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Tribunal de Justiça
Estado do Rio de Janeiro
Oitava Câmara Criminal

Recurso em Sentido Estrito nº 0271673-52.2009.8.19.0001


Recorrente : Rubens Souza Bretas
Recorrente : Paulo Roberto Wilson da Silva
Recorrente : Carlos Coelho Macedo
Recorrente : José Luiz Silva dos Santos
Recorrente : Ricardo Gonçalves Martins
Recorrido : Ministério Público
Juízo de Origem: 1ª Vara Criminal da Comarca da Capital
Relatora : Desembargadora Suely Lopes Magalhães

APELAÇÃO. ARTIGO 121, §2º, INCISOS I E IV (TREZES


VEZES) N/F DO ARTIGO 29, AMBOS DO CÓDIGO PENAL,
EM CONCURSO MATERIAL. DECISÃO DE PRONÚNCIA.
RECURSOS DEFENSIVOS POSTULANDO, PRELIMINARMENTE:
I) A DECLARAÇÃO DE NULIDADE DO PROCESSO POR
VIOLAÇÃO À COISA JULGADA DA DECISÃO QUE
DETERMINOU O ARQUIVAMENTO DO PROCEDIMENTO
POLICIAL; II) A DECLARAÇÃO DE NULIDADE DO
PROCESSO EM RAZÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO TER
DESARQUIVADO O PROCEDIMENTO POLICIAL SEM A
INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO; III) POR
INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL PARA JULGAR A
CAUSA E IV) POR INÉPCIA DA INICIAL. NO MÉRITO,
POSTULAM A IMPRONÚNCIA AO FUNDAMENTO DE
INEXISTÊNCIA DE INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA.
A decisão que determina o arquivamento do
inquérito policial ou outras peças de informação
possui natureza judicial, revestida de caráter
administrativo ou jurisdicional, conforme a
situação concreta. Esta última hipótese ocorre
nos casos de atipicidade da conduta e de extinção

Assinado em 02/10/2019 17:34:06


SUELY LOPES MAGALHAES:7555 Local: GAB. DES(A). SUELY LOPES MAGALHAES
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da punibilidade do agente, oportunidade em que


referida decisão se revestirá da natureza de
coisa julgada material, não podendo, assim, ser
desarquivado o procedimento policial e
rediscutido os fatos. No caso em exame, a
promoção de arquivamento realizada pelo membro do
parquet, acostada ao indexador 00281, teve como
base a possível ocorrência da prescrição da
pretensão punitiva estatal considerando a pena em
perspectiva, ou seja, aquela que eventualmente
pudesse ser aplicada no caso de superveniência de
uma sentença penal condenatória. Referido tipo de
prescrição é rechaçado pela majoritária doutrina
e pela jurisprudência dos tribunais superiores
diante da ausência de previsão legal. Precedentes
do STJ e do STF em sede de repercussão geral.
Nesta toada, não há que se falar em violação ao
instituto da coisa julgada. Não foi realizada, na
promoção ministerial de arquivamento, a análise
dos elementos probatórios produzidos no inquérito
policial, circunscrevendo-se o requerimento
ministerial tão-somente na indevida prescrição
pela pena em perspectiva. Neste desiderato, não
há que se falar na exigência de provas novas para
o desarquivamento do inquérito policial ou em
violação ao entendimento contido na súmula 524 do
Supremo Tribunal Federal. De outro vulto, o
desarquivamento foi solicitado ao Juízo
competente pela Procuradoria de Geral de Justiça,
através do Subprocurador-geral de Justiça de
Assuntos Institucionais e Judiciais, inexistindo
qualquer ilegalidade a ser sanada nesta via.
Registre-se, ainda, a legitimidade da requisição
efetuada à luz do disposto no artigo 39, inciso
XV, da Lei Complementar Estadual nº 106/2003, o
qual confere a Procurador Geral de Justiça a
competência para requisitar autos arquivados,
promover seu desarquivamento e, se for o caso,
oferecer denúncia ou representação. A EC nº
1662

