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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUÍZ DE DIREITO DA 1ª VARA

CRIMINAL DA COMARCA DE SÃO PAULO – SP

Proc. nº. xxx.xxxxx.xxxx.xxxx-xx


Autor: Ministério Público do Estado de São Paulo
Acusado: Fulano de Tal

FULANO DE TAL, devidamente qualificado nos autos em epígrafe, por


intermédio de seu advogado que este subscreve (procuração anexa), vem,
respeitosamente, à honrosa presença de Vossa Excelência, interpor,
tempestivamente,
RECURSO DE APELAÇÃO
com fulcro no art. 593, I, do Código de Processo Penal, por não se conformar
com a r. sentença de fls. xx/xx.

Requer o recebimento e processamento do presente recurso, com a


remessa das razões recursais em anexo, ao Egrégio Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo/SP.

Termos em que,
Pede Deferimento.

São Paulo/SP e Data.


Nome do Advogado
OAB/__ Nº _____
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE
DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Apelante: Fulano de Tal


Apelado: JUSTIÇA PÚBLICA
Processo Crime nº ........

RAZÕES DE APELAÇÃO

EGRÉGIO TRIBUNAL,
COLENDA CÂMARA,
ÍNCLITOS JULGADORES,

A respeitável sentença de fls. xx/xx, condenou o Apelante a uma pena


de 5 anos de reclusão com fundamento no artigo 33, caput, Lei nº 11.343/06,
entendendo que o laudo preliminar poderia ser utilizado para fins de
condenação em substituição ao lado definitivo, e que não haveria nulidade pelo
fato de os policiais terem ingressado no domicílio sem mandado e sem
consentimento expresso do morador, sendo mera irregularidade. Além disso,
decidiu-se por não aplicar a causa de diminuição prevista no artigo 33,
parágrafo 4º, Lei nº 11.343/06, em razão da quantidade elevada de drogas que
fora encontrada. Por fim, fixou o regime inicial fechado, forte na ideia de que o
crime em testilha é equiparado a hediondo, na forma da Lei nº 8.072/90, artigo
2º, parágrafo 1º.
Ocorre que a sobredita sentença, data máxima vênia, não merece
prosperar, como será exaustivamente demonstrado, sendo certo que sua
reforma é medida que se impõe, uma vez que os fundamentos ali entabulados
são por demais desarrazoados e desproporcionais, portanto, inadequados do
ponto de vista jurídico a lastreá-la.

1- DA TEMPESTIVIDADE

O Recurso é tempestivo, consoante os dispostos nos artigos 593 e 798


ambos do Código de Processo Penal. O patrono do Recorrente, foi intimado
em 10/06/2022 (sexta-feira), tendo como último dia do prazo 17/06/2022.
Portanto, tempestivo o presente recurso que objetiva reformar a r. Decisão do
Juízo “a quo”.

2. SÍNTESE DOS FATOS

Conforme narrado nos autos, Fulano de tal, brasileiro, solteiro, carteira


de identidade número xxx, residente e domiciliado na rua xxx, nesta capital, foi
flagrado dentro de sua residência com vários comprimidos de ecstasy.
Também chamado de droga do amor.
Os policiais civis que estavam fazendo a investigação, lastreada em
denúncia anônima, entraram em sua residência sem mandado judicial,
valendo-se do conceito de que o crime é classificado como permanente,
podendo o flagrante ser dado a qualquer momento e sem autorização judicial.
Ademais, ingressaram na residência sem qualquer consentimento do
morador.
Com sua prisão em flagrante, o Apelante fora encaminhado para a
audiência de custódia que fora realizada um mês depois do fato.
Houve requerimento de relaxamento da prisão em flagrante, tendo em
vista que ela não fora feita de forma legal, uma vez que se descumpriu o art.
310, caput, CPP, que exige o prazo de 24 horas para a sua realização, bem
como não estavam presentes os requisitos da prisão preventiva, forte, ainda,
que a investigação tenha sido lastreada em denúncia anônima e o flagrante foi
feito sem observar os balizamentos jurisprudenciais de consentimento do
morador.
Todavia, o magistrado entendeu por bem decretar a prisão preventiva,
entendendo que o prazo de 24 horas é considerado impróprio e não merece
ser seguido à risca, além disso, corroborou as declarações do Ministério
Público de que o acusado é rico e isso pode ensejar a prisão com base na
garantia da ordem pública, além disso ele poderia fugir do país e ameaçar
testemunhas, em razão da sua excelente condição financeira.
Após, o magistrado entendeu que, por tratar-se de crime permanente, o
flagrante poderia ser dado a qualquer tempo, independentemente de
autorização judicial, e que a inexistência de consentimento do morador para o
ingresso em sua residência constitui mera irregularidade.
Dessa forma, o réu foi preso preventivamente na cidade de São
Paulo/SP, enviando-se os autos para o Delegado de Polícia responsável, tendo
sido o feito distribuído para o juiz da 1ª Vara Criminal da Capital.
Cumpre ressaltar que não houve indiciamento no prazo legal, já se
ultimando 90 dias de investigação, ultrapassando-se o prazo previsto no artigo
51 da Lei nº 11.343/06. Além disso, a autoridade policial não requereu a
realização do laudo definitivo.
Sendo assim, foi requerida a revogação da prisão preventiva, mas houve
o indeferimento e o Juiz determinou que o processo fosse para o Ministério
Público.
O Promotor de Justiça responsável pelo caso requereu que a autoridade
policial procedesse ao relatório final, o que foi feito com o respectivo
indiciamento.
Nesse diapasão, foi oferecida denúncia pelo crime previsto no artigo 33,
caput, da Lei nº 11.343/06, na forma do artigo 71, CP, pois foram encontrados
vários comprimidos na mesma ocasião fática.
Após, o Juiz determinou, na data de 28 de abril de 2022, quinta-feira,
que se intimasse a Defesa do acusado para apresentar a peça processual
cabível, sendo que tal intimação ocorrera em 29 de abril de 2022, sexta-feira.
Apresentada a defesa preliminar, o Magistrado recebeu a denúncia e
determinou a realização da audiência de instrução e julgamento.
Nessa audiência, seguindo os trâmites do artigo 57 da Lei nº 11.343/06,
o Juiz iniciou pela oitiva do acusado, depois ouviu as testemunhas de acusação
e de defesa.
Encerrada a instrução, o Ministério Público ofertou suas alegações finais
escritas em forma de memoriais e pediu a condenação do acusado pelo crime
do artigo 33, caput, Lei nº 11.343/06, na forma do artigo 71, CP, apontando que
a inexistência de laudo definitivo não impediria de imputar-se a condenação,
eis que o Juiz poderá valer-se do laudo preliminar ou de constatação.
Após a instrução, com a juntada dos memoriais escritos, o processo foi
concluso ao Magistrado que decidiu condenar o acusado a uma pena de 5
anos de reclusão com fundamento no artigo 33, caput, Lei nº 11.343/06,
entendendo que o laudo preliminar poderia ser utilizado para fins de
condenação em substituição ao lado definitivo, e que não haveria nulidade pelo
fato de os policiais terem ingressado no domicílio sem mandado e sem
consentimento expresso do morador, sendo mera irregularidade. Além disso,
decidiu-se por não aplicar a causa de diminuição prevista no artigo 33,
parágrafo 4º, Lei nº 11.343/06, em razão da quantidade elevada de drogas que
fora encontrada. Por fim, fixou o regime inicial fechado, forte na ideia de que o
crime em testilha é equiparado a hediondo, na forma da Lei nº 8.072/90, artigo
2º, parágrafo 1º.
Em síntese, são os fatos.

