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Superior Tribunal de Justiça

AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 1.838.751 - AC (2019/0279228-1)

RELATOR : MINISTRO JORGE MUSSI


AGRAVANTE : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
AGRAVADO : MANOEL FRANCISCO PARENTE GUIMARÃES
ADVOGADOS : ROBERTO DUARTE JÚNIOR - AC002485
LUCCAS VIANNA SANTOS E OUTRO(S) - AC003404
RODRIGO COSTA DE OLIVEIRA - AC003538
ANNA IZA MOREIRA DE ARAÚJO - AC005244
INTERES. : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ACRE
EMENTA

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PENAL.


PECULATO-APROPRIAÇÃO. AUSÊNCIA DE TIPICIDADE
OBJETIVA. AUSÊNCIA DE DISPONIBILIDADE JURÍDICA DO
BEM EM RAZÃO DO CARGO OCUPADO. ANIMUS DE
ASSENHORAMENTO DEFINITIVO NÃO DEMONSTRADO.
1. Nos termos do art. 312, caput, primeira parte, do CP, comete o
peculato-apropriação o funcionário público que apodera-se,
assenhora-se ou toma como seu, com animus definitivo – rem
sibi habendi –, dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel,
público ou particular de que tenha a posse em razão do cargo.
Doutrina e precedentes.
2. Na espécie, o acusado ocupava o cargo de Vereador do
Município de Acrelância/AC e, nesta capacidade, requereu ao
Presidente da Câmara Municipal o adiantamento de subsídio,
mediante desconto em folha, o que lhe foi deferido, ocorrendo a
restituição integral do que lhe foi antecipado.
3. O réu não detinha, em razão do cargo que ocupava, a posse –
nem mesmo indireta – do dinheiro que é acusado de ter-se
apropriado. Pelo contrário, não há dúvidas de que a
disponibilidade jurídica dos recursos estava no âmbito de atuação
do Presidente da Câmara Municipal, enquanto ordenador de
despesas, tanto que somente após sua decisão administrativa
houve o repasse de valores.
4. Não bastasse, a simples revaloração das provas documentais
expressamente admitidas e delineadas pelas instâncias
ordinárias é medida suficiente para notar que os pedidos de
adiantamento enviados pelo réu ao ordenador de despesas já
consignavam a intenção de restituir o dinheiro antecipado, de
forma parcelada, o que de fato aconteceu por meio de descontos
diretos nos pagamentos realizados posteriormente ao vereador.
Assim, é possível concluir que nunca houve o animus de
assenhoramento definitivo do dinheiro público.
REVALORAÇÃO DOS ELEMENTOS FÁTICO-PROBATÓRIOS
EXPRESSAMENTE ADMITIDOS E DELINEADOS NO
ACÓRDÃO RECORRIDO. POSSIBILIDADE. OFENSA À
SÚMULA N. 7/STJ. NÃO CONFIGURADA.
1. A conclusão absolutória alcançada na decisão agravada não
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demandou incursão inédita nas provas dos autos, mas, repita-se,
apenas a revaloração daqueles mesmos elementos
fático-probatórios considerados pela instância ordinária. Não há,
portanto, falar-se em ofensa ao óbice da Súmula n. 7/STJ.
2. Agravo regimental ao qual se nega provimento.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da


Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Os
Srs. Ministros Reynaldo Soares da Fonseca, Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik e
Leopoldo de Arruda Raposo (Desembargador convocado do TJ/PE) votaram com o Sr.
Ministro Relator.

Brasília (DF), 26 de novembro de 2019(Data do Julgamento)

MINISTRO JORGE MUSSI


Relator

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AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 1.838.751 - AC (2019/0279228-1)

RELATOR : MINISTRO JORGE MUSSI


AGRAVANTE : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
AGRAVADO : MANOEL FRANCISCO PARENTE GUIMARÃES
ADVOGADOS : ROBERTO DUARTE JÚNIOR - AC002485
LUCCAS VIANNA SANTOS E OUTRO(S) - AC003404
RODRIGO COSTA DE OLIVEIRA - AC003538
ANNA IZA MOREIRA DE ARAÚJO - AC005244
INTERES. : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ACRE

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO JORGE MUSSI (Relator): Trata-se de agravo


regimental interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra decisão desta
relatoria, de e-STJ fls. 1.090-1.100, que deu provimento ao recurso especial da defesa
para absolver MANOEL FRANCISCO PARENTE GUIMARÃES da imputação relativa à
prática do crime previsto no art. 312 do Código Penal, nos termos do art. 386, III, do
Código de Processo Penal.

