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ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA

JACP
Nº 70082490020 (Nº CNJ: 0220911-78.2019.8.21.7000)
2019/CRIME

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO.


INCOFORMISMO MINISTERIAL.
CRIMES DOLOSOS E CULPOSOS CONTRA A
PESSOA. HOMICÍDIO QUALIFICADO, NA FORMA
TENTADA (ARTIGO 121, § 2º, INCISOS I, III E IV,
NA FORMA DO ARTIGO 14, INCISO II, AMBOS DO
CÓDIGO PENAL). INFORMAÇÃO ANÔNIMA
REJEIÇÃO DA DENÚNCIA POR AUSÊNCIA DE
JUSTA CAUSA. AUSÊNCIA DE INDÍCIOS DE
AUTORIA. DECISÃO CONFIRMADA.
RECURSO DESPROVIDO.

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL

Nº 70082490020 (Nº CNJ: 0220911- COMARCA DE PORTO ALEGRE


78.2019.8.21.7000)

MINISTERIO PUBLICO RECORRENTE

PAULO SERGIO NUNES CAMINHA RECORRIDO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Segunda Câmara Criminal do


Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao recurso.

Custas na forma da lei.


Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes
Senhores DES.ª ROSAURA MARQUES BORBA E DES. JONI VICTORIA SIMÕES.
Porto Alegre, 12 de setembro de 2019.

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JACP
Nº 70082490020 (Nº CNJ: 0220911-78.2019.8.21.7000)
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DES. JOSÉ ANTÔNIO CIDADE PITREZ,


Relator.

RELATÓRIO
DES. JOSÉ ANTÔNIO CIDADE PITREZ (RELATOR)

Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público (fl.


174), inconformado com a decisão proferida pela Dra. Juíza de Direito da 1ª Vara do
Tribunal do Júri da comarca de Porto Alegre, que nos autos da ação penal n.
001/2.18.0063852-1, rejeitou a denúncia oferecida contra o ora recorrido, com base no
artigo 395, inciso III, do CPP, entendendo não haver justa causa para o exercício da ação
penal (fls. 138/140).

Recebido o recurso (fl. 177), o agente ministerial apresentou as respectivas


razões. Postula a reforma da decisão, a fim de que seja recebida a denúncia e decretada a
prisão preventiva do recorrido. Sustenta, para tanto, que há elementos probatórios
suficientes a embasar a propositura da ação penal, assim como para a decretação da prisão
preventiva do acusado (fls. 179/187).
O acusado, assistido pela Defensoria Pública, ofereceu contrarrazões,
requerendo o desprovimento do recurso (fls. 194/204).
A decisão foi mantida (fl. 205) e os autos subiram a esta Corte, operando-se
sua distribuição mediante sorteio.
Colheu-se o parecer escrito da douta Procuradoria de Justiça, que se
manifestou pelo desprovimento do recurso (fls. 207/209).
Após, os autos vieram conclusos.

É o relatório.

VOTOS

DES. JOSÉ ANTÔNIO CIDADE PITREZ (RELATOR)


Da leitura atenta dos autos, verifica-se que a autoridade policial, com base na
comunicação de ocorrência n. 1224/2014/100807, instaurou inquérito policial, objetivando

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apurar o delito de homicídio, na forma tentada, ocorrido na data de 30SET2014, em que


consta como vítima, Diego Martins de Lima.
Concluído o inquérito policial, o Sr. Delegado de Polícia lançou relatório,
indiciando Paulo Sérgio Caminha pelo cometimento do delito tipificado no artigo 121, §2º,
incisos I e IV, na forma do artigo 14, inciso II, ambos do Código Penal (fls. 79/80v).

Remetidos os autos ao Poder Judiciário, a agente do Ministério Público


ofereceu a denúncia, imputando ao ora recorrido a prática do crime previsto no artigo 121,
§2º, incisos I, III e IV, na forma do artigo 14, inciso II, ambos do Código Penal.
Em prosseguimento, a digna Magistrada rejeitou a inicial acusatória, em
decisão assim fundamentada (fls. 138/140):

“Vistos.

O Ministério Público ofereceu denúncia contra PAULO


SÉRGIO NUNES CAMINHA pela prática de homicídio
tentado qualificado contra DIEGO MARTINS DE LIMA.

A materialidade dos crimes está consubstanciada,


para estes efeitos, pela ocorrência policial nº 1224/2014
(fls. 18-19 do IP).

Contudo, com o devido respeito à posição encampada


pelo MP, tenho que não há elementos suficientes a apontar
a autoria do crime na pessoa do denunciado.

Consta no Relatório de Informações de fls. 50 e


seguintes que, no dia 06/11/2014, a autoridade policial
recebeu uma denúncia anônima de que o autor do fato em
questão seria Paulo Sérgio Nunes Caminha, tendo relatado
o denunciante que ¿a vítima procurou Nenê para oferecer-lhe
um revólver e Nenê comprou. No outro dia o tal revólver
haveria sumido do local onde Nenê o guardou e Nenê disse
que havia sido Diego e o avistou na Av. Plinio Kroef e com seu
veículo fusca branco e o alvejou quando entrava no ônibus¿.

