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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Registro: 2022.0000945943

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal nº


1530347-05.2021.8.26.0228, da Comarca de São Paulo, em que são apelantes
MILTON DE CAMPOS, IGOR RODRIGUES DA SILVA e HIGOR DA SILVA DE
OLIVEIRA, é apelado MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 15ª Câmara de Direito


Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão:
AFASTARAM A PRELIMINAR, NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO
DE HIGOR, E DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DE IGOR
E MILTON para:
a) redimensionar as penas de IGOR RODRIGUES DA SILVA para 1
(um) ano, 9 (nove) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 4 (quatro) dias-multa
mínimos; e
b) redimensionar as penas de MILTON DE CAMPOS para 4 (quatro)
anos, 4 (quatro) meses e 26 (vinte e seis) dias de reclusão e 15 (quinze) dias-
multa mínimos, pelos crimes de roubo tentado e corrupção ativa. Ainda quanto
a esse réu, EX OFFICIO, fixo o regime semiaberto para o crime previsto no
artigo 307, caput, do Código Penal.
Fica mantida, no mais, a respeitável sentença de primeiro grau, por
seus próprios e jurídicos fundamentos. V.U., de conformidade com o voto do
relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores BUENO DE


CAMARGO (Presidente) E POÇAS LEITÃO.

São Paulo, 18 de novembro de 2022.

GILDA ALVES BARBOSA DIODATTI


Relator(a)
Assinatura Eletrônica
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

VOTO: 014109
APELAÇÃO: 1530347-05.2021.8.26.0228
APELANTES: MILTON DE CAMPOS
IGOR RODRIGUES DA SILVA
HIGOR DA SILVA DE OLIVEIRA
APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO
COMARCA: SÃO PAULO 3ª VARA CRIMINAL
MMª. Juíza sentenciante: CECÍLIA PINHEIRO DA FONSECA
AMENDOLARA

PRELIMINAR. RÉU HIGOR. CONVERSÃO DO


FEITO EM DILIGÊNCIA. REJEIÇÃO. Diligência
requerida pela defesa (descrição e perícia dos
celulares apreendidos durante a fase de inquérito
policial) sem nenhum proveito ao processo, até
porque o conteúdo de tais aparelhos sequer foi
utilizado como meio de prova. Não demonstração
de qualquer prejuízo concreto.
MÉRITO. CRIMES DE ROUBO
CIRCUNSTANCIADO TENTADO, FALSA
IDENTIDADE, CORRUPÇÃO ATIVA E PORTE
ILEGAL DE ARMA DE FOGO COM NUMERAÇÃO
SUPRIMIDA. Materialidade e autoria bem
demonstradas nos autos. Igor e Milton
reconhecidos pela vítima em delegacia e presos
logo após a tentativa de roubo, em que houve
simulação de emprego de arma de fogo. Durante a
abordagem, Milton se identificou falsamente
como terceira pessoa, a fim de ocultar sua
condição de foragido, e, em concurso com Higor
(este por telefone), ofereceu uma arma de fogo e
R$ 6.000,00 aos policiais, a fim de que deixassem
de praticar ato de ofício. A equipe de apoio se
deslocou ao endereço indicado e efetuou a prisão
de Higor em flagrante delito, em poder da arma de
fogo. Negativas e versões dos acusados em juízo
(salvo quanto à admissão da falsa identidade por
Milton) sucumbiram à prova produzida. Crime de
roubo ultrapassou a mera preparação. Afastada a
tese de crime impossível quanto à falsa
identidade. Condenações mantidas.
PENAS, REGIMES E BENEFÍCIOS. IGOR (ROUBO
TENTADO). Base fixada no mínimo legal.
Ausentes agravantes ou atenuantes. Na terceira
fase, mantido o acréscimo de 1/3 pelo concurso
de agentes e majorado, de 1/3 para 2/3, o
patamar de redução pela tentativa, ante
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distanciamento do resultado. Penas reduzidas


para 1 ano, 9 meses e 10 dias de reclusão e 4 dias-
multa mínimos. Regime inicial semiaberto
mantido, ante a gravidade concreta da conduta.
Pelos mesmos motivos e por se tratar de crime
cometido com grave ameaça à pessoa, incabível a
concessão de sursis penal ou de substituição da
pena corporal por restritiva de direitos. MILTON
(ROUBO TENTADO, FALSA IDENTIDADE E
CORRUPÇÃO ATIVA). Bases fixadas nos mínimos
legais. Bem reconhecida a reincidência, que
ensejou acréscimo de 1/6 nas penas do roubo e
da corrupção ativa e foi compensada
integralmente com a confissão espontânea quanto
ao crime de falsa identidade. Na terceira fase,
ausentes causas de aumento ou diminuição em
relação aos crimes dos arts. 307 e 333 do CP.
Quanto ao roubo, mantido o acréscimo de 1/3
pelo concurso de agentes e majorado o patamar
de redução pela tentativa para 2/3. Penas do
roubo reduzidas. Apenamento final
redimensionado para 4 anos, 4 meses e 26 dias de
reclusão, 3 meses de detenção e 15 dias-multa
mínimos. Mantido o regime fechado, à luz do
quantum de pena, da reincidência e da gravidade
concreta dos crimes. De ofício, modificado o
regime de cumprimento da pena do crime de falsa
identidade, apenado com detenção, para o
semiaberto. Incabíveis a concessão de sursis ou
de substituição da pena corporal por restritiva de
direitos. HIGOR (PORTE ILEGAL DE ARMA DE
FOGO COM NUMERAÇÃO SUPRIMIDA E
CORRUPÇÃO ATIVA). Bases fixadas nos pisos e
assim consolidadas, ausentes circunstâncias
modificadoras. Regime inicial semiaberto e
negativa de benefícios penais mantidos, em razão
da pena concretizada e da gravidade concreta dos
crimes.
Preliminar afastada; recurso de Higor
desprovido; recurso de Igor e Milton
parcialmente provido, para: a) redimensionar
as penas de Igor para 1 ano, 9 meses e 10 dias
de reclusão e 4 dias-multa mínimos; e b)
redimensionar as penas de Milton para 4 anos,
4 meses e 26 dias de reclusão e 15 dias-multa
mínimos, pelos crimes de roubo tentado e
corrupção ativa; e, quanto Milton, ex officio,
fixar o regime semiaberto para o crime
previsto no artigo 307 do CP.