3 – PRELIMINARES
NULIDADE ABSOLUTA: INVASÃO DE DOMICÍLIO – Art. 5º, inciso XI, da
CF/88
A) DA PROVA OBTIDA POR MEIO ILÍCITO

Tece-se, aqui, um breve relato de como se deu a diligência policial que


prendeu o Apelante na posse de suposta quantidade de droga.
Revelam os autos que os policiais civis, que estavam fazendo a
investigação, lastreada em DENÚNCIA ANÔNIMA, entraram em sua
residência sem mandado judicial, valendo-se do conceito de que o crime é
classificado como permanente, podendo o flagrante ser dado a qualquer
momento e sem autorização judicial.
Ademais, ingressaram na residência sem qualquer consentimento
do morador.
    Nada obstante ter sido encontrado o Apelante dentro de sua
residência com vários comprimidos de ecstasy, é necessário destacar que, não
foram realizadas investigações prévias, tampouco elementos concretos, que
confirmassem a narcotraficância no seu interior. 
Por isso, mostra-se como ilícita a prova obtida com a invasão de
domicílio, sem a indicação de fundadas razões para isso.
O Apelante nega veementemente que possuía a quantidade de droga
informada em seu poder quando foi abordado pela polícia, no entanto,
confessa que faz uso de ecstasy, a também chamada droga do amor.
Como se vê, Nobres Julgadores, a presente ação penal está sendo
movida com supedâneo em um procedimento policial ilegal, uma vez que os
Policiais Militares responsáveis pela suposta prisão em flagrante, SEM
QUALQUER ORDEM JUDICIAL, invadiram a residência supracitada sem
nenhuma ordem legal.
Note-se, ainda, que o Apelante NEGOU que havia toda essa quantidade
de droga citada na denúncia com ele quando fora abordado pelos policiais, o
que significa que ENTRARAM NA RESIDÊNCIA APENAS EM RAZÃO DE
DENÚNCIA ANÔNIMA, em um ato de total abuso e ilegalidade, como se
vivêssemos em um regime ditatorial. 
Inadmissível que com base em uma simples denúncia anônima, erma de
elementos fundados da suspeita de tráfico, seja violado o direito da
inviolabilidade do domicílio, sem que tenha havido no local, por parte dos
policiais, prévia investigação, ou monitoramento ou campanas de modo a
ensejar entrar em domicílio sem mandado judicial. 
O que se percebe dos autos é que houve uma prisão com base apenas
em mera denúncia anônima infundada e carente de elementos aptos a
estender, a expandir, a dilatar uma diligência policial a ponto de se transformar
nesta ação penal. 
A partir da afronta à inviolabilidade de domicílio chegou-se à prisão do
Apelante em suposta posse de certa quantidade de droga, o que caracteriza
prova derivada de uma prova ilícita, germinando-se, portanto, a teoria dos
frutos da árvore envenenada, de tal modo que de outra forma a prova derivada
da ilícita não seria obtida de forma inevitável.
Em que pese eventual boa-fé dos policiais militares, não havia
elementos objetivos, seguros e racionais, que justificassem a invasão de
domicílio.
Assim, como decorrência da Doutrina dos Frutos da Árvore Envenenada
(ou venenosa, visto que decorre da fruits of the poisonous tree doctrine, de
origem norte-americana), consagrada no art. 5º, LVI, da nossa Constituição da
República, é nula a prova derivada de conduta ilícita - no caso, a
apreensão, após invasão desautorizada do domicílio do Acusado, - de
vários comprimidos de ecstasy -, pois evidente o nexo causal entre uma e
outra conduta, ou seja, entre a invasão de domicílio (permeada de ilicitude) e a
apreensão de drogas.
Como se vê, Vossas Excelências, a INVASÃO FOI ABSOLUTAMENTE
ILEGAL E EM TOTAL DESACORDO COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL,
que rege, em seu art. 5º, inciso XI, o seguinte: 
“Art. 5º - (...)
XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo
penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito
ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação
judicial;”.
Além disso, de acordo com o recente entendimento do STJ, policiais
devem gravar autorização de morador para entrada na residência, como pode
se observar pela ementa do seguinte julgado: 
“HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. FLAGRANTE.
DOMICÍLIO COMO EXPRESSÃO DO DIREITO À INTIMIDADE.
ASILO INVIOLÁVEL. EXCEÇÕES CONSTITUCIONAIS.
INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. INGRESSO NO DOMICÍLIO.
EXIGÊNCIA DE JUSTA CAUSA (FUNDADA SUSPEITA).
CONSENTIMENTO DO MORADOR. REQUISITOS DE VALIDADE.
ÔNUS ESTATAL DE COMPROVAR A VOLUNTARIEDADE DO
CONSENTIMENTO. NECESSIDADE DE DOCUMENTAÇÃO E
REGISTRO AUDIOVISUAL DA DILIGÊNCIA. NULIDADE DAS
PROVAS OBTIDAS. TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE
ENVENENADA. PROVA NULA. ABSOLVIÇÃO. ORDEM
CONCEDIDA. 
1. O art. 5º, XI, da Constituição Federal consagrou o direito
fundamental à inviolabilidade do domicílio, ao dispor que "a casa é
asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem
consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou
desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por
determinação judicial". 
1.1 A inviolabilidade de sua morada é uma das expressões do
direito à intimidade do indivíduo, o qual, sozinho ou na
companhia de seu grupo familiar, espera ter o seu espaço íntimo
preservado contra devassas indiscriminadas e arbitrárias,
perpetradas sem os cuidados e os limites que a
excepcionalidade da ressalva a tal franquia constitucional exige.
1.2. O direito à inviolabilidade de domicílio, dada a sua magnitude e
seu relevo, é salvaguardado em diversos catálogos constitucionais de
direitos e garantias fundamentais. Célebre, a propósito, a exortação
de Conde Chatham, ao dizer que: “O homem mais pobre pode em
sua cabana desafiar todas as forças da Coroa. Pode ser frágil, seu
telhado pode tremer, o vento pode soprar por ele, a tempestade pode
entrar, a chuva pode entrar, mas o Rei da Inglaterra não pode entrar!"
("The poorest man may in his cottage bid defiance to all the forces of
the Crown. It may be frail, its roof may shake, the wind may blow
through it, the storm may enter, the rain may enter, but the King of
England cannot enter!" William Pitt, Earl of Chatham. Speech, March
1763, in Lord Brougham Historical Sketches of Statesmen in the Time
of George III First Series (1845) v. 1). 
2. O ingresso regular em domicílio alheio, na linha de inúmeros
precedentes dos Tribunais Superiores, depende, para sua validade e
regularidade, da existência de fundadas razões (justa causa) que 
sinalizem para a possibilidade de mitigação do direito fundamental
em questão. É dizer, apenas quando o contexto fático anterior à
invasão permitir a conclusão acerca da ocorrência de crime no
interior da residência – cuja urgência em sua cessação demande
ação imediata – é que se mostra possível sacrificar o direito à
inviolabilidade do domicílio. 
2.1. Somente o flagrante delito que traduza verdadeira urgência
legitima o ingresso em domicílio alheio, como se infere da própria Lei
de Drogas (L. 11.343/2006, art. 53, II) e da Lei 12.850/2013 (art. 8º),
que autorizam o retardamento da atuação policial na investigação dos
crimes de tráfico de entorpecentes, a denotar que nem sempre o