Sustenta o agravante, em síntese, que o acolhimento do recurso especial


defensivo importou ofensa ao óbice da Súmula n. 7/STJ, ao argumento de que a
absolvição proclamada pela decisão singular foi precedida de indevida incursão no
contexto fático-probatório estabilizado nos autos.

Requer, ao final, a reconsideração do decisum ou a submissão do pleito


ao colegiado.

É o relatório.

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VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO JORGE MUSSI (Relator): Depreende-se dos


autos que o agravado foi denunciado pela prática do crime de peculato-apropriação, em
continuidade delitiva (três vezes), porquanto, nos meses de fevereiro de 2009, janeiro de
2010 e janeiro de 2011, valendo-se da condição de Vereador da Câmara Municipal de
Acrelândia/AC, solicitou e obteve o pagamento de valores a título de antecipação parcial
de subsídio, cuja restituição aos cofres públicos se deu de forma parcelada, mediante
descontos mensais em contracheques, sem a inclusão de juros ou de correção
monetária – e-STJ fls. 1-5.

Julgada procedente a ação penal, o Juízo de primeiro grau condenou o réu


às penas de 2 (dois) anos, 4 (quatro) meses e 24 (vinte e quatro) dias de reclusão, sob
regime inicial aberto, e de 350 (trezentos e cinquenta) dias-multa, à razão do valor
unitário mínimo – e-STJ fls. 944-952.

Em grau de apelação, o Tribunal de origem negou provimento ao recurso


defensivo e manteve íntegra a sentença penal condenatória (e-STJ fls. 1.005-1.023).

Nas razões do recurso especial, a defesa reputou contrariado o art. 312,


caput, do CP (e-STJ fls. 1.029-1.043).

Sustentou, em primeira análise, a atipicidade do fato imputado, uma vez


que sua conduta se limitou a requerer a antecipação parcial de subsídios perante o
ordenador de despesas da Câmara Municipal de Acrelândia/AC, o que foi deferido.

Aduziu que a condição de vereador do município não lhe conferia a prévia


posse nem a disponibilidade jurídica dos recursos adiantados e que jamais existiu a
intenção de se apropriar definitivamente dos valores, tanto que nos requerimentos de
antecipação registrou o propósito de restituí-los de forma parcelada, mediante
descontos mensais e diretos nas folhas de pagamento.

Por fim, alegou que a condenação expedida nestes autos violava o


princípio da intervenção mínima do Direito Penal, haja vista que a reparação de eventual
prejuízo suportado pelo erário pode acontecer na esfera cível ou administrativa.

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Requereu, ao final, o provimento do especial para a reforma do acórdão
recorrido, com absolvição do agravado nos termos do art. 386, III, do Código de
Processo Penal.

Apresentadas contrarrazões (e-STJ fls. 1.029-1.043), após o juízo prévio


de admissibilidade (e-STJ fl. 1.060), os autos ascenderam ao Superior Tribunal de
Justiça.

Instado a se manifestar, o Ministério Público Federal opinou pelo não


conhecimento do recurso ou, caso dele se conheça, por seu desprovimento (e-STJ fls.
1.068-1.077).

Por decisão desta relatoria, deu-se provimento ao recurso especial da


defesa para o fim de absolver MANOEL FRANCISCO PARENTE GUIMARÃES da
acusação relativa à pratica do crime previsto no art. 312, caput, do Código Penal, nos
termos do art. 386, III, do Código de Processo Penal (e-STJ fls. 1.079-1.086).

Daí a apresentação deste regimental pelo órgão ministerial.

Em que pese a argumentação do agravante, certo é que o provimento do


recurso especial defensivo em nenhum momento demandou o reexame de provas, mas
mera revaloração dos elementos fático-probatórios expressamente admitidos no
acórdão recorrido, providência suficiente para se perceber, de pronto, a atipicidade
objetiva do fato imputado ao agravado e, ainda, a ausência do elemento subjetivo do tipo
inserto no art. 312, caput, do CP – o animus de assenhoramento definitivo do dinheiro
público.