A respeitável sentença de fls. 337/342,

publicada em 09/08/2022 e cujo relatório se adota, julgou procedente a


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pretensão acusatória para:

a) condenar MILTON DE CAMPOS às

penas de 6 (seis) anos, 5 (cinco) meses e 23 (vinte e três) dias de reclusão e 3

(três) meses de detenção, em regime inicial fechado, e 30 (trinta) dias-multa

mínimos, por incursão nos artigos 157, § 2º, inciso II, c. c. o artigo 14, inciso II;

307, caput; e 333, caput, todos do Código Penal, em concurso material de

infrações, denegado o direito de recorrer em liberdade;

b) condenar IGOR RODRIGUES DA

SILVA às penas de 3 (três) anos, 6 (seis) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, em

regime inicial semiaberto, e 8 (oito) dias-multa mínimos, por incursão no artigo

157, § 2º, inciso II, c. c. o artigo 14, inciso II, ambos do Código Penal, denegado o

direito de recorrer em liberdade; e

c) condenar HIGOR DA SILVA DE

OLIVEIRA às penas de 5 (cinco) anos de reclusão, em regime inicial semiaberto,

e 20 (vinte) dias-multa mínimos, por incursão no artigo 16, § 1º, inciso IV, da Lei

nº 10.826/03; e no artigo 333, caput, do Código Penal, em concurso material de

infrações, denegado o direito de recorrer em liberdade.

Inconformados, recorrem os acusados.

Higor suscita, preliminarmente, a

nulidade do feito e a necessidade de sua conversão em diligência, à luz da falta

de descrição pormenorizada dos aparelhos de telefonia celular apreendidos e

da ausência de perícia nas ligações realizadas, que demonstrariam o seu não


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envolvimento com os fatos. No mérito, busca a absolvição, por insuficiência de

provas, e, subsidiariamente, a fixação de regime inicial aberto e a substituição

da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos (fls. 344/354).

Igor e Milton buscam a absolvição em

relação a todos os crimes imputados, alegando que o roubo não ultrapassou os

atos preparatórios, que não houve corrupção ativa e que a falsa identidade

consistiu em crime impossível. Subsidiariamente, pleiteiam o reconhecimento

da tentativa em grau máximo e a fixação de regime inicial mais brando para

ambos (fls. 355/370).

Os recursos foram contrarrazoados (fls.

417/429).

A douta Procuradoria-Geral de Justiça

ofertou respeitável parecer, pelo desprovimento dos apelos defensivos (fls.

451/458).

É o relatório.

Pelo que consta dos autos, Milton e Igor

foram condenados por roubo circunstanciado tentado porque, no dia 17 de

dezembro de 2021, por volta das 12h, na Rua Irmã Umbelina, nº 75, cidade de

São Paulo/SP, agindo em concurso e unidade de propósitos, simulando porte de

arma de fogo, aproximaram-se de Marinalva Maria da Silva, no intuito de

subtrair o veículo Renault/Clio de propriedade desta, não consumando o crime

por circunstâncias alheias às suas vontades. Milton foi condenado também pelo
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crime de falsa identidade porque, nas mesmas circunstâncias, apresentou-se

falsamente como Cleber de Campos Pereira, visando a evitar que fosse

descoberto que havia mandado de prisão em seu desfavor. Milton e Higor foram

ainda condenados pelo crime de corrupção ativa porque, nas mesmas

circunstâncias, ofereceram aos policiais militares André Luiz Moreira e Leonardo

Oliveira Santos a quantia de R$ 6.000,00 e uma arma de fogo, em troca de não

ser efetuada a prisão deles. Por fim, Higor foi condenado também pelo crime de

porte ilegal de arma de fogo com numeração suprimida porque, na mesma data,

na Rua Dr. Edgard Pinto César, bairro Parque Santa Madalena, cidade de São

Paulo/SP, possuía e mantinha sob sua guarda uma pistola Taurus calibre

7,65mm, com numeração suprimida, sem autorização e em desacordo com

determinação legal e regulamentar.

Pois bem.