45/2004, ao acrescer o §5º ao artigo 109 da Carta


Magna, introduziu no ordenamento jurídico a
possibilidade do Procurador Geral da República
ajuizar incidente de deslocamento de competência
para a Justiça Federal, perante o Superior
Tribunal de Justiça, nas hipóteses de grave
violação de direitos humanos, com a finalidade de
assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes
de tratados internacionais de direitos humanos
dos quais o Brasil seja parte. O texto
constitucional é claro em atribuir a competência
para a instauração do incidente e seu julgamento,
sem o que permanece a Justiça Estadual competente
para tais fatos. Nesta toada, considerando que
somente no dia 09 do corrente mês foi ajuizado o
presente incidente e que o Superior Tribunal de
Justiça ainda não decidiu sobre o tema, não há
que falar no deslocamento da competência para a
Justiça Federal. A jurisprudência do Superior
Tribunal de Justiça relativizou a exigência da
descrição minudente da conduta dos agentes
criminosos nos delitos de autoria coletiva, como
no caso dos autos. Da leitura das linhas da
exordial, constata-se que a acusação
correlacionou com o mínimo de concretude que se
requer, os fatos criminosos imputados aos réus,
constando o dia e a forma como foram praticados
bem como com a dinâmica delitiva, com a indicação
do rol de testemunhas, não havendo que se falar
em inépcia da denúncia. Por fim, todas as
preliminares ora arguidas foram refutadas pelo
Superior Tribunal de Justiça no julgamento do RHC
46250/RJ, interposto pelo acusado Paulo Roberto.
REJEITO AS PRELIMINARES ARGUIDAS. Tratando-se a
decisão de pronúncia de juízo prévio, sem um
aprofundado exame probatório da causa, restando
presentes a materialidade e indícios suficientes
de autoria, imperiosa a decisão de pronúncia, sob
pena de se furtar à competência constitucional do
1663

Júri Popular. Pressupostos fáticos e legais


devidamente configurados pelo mosaico probatório
coligido aos autos. Indícios de que os acusados
participaram das práticas criminosas, competindo
ao Júri Popular aferir quanto ao acerto, ou não,
da necessidade de um juízo de censura. RECURSOS
CONHECIDOS E DESPROVIDOS.

ACÓRDÃO

VISTOS, relatados e discutidos estes autos do


Recurso em Sentido Estrito nº 0271673-52.2009.8.19.0001, em
que são Recorrentes e Recorrido as partes em epígrafe.

ACORDAM, os Desembargadores que integram a Oitava


Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de
Janeiro, à unanimidade, em CONHECER dos recursos, REJEITANDO-
SE AS PRELIMINARES arguidas e, no mérito, NEGAR-LHES
PROVIMENTO, nos termos do voto da eminente Desembargadora-
Relatora.

RELATÓRIO

Trata-se de recurso em Sentido Estrito interposto


pelos acusados Rubens Souza Bretas, Paulo Roberto Wilson da
Silva, Carlos Coelho Macedo, José Luiz Silva dos Santos e
Ricardo Gonçalves Martins contra a decisão emanada do Juízo
da 1ª Vara Criminal da Comarca da Capital, acostada ao
indexador 01490, que os pronunciou pela prática do crime
previsto no artigo 121, §2º, incisos I e IV (trezes vezes)
n/f do artigo 29, ambos do Código Penal, em concurso
material.

A defesa do acusado RICARDO GONÇALVES postula nas


razões delineadas no indexador 01539 a sua impronúncia ao
fundamento de inexistência de indícios suficientes de
autoria.

A defesa dos acusados RUBENS SOUZA e JOSÉ LUIZ


também perseguem nas razões adunadas ao indexador 01569 a
absolvição sumária ou a impronúncia dos acusados sob o
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fundamento de inexistência de indícios suficientes de


autoria.