Consoante assinalado na decisão singular impugnada, a denúncia


ofertada nos autos imputou ao ora agravado a apropriação de verbas públicas de que
tinha a posse em razão do cargo de Vereador do Município de Acrelândia/AC, por meio
de expedientes que resultaram a antecipação parcial de subsídios, sem o devido
embasamento legal.

O Juízo de primeiro grau considerou comprovadas a materialidade e a


autoria delitiva, bem assim o elemento subjetivo do tipo, assentando os seguintes
fundamentos para embasar a condenação do réu (e-STJ fl. 947):
A autoria e a materialidade do crime de peculato
restaram devidamente provadas por meio da
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documentação juntada aos autos, qual seja, convênio
firmado entre a Câmara Municipal de Acrelândia e o Banco
do Brasil às fls. 13/19, cópia dos cheques às fls. 23, 28, 33,
os requerimentos de adiantamento de salário fls. 20, 24,
30, 34, os diversos recibos onde constam descontos
pelo adiantamento de salário (fls. 39/85), as notas de
empenho e liquidação/ordem de pagamento demonstrando
a efetivação pagamento dos adiantamentos (fls. 21/22,
25/27. 31/32 e 35/37), informações da Assembléia
Legislativa do Estado do Acre declarando que não existe
esta prática de empréstimos com adiantamento de salário
aos servidores da casa à fl. 134, cópia da prestação de
contas ao Tribunal de Contas, referentes às gestões de
2001/2004 e 2005/2008 às fls. 145/701, cópia de
documentos referentes a empréstimos/adiantamentos de
salário no período de 2004 até 2008. e ainda por meio do
depoimento e interrogatório colhidos em juízo.
De acordo com os elementos de provas apuradas no
presente feito, o acusado adquiriu adiantamento de
salário a total arrepio da lei, sem nenhuma autorização do
ordenamento jurídico e sem pagamento de juros e correção
monetária. (Grifou-se.)

Ainda nos termos da sentença penal condenatória, os adiantamentos


parciais de subsídio traduziam verdadeiros "empréstimos ilegais" (e-STJ fl. 949),
acarretando relevante prejuízo ao erário e indevida vantagem econômica para o
agravado, que recebeu quantias em dinheiro sem incidência de nenhum ônus.

O Tribunal de origem manteve o decreto condenatório expedido no


primeiro grau de jurisdição, acrescentando que (e-STJ fls. 1.013-1.022):

[...] o Apelante dentro de suas atribuições como


Vereador fez uso do cargo para se apossar
antecipadamente dos valores, eis que partiu daquele o
"requerimento ao presidente da Câmara", que de fato,
efetivou-se, consoante declarações da testemunha -
Ovidio Soares de Menezes, Diretor Administrativo da
Câmara no periodo de 2009/2012 - fls. 945/946 [...]
(Original sem destaques.)

Conforme o acórdão recorrido, a sentença penal condenatória e também


a denúncia ofertada nestes autos, ao agravado foi atribuída a prática do crime de
peculato-apropriação, uma vez que, na condição Vereador de Acrelândia/AC, requereu
ao Presidente da Câmara Municipal a antecipação parcial de subsídios, o que lhe foi
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deferido em três oportunidades distintas, mediante descontos posteriores parcelados na
respectiva folha de pagamentos.

Contudo, nos termos do art. 312, caput, primeira parte, do CP, comete o
peculato-apropriação o funcionário público que apodera-se, assenhora-se ou toma
como seu, com animus definitivo – rem sibi habendi –, dinheiro, valor ou qualquer outro
bem móvel, público ou particular de que tem a posse em razão do cargo.

No caso concreto, consoante assentado pela decisão monocrática, a


instância ordinária não logrou demonstrar nas decisões proferidas que o réu, em razão
do cargo que ocupava, detinha a posse do dinheiro – nem mesmo indireta – de que é
acusado de ter-se apropriado. Pelo contrário, conforme os fundamentos do acórdão
recorrido, a disponibilidade jurídica dos recursos pagos ao agravado a título de
adiantamento de subsídio era atribuída ao Presidente da Câmara Municipal, que
era o ordenador de despesas do órgão.