caráter permanente do crime impõe sua interrupção imediata a fim de
proteger bem jurídico e evitar danos; é dizer, mesmo diante de
situação de flagrância delitiva, a maior segurança e a melhor
instrumentalização da investigação – e, no que interessa a este caso,
a proteção do direito à inviolabilidade do domicílio – justificam o
retardo da cessação da prática delitiva. 
2.2.  A autorização judicial para a busca domiciliar, mediante
mandado, é o caminho mais acertado a tomar, de sorte a se
evitarem situações que possam, a depender das circunstâncias,
comprometer a licitude da prova e, por sua vez, ensejar possível
responsabilização administrativa, civil e penal do agente da
segurança pública autor da ilegalidade, além, é claro, da
anulação – amiúde irreversível – de todo o processo, em prejuízo
da sociedade. 
3. O Supremo Tribunal Federal definiu, em repercussão geral (Tema
280), a tese de que: “A entrada forçada em domicílio sem
mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando
amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a
posteriori” (RE n. 603.616/RO, Rel. Ministro Gilmar Mendes, DJe
8/10/2010). Em conclusão a seu voto, o relator salientou que a
interpretação jurisprudencial sobre o tema precisa evoluir, de sorte a
trazer mais segurança tanto para os indivíduos sujeitos a tal medida
invasiva quanto para os policiais, que deixariam de assumir o risco de
cometer crime de invasão de domicílio ou de abuso de autoridade,
principalmente quando a diligência não tiver alcançado o resultado
esperado.
4.  As circunstâncias que antecederem a violação do domicílio
devem evidenciar, de modo satisfatório e objetivo, as fundadas
razões que justifiquem tal diligência e a eventual prisão em
flagrante do suspeito, as quais, portanto, não podem derivar de
simples desconfiança policial, apoiada, v. g., em mera atitude
“suspeita”, ou na fuga do indivíduo em direção a sua casa diante
de uma ronda ostensiva, comportamento que pode ser atribuído
a vários motivos, não, necessariamente, o de estar o abordado
portando ou comercializando substância entorpecente. 
5. Se, por um lado, práticas ilícitas graves autorizam eventualmente o
sacrifício de direitos fundamentais, por outro, a coletividade,
sobretudo a integrada por segmentos das camadas sociais mais
precárias economicamente, excluídas do usufruto pleno de sua
cidadania, também precisa sentir-se segura e ver preservados seus
mínimos direitos e garantias constitucionais, em especial o de não ter
a residência invadida e devassada, a qualquer hora do dia ou da
noite, por agentes do Estado, sem as cautelas devidas e sob a única
justificativa, não amparada em elementos concretos de convicção, de
que o local supostamente seria, por exemplo, um ponto de tráfico de
drogas, ou de que o suspeito do tráfico ali se homiziou. 
5.1. Em um país marcado por alta desigualdade social e racial, o
policiamento ostensivo tende a se concentrar em grupos
marginalizados e considerados potenciais criminosos ou usuais
suspeitos, assim definidos por fatores subjetivos, como idade, cor da
pele, gênero, classe social, local da residência, vestimentas etc.
 5.2. Sob essa perspectiva, a ausência de justificativas e de
elementos seguros a legitimar a ação dos agentes públicos – diante
da discricionariedade policial na identificação de suspeitos de práticas
criminosas – pode fragilizar e tornar írrito o direito à intimidade e à
inviolabilidade domiciliar, a qual protege não apenas o suspeito, mas
todos os moradores do local. 
5.3. Tal compreensão não se traduz, obviamente, em cercear a
necessária ação das forças de segurança pública no combate ao
tráfico de entorpecentes, muito menos em transformar o domicílio em
salvaguarda de criminosos ou em espaço de criminalidade. Há de se
convir, no entanto, que só justifica o ingresso policial no
domicílio alheio a situação de ocorrência de um crime cuja
urgência na sua cessação desautorize o aguardo do momento
adequado para, mediante mandado judicial – meio ordinário e
seguro para o afastamento do direito à inviolabilidade da morada
– legitimar a entrada em residência ou local de abrigo. 
6. Já no que toca ao consentimento do morador para o ingresso em
sua residência – uma das hipóteses autorizadas pela Constituição da
República para o afastamento da inviolabilidade do domicílio – outros
países trilharam caminho judicial mais assertivo, ainda que, como
aqui, não haja normatização detalhada nas respectivas Constituições
e leis, geralmente limitadas a anunciar o direito à inviolabilidade da
intimidade domiciliar e as possíveis autorizações para o ingresso
alheio. 
6.1. Nos Estados Unidos, por exemplo, a par da necessidade do
exame da causa provável para a entrada de policiais em domicílio de
suspeitos de crimes, não pode haver dúvidas sobre a voluntariedade
da autorização do morador (in dubio libertas). O consentimento
“deve ser inequívoco, específico e conscientemente dado, não
contaminado por  qualquer truculência ou coerção" (“consent, to
be valid, 'must be unequivocal, specific and intelligently given,
uncontaminated by any duress or coercion'”). (United States v
McCaleb, 552 F2d 717, 721 (6th Cir 1977), citando Simmons v
Bomar, 349 F2d 365, 366 (6th Cir 1965).  Além disso, ao Estado
cabe o ônus de provar que o consentimento foi, de fato, livre e
voluntariamente dado, isento de qualquer forma, direta ou
indireta, de coação, o que é aferível pelo teste da totalidade das
circunstâncias (totality of circumstances). 
6.2.  No direito espanhol, por sua vez, o Tribunal Supremo
destaca, entre outros, os seguintes requisitos para o
consentimento do morador:  a) deve ser prestado por pessoa
capaz, maior de idade e no exercício de seus direitos; b) deve
ser consciente e livre; c) deve ser documentado; d) deve ser
expresso, não servindo o silêncio como consentimento tácito. 
6.3. Outrossim, a documentação comprobatória do assentimento do
morador é exigida, na França, de modo expresso e mediante
declaração escrita à mão do morador, conforme norma positivada no
art. 76 do Código de Processo Penal; nos EUA, também é usual a
necessidade de assinatura de um formulário pela pessoa que
consentiu com o ingresso em seu domicílio (North Carolina v. Butler
(1979) 441 U.S. 369, 373; People v. Ramirez (1997) 59 Cal.App.4th
1548, 1558; U.S. v. Castillo (9a Cir. 1989) 866 F.2d 1071, 1082),
declaração que, todavia, será desconsiderada se as circunstâncias
indicarem ter sido obtida de forma coercitiva ou houver dúvidas sobre
a voluntariedade do consentimento (Haley v. Ohio (1947) 332 U.S.
596, 601; People v. Andersen (1980) 101 Cal.App.3d 563, 579. 
6.4. Se para simplesmente algemar uma pessoa, já presa –
ostentando, portanto, alguma verossimilhança do fato delituoso que
deu origem a sua detenção –, exige-se a indicação, por escrito, da
justificativa para o uso de tal medida acautelatória, seria então, no
tocante ao ingresso domiciliar, “necessário que nós estabeleçamos,
desde logo, como fizemos na Súmula 11, alguma formalidade para
que essa razão excepcional seja justificada por escrito, sob pena das
sanções cabíveis” (voto do Min. Ricardo Lewandowski, no RE n.