Por fim, as defesas dos acusados PAULO ROBERTO


WILSON e CARLOS COELHO objetivam nas razões colacionadas aos
indexadores 01579 e 01594, preliminarmente: I) a declaração
de nulidade do processo por violação à coisa julgada da
decisão que determinou o arquivamento do procedimento
policial; II) a declaração de nulidade do processo em razão
do Ministério Público ter desarquivado o procedimento
policial sem a intervenção do Poder Judiciário; III) por
incompetência da justiça estadual para julgar a causa e IV)
por inépcia da inicial. No mérito, postulam a impronúncia ao
fundamento de inexistência de indícios suficientes de
autoria.

Em contrarrazões, acostadas ao indexador 01612, o


membro do parquet em exercício perante o Juízo de piso
manifestou-se homenageando a sentença atacada.

Em sede de juízo de retratação, na esteira da


decisão adunada ao indexador 01631, o decisum combatido foi
mantido pelos seus próprios termos.

A Procuradoria Geral de Justiça emitiu o parecer


constante no indexador 01642, opinando pelo conhecimento e
desprovimento dos recursos defensivos.

É o breve relatório.

VOTO

Após detido exame do caderno processual, não há


como acolher-se as preliminares arguidas.

I) VIOLAÇÃO À COISA JULGADA DA DECISÃO QUE DETERMINOU O


ARQUIVAMENTO DO PROCEDIMENTO POLICIAL

Como é de conhecimento ordinário, o inquérito


policial tem o escopo de apurar a prática de infrações
penais, investigando e atribuindo sua autoria, assim como sua
materialidade.
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Trata-se de procedimento inquisitorial conduzido


pela autoridade policial, de natureza administrativa, sob o
controle do Ministério Público, à teor do disposto no artigo
129, inciso VII, da Constituição Federal de 1988.

Sob o outro prisma, serve de instrumento a


alicerçar o “opinio delicti” do parquet nas ações penais de
sua competência e dos particulares nas ações penais de
natureza privada.

Nesta toada, atuando como “dominus littis”, as


informações angariadas ao inquérito policial são destinadas
ao Ministério Público, cabendo-lhe, portanto, a aferição da
existência de elementos mínimos para a propositura da
pertinente ação penal ou, entendendo pela inexistência
destes, o seu arquivamento, submetendo-o ao juiz competente.

O controle exercido pelo Judiciário nesta hipótese


decorre da atividade de fiscalização inerente ao princípio da
obrigatoriedade da ação penal que é imanente ao múnus
ministerial.

No escólio de Nucci1, a decisão que determina o


arquivamento do inquérito policial ou outras peças de
informação possui natureza judicial, revestida de caráter
administrativo ou jurisdicional, conforme a situação
concreta.

Esta última hipótese ocorre nos casos de


atipicidade da conduta e de extinção da punibilidade do
agente, oportunidade em que referida decisão se revestirá da
natureza de coisa julgada material, não podendo, assim, ser
desarquivado o procedimento policial e rediscutido os fatos.

Logo, em sentido contrário, nas demais hipóteses a


decisão em análise não se reveste de coisa julgada.

No caso em exame, a promoção de arquivamento


realizada pelo membro do parquet, acostada ao indexador
00281, teve como base a possível ocorrência da prescrição da

1
NUCCI, Guilherme de Souza: Código de Processo Penal Comentado, 10ª ed, p.141;
1666

pretensão punitiva estatal considerando a pena em


perspectiva, ou seja, aquela que eventualmente pudesse ser
aplicada no caso de superveniência de uma sentença penal
condenatória.

Referido tipo de prescrição é rechaçado pela


majoritária doutrina e pela jurisprudência dos tribunais
superiores diante da ausência de previsão legal, conforme se
infere dos julgados ora colacionados:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO
AGRAVO REGIMENTAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. OMISSÃO.
AUSÊNCIA DE VÍCIO NO JULGADO. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO
PUNITIVA. PENA HIPOTÉTICA. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL.
INADMISSIBILIDADE. NÃO OCORRÊNCIA DA EXTINÇÃO DA
PUNIBILIDADE. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS.

