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Superior Tribunal de Justiça

HABEAS CORPUS Nº 369.082 - SC (2016/0226409-3)

RELATOR : MINISTRO FELIX FISCHER


IMPETRANTE : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SANTA CATARINA
ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SANTA CATARINA
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA
PACIENTE : GLAUCO ROBERTSON PEREIRA DE JESUS (PRESO)
EMENTA

PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO


DE RECURSO ESPECIAL. NÃO CABIMENTO. DESOBEDIÊNCIA. ART. 330
DO CÓDIGO PENAL. ORDEM DE PARADA EMANADA DE POLICIAIS
MILITARES NO EXERCÍCIO DE ATIVIDADE OSTENSIVA. ORDEM NÃO
DIRIGIDA POR AUTORIDADE DE TRÂNSITO E NEM DE SEUS AGENTES.
INOCORRÊNCIA DA INFRAÇÃO DE TRÂNSITO PREVISTA NO ART. 195 DO
CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. TIPICIDADE DA CONDUTA.
DESOBEDIÊNCIA E FUGA. SUPOSTO EXERCÍCIO DO DIREITO DE
AUTODEFESA E DE NÃO AUTOINCRIMINAÇÃO. DIREITOS NÃO
ABSOLUTOS. IMPOSSIBILIDADE DE INVOCAÇÃO PARA A PRÁTICA DE
DELITOS. AUSÊNCIA DE DOLO. REEXAME DA MATÉRIA
FÁTICO-PROBATÓRIA. COMPENSAÇÃO DA REINCIDÊNCIA COM
ATENUANTE DA CONFISSÃO NO CRIME DE PORTE ILEGAL DE ARMA DE
FOGO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira
Turma do col. Pretório Excelso, firmou orientação no sentido de não admitir a
impetração de habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que
implica o não conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que,
configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a
concessão da ordem de ofício.
II - Segundo jurisprudência deste Tribunal Superior, a desobediência de ordem
de parada dada pela autoridade de trânsito ou por seus agentes, ou mesmo por policiais
ou outros agentes públicos no exercício de atividades relacionadas ao trânsito, não
constitui crime de desobediência, pois há previsão de sanção administrativa específica no
art. 195 do Código de Trânsito Brasileiro, o qual não estabelece a possibilidade de
cumulação de sanção penal. Assim, em razão dos princípios da subsidiariedade do
Direito Penal e da intervenção mínima, inviável a responsabilização da conduta na esfera
criminal.
III - No presente caso, contudo, a ordem de parada não foi dada pela
autoridade de trânsito e nem por seus agentes, mas por policiais militares no exercício de
atividade ostensiva, destinada à prevenção e à repressão de crimes, que foram
acionados para fazer a abordagem do paciente, em razão de atividade suspeita por ela
apresentada, conforme restou expressamente consignado no v. acórdão impugnado.
Desta forma, não restou configurada a hipótese de incidência da regra contida no art.
195 do Código de Trânsito Brasileiro e, por conseguinte, do entendimento segundo o
qual não seria possível a responsabilização criminal do paciente pelo delito de
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desobediência tipificado no art. 330 do Código Penal.
IV - Os direitos ao silêncio e de não produzir prova contra si mesmo não são
absolutos, razão pela qual não podem ser invocados para a prática de outros delitos.
Embora por fatos diversos, aplica-se ao presente caso a mesma solução jurídica
decidida pela Terceira Seção desta Corte Superior quando do julgamento do REsp n.
1.362.524/MG, submetido à sistemática dos recursos repetitivos, no qual foi fixada a
tese de que "típica é a conduta de atribuir-se falsa identidade perante autoridade
policial, ainda que em situação de alegada autodefesa".
V - Inviável o reconhecimento da atipicidade da conduta por ausência de dolo
uma vez que restou expressamente consignado no v. acórdão combatido que o paciente,
de forma consciente e deliberada, desobedeceu a ordem de parada dada pelos policiais
militares. Rever o entendimento do eg. Tribunal de origem para afastar o dolo do
paciente demandaria, necessariamente, amplo reexame da matéria fático-probatória,
procedimento que, a toda evidência, é incompatível com a estreita via do mandamus.
VI - O pedido de compensação integral entre a agravante da reincidência com
a atenuante da confissão não foi apreciado pelo eg. Tribunal de origem, ficando impedida
esta Corte de proceder a análise da matéria, sob pena de indevida supressão de
instância.
Habeas corpus não conhecido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,


acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não
conhecer do pedido.
Os Srs. Ministros Jorge Mussi, Reynaldo Soares da Fonseca, Ribeiro Dantas e
Joel Ilan Paciornik votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 27 de junho de 2017 (Data do Julgamento).

Ministro Felix Fischer


Relator

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HABEAS CORPUS Nº 369.082 - SC (2016/0226409-3)
RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO FELIX FISCHER: Trata-se de habeas


corpus substitutivo de recurso especial, impetrado pela Defensoria Pública Estadual em favor
de GLAUCO ROBERTSON PEREIRA DE JESUS contra v. acórdão proferido pelo eg.
Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, nos autos da Apelação n.
0004387-73.2015.8.24.0039.

