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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Registro: 2023.0000765449

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Habeas Corpus Criminal nº


2214658-11.2023.8.26.0000, da Comarca de Rio Claro, em que é impetrante
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO e Paciente DEBORA
GEORGINA SIMPLICIA DE SOUZA.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 12ª Câmara de Direito


Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão:
Denegaram a ordem. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este
acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores SÉRGIO MAZINA


MARTINS (Presidente sem voto), VICO MAÑAS E PAULO ROSSI.

São Paulo, 4 de setembro de 2023.

NOGUEIRA NASCIMENTO
RELATOR
Assinatura Eletrônica
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Habeas Corpus nº 2214658-11.2023.8.26.0000

Comarca de Rio Claro

Impetrante: Defensoria Pública

Paciente: Débora Georgina Simplícia de Souza

Voto nº 921

HABEAS CORPUS. FURTO. ATIPICIDADE. PRINCÍPIO


DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE.
ACUSADA REINCIDENTE. PRISÃO PREVENTIVA.
GARANTIA À ORDEM PÚBLICA.
ENCARCERAMENTO PROVISÓRIO. NECESSIDADE.
ORDEM DENEGADA.
1. O valor do bem não pode ser o único parâmetro a ser
avaliado quando da aplicação do princípio da
insignificância, devendo-se analisar também as
circunstâncias do caso concreto, bem como o reflexo da
conduta no âmbito da sociedade, deste modo tem-se que
incabível a aplicação do princípio quando reincidente o
acusado.
2. Deve ser mantida a prisão preventiva de réu que, além de
reincidente e possuidor de maus antecedentes,
reiteradamente se envolve em práticas delitivas, vez que
evidente a ineficiência da imposição de outras medidas,
devendo-se garantir a ordem pública.
3. Ordem denegada, pois não constatado o alegado
constrangimento ilegal.

1. Em favor de Débora Georgina Simplícia de Souza, a Defensora

Pública Maria Auxiliadora Santos Essado impetrou o presente habeas corpus

postulando, sob alegação de constrangimento ilegal, a concessão da ordem para

reconhecer a atipicidade de fato e relaxar a prisão preventiva.

Informa que a paciente está presa desde 15.08.2023, acusada de suposta

tentativa de furto de uma bacia plástica e de alguns gêneros alimentícios. Alega que a

conduta imputada é materialmente atípica e que a autoridade apontada como coatora

decretou a prisão preventiva baseada unicamente nos maus antecedentes da paciente.

Argumenta que o Direito Penal serve para proteger bens jurídicos mais importantes,
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não devendo ser banalizado ou se ocupar de insignificâncias, e que manter a prisão

cautelar por suposta tentativa de subtrair bens de pequeno valor é uma afronta ao

princípio da ofensividade, pois a infração penal não é uma mera violação à norma,

mas sim uma violação ao bem jurídico, numa perspectiva de relevância da ofensa ao

bem jurídico protegido. Aduz que a tipicidade não se constitui apenas da mera

subsunção formal à lei, sendo necessária a tipicidade material. Grifa que não houve

lesão ao patrimônio da vítima. Afirma que condições de caráter pessoal não obstam o

reconhecimento do princípio da insignificância. Alega, ainda, que é o caso de

concessão de liberdade provisória, destacando que a paciente negou a prática do

delito, e que o furto foi tentado por outra mulher. Lembra que em nosso sistema a

liberdade é regra, sendo a prisão reservada a casos excepcionais e que a imposição de

medidas cautelares diversas da prisão seria suficiente. Acrescenta que a manutenção

da prisão é desproporcional (fls. 01/16).

Juntados os documentos comprobatórios da impetração e indeferida a

liminar pleiteada (fls. 30/31), prestou informações a d. autoridade coatora Juízo de

Direito da 2ª Vara Criminal da Comarca de Rio Claro (fls. 38/39).

Após, manifestou-se a d. Procuradoria Geral de Justiça pela denegação

da ordem (fls. 43/48).

É o relatório.

