eminentes colegas:
O Ministério Público apela de sentença absolutória proferida em favor de
Joice Brum Bolzan, processada pelo crime capitulado no art. 1º, II e §4º, I e II da Lei nº
9455/97, duas vezes.
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
A fim de introduzir o exame do mérito, transcrevo a análise da prova
realizada pelo juízo de origem:
Trata-se de ação penal pública, objetivando-se apurar a responsabilidade
criminal da denunciada JOICE BOLZAN, pela prática do delito previsto no art. 1º,
inciso II, e §4º, incisos I e II da Lei n.º 9.455/97, que assim dispõe:
“Art. 1º Constitui crime de tortura:
(…).

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II - submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de


violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como
forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.
(…).
§ 4º Aumenta-se a pena de um sexto até um terço:
I - se o crime é cometido por agente público;
II - se o crime é cometido contra criança, gestante, deficiente e adolescente;”

Constato que estão presentes as condições da ação e pressupostos processuais.


Não há nulidades ou irregularidades processuais relevantes a serem sanadas e foram
observados os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa (artigo 5º,
LV, CF).
No mérito, a denúncia é improcedente, senão vejamos.
Conforme se denota na prova colhida em juízo, não ficou provado que a ré
cometeu o delito imputado.
A situação narrada pelas vitimas não fora suficiente a confirmar o fato narrado
na denúncia, vejamos:
RICARDO GOULART DOS SANTOS, vítima, disse que VITOR encontrou o
celular e entregou para o depoente, que por sua vez passou para PABLO, mas em
momento algum sabia quem seria o dono, pois haviam encontrado. Referiu que no dia
seguinte foram chamados por JOICE, que afirmou que haviam roubado o seu celular.
Quando recebeu o celular já estava sem o chip. Na sala da direção se dispuseram a
entregar o celular, mas não queriam sair da escola naquele momento, entretanto foram
levados até o carro por JOICE, que passou a ameaçar que os levaria até a delegacia
pois haviam roubado o celular. Sua pretensão era devolver o celular após o término da
aula. Após o fato foi para casa e ficou pensando no acontecido, em tudo que ela havia
lhe dito, e como seria uma vergonha para sua família, fazendo uso de uma arma de
fogo de seu avô, tentou tirar sua vida. Contou a história do celular após o acontecido.
VITOR DANIEL GOMES DE SOUZA, vítima, disse que encontrou um celular na
feira do livro, ocasião em que retirou o chip e entregou o aparelho para RICARDO.
Aduziu que no outro dia JOICE foi até a sala de aula e levou o depoente e RICARDO
para a direção, ocasião em que chamou-os de ladrão. Em seguida, JOICE levou-os até
o carro dela e foram procurar o chip e buscar o celular que estava com Pablo. Não
foram obrigados a sair da escola, pois se dispuseram a devolver o mesmo. Disse que
JOICE não falou nada enquanto estavam em direção a casa de PABLO, apenas ficou
quieta. Nega que JOICE tenha falado que “iriam se entender com a polícia”, “iriam
ser presos”.
A ré nega o fato, aduzindo que os adolescentes entregaram o aparelho por livre
iniciativa.
Ré JOICE BRUM BOLZAN, qualificada e cientificada do direito constitucional
de permanecer calada, disse que após o sumiço de seu telefone celular, fora informada
por outros alunos que Vitor Daniel e Ricardo haviam pego seu telefone, ocasião em
que, com a autorização da diretora, chamou os mesmos para conversar, os quais
confessaram terem pego o celular. RICARDO aduziu que levaria a interrogada até o
local onde estava o celular, pois haviam entregado o mesmo para a pessoa de PABLO.
Chegando na casa de PABLO, este veio até o carro da depoente e entregou o telefone,
aduzindo que as vítimas havia pedido para que o mesmo guardasse consigo o referido
celular, ocasião em que retornaram para a escola. Afirma que em momento algum
passaram por viatura da polícia, também não havia motivo de ameaçá-los de qualquer
coisa.

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Enquanto isso, a testemunha LUZINETE, que presenciou a conversa com os