A propósito, é o que consta do depoimento testemunhal prestado por


Ovídio Soares de Menezes – diretor administrativo da Câmara Municipal à época dos
fatos – expressamente incorporado aos fundamentos do acórdão recorrido para
manter a condenação do réu, veja-se (e-STJ fl. 1.016):

[...] que os requerimentos somente eram autorizados


mediante assinatura do presidente e o diretor financeiro
ou o primeiro secretário; que quando o Tribunal de Contas
recomendou o término da prática, todos pararam; que os
vereadores tinham a possibilidade de fazer uma
adiantamento do salário e, como todo brasileiro que tem a
possibilidade de fazer o adiantamento com juros mais
baixos ou nenhum juros, fizeram; que quem tem a posse
do dinheiro na Câmara é o presidente da mesa; que
nenhuma vez o presidente mandou eu fazer os
descontos com juros; que eu acho que se o Presidente
determinasse que fosse realizado os descontos, os
vereadores não iriam se negar; que nunca foi cobrado; que
certamente a Câmara possui o documento do TCE
restringindo esta prática; que a mesa parou de fazer os
adiantamentos, porque houve uma recomendação do
Tribunal de Constas e do Ministério Público; que depois que
o Ministério Público recomendou, não foi feito mais nenhum
adiantamento; que na recomendação não foi pedido que se
cobrasse nenhum juros; que a Câmara fazia adiantamento,
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e não empréstimo; [...] (Original sem destaques.)

Somou-se ainda a essa constatação, o fato – expressamente admitido


pela instância ordinária – de que os adiantamentos obtidos pelo agravado foram
precedidos de requerimentos específicos, destinados ao Presidente da Casa
Legislativa.

É certo que, consoante a jurisprudência desta Corte Superior, "o conceito


de 'posse' de que cuida o artigo 312 do Código Penal tem sentido amplo e abrange a
disponibilidade jurídica do bem de modo que resta configurado o delito de peculato na
hipótese em que o funcionário público apropria-se de bem ou valor, mesmo que não
detenha a sua posse direta" (REsp 1695736/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE
ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 08/05/2018, DJe 16/05/2018). Contudo, é
indispensável que essa disponibilidade jurídica esteja ao prévio alcance do agente em
razão do cargo que ocupa, sob pena de não poder falar-se em perfazimento do tipo
penal em comento.

Esse, aliás, é o ensinamento da doutrina:

"[...] o funcionário necessita fazer uso de seu cargo para


obter a posse de dinheiro, valor ou outro bem móvel. Se
não estiver na esfera de suas atribuições o recebimento
de determinado bem, impossível se falar em peculato,
configurando-se outro crime" (NUCCI, Guilherme de
Souza. Código Penal Comentado. 19ª ed. – Rio de Janeiro:
Forense, 2019, p. 1.434) – destaques acrescidos.)

Portanto, inevitável admitir no caso concreto a ausência de tipicidade


objetiva do fato, porquanto o crime de peculato somente se consuma "quando o agente
tem a posse prévia do bem e dele se apropria indevidamente, prevalecendo-se do
cargo público que ocupa" (RHC 119325, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a)
p/ Acórdão: Min. EDSON FACHIN, Primeira Turma, julgado em 09/12/2015,
PROCESSO ELETRÔNICO DJe-058 DIVULG 30-03-2016 PUBLIC 31-03-2016).

Nessa toada:
PENAL. HABEAS CORPUS. PECULATO-APROPRIAÇÃO.
TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ATIPICIDADE DA CONDUTA.
COMPENSAÇÃO TRIBUTÁRIA RECONHECIDA PELA DELEGACIA
DA RECEITA FEDERAL. POSTERIOR ANULAÇÃO. EVIDÊNCIAS

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DE IRREGULARIDADES NO FEITO. EMBASAMENTO
SUFICIENTE PARA A DENÚNCIA. POSTERIOR DECISÃO DO
CONSELHO DE CONTRIBUINTES QUE ENTENDEU CORRETA A
COMPENSAÇÃO. AUSÊNCIA, POR CONSEGUINTE, DE
DISPONIBILIDADE JURÍDICA DO QUANTUM POR PARTE DA
RECEITA. IMPOSSIBILIDADE, VIA DE CONSEQÜÊNCIA, DE
INVERSÃO DE SUA POSSE EM BENEFÍCIO DO CONTRIBUINTE.
ORDEM CONCEDIDA. ESTENDIDOS OS EFEITOS DO JULGADO
AOS DEMAIS CO-RÉUS.
[...]
3. O peculato-apropriação pressupõe que o agente (in casu,
Delegado da Receita Federal) possua a disponibilidade da res
pertencente à vítima (Receita Federal), invertendo a posse em
benefício seu ou de outrem. Precedente.
[...]
6. Ordem concedida para trancar a ação penal, estendendo-se os
efeitos do julgado aos demais co-réus da ação penal de
conhecimento.
(HC 101.211/RJ, Rel. Ministra JANE SILVA (DESEMBARGADORA
CONVOCADA DO TJ/MG), SEXTA TURMA, julgado em 16/09/2008,
DJe 20/10/2008, grifou-se.)