603.616/TO). 
6.5. Tal providência, aliás, já é determinada pelo art. 245, § 7º, do
Código de Processo Penal – analogicamente aplicável para busca e
apreensão também sem mandado judicial – ao dispor que, “[f]inda a
diligência, os executores lavrarão auto circunstanciado, assinando-o
com duas testemunhas presenciais, sem prejuízo do disposto no §
4º”. 
7. São frequentes e notórias as notícias de abusos cometidos em
operações e diligências policiais, quer em abordagens individuais,
quer em intervenções realizadas em comunidades dos grandes
centros urbanos. É, portanto, ingenuidade, academicismo e
desconexão com a realidade conferir, em tais situações, valor
absoluto ao depoimento daqueles que são, precisamente, os
apontados responsáveis pelos atos abusivos. E, em um país
conhecido por suas práticas autoritárias – não apenas históricas, mas
atuais –, a aceitação desse comportamento compromete a
necessária aquisição de uma cultura democrática de respeito aos
direitos fundamentais de todos, independentemente de posição
social, condição financeira, profissão, local da moradia, cor da pele
ou raça. 
7.1. Ante a ausência de normatização que oriente e regule o ingresso
em domicílio alheio, nas hipóteses excepcionais previstas no Texto
Maior, há de se aceitar com muita reserva a usual afirmação – como
ocorreu no caso ora em julgamento – de que o morador anuiu
livremente ao ingresso dos policiais para a busca domiciliar, máxime
quando a diligência não é acompanhada de documentação que a
imunize contra suspeitas e dúvidas sobre sua legalidade. 
7.2. Por isso, avulta de importância que, além da documentação
escrita da diligência policial (relatório circunstanciado), seja ela
totalmente registrada em vídeo e áudio, de maneira a não deixar
dúvidas quanto à legalidade da ação estatal como um todo e,
particularmente, quanto ao livre consentimento do morador para o
ingresso domiciliar. Semelhante providência resultará na diminuição
da criminalidade em geral – pela maior eficácia probatória, bem como
pela intimidação a abusos, de um lado, e falsas acusações contra
policiais, por outro – e permitirá avaliar se houve, efetivamente, justa
causa para o ingresso e, quando indicado ter havido consentimento
do morador, se foi ele livremente prestado. 
8. Ao Poder Judiciário, ante a lacuna da lei para melhor
regulamentação do tema, cabe responder, na moldura do Direito, às
situações que, trazidas por provocação do interessado, se mostrem
violadoras de direitos fundamentais do indivíduo. E, especialmente,
ao Superior Tribunal de Justiça compete, na sua função judicante,
buscar a melhor interpretação possível da lei federal, de sorte a não
apenas responder ao pedido da parte, mas também formar
precedentes que orientem o julgamento de casos futuros similares. 
8.1. As decisões do Poder Judiciário – mormente dos Tribunais
incumbidos de interpretar, em última instância, as leis federais e a
Constituição – servem para dar resposta ao pedido no caso concreto
e também para “enriquecer o estoque das regras jurídicas” (Melvin
Eisenberg. The nature of the common law. Cambridge: Harvard
University Press, 1998. p. 4) e assegurar, no plano concreto, a
realização dos valores, princípios e objetivos definidos na
Constituição de cada país. Para tanto, não podem, em nome da
maior eficiência punitiva, tolerar práticas que se divorciam do modelo
civilizatório que deve orientar a construção de uma sociedade mais
igualitária, fraterna, pluralista e sem preconceitos. 
8.2. Como assentado em conhecido debate na Suprema Corte dos
EUA sobre a admissibilidade das provas ilícitas (Weeks v. United
States, 232 U.S. 383,1914), se os tribunais permitem o uso de provas
obtidas em buscas ilegais, tal procedimento representa uma
afirmação judicial de manifesta negligência, se não um aberto
desafio, às proibições da Constituição, direcionadas à proteção das
pessoas contra esse tipo de ação não autorizada (“such proceeding
would be to affirm by judicial decision a manifest neglect, if not an
open defiance, of the prohibitions of the Constitution, intended for the
protection of the people against such unauthorized action”). 
8.3. A situação versada neste e em inúmeros outros processos que
aportam a esta Corte Superior diz respeito à própria noção de
civilidade e ao significado concreto do que se entende por Estado
Democrático de Direito, que não pode coonestar, para sua legítima
existência, práticas abusivas contra parcelas da população que, por
sua topografia e status social e econômico, costumam ficar mais
suscetíveis ao braço ostensivo e armado das forças de segurança. 
9. Na espécie, não havia elementos objetivos, seguros e racionais
que justificassem a invasão de domicílio do suspeito, porquanto a
simples avaliação subjetiva dos policiais era insuficiente para
conduzir a diligência de ingresso na residência, visto que não foi
encontrado nenhum entorpecente na busca pessoa realizada em via
pública. 
10. A seu turno, as regras de experiência e o senso comum, somadas
às peculiaridades do caso concreto, não conferem verossimilhança à
afirmação dos agentes castrenses de que o paciente teria autorizado,
livre e voluntariamente, o ingresso em seu próprio domicílio,
franqueando àqueles a apreensão de drogas e, consequentemente, a
formação de prova incriminatória em seu desfavor. 
11. Assim, como decorrência da proibição das provas ilícitas por
derivação (art. 5º, LVI, da Constituição da República), é nula a
prova derivada de conduta ilícita – no caso, a apreensão, após
invasão desautorizada da residência do paciente, de 109 g de
maconha –, pois evidente o nexo causal entre uma e outra
conduta, ou seja, entre a invasão de domicílio (permeada de
ilicitude) e a apreensão de drogas. 
12. Habeas Corpus concedido, com a anulação da prova decorrente
do ingresso desautorizado no domicílio e consequente absolvição do
paciente, dando-se ciência do inteiro teor do acórdão aos Presidentes
dos Tribunais de Justiça dos Estados e aos Presidentes dos
Tribunais Regionais Federais, bem como às Defensorias Públicas
dos Estados e da União, ao Procurador-Geral da República e aos
Procuradores-Gerais dos Estados, aos Conselhos Nacionais da
Justiça e do Ministério Público, à Ordem dos Advogados do Brasil, ao
Conselho Nacional de Direitos Humanos, ao Ministro da Justiça e
Segurança Pública e aos Governadores dos Estados e do Distrito
Federal, encarecendo a estes  últimos que deem conhecimento do
teor do julgado a todos os órgãos e agentes da segurança pública
federal, estadual e distrital. 
13. Estabelece-se o prazo de um ano para permitir o
aparelhamento das polícias, treinamento e demais providências
necessárias para a adaptação às diretrizes da presente decisão,
de modo a, sem prejuízo do exame singular de casos futuros,
evitar situações de ilicitude que possam, entre outros efeitos,
implicar responsabilidade administrativa, civil e/ou penal do
agente estatal. ” (grifo nosso)
(STJ - HC: 598051 SP 2020/0176244-9, Relator: Ministro JOÃO
OTÁVIO DE NORONHA, Data de Publicação: DJ 04/08/2020).