Depreende-se dos autos que o paciente foi denunciado como incurso nas
sanções do art. 16, parágrafo único, IV, da Lei n. 10.826/03, bem como do art. 330 do
Código Penal, por condutas praticadas em 20/5/2015, quando, na condução de veículo
automotor, desobedeceu ordem de parada emanada de policiais militares e dispensou uma
arma de fogo ilegalmente portada, jogando-a pela janela do automóvel, conforme denúncia de
fls. 14-15.

O d. Juiz da 1ª Vara Criminal da Comarca de Lages/SC julgou parcialmente


procedente a denúncia para condenar o paciente nas sanções do art. 16, parágrafo único, IV,
da Lei n. 10.826/03, à pena 3 (três) anos e 8 (oito) meses de reclusão, em regime inicial
semiaberto, e pagamento de 11 (onze) dias-multa.

Quanto ao delito de desobediência, o paciente foi absolvido, sob o fundamento


de que a conduta seria atípica uma vez que acobertada pelo direito de autodefesa, conforme r.
sentença proferida em 7/10/2015.

Irresignado, o Ministério Público interpôs apelação para a qual o eg. Tribunal


de origem deu provimento, a fim de condenar o paciente à pena de 22 (vinte e dois) dias de
detenção, e pagamento de 11 (onze) dias-multa, pelo crime de desobediência. O decisum
também estabeleceu o regime inicial fechado para o cumprimento da pena relativa ao crime de
porte ilegal de arma de fogo, em razão da reincidência e dos maus antecedentes configurados,
nos termos do v. acórdão assim ementado:

"APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A


INCOLUMIDADE PÚBLICA. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO
COM NUMERAÇÃO SUPRIMIDA (ART. 16, PARÁGRAFO ÚNICO,
INCISO IV, DA LEI N. 10.826/2003). SENTENÇA CONDENATÓRIA.
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RECURSO MINISTERIAL.
PEDIDO DE CONDENAÇÃO PELO CRIME DE
DESOBEDIÊNCIA (ART. 330 DO CÓDIGO PENAL). ACOLHIMENTO.
NA SENTENÇA, ABSOLVIÇÃO POR ATIPICIDADE DA CONDUTA.
APELANTE QUE DESOBEDECEU À ORDEM DE PARADA DE
POLICIAIS MILITARES NO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE OSTENSIVA
(REPRESSÃO DE CRIMES). AUTORIA E MATERIALIDADE
COMPROVADAS. PRINCÍPIO DA AUTODEFESA INAPLICÁVEL.
CONDUTA TÍPICA. PRECEDENTES DESTA CÂMARA JULGADORA E
DA SEÇÃO CRIMINAL.
"O direito de não se autoincriminar não deve ser
interpretado de modo a permitir que o agente pratique um novo crime. Se
a ordem policial de parada é lícita e amparada em legislação que autorize,
é dever de todo e qualquer indivíduo atender ao comando, sob pena de
incorrer não apenas em infração administrativa, mas também penal"
(TRF-4, Desembargador Federal Victor Luiz dos Santos Laus). (TJSC -
Embargos Infringentes n. 2015.013504-8, de Blumenau, Seção Criminal,
rel. Des. Jorge Schaefer Martins, j. 25-11-2015).
PEDIDO DE FIXAÇÃO DO REGIME INICIAL FECHADO
PARA O CRIME DO ART. 16, PARÁGRAFO ÚNICO, INCISO IV, DA LEI
N. 10.826/2003. PROVIMENTO. APELANTE REINCIDENTE E
POSSUIDOR DE MAUS ANTECEDENTES. SÚMULA N. 269 DO
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA NÃO INCIDENTE.
"Não é aplicável o enunciado da Súmula n. 269 do STJ,
embora a pena imposta ao paciente seja inferior a 4 anos de reclusão, uma
vez que a imposição do regime inicial fechado foi motivada na análise
desfavorável dos antecedentes criminais, somada à reincidência do
acusado." (STJ - HC 330.890/SC, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz,
Sexta Turma, julgado em 10/05/2016, DJe 19/05/2016).
EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA. POSSIBILIDADE.
SENTENÇA CONDENATÓRIA CONFIRMADA POR ESTA CORTE DE
JUSTIÇA. PRECLUSÃO DA MATÉRIA FÁTICA. NOVA ORIENTAÇÃO
DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (HC N. 126.292/SP) ADOTADA
POR ESTA CÂMARA CRIMINAL (AUTOS N.
0000516-81.2010.8.24.0048). TRANSMUDAÇÃO DOS FUNDAMENTOS
DA PRISÃO, QUE PASSA DE SEGREGAÇÃO CAUTELAR PARA A DE
CUMPRIMENTO DE ACÓRDÃO PENAL CONDENATÓRIO.
RECURSO CONHECIDO E PROVIDO" (fls. 254-255).

No presente writ, a impetrante alega, em síntese, que haveria evidente


constrangimento ilegal na condenação do paciente pelo crime de desobediência, uma vez que a
jurisprudência desta Corte Superior seria pacífica no sentido de ser atípica a conduta de
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desobedecer ordem policial de parada no trânsito, pois haveria previsão de sanção
administrativa para a conduta, sem a necessária ressalva de que a conduta também seria ilícito
penal.