Não fosse o bastante, nos termos da decisão agravada, os fundamentos


expostos no acórdão proferido pelo Tribunal de origem mostraram-se despidos de
demonstração do elemento subjetivo específico do tipo.

No ponto, novamente, a simples revaloração das provas documentais


expressamente admitidas e delineadas no decreto condenatório de primeiro
grau e no acórdão recorrido foi medida suficiente para notar que nos pedidos de
adiantamento subscritos pelo agravado já consignavam a intenção de restituir o dinheiro
antecipado, de forma parcelada, o que de fato aconteceu por meio de descontos diretos
nos pagamentos realizados posteriormente ao vereador (e-STJ fls. 20, 24, 30, 34 e
39-74). Ou seja, se levadas em consideração as mesmas provas utilizadas pela
instância ordinária para condenar o agravado, é possível concluir que nunca houve
o animus de assenhoramento definitivo do dinheiro público.

Todas essas circunstâncias se contrapunham à caracterização do crime


de peculato, que consoante entendimento há muito sedimentado nesta Corte Superior,
"reclama o fim específico de se apropriar, definitivamente, de bem móvel de que tem a
posse o funcionário público em razão de sua função" (REsp 830.671/SP, Rel. p/
Acórdão Ministro HAMILTON CARVALHIDO, SEXTA TURMA, julgado em 08/03/2007,
DJe 09/06/2008).
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Nessa mesma linha de pensamento:

PENAL. PROCESSUAL PENAL. PECULATO. CONSELHEIRO DE


TRIBUNAL DE CONTAS. RECEBIMENTO INDEVIDO DE DIÁRIAS.
COMPROMISSOS OFICIAIS FICTÍCIOS. DEVOLUÇÃO DOS
VALORES DISTANCIADA NO TEMPO. VERTICALIZAÇÃO DO
DOLO. LIMITAÇÕES DA FASE PROCESSUAL. JUSTA CAUSA.
RECEBIMENTO DA DENÚNCIA.
1. Tipicidades objetiva e subjetiva indiciariamente aferidas
quanto ao delito do artigo 312, caput, c/c o artigo 327, § 2º,
ambos do Código Penal, uma vez projetadas a apropriação
indevida de valores públicos e o animus rem sibi habendi, pela
auto concessão de diárias, enquanto Presidente do Tribunal de
Contas do Estado de Roraima, para atender a compromissos
oficiais inexistentes.
[...]
Denúncia recebida.
(APn 849/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Rel. p/
Acórdão Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, CORTE
ESPECIAL, julgado em 19/09/2018, DJe 26/10/2018, grifou-se.)

Igualmente:

HABEAS CORPUS. CRIME DE PECULATO-APROPRIAÇÃO. 1.