Inicialmente, rejeito a preliminar de

declaração de nulidade e retorno dos autos à origem, para cumprimento da

diligência requerida pela defesa, no intuito de se descrever e periciar os

celulares apreendidos durante a fase de inquérito policial.

Isso porque, de fato, conforme já

decidido na origem (fl. 241), sem nenhum proveito probatório a diligência

requerida pela defesa, mesmo porque elementos informativos colhidos no

inquérito ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas (CPP,

art. 155) servem de sustentação (justa causa) tão-somente para a formulação

e oferecimento da denúncia, mas não para o desate condenatório.


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E conforme bem pontuado pelo

Ministério Público em sede de contrarrazões, o conteúdo de tais aparelhos

sequer foi utilizado como meio de prova e, mesmo que assim não fosse, a prova

requerida “era de fácil confecção pela defesa. Tratando-se de linha telefônica em

nome do apelante, bastava que ele próprio requisitasse à operadora telefônica o

registro de suas ligações. Ademais, consoante esclarecido na manifestação

ministerial de fls. 234/235, a denúncia em momento algum faz menção à

utilização de telefone, pelo que eventual constatação de que não foram realizadas

ligações na data dos fatos em nada alteraria o desfecho condenatório, que, aliás,

lastreou-se em outras provas” (fls. 421/422).

Ademais, como se sabe, o direito à prova

não é absoluto, e o indeferimento de sua produção pelo Estado-juiz, por decisão

devidamente fundamentada (CF, art. 93, IX), ante o seu caráter protelatório e

impertinente (CPP, art. 400, § 1º), não configura cerceamento de defesa.

Registro, ainda, porque oportuno, que

eventuais vícios e nulidades no inquérito penal não maculam a ação penal,

consoante pacífico entendimento do Excelso Supremo Tribunal Federal:

“PROCESSUAL PENAL. AGRAVO DE


INSTRUMENTO CRIMINAL. DEVIDO PROCESSO LEGAL.
CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. ARTS. 144, § 4º, E 129,
VII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. OFENSA REFLEXA AO
TEXTO CONSTITUCIONAL. INQUÉRITO POLICIAL. VÍCIOS.
AÇÃO PENAL. NÃO CONTAMINAÇÃO. AGRAVO IMPROVIDO.
I - A alegada violação aos postulados constitucionais do
devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório,

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em regra, configura ofensa reflexa ao texto constitucional.


II - Os vícios eventualmente existentes no inquérito policial
não contaminam a ação penal, que tem instrução
probatória própria. III - Agravo regimental improvido.”
(STF, Primeira Turma, Agravo Regimental no AI nº
687.893-0/PR, Relator Ministro Ricardo Lewandowski,
julgado em 26.08.2008, DJe de 19.09.2008).

Por fim, não se demonstrou qualquer

prejuízo concreto decorrente da suposta ilegalidade, não se podendo falar que

estaria materializado na condenação em si, pois ela veio fundamentada em

elementos de prova constantes dos autos, colhidos sob o crivo do contraditório.

Nesse sentido, para além do disposto nos artigos 563 e 566 do Código de

Processo Penal, remete-se ao entendimento do Colendo Superior Tribunal de

Justiça:

“Em processo penal, vigoram os princípios de


que 'nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não
resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa (art.
563 do CPP)” (STJ, RHC nº 38.424/MG, 5ª Turma, Rel. Min.
Felix Fischer, julg. em 03.02.2005).

Deste modo, sob qualquer ângulo que se

analise a questão, não há que se cogitar de nulidade nos presentes autos, pelo

que rejeito a matéria preambular.

No mérito, para a demonstração da

materialidade delitiva, foram juntados ao feito: auto de prisão em flagrante (fl.

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6), boletim de ocorrência (fls. 8/14), autos de exibição, apreensão e entrega (fls.

41/42, 45 e 54), relatório de investigação (fls. 118/120), laudo de exame

pericial na arma de fogo apreendida (fls. 236/240) e prova oral coligida.

A autoria também emana inequívoca dos

autos, em relação a todos denunciados.

Na fase administrativa, os acusados

Milton e Igor preferiram o silêncio (fls. 22 e 24). Higor, por seu turno,

acompanhado de advogado, negou a imputação, afirmando que estava em frente

a um restaurante quando foi abordado por policiais, que o algemaram após

pegar uma sacola escondida em uma árvore, contendo um objeto que os

policiais disseram se tratar de uma arma. Não falou com ninguém por telefone

(fl. 23).

Em juízo, Milton afirmou que estava na

companhia de Igor quando policiais os abordaram e os acusaram de tentar

roubar um veículo. Deu o nome de seu irmão, pois estava foragido (mídia).

Igor narrou que estava trafegando em um

veículo quando foi parado por policiais, que alegaram que tinha envolvimento

em uma tentativa de roubo, o que nega. Não viu a suposta vítima. Conhecia

apenas Milton, mas não Higor (mídia).

Higor asseverou que estava indo em

direção ao bar em que trabalhava quando viu uma grande movimentação de

policiais. Foi abordado por policiais de motocicleta e colocado próximo a uma


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árvore, em que os policiais encontraram uma sacola. Foi levado à delegacia, pois

os policiais disseram que sua roupa correspondia à mencionada no Copom. Não

sabe de que arma estão falando. Não ofereceu nada aos policiais. Não conhecia

Milton, nem Igor (mídia).