Sustenta que o crime de desobediência seria um delito subsidiário,


considerando a existência de sanção administrativa no art. 195 do Código de Trânsito
Brasileiro para punir aquele que não obedece ordem de parada.

Aduz que "havendo previsão de gravames jurídicos específicos para a


conduta de não parar o veículo quando interpelado no trânsito por policial, entre elas
sanção de natureza administrativa (Lei 9.503/97, art. 195), sem ressalva legal expressa
autorizando a cumulação de sanção penal, não há falar em crime de desobediência" (fl.
6).

Ademais, sustenta que "é atípica a conduta de não atender à ordem de


parada no trânsito para evitar a prisão em flagrante, porque sua criminalização
conflitaria verticalmente com o direito fundamental ao silêncio e de não produzir prova
contra si mesmo" (fl. 6), e que "o Paciente não tinha o dever jurídico de obedecer à
ordem de parada, já que se encontrava em situação de flagrante (pelo porte de arma,
com numeração suprimida), não lhe sendo exigível produzir prova contra si mesmo" (fl.
6).

Alega que "o próprio ordenamento jurídico não só tolera, mas erige ao
status de direito fundamental a conduta do indivíduo voltada a preservar a sua
liberdade, ainda que tenha praticado (ou esteja praticando) um ilícito. O direito ao
silêncio, previsto no art. 5.°, LXIII, da Constituição, e o direito de não produzir prova
contra si mesmo (nemo tenetur se detegere), previsto no art. 8.º, 2, g, da Convenção
Americana sobre Direitos Humanos, são justamente a consagração do direito do
indivíduo de preservar seu status libertatis. Parece evidente que criminalizar a conduta
do indivíduo que não obedece à ordem policial e empreende fuga justamente por estar
praticando um ilícito – exigindo-se dele que pare, se entregue e produza prova contra si
mesmo – contrasta com as referidas garantias fundamentais" (fls. 6-7).

A impetrante afirma ainda que "uma interpretação conforme a Convenção

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Americana sobre Direitos Humanos torna imperativa a impossibilidade de subsumir o
não cumprimento à ordem de parada policial no trânsito para evitar sua prisão em
flagrante ao tipo penal previsto no art. 330 do Código Penal" (fl. 8).

Ressalta que a conduta também seria atípica por ausência de dolo, vez que se
trata de ação praticada de forma instintiva e no exercício do direito de autodefesa, não
havendo intenção específica de desprestigiar ou atentar contra a Administração Pública.

Por fim, quanto ao delito de porte ilegal de arma de fogo, aduz que o paciente
faria jus à compensação integral da agravante da reincidência com a atenuante da confissão
espontânea, nos termos da jurisprudência desta Corte Superior.

Requer, ao final, a concessão da ordem para que o paciente seja absolvido pelo
delito de desobediência e que seja integralmente compensada, no crime de porte ilegal de arma
de fogo, a agravante da reincidência com a atenuante da confissão espontânea.

Pedido liminar indeferido às fls. 286-287.

Informações prestadas às fls. 296-333.

O d. representante do Ministério Público Federal, às fls. 337-345,


manifestou-se pelo não conhecimento do writ, mas pela concessão da ordem de ofício "para
absolver o paciente da inculpação do tipo previsto no art. 330, do Código Penal, e
redimensionar a pena fixada para o delito de porte ilegal de arma de fogo, a partir da
compensação da reincidência com a confissão" (fl. 345).

É o relatório.

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EMENTA

PENAL E PROCESSUAL PENAL.


HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE
RECURSO ESPECIAL. NÃO CABIMENTO.
DESOBEDIÊNCIA. ART. 330 DO CÓDIGO
PENAL. ORDEM DE PARADA EMANADA DE
POLICIAIS MILITARES NO EXERCÍCIO DE
ATIVIDADE OSTENSIVA. ORDEM NÃO
DIRIGIDA POR AUTORIDADE DE TRÂNSITO E
NEM DE SEUS AGENTES. INOCORRÊNCIA DA
INFRAÇÃO DE TRÂNSITO PREVISTA NO ART.
195 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO.
TIPICIDADE DA CONDUTA. DESOBEDIÊNCIA
E FUGA. SUPOSTO EXERCÍCIO DO DIREITO
DE AUTODEFESA E DE NÃO
AUTOINCRIMINAÇÃO. DIREITOS NÃO
ABSOLUTOS. IMPOSSIBILIDADE DE
INVOCAÇÃO PARA A PRÁTICA DE DELITOS.
AUSÊNCIA DE DOLO. REEXAME DA MATÉRIA
FÁTICO-PROBATÓRIA. COMPENSAÇÃO DA
REINCIDÊNCIA COM ATENUANTE DA
CONFISSÃO NO CRIME DE PORTE ILEGAL DE
ARMA DE FOGO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA.
HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo
entendimento firmado pela Primeira Turma do col.
Pretório Excelso, firmou orientação no sentido de não
admitir a impetração de habeas corpus em substituição
ao recurso adequado, situação que implica o não
conhecimento da impetração, ressalvados casos
excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade
apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a
concessão da ordem de ofício.
II - Segundo jurisprudência deste Tribunal
Superior, a desobediência de ordem de parada dada
pela autoridade de trânsito ou por seus agentes, ou
mesmo por policiais ou outros agentes públicos no
exercício de atividades relacionadas ao trânsito, não
constitui crime de desobediência, pois há previsão de
sanção administrativa específica no art. 195 do Código
de Trânsito Brasileiro, o qual não estabelece a
possibilidade de cumulação de sanção penal. Assim, em
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razão dos princípios da subsidiariedade do Direito Penal
e da intervenção mínima, inviável a responsabilização da
conduta na esfera criminal.
III - No presente caso, contudo, a ordem de
parada não foi dada pela autoridade de trânsito e nem
por seus agentes, mas por policiais militares no
exercício de atividade ostensiva, destinada à prevenção
e à repressão de crimes, que foram acionados para
fazer a abordagem do paciente, em razão de atividade
suspeita por ela apresentada, conforme restou
expressamente consignado no v. acórdão impugnado.
Desta forma, não restou configurada a hipótese de
incidência da regra contida no art. 195 do Código de
Trânsito Brasileiro e, por conseguinte, do entendimento
segundo o qual não seria possível a responsabilização
criminal do paciente pelo delito de desobediência
tipificado no art. 330 do Código Penal.
IV - Os direitos ao silêncio e de não produzir
prova contra si mesmo não são absolutos, razão pela
qual não podem ser invocados para a prática de outros
delitos. Embora por fatos diversos, aplica-se ao
presente caso a mesma solução jurídica decidida pela
Terceira Seção desta Corte Superior quando do
julgamento do REsp n. 1.362.524/MG, submetido à
sistemática dos recursos repetitivos, no qual foi fixada a
tese de que "típica é a conduta de atribuir-se falsa
identidade perante autoridade policial, ainda que em
situação de alegada autodefesa".
V - Inviável o reconhecimento da atipicidade da
conduta por ausência de dolo uma vez que restou
expressamente consignado no v. acórdão combatido
que o paciente, de forma consciente e deliberada,
desobedeceu a ordem de parada dada pelos policiais
militares. Rever o entendimento do eg. Tribunal de
origem para afastar o dolo do paciente demandaria,
necessariamente, amplo reexame da matéria
fático-probatória, procedimento que, a toda evidência,
é incompatível com a estreita via do mandamus.
VI - O pedido de compensação integral entre a
agravante da reincidência com a atenuante da confissão
não foi apreciado pelo eg. Tribunal de origem, ficando
impedida esta Corte de proceder a análise da matéria,
sob pena de indevida supressão de instância.
Habeas corpus não conhecido.
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Superior Tribunal de Justiça

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO FELIX FISCHER: A Terceira Seção desta


Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, firmou
orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas corpus em substituição ao
recurso adequado, situação que implica o não-conhecimento da impetração, ressalvados casos
excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja
possível a concessão da ordem de ofício.

Dessarte, passo ao exames das razões veiculadas no mandamus.

O art. 195 do Código de Trânsito Brasileiro estabelece que constitui infração


grave, punível com multa, desobedecer às ordens emanadas da autoridade competente de
trânsito ou de seus agentes, in verbis:

"Art. 195. Desobedecer às ordens emanadas da autoridade competente de


trânsito ou de seus agentes:
Infração - grave;
Penalidade - multa."

Nota-se, pois, que para a configuração de referida infração administrativa de


trânsito a ordem deve emanar da autoridade de trânsito ou de seus agentes.

Segundo jurisprudência deste Tribunal Superior, a desobediência à ordem de


parada emitida pela autoridade de trânsito ou por seus agentes, ou mesmo por policiais ou
outros agentes públicos no exercício de atividades relacionadas ao trânsito, não constitui crime
de desobediência, pois prevista sanção administrativa específica no art. 195 do Código de
Trânsito Brasileiro, o qual não estabelece a possibilidade de cumulação de sanção penal.
Assim, em razão dos princípios da subsidiariedade do Direito Penal e da intervenção mínima,
inviável a responsabilização da conduta na esfera criminal.

Nesse sentido os seguintes julgados desta Corte Superior:

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"HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO.
INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. DESOBEDIÊNCIA E TRÁFICO
DE DROGAS. PACIENTE CONDENADO, RESPECTIVAMENTE, ÀS
PENAS DE 15 DIAS DE DETENÇÃO, EM REGIME ABERTO, E 2 ANOS
E 6 MESES DE RECLUSÃO, EM REGIME SEMIABERTO. PLEITO DE
RECONHECIMENTO DA ATIPICIDADE DA CONDUTA
DESCRITA NO ART. 330 DO CP. ACOLHIMENTO. ATIPICIDADE
EVIDENCIADA. PEDIDO DE FIXAÇÃO DO REGIME ABERTO E
APLICAÇÃO DO ART. 44 DO CP. INVIABILIDADE.
FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. QUANTIDADE E NOCIVIDADE DA
DROGA APREENDIDA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM
CONCEDIDA DE OFÍCIO.
[...]
- Em atenção ao princípio de intervenção mínima do
Direito Penal - ultima ratio -, esta Corte tem entendido que, para
configurar o crime de desobediência (art. 330 do Código Penal), não
basta o descumprimento de ordem legal emanada por funcionário
público competente, é indispensável que inexista sanção
administrativa ou civil determinada em lei específica no caso de
descumprimento do ato.
- No caso, infere-se que o paciente não obedeceu à ordem
legal dos policiais rodoviários federais para que parasse, conduta
esta prevista pelo Código de Trânsito Brasileiro em seu art. 195. Assim,
havendo previsão, na seara administrativa, para a conduta do cidadão
que não obedece à ordem de parada do agente de trânsito, gênero do
qual é espécie o policial rodoviário federal, e não sendo cumulada a
possibilidade da infração administrativa com a de natureza penal, não
há que se falar na tipificação do delito descrito no art. 330 do CP.
Precedentes.
[...]
- Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de
ofício, apenas para absolver o paciente da conduta descrita no art. 330
do Código Penal, mantidos os demais termos da condenação" (HC n.
348.265/SC, Quinta Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe
de 26/8/2016, grifei).