CONDUTA DESCRITA NA DENÚNCIA QUE NÃO SE SUBSUME AO
TIPO PREVISTO NO ART. 312 DO CÓDIGO PENAL. AUSÊNCIA
DE DEMONSTRAÇÃO DO ELEMENTO VOLITIVO. INVERSÃO DO
TÍTULO DA POSSE NÃO INDICADA NA PEÇA ACUSATÓRIA.
FLAGRANTE ILEGALIDADE. CONSTATAÇÃO DE PLANO.
POSSIBILIDADE NA VIA DO WRIT. 2. ABSOLVIÇÃO EM
PRIMEIRO GRAU. CONDENAÇÃO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM.
ACÓRDÃO QUE INVERTEU O ÔNUS DA PROVA E CASSOU A
DECISÃO ABSOLUTÓRIA. AFRONTA AO PRINCÍPIO DA NÃO
CULPABILIDADE E AO ART. 156, PRIMEIRA PARTE, DO CPP.
CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENTE A SER SANADO,
EXCEPCIONALMENTE, NA VIA DO MANDAMUS. ORDEM
CONCEDIDA.
[...]
2. No caso, o paciente foi condenado por se apropriar, na
qualidade de servidor público, de bem móvel de que tinha a
posse em razão do cargo (art. 312 do Código Penal). Contudo,
os fatos narrados na denúncia, por si só, não permitem a
adequação típica pretendida pelo Ministério Público e
visualizada pelo acórdão condenatório, pois ausente a
demonstração da presença de elemento volitivo indispensável à
configuração do delito.
3. A denúncia não expôs condutas do paciente que pudessem
evidenciar a inversão do título da posse, a intenção de fazer
sua a coisa de que tinha a posse (animus rem sibi habendi),
tampouco atos que demonstrassem ter ele agido como
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proprietário da coisa. Ao contrário, a imputação de
peculato-apropriação decorreu de efeito automático de suposta
não devolução das armas confiadas ao paciente pela própria
corporação policial, logo após a suspensão preventiva do exercício
do cargo.
4. Embora a não devolução imediata das armas acauteladas,
após a suspensão do cargo, possa eventualmente caracterizar
infração funcional, em hipótese alguma basta para a
configuração do delito previsto no art. 312 do Código Penal,
uma vez que o tipo em questão exige o dolo de transformar a
posse em propriedade, em ter a coisa como sua, elemento
volitivo esse cuja constatação foi dispensada pelo parquet, que
somente se deteve a imputar o crime ao paciente sem qualquer
análise mais acurada sobre a presença das elementares do tipo
e sobre a intenção do agente. Tanto foi assim, que o cometimento
do suposto crime teria ocorrido exatamente um dia após a
expedição da portaria de suspensão do paciente do cargo, levando
a crer que não houve qualquer investigação no sentido de se aferir
a real vontade do paciente de se apoderar das armas.
5. Ademais, o Tribunal de origem, ao dar provimento ao apelo
ministerial a fim de cassar a sentença absolutória e condenar o
paciente, inverteu equivocadamente o ônus da prova, atribuindo à
defesa o dever não só de demonstrar sua alegação de inocência,
como também de refutar as imputações do parquet, em manifesta
ofensa ao sistema processual penal acusatório, ao princípio
constitucional da não culpabilidade (art. 5º, LVII, da Constituição
Federal), bem como ao comando insculpido no art. 156, primeira
parte, do Código de Processo Penal, que preceitua que "a prova da
alegação incumbirá a quem a fizer".
6. Habeas corpus concedido para, cassado o acórdão
condenatório proferido em grau de apelação, restabelecer a
sentença absolutória de primeiro grau, nos autos da Ação Penal nº
2003.5101508689-5, que tramitou perante a 7ª Vara Federal
Criminal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro.
(HC 120.426/RJ, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA
TURMA, julgado em 13/12/2011, DJe 13/02/2012, grifou-se.)

Em suma, mostrava-se mesmo inadequada a condenação do agravado


como incurso no art. 312 do CP, haja vista a ausência de circunstâncias elementares
do tipo penal.

O fato apurado nos autos pode até demandar responsabilização nas


esferas cível e administrativa, mas é insuficiente para consubstanciar a estrutura típica
do crime de peculato-apropriação, que, repita-se, exige a prévia posse – ainda que no
sentido de disponibilidade jurídica – do bem usurpado pelo funcionário público e a
vontade de assenhoramento definitivo.

E, por fim, reafirme-se que a conclusão alcançada na presente hipótese


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não demandou incursão inédita nas provas dos autos, mas, repita-se, apenas a
revaloração daqueles mesmos elementos fático-probatórios considerados pela
instância ordinária para fundamentar sua convicção condenatória. Portanto,
absolutamente indevido suscitar qualquer forma de ofensa à orientação do
enunciado da Súmula n. 7/STJ.