1. Inexistindo no acórdão embargado quaisquer dos vícios


previstos no art. 619 do Código de Processo Penal, que
permitem o manejo dos embargos de declaração, não há como
estes serem acolhidos.

2. Este Tribunal adotou a orientação de que é inviável a


declaração de extinção da punibilidade do agente pela
ocorrência da prescrição da pretensão punitiva com suporte
na sanção hipoteticamente calculada, pois o ordenamento
jurídico pátrio não admite o reconhecimento da referida
causa em perspectiva, antecipada ou virtual. Enunciado 438
da Súmula deste Superior Tribunal de Justiça.

3. Embargos de declaração rejeitados.( STJ - EDcl nos EDcl


no CC 144750 / SP – Min. Jorge Mussi – 3ª Seção – DJe:
06.09.2019)

AÇÃO PENAL. Extinção da punibilidade. Prescrição da


pretensão punitiva “em perspectiva, projetada ou
antecipada”. Ausência de previsão legal.
Inadmissibilidade. Jurisprudência reafirmada. Repercussão
geral reconhecida. Recurso extraordinário provido.
Aplicação do art. 543-B, § 3º, do CPC. É inadmissível a
extinção da punibilidade em virtude de prescrição da
pretensão punitiva com base em previsão da pena que
hipoteticamente seria aplicada, independentemente da
existência ou sorte do processo criminal.(STF - RE 602527
1667

QO-RG / RS - RIO GRANDE DO SUL – Min. César Peluso – J:


19.11.2009 – Repercussão Geral)

Ainda que fosse admissível o arquivamento com base


na prescrição em perspectiva, essa não teria ocorrido em
relação aos crimes de homicídio qualificado, pelos quais
foram denunciados os recorrentes, porquanto o prazo
prescricional previsto no artigo 109, inciso I, do Código
Penal é de 20 anos (interrompido em 2013 pelo recebimento da
denúncia).

Nesta toada, não há que se falar em violação ao


instituto da coisa julgada.

2) DESARQUIVAMENTO DO PROCEDIMENTO POLICIAL PELO MINISTÉRIO


PÚBLICO SEM A INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO

Na esteira do susomencionado, observa-se que não


foi realizada, na promoção ministerial de arquivamento, a
análise dos elementos probatórios produzidos no inquérito
policial, circunscrevendo-se o requerimento ministerial tão-
somente na indevida prescrição pela pena em perspectiva.

Neste desiderato, não há que se falar na exigência


de provas novas para o desarquivamento do inquérito policial
ou em violação ao entendimento contido na súmula 524 do
Supremo Tribunal Federal.

De outro vulto, o desarquivamento foi solicitado ao


Juízo competente pela Procuradoria de Geral de Justiça,
através do Subprocurador-geral de Justiça de Assuntos
Institucionais e Judiciais, inexistindo qualquer ilegalidade
a ser sanada nesta via.

Registre-se, ainda, a legitimidade da requisição


efetuada à luz do disposto no artigo 39, inciso XV, da Lei
Complementar Estadual nº 106/2003, o qual confere a
Procurador Geral de Justiça a competência para requisitar
autos arquivados, promover seu desarquivamento e, se for o
caso, oferecer denúncia ou representação.

3) DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL


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Sustentam as defesas, ainda, que, por força da


interferência da Comissão de Direitos Humanos da Organização
dos Estados Americanos (OEA) e pelo fato da acusação se
pautar em crime com grave violação de direitos humanos,
faleceria competência a Justiça Estadual para o julgamento do
presento processo, devendo o feito ser remetido à Justiça
Federal.

A EC nº 45/2004, ao acrescer o §5º ao artigo 109 da


Carta Magna, introduziu no ordenamento jurídico a
possibilidade do Procurador Geral da República ajuizar
incidente de deslocamento de competência para a Justiça
Federal, perante o Superior Tribunal de Justiça, nas
hipóteses de grave violação de direitos humanos, com a
finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações
decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos
dos quais o Brasil seja parte.