É de se observar, ainda, que não foi encontrado, na residência,


NENHUM instrumento que indique a prática de tráfico, como balanças,
saquinhos plásticos, pinos ou anotações.
Dessa forma, denota-se que o procedimento policial foi realizado
desrespeitando garantias e direitos fundamentais, sendo certo que todos
os atos decorrentes de tal ilegalidade são nulos. 

B) DENÚNCIA ANÔNIMA

Todo o processo é nulo, sobremaneira porque desencadeado,


unicamente, DE DENÚNCIA ANÔNIMA. Fere, sem qualquer hesitação, o que
dispõe a Legislação Adjetiva Penal, bem assim à Carta Política.
A denúncia, pois, tivera como parâmetro o obtido em inquérito policial,
que, por sua vez, tivera sua origem de notícia desprovida de autoria, a qual
apontado Réu como o autor do desiderato criminoso. Isso foi materializado por
intermédio de DENÚNCIA ANÔNIMA, não se vislumbra qualquer apoio de
testemunhas, nem mesmo “por ouvir falar”.
A esse propósito, o renomado Guilherme de Souza Nucci leciona:
  “A. Denúncia anônima: a indicação da materialidade e/ou da autoria de
crimes, quando feita de forma não identificada, por meio de telefone ou pelo
caminho da informática, é válida para um propósito: dar início às
investigações formais. Não se deve indiciar alguém com base em denúncia
anônima, mas é natural que a autoridade policial possa começar uma
investigação preliminar para, depois, instaurar o inquérito. Enfim, qualquer
indicação pode provocar a atividade investigatória, o que não significa
prova, para efeito de dar base à denúncia ou à condenação. Na
jurisprudência: STJ: “Ainda que assim não fosse, a jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal e, também, deste Tribunal Superior têm
orientação no sentido de que é possível a deflagração da persecução penal
a partir de denúncia anônima, desde que esta seja seguida de diligências
para averiguar os fatos nela noticiados, antes, por conseguinte, da
instauração do inquérito policial. [ ... ]”
 
Observemos, de modo exemplificativo, o que já decidira o Superior
Tribunal de Justiça: 

‘PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE


DROGAS. MAIS DE 20 KG DE MACONHA. DENÚNCIA ANÔNIMA.
APREENSÃO DAS DROGAS. AUSÊNCIA DE MANDADO DE BUSCA E
APREENSÃO PARA O DOMICÍLIO. PROVAS ANULADAS.
ILEGALIDADE. ABSOLVIÇÃO.
1. Os policiais não estavam fazendo nenhuma investigação prévia, mas,
sim, receberam a denúncia anônima, de maneira genérica, e foram à
residência no mesmo momento, sem nenhum mandado de busca e
apreensão, ou seja, não fizeram outras diligências para observação se
existiria mesmo algum flagrante. 2. Ordem concedida para reconhecer a
ilicitude das provas, em razão da violação de domicílio, e absolver o
paciente.” (grifei)
(STJ - HC: 582867 GO 2020/0117797-9, Relator: Ministro SEBASTIÃO
REIAS JÚNIOR, Sexta Turma, julgado em 15/12/2020).
 
Diante do exposto, necessário reconhecer a ilicitude do meio de
prova (DENÚNCIA ANÔNIMA) e, por derivação, do restante do acervo
probatório, nos termos do artigo 157, § 1º, do Código de Processo Penal, com
a absolvição sumária do Acusado.
 