A vítima Marinalva Maria Silva relatou,

em solo policial, que, ao sair de uma loja, ainda fora do seu veículo, viu dois

indivíduos que andavam pela calçada localizada do outro lado da via e que

estranhamente a olhavam, tendo um deles vindo ao seu encontro e sinalizado

para o outro aguardar. Ao perceber que o indivíduo que vinha ao seu encontro

acelerou o passo, colocou a mão por dentro da roupa e fez menção de sacar

algum objeto, retornou à loja e acionou a polícia. De dentro da loja, presenciou o

momento em que, após notarem a presença da viatura policial, ambos

indivíduos entraram em um veículo (cor vinho) e saíram em alta velocidade,

tendo a viatura ido em seu encalço. Minutos após, ainda na loja, viu o carro dos

indivíduos sendo acompanhado por inúmeras viaturas. O indivíduo que veio ao

seu encontro era alto, magro, pardo, cabelo preto com franja e jogado de lado,

aproximadamente 20 anos de idade, usava calça jeans, camiseta branca e blusa

de moletom preta; já o outro indivíduo era magro, um pouco mais baixo que o

primeiro, aparentava a mesma idade e é negro (fl. 20).

Em juízo, apontou pessoas distintas dos

réus como os autores do roubo contra si praticado. Relatou que estacionou o

veículo próximo a um estabelecimento quando notou a aproximação de um

indivíduo. Saiu rapidamente do veículo e viu que o homem gesticulou com a

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mão e foi em sua direção. Voltou à loja e viu que o homem tentou abrir a porta

do passageiro de seu veículo. Acionou a polícia e o homem fugiu, mas foi

abordado. Viu dois indivíduos naquele contexto. O homem que foi em sua

direção fez menção de puxar uma arma da cintura, mas não puxou. Nenhum

bem foi subtraído. Reconheceu pessoalmente os indivíduos na delegacia. Foi o

indivíduo alto, magro e com franja que se aproximou. Não foi orientada por

policiais ou pela delegada na delegacia; contou exatamente o que aconteceu

(mídia).

Os policiais militares André Luiz Moreira

e Leonardo Oliveira Santos, ouvidos em ambas as fases da persecução penal,

narraram que estavam em patrulhamento quando foram informados via Copom

de que havia indivíduos suspeitos próximo a uma padaria. Ao chegarem, um

veículo Palio saiu em velocidade. Após breve acompanhamento, abordaram o

veículo, tendo seus ocupantes afirmado que iriam roubar tanto o veículo da

senhora como um outro, com carga de cigarros. Nesse ínterim, o telefone de

Milton tocou e, do outro lado, Higor, que já sabia que eles haviam sido

abordados, ofereceu aos policiais R$ 6.000,00 e um armamento para que os

liberassem, o que foi corroborado por Milton naquele contexto. Tal indivíduo

informou onde a arma estaria e outros policiais foram até lá, vindo a localizar o

artefato e a prender Higor em flagrante delito. Milton forneceu nome de outro

indivíduo e, na delegacia, constatou-se a sua real identidade e que estava

foragido (fls. 15/17 e mídia digital).

Os policiais militares Taile Daniele

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Bersanetti Fernandes e Luan Felippe Barreto, também ouvidos em solo policial

e em juízo, asseveraram que foram acionados para prestar apoio a outra equipe,

para localização de uma arma de fogo, que estaria sendo oferecida, juntamente

com R$ 6.000,00, para a liberação dos dois primeiros indivíduos presos. Assim

que chegaram ao endereço indicado e desceram da viatura, Higor, cujas vestes

coincidiam com aquelas anteriormente informadas, passou a dizer a eles “tá na

árvore, tá na árvore”, referindo-se à arma de fogo. A policial Taile foi até a

árvore e encontrou a arma, tendo o réu confirmado que seria para a libertação

de ser “irmão”, preso pela outra equipe. Não tiveram contato com os outros dois

réus (fls. 18/19 e mídia).

Cássio Alexandre F. Freire, escrivão de

polícia, narrou que foi a delegada quem colheu os depoimentos. Teve ciência de

um relato de corrupção, com oferta de uma arma para liberação de um ou dois

presos, mas não soube de maiores detalhes. Houve apreensão de celulares e

uma sacola, mas não de dinheiro (mídia).

Doutora Elaine Regina Salomão,

Delegada de Polícia, asseverou que realizou pessoalmente todos os atos de

polícia judiciária e que o irmão de um dos acusados recepcionou os policiais em

um local e indicou uma arma, que estava em uma árvore próxima. Não se

recorda se a oferta de dinheiro para corrupção se deu pessoalmente ou por

telefone. Foram apreendidos inúmeros objetos e, por vezes, não é possível

identificar marcas, modelos e IMEIs de celulares (mídia).

Eis a prova dos autos, que passo a


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valorar.

Relativamente ao crime de roubo, ao

que exsurge do quadro probatório colacionado aos autos, a prova acusatória é

mesmo suficiente à manutenção da condenação de Igor e Milton.