infantes, aduziu que em momento algum houve pressão ou ameaças por parte de
JOICE.
LUZINETE MOREIRA DOS SANTOS, Diretora à época, lembra que no dia da
feira do livro JOICE perdeu o telefone celular, mas somente no dia seguinte ficou
sabendo que o mesmo estava com os alunos RICARDO e VITOR. Lembra que
chamaram os mesmo até a direção, ocasião em que falaram onde se encontrava o
celular, tendo então JOICE os levado em seu carro até o local. Afirma que em momento
algum houve pressão sobre os menores. Disse que no próprio evento pegaram o
microfone e perguntaram se alguém havia encontrado o celular. Abonou a conduta
JOICE, aduzindo que se trata de uma ótima profissional. Não chamou os responsáveis
dos alunos em razão do pedido de RICARDO, aduzindo que sua mãe já estava
adoentada.
As demais testemunhas não presenciaram os fatos, e assim narraram:
ANIELE SANTOS VASCONCELOS, ouvida na qualidade de informante, disse
que após o fato na escola, RICARDO desferiu um tiro contra sua perna. Disse que
tomou conhecimento da relação do tiro com situação ocorrida na escola através de
amigos de RICARDO.
A testemunha ANGÉLICA GUTERRES DA SILVA, aduziu que apenas prestou
socorro a RICARDO, não sabendo o motivo do acontecido.
JUCELIA SIQUEIRA, Conselheira Tutelar, aduziu que no dia 29 de novembro
de 2012, foram informados que RICARDO havia se ferido com um disparo de arma de
fogo, e estaria em sua residência. Foi até o local e em conversa com RICARDO este
relatou que VITOR havia encontrado um celular, mas não sabia que era da professora
JOICE. RICARDO narrou que no dia seguinte JOICE lhe tirou da sala de aula,
juntamente com VITOR, e os colocou em seu carro e passado a dar voltas na Vila,
sendo que cada vez que passava pela Brigada Militar ou Policia Civil ela ameaçava
que iria mandar prende-los. RICARDO aduziu que tentou tirar sua vida por vergonha
do acontecido. Lembra que RICARDO pensou diversas maneiras de tirar suas vidas, e
então encontrou a arma que falhou nas duas vezes que estava direcionada ao seu peito,
vindo a deflagrar quando havia baixado a mesma.
A testemunha ALINE FERREIRA PEREIRA, disse que VITOR encontrou um
celular, entregou para RICARDO, que por sua vez repassou para PABLO, que ficou
com o mesmo até o dia seguinte, ocasião em que estiveram na sua casa a professora
JOICE, VITOR e RICARDO para buscar o telefone. Ficou sabendo que depois do fato
RICARDO efetuou um disparo de arma de fogo contra sua perna.
A testemunha SOLANGE TRINDADE NEVES, ficou sabendo do fato após todo o
acontecido. Lembra que comunicaram o sumiço do celular ainda durante o evento.
Disse que no dia seguinte, os alunos se prontificaram a entregar o celular. Referiu que
é procedimento comum da escola passar de sala em sala quando acontece algo
semelhante.
SABRINA NEVES SALDANHA, Professora, lembra que estava com os alunos
quando, inicialmente, a professora JOICE passou perguntando se alguém sabia do
paradeiro do celular que havia perdido no dia anterior, mas ninguém se manifestou.
Em seguida retornou e solicitou o comparecimento de VITOR e RICARDO até a
direção, os quais retornaram ao final do turno e em seguida foram embora. Ninguém
comentou nada sobre o acontecido. Tomou conhecimento da tentativa de suicídio por
RICARDO dias depois do fato.
Por fim, a testemunha SIMONE BEATRIZ RODRIGUES CORADINI, Secretária
da Educação, abonou a conduta de JOICE.

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Neste contexto, tenho que não ficou bem demonstrada a ocorrência do fato nos
termos descritos na denúncia, situação que traz dúvidas quanto à ocorrência do crime
de tortura.
Assim, a prova colhida é frágil para a conclusão de juízo condenatório,
impondo-se a observância do princípio in dubio pro reo e a absolvição da ré.

Em que pese o arrazoado recursal do Ministério Público, tenho que o caso


foi enfrentado de forma precisa pelo colega de primeiro grau, pelo que a manutenção do
veredicto absolutório é de rigor.
Veja-se que é imputada à ré Joice a prática de tortura, por que, nos termos da
exordial acusatória, “submeteu os adolescentes RICARDO DOS SANTOS e VITOR GOMES
de SOUZA, que estavam sob seu poder e autoridade, com emprego de grave ameaça, a
intenso sofrimento mental, como forma de aplicar castigo pessoal e medida de caráter
preventivo”.
Efetivamente, os pontos incontroversos no presente caso podem ser
resumidos da seguinte forma: 1) no dia 27 de novembro de 2012, durante festividade
ocorrida na Escola Municipal de Ensino Fundamental Professora Maria Pereira Teixeira, os
infantes Ricardo Goulart dos Santos e Vitor Daniel Gomes de Sousa tomaram posse de um
aparelho celular pertencente à ré Joice Brum Bolzan, retirando-lhe o chip e mantendo o bem
consigo; 2) no dia seguinte, 28 de novembro de 2012, informada por demais alunos acerca de
quem estaria na posse do aparelho, Joice chamou os dois infantes para esclarecer a situação,
oportunidade na qual levou-os para a sala da direção, na presença de Luzinete Moreira dos
Santos, diretora da escola; 3) após, Joice conduziu, em seu veículo, ambos os infantes até a
casa de um terceiro incapaz, chamado Pablo, o qual estaria com o aparelho celular, no
momento, tudo indicado pelos ora ofendidos, os quais se dispuseram a garantir a devolução
do aparelho.
Neste contexto fático, o mérito da questão centra-se na análise da ocorrência,
ou não, de abuso psicológico perpetrado pela acusada durante o procedimento ocorrido, o
qual teria, segundo a acusação, desencadeado inclusive intento suicida no infante Ricardo,
que após os fatos muniu-se de uma arma de fogo e desfechou um disparo no próprio joelho,
com o intuito de ceifar a própria vida.
Pois tenho que, no caso dos autos, não verifico haver tanto prova
contundente a indicar o efetivo cometimento do delito de tortura, supostamente perpetrado
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por Joice, consistente em submeter os adolescentes, com emprego de grave ameaça, a