Por sua vez, a testemunha Emerson Luis Schneuder


Job (fl. 47) limitou-se a informar que ¿se recorda de haver
uma pessoa tentando embarca no veículo, chegando
correndo, quando outra pessoa de branco passou correndo
pela frente do veículo e puxou essa pessoa que estava
tentando embarcar e desferir disparo de arma de fogo, que
escutou três¿.
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Da mesma forma, Luiz Carlos Silva de Brito (fl. 67)


relatou ¿que viu um homem correndo em meio à Avenida e se
atirou para dentro de um caminhão e o motorista o pôs para
fora; que, ato contínuo, a vítima tentou entrar no ônibus que
havia chegado na parada; que outro homem que vinha
perseguindo a vítima o puxou de dentro do ônibus e atirou
nele; que não conhece a vítima ou o autor do crime¿.

Não foram demonstradas, portanto, as fontes dessas


informações, que ficaram limitadas à reprodução de
¿boatos¿.

Esse Juízo tem entendido, em casos semelhantes, que


informações de origem anônima não bastam para a
instauração da ação penal. O anonimato é suspeito porque
pode encobrir intenções menos elogiáveis. Não há como
desvendar qual o real interesse que move uma testemunha
anônima, podendo-se, inclusive, cogitar que alguém impute
a outrem a autoria delitiva com intuito de desviar a
investigação e proteger o verdadeiro responsável.

Ademais, o anonimato impede o exercício do


contraditório pela defesa, posto que não há possibilidade de
questionar informações ou a própria confiabilidade delas
quando as fontes não são conhecidas e, consequentemente,
não serão ouvidas durante o processo.

A justa causa referida no art. 395, inc. III, do CPP,


como condição da ação penal, é a existência de ¿suporte
probatório mínimo que deve ter ação penal, relacionando-se
com indícios de autoria, existência material de uma conduta
típica e alguma prova de sua antijuricidade e culpabilidade¿
(JARDIM, Afrânio Silva. Direito Processual Penal. 11ª ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 97). Assim, por
inteligência do referido artigo, a inicial acusatória que não
conta com um mínimo lastro probatório deve ser rejeitada.

Nesses termos, com fundamento no art. 395, III, do


CPP, rejeito a denúncia, por falta de justa causa para o
exercício da respectiva ação penal, diante da ausência de
suporte probatório mínimo quanto à participação dos
denunciados no fato, uma vez que os elementos sobre a

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autoria do crime decorrem exclusivamente de informações


anônimas, sem confirmação por outras fontes.

Quanto ao pedido de decretação da prisão preventiva,


pelas mesmas razões já expostas quando da fundamentação
da rejeição da denúncia, é caso de indeferimento. As
informações sobre a autoria são precárias e justificam um
início de investigação, mas não sustentam, por ora, a
medida extrema da prisão cautelar.

Ante o exposto:

(a) REJEITO a denúncia, com fundamento no art. 395,


III, do CPP, por falta de justa causa para o exercício da
respectiva ação penal, diante da ausência de suporte
probatório mínimo quanto à participação do denunciado no
fato;

(b) INDEFIRO a prisão preventiva de PAULO SÉRGIO


NUNES CAMINHA;

(c) DEFIRO a juntada da certidão de antecedentes cri


minais e de atos infracionais do acusado.

(d) DEFIRO o oficiamento ao Hospital Cristo Redentor


para que remeta prontuário integral de atendimento médico
das vítimas.

(...)”.

É contra essa decisão que o Parquet manifesta inconformidade.

Dispõe o artigo 395, inciso III, do CPP, que a denúncia será rejeitada quando
“faltar justa causa para o exercício da ação penal”. Por justa causa se entende “um lastro
probatório mínimo indispensável para a instauração de um processo penal (prova da
materialidade e indícios de autoria), funcionando como uma condição de garantia contra o
uso abusivo do direito de acusar1.”
No caso em exame, embora existente prova do cometimento do fato
delituoso [Boletim de Ocorrência Policial (fl. 18) e Prontuário Hospitalar (fls. 154/172)],

1
LIMA, Renato Brasileiro de. Código de Processo Penal comentado. Salvador: JusPodivm, 2016. P.
1085.

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entendo que não há indícios de autoria que comportem o recebimento da denúncia, senão
vejamos.
A testemunha Emerson Luis Schneudes Job disse, em síntese, que “se
recorda de haver uma pessoa tentando embarcar no veículo, chegando correndo, quando
outra pessoa de branco passou correndo pela frente do veículo e puxou essa pessoa que
estava tentando embarcar e desferir disparo de arma de foco, que escutou três (...) Sobre o
veículo fusca branco, apontado nas imagens, relata que só recorda de veículo similar
fazendo o retorno na via regular depois do sambódromo e não se recorda dele passando a
frente do ônibus”.