Como visto, em declarações seguras e

coesas, a vítima Marinalva confirmou a tentativa de roubo praticada contra si,

detalhando que foi surpreendida por dois indivíduos, logo após estacionar seu

veículo, tendo um deles gesticulado ao outro e ido em sua direção, fazendo

menção a puxar uma arma de fogo por debaixo da blusa. Naquele contexto,

amedrontada, conseguiu correr, entrar no estabelecimento e chamar a polícia,

notando que um dos indivíduos tentou abrir a porta de seu veículo, sem

sucesso. Ademais, em solo policial, a vítima forneceu as características físicas e

de vestimenta dos indivíduos que a abordaram, o que corresponde à fotografia

de fl. 63, além de tê-los reconhecido pessoalmente como autores do crime (fl.

21).

E, como bem se sabe, tratando-se de

crime de roubo, delito que, em razão de sua natureza, é geralmente praticado na

clandestinidade, a palavra da vítima reveste-se de suma importância para o

deslinde da questão posta nos autos, razão pela qual merece ser prestigiada. A

respeito, este E. Tribunal já deixou assente que:

“No campo probatório, a palavra da vítima de


um assalto é sumamente valiosa, pois, incidindo sobre
proceder de desconhecidos, seu único interesse é apontar os
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verdadeiros culpados e narrar-lhes a atuação e não acusar


inocentes” (RT 484/320).

Nesse passo, convém consignar que o

fato de a vítima não ter reconhecido Igor e Milton, em juízo, como os autores da

tentativa de roubo, não enfraquece a conclusão enunciada na r. sentença, tendo

em vista, sobretudo, o reconhecimento levado a efeito na fase administrativa,

logo após os fatos e a dinâmica narrada pela ofendida, em especial no que tange

ao rápido acionamento da polícia, seguido de breve acompanhamento e

posterior abordagem dos réus, tendo asseverado que os indivíduos detidos

estavam no veículo em que os roubadores ingressaram logo após iniciarem a

abordagem contra ela. Ademais, conforme bem ponderado pela MMª. Juíza a

quo, compreensível a confusão por parte da vítima, submetida a momento de

nervosismo (notado, inclusive, em sua postura capturada em audiência), ao que

se soma o decurso do tempo e as mudanças físicas dos réus, o que se confirma

do cotejo entre os arquivos de mídia e a fotografia de fl. 63.

Impende salientar, de todo modo, que o

reconhecimento efetuado pela vítima não constituiu o único elemento de prova

a ensejar a condenação dos acusados pelo crime de roubo. Com efeito, os

policiais militares André e Leonardo afirmaram em juízo que abordaram Igor e

Milton (tendo este se identificado, inicialmente, como Cléber), quando eles

admitiram, naquele contexto, que realmente visavam à subtração do veículo da

vítima. Ato contínuo, ainda no curso da abordagem, Milton recebeu ligação

telefônica de Higor e, na presença dos policiais, a dupla ofereceu uma arma de

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fogo e R$ 6.000,00 em troca de sua libertação. Com o apoio de outra equipe,

composta pelos policiais Taile e Luan, foi apreendida a arma de fogo, em poder

de Higor, no endereço indicado.

E, ao contrário do sustentado pela defesa,

não há motivo nos autos para negar crédito ao depoimento dos policiais

ouvidos. Primeiro, porque a valoração do relato dos agentes públicos deve ser

feita pelo Estado-juiz como qualquer outra prova testemunhal, em consonância

e obediência ao sistema do livre convencimento motivado (CPP, art. 155, caput),

mesmo porque sua condição, por si só, não põe em xeque o valor dessa prova.

Ao revés, a condição de servidores públicos empresta a seus depoimentos a

presunção relativa de veracidade de seus conteúdos, não elidida pela defesa,

como seria de rigor, nos termos do artigo 156 do Estatuto de Ritos Penais.

Confira-se, a propósito, precedente do Colendo Superior Tribunal de Justiça:

“São válidas como elemento probatório, desde


que em consonância com as demais provas dos autos, as
declarações dos agentes policiais ou de qualquer outra
testemunha.” (STJ, Sexta Turma, AgRg no AREsp
875.769/ES, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, j. em
07/03/2017, DJe de 14/03/2017).

Segundo, porque inexistem indícios de

que pudessem ter interesse em causar gratuito e falso prejuízo aos acusados.

Como toda e qualquer pessoa, podem os agentes públicos servir como

testemunha (CPP, artigo 202) e, no caso dos autos, não há elementos a indicar

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qualquer animosidade dos policiais municipais que participaram da diligência,

tampouco restou demonstrada alguma pretensão dos agentes em incriminar

injustamente os acusados, que não comprovaram abusos, ilegalidades ou

injustiças contra si eventualmente praticadas pelos agentes públicos, como lhes

competia (CPP, art. 156, caput). Nesse sentido, já decidiu o Colendo Tribunal da

Cidadania:

“Segundo entendimento reiterado desta Corte


os depoimentos dos policiais responsáveis pela prisão em
flagrante são meio idôneo e suficiente para a formação do
édito condenatório, quando em harmonia com as demais
provas dos autos, e colhidos sob o crivo do contraditório e
da ampla defesa, como ocorreu na hipótese, cabendo à
defesa demonstrar sua imprestabilidade” (STJ, Quinta
Turma, Rel. Min. RIBEIRO DANTAS, publicado no DJe de
11/10/2017). (grifei)

Terceiro, porque não se vislumbra

qualquer incoerência ou contradição nos depoimentos dessas testemunhas, que

narraram a dinâmica delitiva e o desenvolver de suas atividades funcionais de

forma condizente com a exposta na inicial acusatória.