C) AUSÊNCIA DE MATERIALIDADE – LEI Nº 11.343/06

Ademais, cumpre ressaltar que a Lei de Drogas exige a realização de


dois laudos periciais para satisfazer o devido processo legal, sendo
indispensável o laudo preliminar ou de constatação e o definitivo, uma vez que
a ausência de um dos dois laudos provoca situação de nulidade absoluta, por
ausência de materialidade.
Trata-se da disposição prevista nos artigos 50 e seguintes, a seguir
transcritos:
Art. 50. Ocorrendo prisão em flagrante, a autoridade de polícia
judiciária fará, imediatamente, comunicação ao juiz competente,
remetendo-lhe cópia do auto lavrado, do qual será dada vista ao
órgão do Ministério Público, em 24 (vinte e quatro) horas.
§ 1º Para efeito da lavratura do auto de prisão em flagrante e
estabelecimento da materialidade do delito, é suficiente o laudo
de constatação da natureza e quantidade da droga, firmado por
perito oficial ou, na falta deste, por pessoa idônea.
§ 2º O perito que subscrever o laudo a que se refere o § 1º deste
artigo não ficará impedido de participar da elaboração do laudo
definitivo.
§ 3º Recebida cópia do auto de prisão em flagrante, o juiz, no prazo
de 10 (dez) dias, certificará a regularidade formal do laudo de
constatação e determinará a destruição das drogas apreendidas,
guardando-se amostra necessária à realização do laudo definitivo.
(Incluído pela Lei nº 12.961, de 2014)
§ 4º A destruição das drogas será executada pelo delegado de polícia
competente no prazo de 15 (quinze) dias na presença do Ministério
Público e da autoridade sanitária. (Incluído pela Lei nº 12.961, de
2014) § 5º O local será vistoriado antes e depois de efetivada a
destruição das drogas referida no § 3º , sendo lavrado auto
circunstanciado pelo delegado de polícia, certificando-se neste a
destruição total delas. (Incluído pela Lei nº 12.961, de 2014)
Art. 50-A. A destruição de drogas apreendidas sem a ocorrência de
prisão em flagrante será feita por incineração, no prazo máximo de 30
(trinta) dias contado da data da apreensão, guardando-se amostra
necessária à realização do laudo definitivo, aplicando-se, no que
couber, o procedimento dos §§ 3º a 5º do art. 50. (Incluído pela Lei nº
12.961, de 2014). (BRASIL, 2006, [s. p.]) (grifo nosso)

Pelo que consta da orientação legal, a exigência de dois laudos periciais


é requisito indispensável para o correto processamento de alguém por delito
envolvendo o tráfico de drogas, sob pena de nulidade processual.
Pela inevitável comprovação da materialidade, nos delitos de tóxicos,
cabe revelar a cátedra de Cléber Masson:
 “Por meio desse exame, é possível verificar a existência do princípio ativo
da droga, o que indica a materialidade provisória do delito. Daí por que,
para a jurisprudência do STJ, o laudo preliminar de constatação configura
verdadeira condição de procedibilidade para a apuração do ilícito18, sendo
necessário não apenas para a lavratura do auto de prisão em flagrante,
mas, também, para o oferecimento/recebimento da denúncia. Sem embargo
de sua reconhecida importância, o exame provisório possui caráter
meramente informativo, de modo que, “com a posterior juntada aos autos
do laudo definitivo, fica superada qualquer alegação de nulidade em relação
ao laudo anterior.” [ ... ]

  A corroborar o exposto acima, trago o entendimento que emanando de


nossa jurisprudência:

 “HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSO PENAL. TRÁFICO DE


DROGAS. DECRETO PREVENTIVO. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO
IDÔNEA. OCORRÊNCIA. SUBSTÂNCIA APREENDIDA. AUSÊNCIA DE
LAUDO DE CONSTATAÇÃO DA NATUREZA. MATERIALIDADE. NÃO
DEMONSTRADA. ART. 50, §1ª, DA LEI Nº 11.343/06 E ART. 312 DO
CPP).
1. A prisão preventiva somente deve ser decretada quando presentes os
requisitos relativos ao fumus comissi delicti (materialidade e indícios de
autoria) e ao periculum libertatis (necessidade de garantia da ordem pública,
da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para
assegurar a aplicação da Lei Penal) e o caso se enquadrar em uma das
hipóteses do art. 313 do CPP sem possibilidade de substituição por medidas
cautelares diversas.
2. Em análise à legislação especial regente da matéria em questão,
depreende-se que a prova da existência do delito de tráfico de drogas é
aferida mediante apresentação do laudo de constatação, nos termos do art.
50, §1º, da Lei nº 11.343/06.
3. Na espécie, observa-se que o paciente foi preso em flagrante e encontra-
se custodiado preventivamente sem que tenha sido elaborado laudo de
constatação da natureza e quantidade da droga, tendo a própria autoridade
policial afirmado que não foi possível constatar provisoriamente que as
substâncias apreendidas são drogas ilícitas e a Perícia Forense (PEFOCE)
informado que não encontrou amostras destinadas a exame toxicológico
vinculado nominalmente ao paciente (pág. 33 e 163 da ação penal nº
0050296-64.2020.8.06.0169), o que, por expressa disposição legal, impõe a
revogação da segregação cautelar ante a ausência de demonstração da
materialidade delitiva (art. Art. 50, §1º, da Lei nº 11.343/06 c/c art.312 do
CPP). Precedente. ORDEM CONHECIDA E CONCEDIDA. [ ... ]
“PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO
ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. LAUDO DEFINITIVO. AUSÊNCIA.
ABSOLVIÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. O acórdão recorrido, ao reformar a sentença que condenou o réu,
assentou a necessidade do laudo toxicológico definitivo para configurar a
materialidade do delito previsto no art. 33 da Lei n. 11.343⁄2006.
2. A procedência da ação penal dependia da juntada do laudo toxicológico
definitivo, fato este inocorrente.
3. A exceção a essa regra está atrelada à afirmação que deveria constar do
acórdão recorrido de suficiência do laudo provisório, o que não ocorreu.
Precedentes.
Agravo regimental desprovido. ”
(STJ – AgRg no Resp 1709510 SP 2017/0292019-0, Relator: Ministro JOEL
ILAN PACIORNIK, Quinta Turma, julgado em 03/04/2018).

Em suma, não há dúvida da viabilidade da absolvição sumária nas


pegadas do que dispõe o Código de Processo Penal.  
4. DO MÉRITO

A sentença do juízo a quo, na terceira fase de fixação da pena,


restringiu-se a apontar que não aplicaria a causa de diminuição prevista no
artigo 33, parágrafo 4º, Lei nº 11.343/06, em razão da quantidade elevada de
drogas que fora encontrada. Por fim, fixou o regime inicial fechado, forte na
ideia de que o crime em testilha é equiparado a hediondo, na forma da Lei nº
8.072/90, artigo 2º, parágrafo 1º. Trata-se de um verdadeiro equívoco por parte
do Douto Juízo a quo, como será demonstrado a seguir.

- CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA PREVISTA NO ART. 33, § 4º DA LEI Nº


11.343/06

Um fato que fica claro ao analisarmos os autos é que o apelante é réu


primário, possui bons antecedentes, não se dedica a atividades criminosas e
tampouco faz parte de organização criminosa.
Para aplicação da causa de diminuição de pena prevista no artigo 33,
parágrafo 4º, a jurisprudência é no sentido de que ela deve ser aplicada como
regra quando o fato não envolver atividade criminosa reiterada, bem como o
agente ser primário e de bons antecedentes, como é o caso dos autos.
A quantidade de drogas por si só não obsta ao reconhecimento da
minorante em testilha, na forma da lavra do Superior Tribunal de Justiça,
nestes termos:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE
DROGAS PRIVILEGIADO. RECURSO MINISTERIAL. DEDICAÇÃO
A ATIVIDADES CRIMINOSAS NÃO DEMONSTRADA. QUANTIDADE
DA DROGA APREENDIDA QUE NÃO EXTRAPOLAM O ÂMBITO DE
PROTEÇÃO DA NORMA E NÃO PERMITE PRESUMIR QUE O
PACIENTE INTEGRAVA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. 24,1G DE
COCAÍNA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. O agravado
foi preso em flagrante portando 61 porções de cocaína, com massa
líquida de 24,1g e R$ 80,00 (oitenta reais) em espécie. Circunstâncias
que, nos termos da jurisprudência citada, não permitem concluir que o
paciente se dedicava a atividades criminosas ou que integrasse
organização criminosa. 2. "A quantidade de droga apreendida não
é, por si só, fundamento idôneo para afastamento da minorante
do art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006"
(RHC 138117 AgR, Relator(a): ROSA WEBER, Primeira Turma,
julgado em 15/12/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-062
DIVULG /5/4/2021 PUBLIC 6/4/2021). 3. Agravo Regimental
desprovido. (AgRg no HC 713491, STJ) (grifo nosso)

No presente caso, na terceira fase de fixação de pena, o magistrado de


primeiro grau deixou de aplicar a causa especial de diminuição prevista no § 4º
do art. 33, da Lei nº 11.343/06, utilizando-se unicamente do argumento da
quantidade elevada de drogas que fora encontrada, negado ao apelante o
direito de ter sua pena diminuída conforme previsão legal, o que levaria a sua
pena ser inferior a 04 anos, podendo ser substituída de privativa de liberdade
por restritiva de direitos.
Resta claro então que o apelante se enquadra nos moldes da causa de
diminuição de pena do tráfico privilegiado. Isso porque, é réu primário, de bons
antecedentes, não se dedica a atividades criminosas e nem faz parte de
organização criminosa.
Assim, fica claro nos autos que o apelante preenche todos os requisitos
impostos para fazer jus a redução que aqui pleiteia, pois, não há qualquer
prova de que ele se dedique ao crime ou tenha feito parte de alguma
organização criminosa, além de ser primário e possuir bons
antecedentes, cabendo, portanto, a aplicação da redutora prevista no art.
33, § 4º, da Lei nº 11.343/06.
Considerar o contrário é negar o princípio constitucional da presunção
de inocência, conforme preceitua o art. 5º, LVII, da CF, bem como no art. 8º
primeira parte, do Pacto de San Jose, o qual, nos termos do art. 5º, § 2º e § 3º
da Carta Magna, possui status de norma constitucional, pois sendo o apelante
primário e portador de bons antecedentes, não há qualquer motivo para
suspeitar, ou mesmo deduzir, que ele se dedicasse ou integrasse alguma
organização criminosa.
Dessa forma, não há fundamento para não aplicar o § 4º, do art. 33, da
Lei nº 11.343/06, pois, como se pode perceber o apelante é réu primário,
possui bons antecedentes, não participa de organização criminosa e não se
dedica a atividades criminosas, sendo a não aplicação da causa de diminuição
desarrazoada e desproporcional, violando princípios constitucionais.

- DO REGIME INICIAL PARA O CUMPRIMENTO DE PENA

No que diz respeito ao regime de cumprimento de pena, o juízo a quo


fixou o regime inicial fechado, forte na ideia de que o crime em testilha é
equiparado a hediondo, na forma da Lei nº 8.072/90, artigo 2º, parágrafo 1º,
ainda que se trate de crime hediondo, o regime inicialmente fechado, apesar de
previsto no artigo 2º, parágrafo 1º, Lei nº 8.072/90, tal disposição não tem mais
aplicabilidade no ordenamento jurídico brasileiro, eis que inconstitucional.
Ora, a individualização das penas é feita pelo Poder Judiciário, não
sendo permitido ao legislador impor um dado regime de cumprimento de pena,
o que violaria a ideia de separação de poderes (artigo 2º, CF).
Com esse pensamento, a Suprema Corte entendeu pela
inconstitucionalidade do regramento legal previsto na Lei nº 8.072/90, dessa
forma:
EMENTA Habeas corpus. Penal. Tráfico de entorpecentes. Crime
praticado durante a vigência da Lei nº 11.464/07. Pena inferior a 8
anos de reclusão. Obrigatoriedade de imposição do regime inicial
fechado. Declaração incidental de inconstitucionalidade do § 1º do art.
2º da Lei nº 8.072/90. Ofensa à garantia constitucional da
individualização da pena (inciso XLVI do art. 5º da CF/88).
Fundamentação necessária (CP, art. 33, § 3º, c/c o art. 59).
Possibilidade de fixação, no caso em exame, do regime semiaberto
para o início de cumprimento da pena privativa de liberdade. Ordem
concedida. 1. Verifica-se que o delito foi praticado em 10/10/09, já na
vigência da Lei nº 11.464/07, a qual instituiu a obrigatoriedade da
imposição do regime inicialmente fechado aos crimes hediondos e
assemelhados. 2. Se a Constituição Federal menciona que a lei
regulará a individualização da pena, é natural que ela exista. Do
mesmo modo, os critérios para a fixação do regime prisional inicial
devem-se harmonizar com as garantias constitucionais, sendo
necessário exigir-se sempre a fundamentação do regime imposto,
ainda que se trate de crime hediondo ou equiparado. 3. Na situação
em análise, em que o paciente, condenado a cumprir pena de seis (6)
anos de reclusão, ostenta circunstâncias subjetivas favoráveis, o
regime prisional, à luz do art. 33, § 2º, alínea b, deve ser o
semiaberto. 4. Tais circunstâncias não elidem a possibilidade de o
magistrado, em eventual apreciação das condições subjetivas
desfavoráveis, vir a estabelecer regime prisional mais severo, desde
que o faça em razão de elementos concretos e individualizados, aptos
a demonstrar a necessidade de maior rigor da medida privativa de
liberdade do indivíduo, nos termos do § 3º do art. 33, c/c o art. 59, do
Código Penal. 5. Ordem concedida tão somente para remover o óbice
constante do § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90, com a redação dada
pela Lei nº 11.464/07, o qual determina que “[a] pena por crime
previsto neste artigo será cumprida inicialmente em regime fechado“.
Declaração incidental de inconstitucionalidade, com efeito ex nunc, da
obrigatoriedade de fixação do regime fechado para início do
cumprimento de pena decorrente da condenação por crime hediondo
ou equiparado. (HC 111840, STF)

Por esses termos, caberá ao Juiz fixar o regime inicial de cumprimento


de pena na forma do artigo 59, CP, forte no princípio da individualização das
penas.