2. Narra a denúncia que:


Consta do inquérito policial que, em 15 de agosto de2023, por
volta de 00h18, no estabelecimento JLS Eventos, situado na rua 14,
nº 22, Estádio, nesta cidade e comarca de Rio Claro, DÉBORA
GEORGINA SIMPLICIA DE SOUZA, qualificada a fls. 08 e
seguintes, agindo em concurso e unidade de desígnios com uma
outra mulher, ainda não identificada, tentou subtrair, para si,
mediante escalada: uma caixa plástica branca (bandeja); dois
pacotes, cada qual com 4 kg, de contra filé congelado; um pacote
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com 1kg de pernil congelado; um pacote com 500g de polenta


congelada; um pacote com1,5 kg de filé de frango congelado; um
pacote com 500 gramas de cebola congelada para fritar; e um
pacote de 500 gramas de frango congelado, avaliados
conjuntamente em R$ 388,00, pertencente à empresa JLS Eventos,
conforme se infere do auto de exibição e apreensão e do auto de
avaliação (fls.50/54), somente não consumando o crime por
circunstâncias alheias à sua vontade.
Segundo se apurou, DÉBORA GEORGINA e uma outra
mulher, supostamente apontada como “Pretinha”, foram até a
empresa JLS Eventos com o intuito de praticarem um furto.
“Pretinha” escalou o muro do imóvel, acessando o interior deste, e
subtraiu os produtos acima descritos. A seguir, colocou todos os
objetos sobre uma mureta (cf. o laudo pericial de fls. 128/131).
A denunciada, por sua vez, prestou auxílio à comparsa, ficando
do lado de fora do prédio, a fim de assegurar a impunidade do
crime.
Ocorre que, durante a subtração, foi disparado o alarme do
estabelecimento e os funcionários da empresa de monitoramento se
dirigiram ao local.
Ao chegarem, visualizaram DÉBORA GEORGINA tentando se
evadir. Durante a abordagem, a comparsa da denunciada conseguiu
fugir pelos fundos do imóvel, pulando o muro, de modo que não foi
possível a sua identificação.
O representante da vítima foi acionado e reconheceu os objetos
separados pela dupla, sobre a mencionada mureta, os quais seriam
furtados caso os funcionários da empresa de monitoramento não
tivessem chegado.
Interrogada, a denunciada confessou o crime, afirmando que
trocaria os produtos por entorpecentes (fls. 08/09).
Ela é reincidente no crime de latrocínio, possui maus
antecedentes e responde a outras ações penais por furto (fls. 59/63 e
64/81).

A ordem não merece concessão.

Inicialmente, anoto que parte da argumentação esgrimida pela defesa

que o furto foi praticado por outra mulher não identificada diz respeito ao mérito

da causa e, portanto, carece de produção de provas. Impossível apreciar aqui tais

argumentos, vez que não comporta o habeas corpus largueza necessária para tal.

Tal aferição será realizada nos autos do processo principal, momento

em que as partes poderão usar de todos os meios de prova admitidos a fim de formar

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o livre convencimento do juízo, sob o manto do contraditório, garantidas a ampla

defesa e a paridade de armas.

Embora este relator reconheça a vigência do princípio da

insignificância em nosso ordenamento jurídico, sobretudo com base nos princípios da

fragmentariedade e subsidiariedade do direito penal, decorrência lógica do princípio

da dignidade da pessoa humana, há de se ressaltar que o referido princípio não deve

ser aplicado em caso de furtadores contumazes. Entendimento demasiadamente

extensivo acerca da insignificância implicaria afronta ao princípio da

inderrogabilidade da pena, a gerar insegurança jurídica e impunidade intoleráveis no

Estado Democrático de Direito.

De fato, a folha de antecedentes da paciente impressiona muito mal.

Além de condenações anteriores por tráfico de drogas e roubo, já atingidas pelo

prazo depurador, e de outra condenação por idêntico delito em fase de recurso, a

paciente fora colocada em liberdade em 26.05.2023, menos de três meses antes de ser

novamente presa em flagrante, a demonstrar a ineficácia da imposição de medida

cautelar diversa da prisão.

Ainda que o crime seja de pequena monta, não pode ser tratado pelo

sistema penal como se tivesse praticado condutas irrelevantes, pois crimes

considerados ínfimos, quando analisados isoladamente, mas relevantes quando em

conjunto, seriam transformados pelo infrator em verdadeiro meio de vida.