Portanto, não se nega a validade dos

depoimentos apresentados pelos policiais militares ouvidos em juízo, ausente

qualquer elemento que coloque em dúvida suas veracidades.

Os mencionados elementos de prova não

deixam dúvida de que Igor e Milton, agindo em concurso e com unidade de


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propósitos, tentaram subtrair, ao proveito comum, o veículo Renault/Clio de

propriedade da vítima Marinalva. Nesse contexto, as versões apresentadas

pelos réus, no sentido de que foram injustamente acusados pelos policiais, não

encontraram qualquer respaldo nos autos e sucumbiram à robusta prova

produzida pela acusação. Até porque sequer se apontou uma razão para os

servidores públicos lançarem uma versão tão elaborada com o único objetivo de

responsabilizar pessoas inocentes.

Observa-se, ainda, que os atos praticados

pelos réus notadamente a aproximação da vítima e a simulação de porte de

arma de fogo, a ponto de fazer aquela correr, amedrontada, em direção a um

estabelecimento, ao que se seguiu a tentativa de abertura da porta do veículo

visado ultrapassaram, a toda evidência, a mera preparação. Seja pelo risco de

ofensa ao bem jurídico tutelado pela norma penal (teoria objetivo-material),

seja pelo plano individual do agente (teoria objetivo-individual), denota-se que

os atos perpetrados alcançam seguramente a seara dos atos executórios -

embora rapidamente interrompidos pela conduta da vítima que correu do local

ao notar que seria roubada atos puníveis por força da norma estampada no

artigo 14, inciso II, do Código Penal.

Assim, diante do conjunto probatório

coligido, que bem demonstrou a materialidade e a autoria delitiva da tentativa

de roubo, relativamente aos acusados Igor e Milton, é de rigor a manutenção da

condenação destes pelo crime de roubo tentado, não havendo que se falar em

insuficiência probatória.

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A majorante relativa ao concurso de

agentes foi bem comprovada nos autos, por meio das declarações da vítima, que

esclareceu, de forma segura e coesa, que foram dois indivíduos que tentaram

subtrair seu veículo e se evadiram em seguida, sendo detidos juntos no mesmo

veículo com que empreenderam fuga, circunstâncias confirmadas pelos agentes

públicos ouvidos. A prova oral demonstrou não só a pluralidade e o nexo causal

das condutas dos acusados, mas também o liame subjetivo para a prática

delitiva comum, inexistindo motivo para afastamento da majorante em questão.

O crime de falsa identidade também

restou devidamente comprovado nos autos. Com efeito, os policiais militares

que abordaram Milton confirmaram que ele se identificou como Cleber de

Campos Pereira, e que sua verdadeira identidade, assim como sua condição de

foragido da Justiça Criminal, só foram elucidadas na delegacia. Não prospera a

tese defensiva de ocorrência de crime impossível.

Primeiro, porque não se há falar em

atipicidade pelo exercício da autodefesa quanto à falsa identidade, a teor da

Súmula 522 do STJ, verbis: “A conduta de atribuir-se falsa identidade perante

autoridade policial é típica, ainda que em situação de alegada autodefesa”.

E despropositada a tese do crime

impossível ao argumento de que a verdadeira identidade do acusado seria

descoberta quando chegassem à delegacia. Afinal, restou claro que o propósito

do agente era justamente furtar-se ao comparecimento perante a autoridade

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policial, declinando o nome de terceiro para evitar que descobrissem sua

situação de procurado. Ademais, trata-se de crime formal, que independe de

resultado naturalístico.

Em vista desses elementos, a confissão

de Milton quanto ao crime de falsa identidade (CP, art. 307, caput) está em

sintonia com os demais elementos de convicção produzidos durante a

persecução penal (CPP, art. 197), pelo que a manutenção de sua condenação é

medida de rigor.

Quanto aos crimes de corrupção ativa

e de porte ilegal de arma de fogo com numeração suprimida, verte dos

autos que, durante a abordagem inicial de Igor e Milton, o corréu Higor efetuou

ligação telefônica para Milton e, tendo ciência da abordagem dos dois primeiros,

ofereceu aos agentes públicos André e Leonardo uma arma de fogo e dinheiro, a

fim de que deixassem de praticar ato de ofício, qual seja, a prisão em flagrante

delito, no que foi corroborado por Milton. Os policiais, então, simularam

interesse na oferta e solicitaram apoio a outra equipe, composta por Taile e

Luan, se dirigissem ao endereço indicado; no local, eles depararam-se com

Higor, cujas vestes coincidiam com as informadas. Higor recepcionou os

policiais e apontou a árvore em que o item prometido estava escondido; a

policial Taile encontrou e apreendeu o objeto, consistente em uma arma de fogo

da marca Taurus, calibre 7,65mm, com numeração suprimida. Nesse contexto,

Higor foi preso em flagrante, pelos crimes de corrupção ativa e porte ilegal de

arma de fogo com numeração suprimida.