"HABEAS CORPUS. SUCEDÂNEO DO RECURSO


ADEQUADO. INADMISSIBILIDADE. FLAGRANTE ILEGALIDADE.
EXISTÊNCIA. PROCESSUAL PENAL. CONDENAÇÃO PELO
DELITO DE DESOBEDIÊNCIA. ATIPICIDADE. INFRAÇÃO DE
TRÂNSITO (ART. 195 DO CTB). NATUREZA ADMINISTRATIVA.
RESSALVA DE SANÇÃO PENAL. INEXISTÊNCIA. DOSIMETRIA.
FIXAÇÃO DA PENA-BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL.
CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL CONSIDERADA NEGATIVA. CONDUTA
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SOCIAL DO PACIENTE. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA.
REVOLVIMENTO DO ACERVO FÁTICO-PROBATÓRIO. VEDAÇÃO.
CONSTRANGIMENTO ILEGAL. AUSÊNCIA.
1. O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de
Justiça não têm mais admitido o habeas corpus como sucedâneo do meio
processual adequado, seja o recurso ou a revisão criminal, salvo em
situações excepcionais, o que é o caso dos autos.
2. Para a configuração do delito de desobediência, salvo se
a lei ressalvar expressamente a possibilidade de cumulação da sanção de
natureza civil ou administrativa com a de natureza penal, não basta
apenas o não cumprimento de ordem legal, sendo indispensável que,
além de legal a ordem, não haja sanção determinada em lei específica
no caso de descumprimento (HC n. 22.721/SP, Ministro Felix Fischer,
Quinta Turma, DJ 30/6/2003). Precedentes.
3. Necessária se faz, portanto, a reforma do acórdão
recorrido para restabelecer a sentença de primeiro grau, que absolveu o
paciente quanto ao crime de desobediência previsto no art. 330 do Código
Penal.
[...]
6. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício,
para cassar o acórdão recorrido e restabelecer a sentença de primeiro
grau no ponto que absolveu o ora paciente pelo crime de desobediência"
(HC n. 186.718/RJ, Sexta Turma, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, DJe de
6/9/2013, grifei).

Também nesse sentido as decisões da em. Ministra Maria Thereza de Assis


Moura no REsp n. 1.574.829/PR e no REsp. n. 1.630.708/SC, e do em. Ministro Jorge
Mussi no REsp n. 1.594.495/PR.

No presente caso, contudo, a ordem de parada não foi dirigida por


autoridade de trânsito e nem por seus agentes, mas por policiais militares no exercício de
atividade ostensiva, destinada à prevenção e à repressão de crimes, que foram acionados para
fazer a abordagem do paciente, em razão de atividade suspeita, conforme restou
expressamente consignado no v. acórdão impugnado. Destacam-se os seguintes trechos do
voto condutor do v. acórdão combatido:

"Pelo que se infere dos autos, em 20 de maio de 2015, por volta das 16h,
na Avenida 1° de maio, Lages, o apelante, na companhia de Aline Daniele Correa,
trafegava no veículo Fiat/Uno, placas LXF5059, oportunidade em que desobedeceu
ordem de parada emanada por policiais militares de dentro de viatura, na medida em
que empreendeu fuga.
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Em seguida, enquanto era perseguido pela polícia, na rua Artur da Costa e
Silva, dispensou através da janela do veículo 1 (um) revólver calibre .38, marca Rossi,
numeração suprimida, municiado com 6 (seis) cartuchos.
[...]
No que concerne ao objeto do recurso, durante a etapa administrativa, o
policial militar Leonardo Luis Pandolfo informou (fl. 8):
[...] que por volta das 16h30min foram acionados pela Agência de
Inteligência da Polícia Militar, para realizarem abordagem ao veículo Fiat/Uno, de
placas LXF 8059, o qual já estava sendo monitorado e estava em atitude suspeita; que
a abordagem foi realizada na Avenida 1º de maio, contudo, diante da ordem de
parada, o dito veículo evadiu-se do local; que então foi iniciado acompanhamento do
veículo, o qual estava ocupado por duas pessoas; que o veículo transitou por diversas
ruas, momento em que visualizou que foi dispensado da janela do carona um objeto de
cor escura, especificamente na Rua Artur da Costa e Silva; que foi repassado via rádio a
situação, tendo outra guarnição recolhido o objeto, se tratando de um revólver calibre
.38, municiado com seis cartuchos; que o veículo continuou em fuga, sendo finalmente
abordado na rua Guilherme de Almeida, bairro Caravágio; que o condutor foi
identificado como Glauco Robertson Pereira de Jesus e a carona, sua esposa, Aline
Daniele Correa, os quais negaram a respeito da arma de fogo; [...].
No mesmo sentido, o policial Mauro Orvides Poerner, na delegacia,
declarou que a abordagem ocorreu na Avenida 1º de maio, porém o apelado se evadiu
do local, razão pela qual iniciaram o acompanhamento (fl. 9).
Em juízo, foram colhidos os seguintes depoimentos, conforme excerto da
sentença que ora se colaciona (fl. 168):
O miliciano [Leonardo], sob o crivo do contraditório, igualmente
confirmou suas declarações, relatando novamente que o acusado dispensou o revolver
pela janela de seu veículo, antes de ser alcançado pela viatura (registro audiovisual de
fl. 161):
(omissis)
Do contexto fático-probatório apresentado, verifica-se que policiais
militares, no exercício da atividade ostensiva, isto é, na repressão de crimes,
acionados pela guarnição da inteligência, emitiram ordem de parada ao apelado, que,
no entanto, desobedeceu-a e empreendeu fuga no veículo que conduzia.
Com efeito, os relatos dos agentes públicos foram firmes e uníssonos
sobre a atitude de desrespeito ao comando policial e a negativa de autoria, além de
desacompanhada de qualquer elemento probatório, a despeito do ônus defensivo (art.
156 do Código de Processo Penal), não apresenta verossimilhança, uma vez que,
justamente por ter ciência que a polícia o perseguia após a determinação de parada, o
apelado decidiu se desfazer do artefato bélico; do contrário, não haveria motivos para
tanto.
Acerca da tipicidade, entende-se que a conduta do apelado não se
ampara no princípio da autodefesa, porque, como os demais, o direito a não
autoincriminação não é absoluto e encontra limite na prática de outros crimes.
Diferentemente das possibilidades de permanecer em silêncio, de não
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submissão a procedimentos investigatórios invasivos e de não comparecimento no ato de
interrogatório, a desobediência à ordem de parada não se justifica como manifestação
do direito de defesa.
Aliás, se um criminoso não devesse acatar a ordem de parada,
afigurar-se-ia dificultada ou inviabilizada a apuração da infração penal precedente e
não se revelaria isonômico e proporcional exigir tal postura e punir por desobediência
alguém que não cometeu qualquer delito anterior.
Desse modo, admitir que indivíduo investigado, condenado ou em
flagrante delito não deva se submeter à ordem de funcionário público por constituir
direito de defesa seria estimular a impunidade e dificultar ou impedir o exercício da
atividade policial e, consequentemente, da segurança pública.
Ressalta-se, nesse ponto, que a existência de infração administrativa para
o caso (art. 195 do Código de Trânsito Brasileiro) não impede a configuração do delito,
dada a independência entre as esferas punitivas.
Na hipótese, ademais, os policiais militares não agiam como agentes de
trânsito, mas na função da repressão criminal, tendo em vista que foram acionados
pela inteligência, circunstância que reforça a necessidade de sanção penal, sob pena
de não se impor qualquer uma delas" (fls. 257-260, grifei).

Desta forma, não restou configurada a hipótese de incidência da regra contida


no art. 195 do Código de Trânsito Brasileiro e, por conseguinte, do entendimento segundo o
qual não seria possível a responsabilização criminal do paciente pelo delito de desobediência
tipificado no art. 330 do Código Penal.

Sobre a tipificação do delito de desobediência no caso de não atendimento a


ordem de parada emitida por policial no exercício da atividade ostensiva de combate ao crime,
confiram-se os seguintes julgados:

"PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS


SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO.INADEQUAÇÃO.
HOMICÍDIO TENTADO, DESOBEDIÊNCIA E CONDUÇÃO DE
VEÍCULO AUTOMOTOR GERANDO PERIGO DE DANO. PRISÃO
PREVENTIVA. MODUS OPERANDI. REITERAÇÃO DELITIVA.
NECESSIDADE DE GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E
CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL.
CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. WRIT NÃO
CONHECIDO.
1. Esta Corte e o Supremo Tribunal Federal pacificaram
orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do
recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não
conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de
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flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado, o que não ocorre no caso.
2. Havendo prova da existência do crime e indícios
suficientes de autoria, a prisão preventiva, nos termos do art. 312 do
Código de Processo Penal, poderá ser decretada para garantia da ordem
pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou
para assegurar a aplicação da lei penal.
3. Hipótese em que ao paciente foi imputado os crimes de
homicídio tentado, desobediência e de condução de veículo automotor
gerando perigo de dano, pois, segundo a denúncia, as vítimas, policiais
militares, realizavam patrulhamento preventivo, ocasião em que se
depararam com o veículo Ford Corrier, conduzido pelo denunciado,
pessoa já conhecida dos meios policiais por seu envolvimento em
crimes nesta cidade. O veículo empreendeu fuga, iniciando-se
perseguição com a viatura policial. Ato contínuo, o denunciado
realizou manobra e emparelhou a viatura policial e efetuou dois
disparos de arma de fogo contra os policiais, não atingindo por erro na
pontaria. Além de ter tentado se esconder em estabelecimento
comercial.
[...]
5. Habeas corpus não conhecido" (HC n. 355.894/SP, Quinta
Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe de 20/9/2016, grifei).

"AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO


ESPECIAL. 1. OFENSA AO PRINCÍPIO DO COLEGIADO.
INOCORRÊNCIA. 2. PENA-BASE. EXAME DE PROVA. 3.
CONDENAÇÃO ANTERIOR TRANSITADA EM JULGADO. 4.
DESOBEDIÊNCIA. PERSEGUIÇÃO POLICIAL. ABSOLVIÇÃO. SÚM.
7/STJ. 5. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1- O julgamento monocrático do recurso especial encontra
previsão no art. 557 do CPC e no art. 3º do CPP, não havendo se falar em
ofensa ao princípio da colegialidade. Ademais, a interposição de agravo
regimental, com a devolução da matéria recursal ao órgão colegiado
supera eventual ofensa ao aludido postulado.
[...]
4 - A conduta imputada a ALEXANDER DE OLIVEIRA
DA SILVA, que dirigindo motocicleta recusou-se a atender ordem de
parar proferida por policiais federais, amolda-se ao tipo penal do art.
330 do CP.
Rever tal entendimento implica em exame aprofundado do
material fático-probatório, inviável em recurso especial.
5 - Agravo regimental improvido" (AgRg no AREsp n.
525.423/RJ, Quinta Turma, Rel. Min. Leopoldo de Arruda Raposo -
Desembargador convocado do TJ/PE, DJe de 13/5/2015, grifei).
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Superior Tribunal de Justiça

Não há que se falar em atipicidade da conduta pelo exercício do direito ao


silêncio e de não produzir prova contra si mesmo, o que supostamente justificaria a fuga
empreendida pelo paciente para evitar sua prisão em flagrante.
Com efeito, os direitos ao silêncio e de não produzir prova contra si mesmo não
são absolutos, razão pela qual não podem ser invocados para a prática de outros delitos.
Embora por fatos diversos, aplica-se ao presente caso a mesma solução
jurídica apresentada pela Terceira Seção desta Corte Superior quando do julgamento do REsp
n. 1.362.524/MG, submetido à sistemática dos recursos repetitivos, no qual foi fixada a tese
de que "típica é a conduta de atribuir-se falta identidade perante autoridade policial,
ainda que em situação de alegada autodefesa".
Vale dizer, o exercício da autodefesa não pode ser invocado para autorizar e
nem justificar o cometimento de outros delitos.

Referida tese também é adotada pelo excelso Supremo Tribunal Federal,


conforme se nota do RE n. 640.139/DF, julgado com repercussão geral, cuja acórdão restou
assim ementado:

"EMENTA CONSTITUCIONAL. PENAL. CRIME DE


FALSA IDENTIDADE. ARTIGO 307 DO CÓDIGO PENAL. ATRIBUIÇÃO
DE FALSA INDENTIDADE PERANTE AUTORIDADE POLICIAL.
ALEGAÇÃO DE AUTODEFESA. ARTIGO 5º, INCISO LXIII, DA
CONSTITUIÇÃO. MATÉRIA COM REPERCUSSÃO GERAL.
CONFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DA CORTE NO SENTIDO DA
IMPOSSIBILIDADE. TIPICIDADE DA CONDUTA CONFIGURADA. O
princípio constitucional da autodefesa (art. 5º, inciso LXIII, da CF/88) não
alcança aquele que atribui falsa identidade perante autoridade policial
com o intento de ocultar maus antecedentes, sendo, portanto, típica a
conduta praticada pelo agente (art. 307 do CP). O tema possui densidade
constitucional e extrapola os limites subjetivos das partes" (RE n. 640.139
RG/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 14/10/2011).

Quanto à atipicidade da conduta por ausência de dolo, razão também não


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assiste à impetrante, pois restou expressamente consignado no v. acórdão combatido que o
paciente, de forma consciente e deliberada, desobedeceu a ordem de parada emitida pelos
policiais militares, exatamente para não ser penalizado pela conduta criminosa de portar arma
de fogo. Destaco o seguinte trecho do voto condutor do v. acórdão combatido:

"Do contexto fático-probatório apresentado, verifica-se que policiais


militares, no exercício da atividade ostensiva, isto é, na repressão de crimes,
acionados pela guarnição da inteligência, emitiram ordem de parada ao apelado, que,
no entanto, desobedeceu-a e empreendeu fuga no veículo que conduzia.
Com efeito, os relatos dos agentes públicos foram firmes e uníssonos
sobre a atitude de desrespeito ao comando policial e a negativa de autoria, além de
desacompanhada de qualquer elemento probatório, a despeito do ônus defensivo (art.
156 do Código de Processo Penal), não apresenta verossimilhança, uma vez que,
justamente por ter ciência que a polícia o perseguia após a determinação de parada, o
apelado decidiu se desfazer do artefato bélico; do contrário, não haveria motivos para
tanto" (fl. 259, grifei).