- CONTINUIDADE DELITIVA - ARTIGO 71, CP.

  O Ministério Público Estadual denunciou o acusado pela prática do delito


tipificado no artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/06, na forma do artigo 71, CP,
pela justificativa de ter sido encontrados vários comprimidos na mesma ocasião
fática, o magistrado de primeiro grau aceitou a denúncia e condenou o apelante
na forma solicitada na denúncia.
Ora, para que se cogite a conduta delitiva prevista no artigo 33, caput,
Lei nº 11.343/06, na forma do artigo 71, CP, faz-se mister que o quadro fático
encontrado seja de sorte a demonstrar a traficância em continuidade delitiva do
delito em espécie, o que não ocorreu.
Dessa feita, cabia ao Ministério Público evidenciar, com clareza e
precisão, a eventual convergência de interesse do Acusado em praticar o ato
ilícito da traficância. Isso, claro, de modo estável e permanente.
Por outro lado, o tipo penal previsto no artigo 33, caput, Lei nº 11.343/06,
é considerado tipo misto alternativo, em que a prática de um verbo previsto
neste ou em todos permite a conclusão de que há apenas um crime, assim,
não pode prosperar a tese acusatória de aplicação da continuidade delitiva.
O fato de terem sido encontrados vários comprimidos proibidos por
lei não permite a afirmativa de que são vários crimes de tráfico de drogas,
havendo, se for o caso, a capitulação de um único crime previsto no
citado artigo legal.
Assim, deve ser afastada a aplicação do artigo 71 do CP, do caso em
questão.

- SUBSTITUIÇÃO DA PENA / APLICAÇÃO DO REGIME ABERTO

Quando reconhecida a benesse da figura privilegiada prevista no art. 33,


§ 4º da Lei de Drogas, deverá ser substituída a pena restritiva de liberdade
aplicada por restritivas de direito, nos moldes do artigo 44 do Código Penal.
Caso Vossas Excelências não entenda pela aplicação do art. 44, do CP,
que seja fixada a pena em regime inicial aberto, isso porque, tem que ser
considerada as peculiaridades do caso em concreto, levando em conta todas
as circunstâncias favoráveis ao denunciado.
Compulsando os autos, vislumbra-se que todas as circunstancias
judiciais são favoráveis ao réu. Ademais, se é cabível a substituição da pena
privativa de liberdade pela restritiva de direitos, conforme a resolução nº 05
editada pelo Senado Federal, obviamente, por razões de proporcionalidade,
também será admissível a fixação do regime aberto.
A fixação de outro regime, diverso do aberto, frustrará, sem dúvida,
o caráter ressocializador da pena, pois privará o réu de seu labor lícito,
prejudicando sua autoestima e senso de responsabilidade.
Ora Excelências, o réu é primário, com bons antecedentes, com trabalho
digno e lícito e possui residência fixa.
Assim, ao denunciado deve ser deferida a conversão da pena
privativa de liberdade por restritiva de direitos, conforme garantida pela lei
penal; e ainda, que sua pena seja fixada no mínimo legal pelas circunstâncias
já elencadas.
Dessa forma, pugna a defesa para a reforma da sentença para que
seja aplicada a causa de diminuição de pena do § 4º, do art. 33, da Lei nº
11.343/06, em sua fração máxima (2/3), considerando que todos os
requisitos para a obtenção da diminuição estão preenchidos, bem como
para a substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de
direitos.
- DO PREPARO RECURSAL

Quanto ao recolhimento do preparo com vistas a um dos requisitos do


juízo de admissibilidade do presente recurso de Apelação, assim se posiciona
o Conselho Nacional de Justiça: Não há amparo na Constituição Federal para
a exigência de recolhimento prévio de custas na ação penal pública, incluído
nesta premissa toda a despesa processual, inclusive verba para a condução do
Oficial de Justiça. No curso da Ação Penal Pública o “jus puniendi” é dever do
Estado.
Assim, compreende-se que o ônus relativo à ação e também a coleta de
provas necessárias à decisão acerca da viabilidade da demanda, compete
aquele que tem o dever de exercer a persecução penal nos crimes desta
natureza.
Ademais, ninguém será considerado culpado antes do trânsito em
julgado da sentença penal condenatória, portanto, com respaldo nas garantias
constitucionais de presunção de inocência, ampla defesa e devido processo
legal, fica inviabilizada a cobrança de qualquer taxa ou despesa que pode
constituir empecilho ao seu exercício.
É manifestamente inconstitucional qualquer decisão, lei ou ato
administrativo que possa, mesmo que por vias transversas, interferir
prejudicialmente no exercício pleno do direito de defesa nas ações penais.
Ressalta-se que o art. 806, §§ 1º, 2º e 3º, do CPP, tem repercussão
apenas nas ações penais privadas”.

5. DOS PEDIDOS

Ante o exposto, requer o apelante a admissibilidade da presente


apelação e, no mérito, o seu total provimento, com a reforma da sentença
condenatória, pelos argumentos fáticos jurídicos acima alinhavados, para:
1 – Acolher as preliminares de nulidade processual acima
demonstradas, para reformar a sentença, declarando a nulidade do processo,
tendo em vista ter sido instruído por meio de provas adquiridas de forma ilícita,
violando garantias constitucionais;
2 - Reformar a r. Sentença para absolver o ora Apelante do crime de
tráfico pelo qual restou condenado, com fundamento no inc. VII, do art. 386, do
Código de Processo Penal;
3 – Subsidiariamente, acaso diverso seja o entendimento desse Egrégio
Tribunal, para reformar a sentença exacerbada quanto ao crime capitulado no
art. 33, caput, da Lei 11.343/2006, redimensionando-a ao patamar mínimo, em
razão de terem sido todas as circunstâncias judiciais favoráveis ao Apelante,
inclusive com o afastamento do art. 71 do CP, aplicando-se o redutor previsto
no parágrafo 4º, do art. 33 da sobredita Lei de Drogas, no seu grau máximo,
até porque o Apelante é primário, possui bons antecedentes, nunca se dedicou
a atividades criminosas nem integra qualquer organização criminosa, bem
como converter a pena privativa de liberdade em restritivas de direitos, nos
termos do art. 44, ss do CP;
4 – Seja promovida a detração penal que anunciará novo regime de
cumprimento da reprimenda, que pleiteia desde já, pelo regime aberto para
cumprimento de pena, nos termos da Lei 12.736/2012.

Termos em que,
Pede Deferimento.

São Paulo/SP e Data.


Nome do Advogado (a).

OAB/__ Nº _____

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