O texto constitucional é claro em atribuir a


competência para a instauração do incidente e seu julgamento,
sem o que permanece a Justiça Estadual competente para tais
fatos.

Nesta toada, considerando que somente no dia 09 do


corrente mês foi ajuizado o presente incidente e que o
Superior Tribunal de Justiça ainda não decidiu sobre o tema,
não há que falar no deslocamento da competência para a
Justiça Federal.

4) INÉPCIA DA DENÚNCIA

Observa-se da denúncia, que os subscritores da


denúncia atribuíram a todos os denunciados, juntamente com
outros policiais civis e militares não identificados, a
pretexto de cumprir diligência contra a prática de crimes
relacionados ao tráfico de drogas na Favela Nova Brasília,
Complexo do Alemão, na Cidade do Rio de Janeiro, a
participação em 13 crimes de homicídio qualificado.

Aduziram os membros do Ministério Público, que as


circunstâncias que envolveram as mortes das vítimas afastam a
tese defensiva de legítima defesa em contexto de resistência
1669

à ação policial, haja vista a quantidade de disparos


efetuados, partes do corpo em que as vítimas foram baleadas
(diversos disparos na cabeça, na região dos olhos, e na
lateral da cabeça), distância do cano da arma para o local do
impacto do projétil (“tatuagem” provocada pelo resíduo quente
de pólvora).

Por fim, asseveraram que “embora não seja possível


individualizar os executores diretos e imediatos dos homicídios, é
certo que os denunciados concorreram finalisticamente para a
ocorrência do seu resultado, pois, em comunhão de vontades, já com a
intenção de matar, ingressaram na referida comunidade, conforme
previamente ajustados e, mediante a divisão de tarefas, deram causa
à morte das vítimas’.

Frise-se, por oportuno, que a jurisprudência do


Superior Tribunal de Justiça relativizou a exigência da
descrição minudente da conduta dos agentes criminosos nos
delitos de autoria coletiva, como no caso dos autos, conforme
se infere do julgado ora colacionado:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS.
ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA. CRIME AMBIENTAL. FALSIDADE
IDEOLÓGICA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INÉPCIA DA
DENÚNCIA. NÃO VERIFICAÇÃO. OBEDIÊNCIA AO ART. 41 DO CPP.
AMPLA DEFESA ASSEGURADA. NÃO INDIVIDUALIZAÇÃO DAS
CONDUTAS. MITIGAÇÃO. CRIME DE AUTORIA COLETIVA. AGRAVO
IMPROVIDO.

1. O trancamento da ação penal somente é possível, na


via estreita do habeas corpus, em caráter excepcional,
quando se comprovar, de plano, a inépcia da denúncia, a
atipicidade da conduta, a incidência de causa de
extinção da punibilidade ou a ausência de indícios de
autoria ou de prova da materialidade do delito.

2. A inicial acusatória atribui ao ora agravante, e a


outros três codenunciados, o comando de uma organização
criminosa voltada para a prática de ilícitos ambientais,
relacionados à extração ilegal de produtos florestais do
interior da Reserva Biológica do Gurupi e na Terra
Indígena do Caru, bem como a adulteração de documentos
oficiais com vistas a tornar legal a madeira
irregularmente extraída dos locais protegidos.
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3. Pela leitura da inicial acusatória e do acórdão


recorrido, verifica-se que a denúncia é suficientemente
clara e concatenada, e atende aos requisitos do art. 41
do Código de Processo Penal, não revelando quaisquer
vícios formais. De fato, encontra-se descrito o fato
criminoso, com todas as circunstâncias necessárias a
delimitar a imputação, encontrando-se devidamente
assegurado o exercício da ampla defesa.

4. Nos casos de crimes de autoria coletiva, tem sido


admitida denúncia geral, a qual, apesar de não detalhar
minudentemente as ações imputadas aos denunciados,
demonstra, ainda que de maneira sutil, a ligação entre
sua conduta e o fato delitivo, conforme ocorre nos
autos.