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A aptidão para realização de disparos e a

supressão da numeração da arma de fogo apreendida foram atestadas por laudo

pericial (fls. 236/240).

O relato dos quatro policiais militares,

acerca da promessa de vantagem para omitir ato de ofício, seguido da

localização da arma de fogo em poder de Higor, foi seguro e coeso, e não há nos

autos qualquer elemento a atestar a inveracidade da prova oral coligida,

tampouco animosidade ou intenção dos policiais em prejudicar os acusados.

Na mesma toada, não prospera a

alegação defensiva de que a não localização de dinheiro lançaria dúvida sobre a

configuração do crime de corrupção ativa. A uma, porque a apreensão do bem

oferecido não constitui elementar do tipo penal em questão, para o qual basta a

promessa de vantagem indevida. A duas, porque a arma de fogo, também

oferecida como vantagem aos funcionários públicos, foi efetivamente

apreendida.

Nesse cenário, denota-se que as versões

apresentadas pelos réus Milton e Higor, além de fantasiosas e inverossímeis,

restaram isoladas nos autos e, outrossim, sucumbiram à robusta prova

produzida pela acusação.

Assim, diante do conjunto probatório

coligido, que bem demonstrou a materialidade e a autoria delitivas, também é

de rigor a manutenção da condenação de Milton e Higor pelo crime de

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corrupção ativa (CP, art. 333, caput) e de Higor, ainda, pelo crime de porte ilegal

de arma de fogo com numeração suprimida (Lei nº 10.826/03, art. 16, § 1º, IV),

não havendo que se falar em absolvição de qualquer deles por insuficiência

probatória.

Passo à análise das penas, regimes e

benefícios prisionais.

1) Réu Igor, condenado apenas por

tentativa de roubo:

Na primeira etapa da dosimetria penal,

reputadas favoráveis as circunstâncias do artigo 59 do Código Penal, mantenho

as bases fixadas no mínimo legal, ou seja, em 4 (quatro) anos de reclusão e 10

(dez) dias-multa. Na segunda etapa, não há agravantes ou atenuantes a serem

reconhecidas. Na derradeira etapa, mantenho o acréscimo de 1/3 (um terço)

pela causa de aumento do concurso de agentes. Por outro lado, o patamar de

redução pela tentativa, estabelecido no mínimo de 1/3, comporta a modificação

pleiteada pela defesa. Afinal, extrai-se das declarações da vítima que Igor e

Milton dela se aproximaram, tendo um deles simulado o porte de arma de fogo

para exercer grave ameaça, ao que ela correu, amedrontada, para o interior de

um estabelecimento. Ato contínuo, a dupla tentou abrir a porta do automóvel,

mas não logrou consumar a inversão da posse do bem. Diante do iter criminis

percorrido, que ficou deveras longe do resultado almejado, mostra-se mais

adequada a redução das penas em 2/3 (dois terços), resultando em 1 (um) ano,

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9 (nove) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 4 (quatro) dias-multa

mínimos.

Mantenho o regime inicial semiaberto,

considerando, de um lado, o montante final do apenamento e as circunstâncias

judiciais favoráveis e, de outro, a gravidade concreta da conduta. Trata-se de

roubo circunstanciado pelo concurso de agentes, com simulação de emprego de

arma de fogo, contra vítima do sexo feminino (de constituição física

notadamente mais frágil), evidenciando periculosidade concreta a justificar, ao

menos de início, o regime intermediário, não havendo que se falar em ofensa às

Súmulas nº 718 e 719 do Supremo Tribunal Federal. Pelos mesmos motivos e

por se tratar de crime cometido com grave ameaça à pessoa, incabível a

concessão de sursis penal ou de substituição da pena corporal por restritiva de

direitos, benesses previstas a delitos de menor potencial ofensivo, e não a

crimes do jaez do roubo.

2) Réu Milton, condenado por

tentativa de roubo, falsa identidade e corrupção ativa:

Consideradas favoráveis as

circunstâncias judiciais, as penas-bases de todos os crimes foram fixadas nos

mínimos legais, a saber: 4 (quatro) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa para

o roubo; 3 (três) meses de detenção para a falsa identidade; e 2 (dois) anos de

reclusão e 10 (dez) dias-multa para a corrupção ativa. Na segunda etapa, foram

reconhecidas a agravante da reincidência (condenação por roubo majorado nos

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autos nº 0052380-59.2014.8.26.0050, pena extinta em 14/09/2021 fls. 91/93

e 398/404) e a atenuante da confissão espontânea, esta apenas quanto ao crime

de falsa identidade. Assim, as penas dos crimes de roubo e corrupção ativa

foram exasperadas em 1/6, atingindo 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de

reclusão e 11 (onze) dias-multa e 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e

11 (onze) dias-multa, respectivamente; para o delito do art. 307 do CP, houve

compensação integral (CP, art. 67) da agravante com a atenuante, mantendo-se

as penas em 3 (três) meses de detenção.