Ademais, rever o entendimento do eg. Tribunal de origem para afastar o dolo


do paciente demandaria, necessariamente, amplo reexame da matéria fático-probatória,
procedimento que, a toda evidência, é incompatível com a estreita via do mandamus. Nesse
sentido o seguinte julgado desta Corte Superior:

"PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM


HABEAS CORPUS. CRIME MILITAR DE DESOBEDIÊNCIA. ARTIGO
163 DO CPM. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. FALTA DE JUSTA
CAUSA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. AUSÊNCIA DE DOLO. EXAME
APROFUNDADO DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO.
NECESSIDADE. MATÉRIA INCABÍVEL NA VIA ELEITA. RECURSO
DESPROVIDO.
1. O trancamento da ação penal em sede de recurso
ordinário em habeas corpus é medida excepcional, somente se justificando
se demonstrada, inequivocamente, a ausência de autoria ou materialidade,
a atipicidade da conduta, a absoluta falta de provas, a ocorrência de
causa extintiva da punibilidade ou a violação dos requisitos legais exigidos
para a exordial acusatória, o que não se verificou na espécie.
2. A alegação de falta justa causa, consubstanciada na
atipicidade da conduta e na ausência de dolo, não relevada primo oculi,
demanda inexoravelmente revolvimento de matéria fático-probatória, não
condizente com a via angusta do recurso ordinário, devendo, pois, ser
avaliada pelo Juízo a quo por ocasião da prolação da sentença, após a
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devida e regular instrução criminal, sob o crivo do contraditório.
3. Recurso a que se nega provimento" (RHC n. 49.383/RR,
Sexta Turma, Relª. Minª. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de
4/2/2015).

Por fim, quanto ao pedido de compensação integral da agravante da


reincidência com a atenuante da confissão espontânea, no crime de porte ilegal de arma de
fogo, nota-se que a matéria não foi analisada pelo eg. Tribunal de origem quando do
julgamento do recurso de apelação interposto pelo Ministério Público.

Verifica-se que o recurso de apelação foi interposto apenas pela acusação, e


em relação ao crime de porte ilegal de arma de fogo, o eg. Tribunal de origem limitou-se a
analisar o regime inicial de cumprimento de pena, objeto do apelo acusatório, não se
manifestando sobre a sanção cominada.

Desta forma, inviável sua apreciação diretamente por esta Corte Superior, sob
pena de indevida supressão de instância. Nesse diapasão o seguinte julgado:

"HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO.


DESCABIMENTO. TRÁFICO DE DROGAS. DOSIMETRIA.
CONFISSÃO ESPONTÂNEA. REINCIDÊNCIA. COMPENSAÇÃO.
SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. PENA-BASE ACIMA DO MÍNIMO
LEGAL EM RAZÃO DA NATUREZA, DIVERSIDADE E QUANTIDADE
DE ENTORPECENTE (5,175kg DE CRACK E 676,4g DE MACONHA).
CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DE PENA (§ 4º DO ART. 33 DA
LEI N. 11.343/06) NÃO APLICADA. CIRCUNSTÂNCIAS DO DELITO
INDICATIVAS DE QUE O PACIENTE SE DEDICAVA A ATIVIDADES
CRIMINOSAS. INEXISTÊNCIA DE BIS IN IDEM. WRIT NÃO
CONHECIDO.
[...]
2. A questão atinente à possibilidade de compensar a
agravante da reincidência com a atenuante da confissão espontânea
não foi submetida ou apreciada pelo Tribunal de origem, o que obsta
a sua análise por esta Corte Superior, sob risco de se incorrer em
indesejável supressão de instância. Precedentes.
3. A pena-base foi aumentada com fundamento na natureza,
diversidade e quantidade de droga, nos termos do art. 42 da Lei n.
11.343/06, e a causa de diminuição de pena prevista no § 4º do art. 33
desta Lei deixou de ser aplicada em razão das circunstâncias do delito,
as quais revelaram o profundo envolvimento do paciente com o tráfico
ilícito de entorpecentes, inviabilizando a concessão do benefício.
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Inexistência de bis in idem.
Habeas corpus não conhecido" (HC n. 348.463/SP, Quinta
Turma, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, DJe de 28/10/2016, grifei).

Ante o exposto, não conheço do habeas corpus.

É o voto.

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CERTIDÃO DE JULGAMENTO
QUINTA TURMA

Número Registro: 2016/0226409-3 HC 369.082 / SC


MATÉRIA CRIMINAL

Números Origem: 0004387720158240039 4387720158240039

EM MESA JULGADO: 27/06/2017

Relator
Exmo. Sr. Ministro FELIX FISCHER
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. ANTÔNIO AUGUSTO BRANDÃO DE ARAS
Secretário
Me. MARCELO PEREIRA CRUVINEL

AUTUAÇÃO
IMPETRANTE : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SANTA CATARINA
ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SANTA CATARINA
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA
PACIENTE : GLAUCO ROBERTSON PEREIRA DE JESUS (PRESO)

ASSUNTO: DIREITO PENAL - Crimes Previstos na Legislação Extravagante - Crimes do Sistema


Nacional de Armas

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia QUINTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão
realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
"A Turma, por unanimidade, não conheceu do pedido."
Os Srs. Ministros Jorge Mussi, Reynaldo Soares da Fonseca, Ribeiro Dantas e Joel Ilan
Paciornik votaram com o Sr. Ministro Relator.

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