5. Agravo regimental improvido. (STJ - AgRg no RHC


115153 / PA - Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA – DJe:
30.08.2019)

Nesta toada, da leitura das linhas da exordial,


constata-se que a acusação correlacionou com o mínimo de
concretude que se requer, os fatos criminosos imputados aos
réus, constando o dia e a forma como foram praticados bem
como com a dinâmica delitiva, com a indicação do rol de
testemunhas, não havendo que se falar em inépcia da denúncia.

Por fim, de forma a colocar uma pá de cal sobre


todas as preliminares aqui arguidas, colaciono aresto da
Corte Cidadã proferido nos autos de Recurso Ordinário em
Habeas Corpus interposto pelo acusado Paulo Roberto:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. HOMICÍDIOS


QUALIFICADOS. CHACINA DA FAVELA NOVA BRASÍLIA-RJ, NO
ANO DE 1994. ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO EM RELAÇÃO A
OUTROS CRIMES EM RAZÃO DA OCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO.
CRIMES DE HOMICÍDIO NÃO ABRANGIDOS POR TAL DECISÃO.
VEDAÇÃO DO RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO EM
PERSPECTIVA. POSSIBILIDADE DE OFERECIMENTO DA DENÚNCIA
PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. ARQUIVAMENTO INDIRETO.
ARQUIVAMENTO IMPLÍCITO. INOCORRÊNCIA. TRANCAMENTO DA
AÇÃO PENAL. INVIABILIDADE. INÉPCIA DA DENÚNCIA.
AUTORIA COLETIVA. POSSIBILIDADE DE EXERCÍCIO DA AMPLA
DEFESA. GRAVE VIOLAÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS.
INCIDENTE DE DESLOCAMENTO DE COMPETÊNCIA NÃO
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AJUIZADO. MANIFESTAÇÃO DE ORGANISMO INTERNACIONAL QUE


NÃO É PARTE NO PROCESSO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM
ESTADUAL. RECURSO DESPROVIDO.

1. A decisão que determinou o arquivamento do inquérito


policial não abrangia os supostos crimes de homicídio
qualificado, haja vista a ausência de menção expressa a
tais crimes, a incongruência da fundamentação utilizada
com o preceito secundário do tipo penal do homicídio
qualificado e a incompetência do Juízo prolator da
decisão para processar e julgar crimes dolosos contra a
vida.

2. A alegação de ocorrência de arquivamento indireto é


inaplicável, uma vez que não houve divergência em
relação à competência entre o Ministério Público e o Juízo
processante.

3. A suposta ocorrência de arquivamento implícito tampouco


se adequa ao caso em análise em que o Ministério
Público promoveu o arquivamento em relação a outros
fatos, não se tratando de hipótese de denúncia
incompleta. Ademais, tal modalidade de arquivamento é
inadmissível no ordenamento jurídico pátrio. Precedentes.

4. Em razão da excepcionalidade do trancamento da ação


penal, tal medida somente se mostra possível quando ficar
demonstrada, de plano e sem necessidade de dilação
probatória, a total ausência de indícios de autoria e
prova da materialidade delitiva, a atipicidade da
conduta ou a existência de alguma causa de
extinção da punibilidade. É certa, ainda, a
possibilidade do referido trancamento nos casos em que
a denúncia for inepta, não atendendo o que dispõe o
art. 41 do Código de Processo Penal - CPP, o que não
impede a propositura de nova ação desde que
suprida a irregularidade. 5. A denúncia descreve a
suposta chacina praticada por agentes de segurança
pública que, a pretexto de cumprir diligências
contra o tráfico de drogas na Favela Nova Brasília-RJ,
teriam executado 13 indivíduos envolvidos com tráfico na
localidade. O recorrente, policial civil à época
dos fatos, participou diretamente da incursão policial.
Os indícios de que as mortes foram provocadas em
circunstâncias diferentes da que sustenta a tese
defensiva de legítima defesa em contexto de
1672

resistência à ação policial são extraídas das provas


testemunhais e dos laudos cadavéricos que apontam
indícios de que as mortes, em sua maioria, foram
provocadas por disparos a curta distância na região da
cabeça (olhos e lateral da face) e tórax.