A testemunha Tiago Cardoso, por sua vez, relatou que não viu nada do fato,
pois estava sentada dentro do ônibus, de costas para o evento. Já a testemunha Luiz Carlos
Silva de Brito referiu que estava no pátio da empresa de ônibus Roma, quando viu um
homem correndo para dentro de um ônibus e que, ato contínuo, foi retirado do coletivo e
alvejado por disparos de arma de fogo, por outro homem. Disse não ter reconhecido o autor
dos disparos.

Consta do “histórico do fato” (fl. 05), ainda, que “(...) a Equipe CHARLIE
deslocou-se até o Hospital Cristo Redentor, porém não foi possível contato com a vítima
devido a mesma estar realizando uma tomografia, porém fomos informados pelo policial
plantonista de que a vítima não corria risco de morte e que relatou ao mesmo conforme
ocorrência que os autores seriam dois indivíduos em um veículo Fusca, de cor branca, que
efetuaram diversos disparos em sua direção (...)”

Durante o transcurso da investigação, mais precisamente em 06NOV2014,


um morador da Vila Amazonas, que não quis se identificar, apontou o acusado como o autor
do delito. Do consignado no Relatório de Informações, extraio:

“(...) O denunciante relata que a vítima procurou Nenê


(Paulo Sérgio Caminha) para oferecer-lhe um revólver e
Nenê comprou. No outro dia, o tal revólver havia sumido
do local onde Nenê o guardou e Nenê disse que havia
sido Diego e o avistou na Av Plínio Kroef e com seu
veículo fusca branco e o alvejou quando entrava no
ônibus. E ainda, haviam moradores da Vila Amazonas
na parada do ônibus e estes foram ameaçadas pelo
Nenê onde ele disse que mataria quem o dedurasse” (fls.
51/52).
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A autoridade policial, ainda, a partir da análise de imagens cedidas pela


EPTC e pela empresa Roma Cargo, constatou que os autores do crime tripulavam um fusca
branco.
Em 03AGO2017, Policiais Civis, em diligência decorrente da Força Tarefa
de Combate ao Roubo de Veículo, localizaram, em frente à residência de Paulo Sérgio
Nunes Caminha, ora recorrido, o veículo VW/FUSCA, de cor cinza, oriundo de ilícito.

Diante desses elementos, o Ministério Público ofereceu a denúncia.


Como se vê, a exordial acusatória foi alicerçada em informações prestadas
por pessoa que não quis se identificar, e na apreensão de veículo do mesmo modelo daquele
utilizado para o cometimento do crime.

Quanto às informações anônimas, o Superior Tribunal de Justiça já deixou


assentado que "a notícia anônima sobre eventual prática criminosa, por si só, não é idônea
para a instauração de inquérito policial ou deflagração da ação penal, devendo ser
embasada por procedimentos investigativos preliminares em busca de indícios que
corroborem as informações." (RHC 107.194/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA
TURMA, julgado em 12/03/2019, DJe 19/03/2019).
No caso em comento, a denúncia anônima, além de lacônica (o referido
informante não disse ter presenciado o cometimento do crime), inviabilizaria o exercício do
contraditório e da ampla defesa, em sua plenitude, caso recebida a exordial acusatória, dado
que a defesa teria que contrapor supostas informações prestadas por testemunha que, com
medo de retaliações, em nenhum momento seria ouvida nos autos.
Em relação ao veículo utilizado no cometimento do crime, verifica-se
que, conquanto do mesmo modelo (VW/FUSCA), eram de cores distintas (o veículo
utilizado no cometimento do crime era branco; já o apreendido em poder do acusado,
cinza). Além disso, o VW/FUSCA, de cor cinza, foi apreendido em poder do acusado quase
03 (três) anos após o fato criminoso apurado no feito em questão.

Importa referir, ainda, que Diego Martins de Lima (vítima) foi executada em
10MAR2015. No inquérito policial que apurou sua morte, ficou comprovado que os autores
seriam Luís Felipe Gonçalves Ocácio e Jorge Marcelo dos Santos Teixeira.

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Pontuo que embora o recebimento da denúncia não exija prova inconteste de


autoria, requer prova razoável a permitir a persecução penal, o que, no meu sentir, não restou
demonstrada.

Diante desse contexto, acertada a decisão de origem, razão pela qual a


mantenho.

Pelos mesmos motivos acima delineados (ausência de indícios de autoria),


inviável a decretação da prisão preventiva do recorrido.

Com essas considerações, NEGO PROVIMENTO ao recurso.


É o voto.

DES.ª ROSAURA MARQUES BORBA - De acordo com o(a) Relator(a).


DES. JONI VICTORIA SIMÕES - De acordo com o(a) Relator(a).

DES. JOSÉ ANTÔNIO CIDADE PITREZ - Presidente - Recurso em Sentido Estrito nº


70082490020, Comarca de Porto Alegre: "NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.
DECISÃO UNÂNIME."

Julgador(a) de 1º Grau: LOURDES HELENA PACHECO DA SILVA

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