Na terceira etapa, as penas dos crimes de

falsa identidade e corrupção ativa se consolidaram tais quais fixadas as

intermediárias. Quanto ao crime de roubo, mantém-se o acréscimo de 1/3 pela

majorante do concurso de agentes e altera-se o patamar de redução pela

tentativa, de 1/3 para 2/3, tal como decidido em relação ao réu Igor,

consolidando-se em 2 (dois) anos e 26 (vinte e seis) dias de reclusão e 4

(quatro) dias-multa.

Presente o concurso material de

infrações (CP, art. 69), as penas são somadas, resultando em 4 (quatro) anos, 4

(quatro) meses e 26 (vinte e seis) dias de reclusão, 3 (três) meses de

detenção e 15 (quinze) dias-multa mínimos.

O regime inicial fechado deve ser

mantido, por conta da pena concretizada e pela reincidência de Milton, a par da

gravidade concreta dos crimes em questão , como já salientado.

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Por outro lado, quanto ao crime previsto

no artigo 307, caput, do Código Penal, apenado com detenção, embora não tenha

sido objeto de insurgência da defesa, de rigor a fixação do regime semiaberto,

tendo em vista o disposto no artigo 33, caput, do Código Penal (que inviabiliza a

imposição do regime fechado para cumprimento de tal modalidade de pena

privativa de liberdade), bem ainda a reincidência do réu. No tocante a todos os

crimes, pelos mesmos motivos, com mais razão incabíveis a concessão de sursis

ou de substituição da pena corporal por restritiva de direitos.

3) Réu Higor, condenado por de porte

ilegal de arma de fogo com numeração suprimida e corrupção ativa:

Na primeira etapa, as bases foram fixadas

nos mínimos legais, a saber, 3 (três) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa

mínimos para o crime do Estatuto do Desarmamento e 2 (dois) anos de reclusão

e 10 (dez) dias-multa para o crime de corrupção ativa, montantes em que se

consolidaram, ausentes modificadores, com a observação de que a atenuante da

menoridade relativa não tem o condão de reduzir as penas aquém dos pisos,

nos termos da Súmula 231 do C. STJ.

Efetuado o somatório (CP, art. 69), as

penas de Higor se mantêm em 5 (cinco) anos de reclusão e 20 (vinte) dias-multa

mínimos.

O regime inicial semiaberto deve ser

mantido, em razão da pena concretizada, superior a quatro anos, a par da

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gravidade concreta dos crimes em questão (CP, art. 33, § 2º e § 3º). Com efeito,

trata-se porte ilegal de arma de fogo com numeração suprimida, oferecida pelo

acusado a policiais militares, juntamente com a quantia de R$ 6.000,00, para a

liberação de seus comparsas, presos em flagrante pelo crime de roubo

majorado, circunstâncias que não autorizam a flexibilização do regime inicial

para esse acusado. Incabíveis, pelos mesmos motivos, a concessão do sursis

penal e a substituição da pena corporal por restritiva de direitos.

Por fim, mantenho a prisão cautelar dos

réus, decretada e mantida na origem, por ser cabível na espécie (CPP, art. 313, I,

para Igor e Higor, e CPP, art. 313, I e II, para Milton) e porque subsistentes os

motivos que legitimaram sua decretação (CPP, art. 312, caput), como bem

destacado pelo MM. Juízo a quo (fl. 342), reforçados agora pelo julgamento deste

recurso. Observo que a imposição de regime inicial semiaberto não se

incompatibiliza com a necessidade da prisão preventiva, tal como reafirmado in

casu, segundo iterativo entendimento do Colendo Superior Tribunal de Justiça.

Não obstante, nos termos dos pronunciamentos recentes da Corte Cidadã e para

que não haja ofensa à homogeneidade, de rigor a determinação para a

adequação da prisão provisória às condições do regime semiaberto imposto,

com transferência dos réus Igor e Higor, caso necessário, para estabelecimento

penal compatível com tal regime. Nesse sentido:

“[...] Tendo a sentença condenatória fixado o


regime prisional semiaberto para o início do cumprimento
da pena do recorrente, deve a sua prisão provisória ser
compatibilizada ao regime imposto, sob pena de tornar
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mais gravosa a situação daquele que opta por recorrer do


decisum. [...]” (HC 441.358/MG, Rel. Ministro JOEL ILAN
PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 11/09/2018,
DJe 17/09/2018).

Ante o exposto, pelo meu voto, AFASTO

A PRELIMINAR, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO DE HIGOR, E DOU

PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DE IGOR E MILTON para:

a) redimensionar as penas de IGOR

RODRIGUES DA SILVA para 1 (um) ano, 9 (nove) meses e 10 (dez) dias de

reclusão e 4 (quatro) dias-multa mínimos; e

b) redimensionar as penas de MILTON

DE CAMPOS para 4 (quatro) anos, 4 (quatro) meses e 26 (vinte e seis) dias

de reclusão e 15 (quinze) dias-multa mínimos, pelos crimes de roubo

tentado e corrupção ativa. Ainda quanto a esse réu, EX OFFICIO, fixo o regime

semiaberto para o crime previsto no artigo 307, caput, do Código Penal.

Fica mantida, no mais, a respeitável

sentença de primeiro grau, por seus próprios e jurídicos fundamentos.

GILDA ALVES BARBOSA DIODATTI

Relatora

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