Nesse sentido tem decido o Pretório Excelso:


HABEAS CORPUS. PENAL. FURTO TENTADO (ART. 155,
CAPUT, c/c ART. 14, II, DO CP). PRINCÍPIO DA
INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. REINCIDÊNCIA
CRIMINOSA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ORDEM
DENEGADA.
1. O princípio da insignificância incide quando presentes,
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cumulativamente, as seguintes condições objetivas: (a) mínima


ofensividade da conduta do agente, (b) nenhuma periculosidade
social da ação, (c) grau reduzido de reprovabilidade do
comportamento, e (d) inexpressividade da lesão jurídica provocada;
2. A aplicação do princípio da insignificância deve, contudo, ser
precedida de criteriosa análise de cada caso, a fim de evitar que sua
adoção indiscriminada constitua verdadeiro incentivo à prática de
pequenos delitos patrimoniais.
3. O valor da res furtiva não pode ser o único parâmetro a ser
avaliado, devendo ser analisadas as circunstâncias do fato para
decidir-se sobre seu efetivo enquadramento na hipótese de crime de
bagatela, bem assim o reflexo da conduta no âmbito da sociedade.
4. In casu, o Tribunal a quo afirmou que “as instâncias ordinárias
levaram em consideração apenas o pequeno valor da coisa
subtraída, sem efetuar qualquer análise de outros elementos aptos a
excluir de forma definitiva a relevância penal da conduta”.
Ademais, o Ministério Público ressaltou que “o paciente, além de
ostentar outras três condenações, também responde a dois
processos por crimes da mesma espécie”.
5. Deveras, ostentando o paciente a condição de reincidente,
não cabe a aplicação do princípio da insignificância.
Precedentes: HC 107067, Primeira Turma, Relatora a Ministra
Cármen Lúcia, DJ de 26.05.11; HC 96684/MS, Primeira Turma,
Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJ de 23.11.10; e HC 108.056,
Primeira Turma, Relator o Ministro Luiz Fux, DJ de 06.03.12.
6. Ordem denegada.
STF HC nº 108.403-RS Rel. Min. LUIZ FUX 1ª T. j.
05.02.2013

Por tais motivos, o fato apurado nos autos há de ser tido como formal e

materialmente típico, impondo-se a legítima e indispensável atuação do direito penal

na proteção do direito fundamental de propriedade.

Tampouco se vislumbra motivo para a revogação da prisão preventiva.

O sistema processual penal brasileiro, após a edição da Constituição da

República de 1988, adotou o entendimento de que a regra é liberdade e a exceção é a

segregação cautelar, logo, para o encarceramento preventivo há que existir decreto

judicial devidamente fundamentado, no qual seja evidente a necessidade da medida.

Esta orientação é ratificada pelas recentes modificações operadas no

Código de Processo Penal no que se refere à prisão processual. De acordo com as


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alterações realizadas pela Lei nº 12.403, de 4.5.2011, em vigor desde 5.7.2011, a

prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por

outra medida cautelar (art. 282, § 6º, CPP).

Desta forma, restou patente que a prisão preventiva funciona como a

ultima ratio na proteção da sociedade e do processo, somente sendo decretada

quando concretamente demonstrados os requisitos de cautelaridade, o que ocorre no

presente caso.

Conforme disposição do art. 312, última parte, do CPP, estão presentes

os pressupostos da prisão processual, pois há nos autos indícios de autoria e prova da

materialidade delitiva, atestados pela prova até então coligida.

Somado a isso, evidente a necessidade da custódia cautelar.

Com efeito, conforme já apontado acima, a paciente tem péssimos

antecedentes e histórico de reiteração de crimes contra o patrimônio alheio. É obvio

que suas condenações prévias não provam que ela tenha cometido o crime de que

agora é acusada isso será apurado na instrução mas tais antecedentes sugerem

que revogar a prisão preventiva seja medida imprudente.

Desta forma, foi justificadamente decretada a prisão preventiva e as

razões de convencimento do d. magistrado permanecem válidas, não se constatando o

alegado constrangimento ilegal.

3. Pelo exposto, denego a ordem.


JOSÉ ROBERTO NOGUEIRA NASCIMENTO
RELATOR
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