6. Diante disso, no caso concreto, há indícios


de autoria satisfatórios para esse momento processual. A
imputação descrita na denúncia é suficiente para
deflagrar a ação penal e minúcias acerca das
circunstâncias da prática delitiva e demonstração do
elemento subjetivo do tipo poderão ser aferidas
durante a instrução probatória, sob o crivo do
contraditório.

7. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça -


STJ tem mitigado a exigência de descrição minuciosa da
ação de cada agente nos crimes de autoria coletiva.
Precedentes.

8. A participação da Comissão de Direitos Humanos


da OEA - manifestação extrajudicial que constatou a
omissão do Estado Brasileiro em promover a apuração de
ato que violou direitos humanos -, conforme descrita
nos autos, não se adequa a nenhuma das hipóteses
previstas no art. 109 da Constituição Federal de modo a
atrair a competência da Justiça Federal.

9. A alegada competência da Justiça Federal para julgar


crimes nas hipóteses de grave violação a Direitos Humanos
está prevista no art. 109, §5º, da Constituição
Federal e depende de suscitação de incidente de
deslocamento de competência a ser ajuizado pelo
Procurador-Geral da República perante o Superior
Tribunal de Justiça.

10. Inexistindo incidente de deslocamento de


competência, não há qualquer fundamento legal que
justifique a competência do Juízo Federal.

Recurso desprovido. (RHC 46250 / RJ - Ministro JOEL ILAN


PACIORNIK – DJe: 11.05.2018)

Firme em tais fundamentos, REJEITO AS PRELIMINARES


suscitadas.

No mérito, melhor sorte não socorre as defesas.


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É de conhecimento comum, que a sentença de


pronúncia tem natureza de decisão interlocutória mista não
terminativa, pois encerra, apenas, uma etapa procedimental no
curso do processo penal relativo aos crimes cometidos contra
a vida.

Desta forma, o magistrado, em tal ato, realiza um


mero juízo de admissibilidade quanto ao pleito acusatório
formulado, permitindo seja a causa levada a julgamento pelo
juiz natural da causa, vale dizer, o Tribunal do Júri.

Assim, tratando-se de juízo prévio, sem um


aprofundado exame probatório da causa, restando presentes a
materialidade e indícios suficientes de autoria, imperiosa a
decisão de pronúncia, sob pena de se furtar à competência
constitucional do Júri Popular.

No tocante à fundamentação desta decisão, o §1º do


artigo 413 do Código de Processo Penal dispõe que esta
“limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da
existência de indícios de autoria e de participação, devendo
o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o
acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as
causas de aumento de pena”.

Cotejada a norma em questão com a decisão


combatida, constata-se a obediência desta aos preceitos
legais.

Da análise do mosaico probatório angariado aos


autos, contata-se a existência de indícios suficientes de
autoria e de materialidade alicerçadores da pronúncia
atacada.

O acusado RUBENS foi reconhecido em sede policial e


em Juízo pelas testemunhas Carla e Luciene.

O acusado JOSÉ LUIZ foi reconhecido pela testemunha


Luciene em sede policial.

O acusado CARLOS também foi reconhecido em sede


policial pela testemunha Juliana.
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O réu RICARDO foi reconhecido em sede policial pela


testemunha Juliana.

E, por fim, o acusado PAULO ROBERTO foi reconhecido


pela testemunha Juliana em sede policial e em juízo pela
testemunha CARLA.