intenso sofrimento mental, como o nexo causal entre eventual conduta desta e a tentativa do
infante em ceifar a própria vida.
De plano, calha consignar que as supostas ameaças perpetradas pela
educadora foram mencionadas tão somente pelos próprios infantes. Ninguém, além destes,
presenciou Joice proferir-lhes palavras de tom ameaçador, ao revés: a diretora da escola,
presente na conversa havida na sala de direção do educandário, foi coesa ao afirmar que não
houve pressão de qualquer tipo empregada sobre os menores, aduzindo tratar-se Joice de
ótima profissional. Ademais, consignou que os responsáveis pelos adolescentes não foram
chamados em razão de expresso pedido destes.
Em seqüência, consigno que, sopesadas as versões prestadas por Ricardo e
Vitor, não identifico coerência em seus ditos aptos a conferirem verossimilhança capaz de
infirmar a presunção de inocência que deve sempre recair sobre a acusada, em termos de
processo penal. Veja-se que, segundo Ricardo, os adolescentes não queriam deixar a escola
no carro de Joice, sendo obrigados a tanto, e durante o trajeto a educadora teria dito que os
levaria até uma delegacia, pois haviam roubado o celular. Já Vitor, em seu depoimento,
declara expressamente que os adolescentes anuíram em acompanhar Joice, tendo em vista
que era intenção destes devolver o aparelho à professora, e que a educadora nada falou
durante o trajeto até a residência de Pablo. Negou, ainda, que Joice tenha declarado que
“iriam ser presos”, ou qualquer coisa do gênero.
Assim, tenho que a prova testemunhal é frágil ao embasar um decreto
condenatório. Veja-se que nem mesmo as vítimas apresentam narrativa uniforme no sentido
de confortar a tese acusatória, ao passo que a única testemunha que presenciou diálogo entre
a educadora e os infantes nega, de forma veemente, a prática de qualquer pressão por parte
daquela contra estes.
Ainda, não obstante as declarações das vítimas, reitero que, por mais
lamentável que seja a narrada tentativa do adolescente Ricardo de ceifar a própria vida com
um disparo de arma de fogo, não restou demonstrado nexo causal entre este fato e qualquer
conduta desempenhada por Joice. Veja-se que, diante da delicada situação que se apresentou,
consistente nos adolescentes estarem de posse de seu aparelho celular, a professora limitou-
se a buscar reaver, de forma pacífica, o telefone junto a estes. Ora, se houvesse qualquer

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exposição vexatória dos menores, praticada em âmbito escolar, certamente esta teria sido
presenciada por demais alunos e professores, o que não houve. Mesmo o fato de a diretora da
escola ter deixado de comunicar a situação aos pais dos adolescentes, a pedido de Ricardo,
revela que a intenção das educadoras em momento algum foi humilhar os alunos, mas tão
somente reaver o aparelho celular que esteve na posse destes.
Ademais, consigne-se que o fato de o adolescente dispor de uma arma de
fogo, com a qual teria tentado ceifar a própria vida, trata-se de fato gravíssimo que deve ser
imputado não à ora acusada, senão à própria família do ofendido, não sendo admissível que
um artefato bélico de potencial letal esteja simplesmente à disposição de um menino de 12
(doze) anos de idade.
Verifica-se, pois, que há uma série de fatores que vão de encontro à palavra
das vítimas, de forma a suscitar dúvida na versão acusatória, o que enseja a manutenção da
absolvição da ré.
Importante salientar que a absolvição da acusada, no presente caso, não
importa em desmerecimento às palavras dos infantes, ou mesmo afirmar que estes estão
incorrendo em inverdades ao imputar a conduta narrada na exordial à educadora. É que se
entende, por outro lado, que não pode o Estado proceder a um juízo condenatório,
submetendo a acusada à privação de liberdade ou mesmo restrição de direitos, sem o mínimo
de elementos que o embasem.
Posto isso, reitero ser a manutenção da absolvição de rigor, pelo que deve ser
negado provimento ao recurso ministerial.
Ante o exposto, voto por negar provimento ao recurso.

DES. RINEZ DA TRINDADE (REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a).


DES. DIÓGENES VICENTE HASSAN RIBEIRO (PRESIDENTE) - De acordo com
o(a) Relator(a).

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DES. DIÓGENES VICENTE HASSAN RIBEIRO - Presidente - Apelação Crime nº


70074557133, Comarca de São Sepé: "“À UNANIMIDADE, NEGARAM PROVIMENTO
AO RECURSO.”"

Julgador(a) de 1º Grau: LEANDRO PRECI

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