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EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) DOUTOR(A) JUIZ(A) DE DIREITO DA

COMARCA DE SÃO PAULO-SP

Proc. N. ...

Fulano de tal, brasileiro, solteiro, portador(a) da carteira de identidade


nº ... e do CPF nº ..., residente e domiciliado(a) na Rua ..., São Paulo/SP,
representado por seu advogado devidamente constituído, vem,
respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, nos termos do art. 5º da
Constituição Federal, requerer o:

RELAXAMENTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE


pelas seguintes razões de fato e de direito:

DOS FATOS

No dia D passado, Fulano de Tal, foi preso em flagrante no interior de


sua residência, enquanto portava vários comprimidos de ecstasy. A prisão se
deu após investigação baseada em denúncia anônima e os policiais civis
entraram em sua residência sem mandado judicial, alegando que o acusado
estaria praticando crime classificado como permanente, de forma que o
flagrante poderia ser dado a qualquer momento, independentemente de
autorização judicial, ainda que sem consentimento do morador.

DA ILEGALIDADE DA PRISÃO

De início, ressalta-se que o presente caso trata de PRISÃO ILEGAL,


uma vez que a audiência de custódia, ao contrário do que prevê o art. 310 do
CPP, não foi realizada no prazo legal de 24 horas, mas sim UM MÊS APÓS O
FATO!

Art. 310. Após receber o auto de prisão em flagrante, no prazo máximo de


até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, o juiz deverá
promover audiência de custódia com a presença do acusado, seu advogado
constituído ou membro da Defensoria Pública e o membro do Ministério
Público, e, nessa audiência, o juiz deverá, fundamentadamente:

I - relaxar a prisão ilegal; ou

II - converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os


requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas
ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou

III - conceder liberdade provisória, com ou sem fiança.

É farta a jurisprudência no sentido de que a audiência de custódia


realizada além do prazo legal gera nulidade da prisão, merecendo destaque a
r. decisão Superior Tribunal de Justiça:
Em liminar, o ministro Rogerio Schietti determinou o relaxamento da prisão
em flagrante. Segundo ele, a ilegalidade presente no caso justifica a não
aplicação da Súmula 691 do Supremo Tribunal Federal, a qual, em
princípio, impediria o exame do pedido da defesa antes da conclusão do
julgamento do HC anterior no tribunal estadual.

Segundo o relator, o artigo 1º da Resolução 213 do CNJ — em


conformidade com decisão do STF na Arguição de Descumprimento de
Preceito Fundamental 347 — determina que toda pessoa presa em
flagrante seja obrigatoriamente apresentada, em até 24 horas, à
autoridade judicial competente.

“Considerando que a prisão em flagrante se caracteriza pela precariedade,


de modo a não se permitir a sua subsistência por tantos dias sem a
homologação judicial e a convolação em prisão preventiva, identifico
manifesta ilegalidade na omissão apontada”, afirmou o ministro.

Schietti frisou que, apesar de relaxar o flagrante, essa ordem não prejudica
a possibilidade de decretação da prisão preventiva, se for concretamente
demonstrada sua necessidade, ou de imposição de alguma medida
alternativa prevista no artigo 319 do Código de Processo Penal. Ele lembrou
a importância de o juiz avaliar a necessidade de manutenção da prisão
preventiva, pois a medida atinge um dos bens jurídicos mais expressivos do
cidadão: a liberdade. (HC 485.355)

Em consequência, deve o fato ser corrigido com o RELAXAMENTO DA


PRISÃO EM FLAGRANTE.

DA EXCLUSÃO DA HIPÓTESE DE CONVERSAO EM PRISÃO PREVENTIVA

Merece destaque o art. 312 do CPP, o qual prevê:

Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem
pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou
para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência
do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de
liberdade do imputado.

No presente caso, a prisão preventiva é incabível, pois não há qualquer


outro requisito autorizador da referida reprimenda, além do fato de se tratar de
acusado com posses financeiras. Portanto, os fatos não são passíveis de
serem enquadrados na garantia da ordem pública.
A peça acusatória feita pelo Ministério Público trouxe à baila que o
acusado possuía muitos bens e valores, sustentando que isso preenche os
requisitos do art. 312 do CPP. Entretanto, tal fundamento não merece ser
acolhido, já que a o CPP é claro e os motivos alegados, de que o acusado solto
poderá voltar a delinquir, fugir para outro país ou ameaçar testemunhas devem
ser concretos e explicitamente fundamentados. O simples fato possuir bens e
valores não é suficiente para embasar um decreto prisional.
Além disso, necessário destacar que o morador não consentiu com a
entrada dos policiais em seu lar e as investigações foram baseadas em
denúncia anônima, o que incorre na vedação imposta pela jurisprudência e
pelo ordenamento jurídico pátrio. A nossa Constituição é clara, no artigo:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:

IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

LXV- a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade


judiciária;

Ainda nesse sentido, vai o julgado do Superior Tribunal de Justiça:

HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO EM FLAGRANTE. ATITUDE


SUSPEITA. APREENSÃO DE DROGA AINDA FORA DA RESIDÊNCIA. INVASÃO
DE DOMICÍLIO. ILICITUDE DAS PROVAS. AUSÊNCIA DE FUNDADAS RAZÕES.
JUSTA CAUSA NÃO VERIFICADA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL
EVIDENCIADO. 1. Consoante decidido no RE 603.616/RO, pelo Supremo
Tribunal Federal, não é necessária a certeza em relação à ocorrência da
prática delitiva para se admitir a entrada em domicílio, bastando que, em
compasso com as provas produzidas, seja demonstrada a justa causa na
adoção da medida, ante a existência de elementos concretos que apontem
para o caso de flagrante delito. 2. No presente feito, os policiais, diante de
denúncia anônima recebida, dirigiram-se à residência do réu e, lá
chegando, encontraram-no em frente ao imóvel, "ocasião em que
constataram que, de fato, ele portava uma porção maconha, não obstante
estivesse em frente a sua residência. Ante a flagrância de situação típica da
traficância ilícita, os policiais deram continuidade à apuração dos fatos, os
quais davam conta de que haveria um cultivo de maconha na laje do
imóvel". 3. Em seguida, relataram os agentes públicos que "[o] denunciado
revelou que realmente havia droga na casa. Diante das fundadas suspeitas
de crime em andamento, os policiais ingressaram na moradia. Nesta
incursão, os militares localizaram e apreenderam no interior do quarto
dele, escondidas dentro de uma caixa de sapatos existente numa cômoda,
as demais porções de maconha, diversas embalagens plásticas tipo ZipLock,
a quantia de R$ 611,00 em dinheiro proveniente do comércio ilícito, e uma
balança de precisão", sendo apreendidos 717,930 gramas de maconha. 4.
Nesse contexto, configura-se a nulidade da prisão em flagrante em virtude
das provas obtidas ilegalmente, por meio da entrada dos policiais em
domicílio alheio desprovida de mandado judicial, sendo necessária, de
acordo com a jurisprudência deste Tribunal, "a prévia realização de
diligências policiais para verificar a veracidade das informações recebidas
(ex: 'campana que ateste movimentação atípica na residência')" (AgRg no
HC 665.373/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA
TURMA, julgado em 03/08/2021, DJe 10/08/2021), o que, in casu, não
ocorreu. 5. De acordo com o mais recente entendimento jurisprudencial
desta Corte, é imprescindível a prova do consentimento do paciente para
ingresso dos policiais em seu domicílio, o que não se constata na espécie.
Precedentes desta Corte. 6. Considerando-se, ainda, que a ação policial não
esteve legitimada pela existência de fundadas razões (justa causa) para a
entrada no imóvel em que residia o paciente, e que não houve autorização
judicial ou válido consentimento do morador para ingresso naquele
domicílio, conclui-se pela ilicitude das provas obtidas, bem como daquelas
derivadas, nos termos do art. 157, caput e § 1º, do CPP. 7. Concessão do
habeas corpus. Declaração de nulidade das provas obtidas por meio de
medida de busca e apreensão ilegal. Anulação da condenação imposta ao
paciente nos autos da Ação Penal nº 5305865.60, com a consequente
expedição do alvará de soltura, se por outro motivo não estiver preso (HC
692807 / GO, STJ).

Finalmente, o acórdão a seguir fornece subsídios para embasar


investigações lastreadas em denúncias anônimas devem ser averiguadas de
forma preliminar, não podendo gerar algum tipo de violação aos direitos e
garantias constitucionais antes da devida apuração:

HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. FLAGRANTE. DOMICÍLIO COMO


EXPRESSÃO DO DIREITO À INTIMIDADE. ASILO INVIOLÁVEL. EXCEÇÕES
CONSTITUCIONAIS. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. AUSÊNCIA DE FUNDADAS
RAZÕES. NULIDADE DAS PROVAS OBTIDAS. TEORIA DOS FRUTOS DA
ÁRVORE ENVENENADA. PROVA NULA. TRANCAMENTO DO PROCESSO.
ORDEM CONCEDIDA.EXTENSÃO DE EFEITOS AO CORRÉU.

DOS PEDIDOS
Ante o exposto, requer a LIBERDADE DO ACUSADO COM A IMEDIATA
EXPEDIÇÃO DE ALVARÁ DE SOLTURA, trazendo a lume o flagrante
descumprimento ao art. 310, caput do CPP.

Nestes termos, pede deferimento.

Local, 19 de outubro de 2022

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Advogado
OAB n. ...

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