Sob o manto das garantias constitucionais, a


testemunha CARLA, em transcrição não literal, declarou, em
síntese:

“que estava saindo com um homem e uma colega da


casa em que estava, quando os policiais chegaram.
Que todos estavam drogados, com pó no nariz, e
começaram a bater na depoente. Disse que eles
começaram a pegar as coisas de dentro de casa sem
querer saber de quem eram, que pegaram televisão e
outras coisas, jogando-as dentro de um pano.
Afirmou que começaram a bater. Disse que levou
cinco pauladas. Tomou choque, tendo sido jogada
agua na depoente e mandado que segurasse em um fio
elétrico para tomar choque. Então, levaram a
depoente para o banheiro e deram coronhadas e
perguntavam se conhecia fulano ou sicrano, mas não
conhecia ninguém, alegando não possuir
envolvimento com tráfico, com drogas com nada.
Quando acabou tudo (referindo-se as agressões
sofridas), já tinham batido, eles disseram que iam
matar a gente. Disse que mandaram que ela ficasse
de joelhos e disseram: "agora vocês vão morrer".
Então, disse que pegaram a arma para matá-los,
quando a reportagem subiu, já estando na porta.
Relatou que eles disseram: "vocês tiveram sorte
porque a reportagem subiu". Confirmou que foram
colocados em pé com o bumbum empinado e apanharam.
Confirmou terem sido obrigadas a praticar sexo com
eles no banheiro. Mostrada a depoente as
declarações de fls. 122/125, confirmou que foram
colocados em pé com os bumbuns empinados e levaram
cinco pauladas cada um. Confirmou que foram
colocadas no banheiro peladas e começaram a ser
1675

abusada. Disse que não se lembrava com quem entrou


no banheiro, afirmando que toda hora entrava um e
batia, chegava um e outro batia. Disse que
primeiro fizeram a depoente entrar sozinha no
banheiro e depois colocaram a LUCIENE também.
Confirmou que foi obrigada a praticar sexo anal
com um dos policiais. Confirmou que LUCIENE contou
que foi obrigada a praticar sexo com um desses
policiais. Disse que se recorda de JULIANA ter
relatado que foi colocada com a cara para o sol
com os peitos dela para fora e passaram a arma nos
peitos dela. JULIANA contou também que mataram o
seu marido na frente dela. Disse que, além de
abusarem de JULIANA, mataram PAIZINHO na frente
dela”.

Por sua vez, a testemunha LUCIENE RIBEIRO afirmou,


em transcrição não literal, em síntese:

“que os policiais entraram na casa e mataram os


meninos dormindo; Disse que estavam na casa ANDRÉ,
seu primo, e CARLA, uma conhecida. Disse que
entraram na casa durante a madrugada e que a casa
era de outra pessoa que morava lá, não sendo de
nenhum dos três, a depoente, CARLA e ANDRÉ.
Confirmou que ANDRÉ sofreu agressões, apanhando de
ripa de cama, socos, chutes e outras agressões que
não se recorda no momento. Afirmou que as
agressões foram praticadas pelos policiais
submetidos a reconhecimento. Afirmou que reconheceu
todas essas pessoas na delegacia. Mostrada a
depoente as assinaturas em sede policial,
confirmou sendo de sua autoria. Entraram na casa
por volta das cinco horas da manhã e adormeceram
no local, acordando por volta das sete e pouca da
manhã. No momento em que iam sair da casa os
policiais chegaram. Disse recordar-se das
agressões que sofreram dos policiais que entraram
na casa, afirmando que apanharam muito. Disse não
se recordar de quantos policiais foram
1676

reconhecidos na delegacia, podendo afirmar, porém,


que pelo nome se recorda de PLINIO, que ficou com
CARLA no banheiro, e TURCO, que ficou na varanda
com a depoente mandando que fizesse sexo oral com
ele”.

Neste diapasão, ainda que os acusados tenham negado


a prática criminosa, exsurgem indícios mínimos autorizadores
da submissão dos mesmos ao júri popular, a quem competirá
apreciar as provas trazidas pelas partes.

As qualificadoras também devem ser mantidas e


aferidas pelos juízes leigos.

Pelo exposto, voto pelo CONHECIMENTO dos recursos,


REJEITANDO-SE AS PRELIMINARES arguidas e, no mérito, pelo
DESPROVIMENTO dos mesmos, nos termos consignados.

Desembargadora SUELY LOPES MAGALHÃES

Relatora

(documento datado e assinado digitalmente)

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