Nesse sentido:
PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL DE JOSÉ CARLOS GRATZ.
AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. PECULATO. ART. 312 DO CP.
PENA-BASE. SÚMULA 7/STJ E REFORMATIO IN PEJUS. NÃO
OCORRÊNCIA. DESMEMBRAMENTO DOS AUTOS.
POSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 545/STJ. INOVAÇÃO
RECURSAL. CONDENAÇÃO BASEADA NO CONJUNTO
PROBATÓRIO. VERIFICAÇÃO. SÚMULA 7/STJ.
REDIMENSIONAMENTO DE PENA E FIXAÇÃO DE REGIME
ADEQUANDO AO NOVO QUANTUM. POSSIBILIDADE.
CORREÇÃO DE OFÍCIO NA DOSIMETRIA. REDUÇÃO DO
PATAMAR DE ELEVAÇÃO DA PENA-BASE. COERÊNCIA E
RAZOABILIDADE. CONCESSÃO DA ORDEM DE OFÍCIO.
1. No que tange à análise da pena-base fixada, o debate de teses
jurídicas, sem extrapolar os limites fáticos delineados pelas
instâncias antecedentes, não viola o enunciado n. 7 da Súmula
desta Corte, uma vez que não se está diante de situação que
demanda reexame, mas apenas a revaloração dos elementos
probatórios considerados (AgRg no REsp 1660053/MG, Quinta
Turma, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe de 4/6/2018).
[...]
8. Agravo regimental não provido. Habeas corpus concedido de
ofício, para reduzir a pena para 3 anos e 6 meses de reclusão,
parâmetro que autoriza a manutenção do regime fixado pela Corte
local e da substituição da pena.
(AgRg no AREsp 1362189/ES, Rel. Ministro REYNALDO SOARES
DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 05/02/2019, DJe
15/02/2019, grifou-se.)

Idem:
PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL.
CRIMES CONTRA ORDEM TRIBUTÁRIA (ART. 1º, I, II e IV, LEI N.
8.137/90). DOSIMETRIA. PENA-BASE. CONSEQUÊNCIAS DO
DELITO. MONTANTE DO VALOR SONEGADO. POSSIBILIDADE.
REVALORAÇÃO JURÍDICA. NÃO INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ.
DECISÃO MANTIDA. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
[...]
3. A revaloração jurídica dos fatos incontroversos constantes
do acórdão de apelação é possível em sede de recurso especial,
não havendo se falar em incidência do enunciado sumular n.
Documento: 1893991 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 19/12/2019 Página 12 de 4
Superior Tribunal de Justiça
7/STJ.
4. Agravo regimental improvido.
(AgRg no REsp 1448858/SE, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO,
SEXTA TURMA, julgado em 26/09/2017, DJe 04/10/2017,
grifou-se.)

Ante o exposto, nega-se provimento ao agravo regimental.

É o voto.

Documento: 1893991 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 19/12/2019 Página 13 de 4
Superior Tribunal de Justiça

CERTIDÃO DE JULGAMENTO
QUINTA TURMA

AgRg no
Número Registro: 2019/0279228-1 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.838.751 / AC
MATÉRIA CRIMINAL

Números Origem: 08000069320168010006 082016000014490 8000069320168010006 82016000014490

EM MESA JULGADO: 26/11/2019

Relator
Exmo. Sr. Ministro JORGE MUSSI
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro RIBEIRO DANTAS
Subprocuradora-Geral da República
Exma. Sra. Dra. MÔNICA NICIDA GARCIA
Secretário
Me. MARCELO PEREIRA CRUVINEL

AUTUAÇÃO
RECORRENTE : MANOEL FRANCISCO PARENTE GUIMARÃES
ADVOGADOS : ROBERTO DUARTE JÚNIOR - AC002485
LUCCAS VIANNA SANTOS E OUTRO(S) - AC003404
RODRIGO COSTA DE OLIVEIRA - AC003538
ANNA IZA MOREIRA DE ARAÚJO - AC005244
RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ACRE

ASSUNTO: DIREITO PENAL - Crimes Praticados por Funcionários Públicos Contra a Administração em
Geral - Peculato

AGRAVO REGIMENTAL
AGRAVANTE : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
AGRAVADO : MANOEL FRANCISCO PARENTE GUIMARÃES
ADVOGADOS : ROBERTO DUARTE JÚNIOR - AC002485
LUCCAS VIANNA SANTOS E OUTRO(S) - AC003404
RODRIGO COSTA DE OLIVEIRA - AC003538
ANNA IZA MOREIRA DE ARAÚJO - AC005244
INTERES. : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ACRE

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia QUINTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão
realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
"A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental."
Os Srs. Ministros Reynaldo Soares da Fonseca, Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik e
Leopoldo de Arruda Raposo (Desembargador convocado do TJ/PE) votaram com o Sr. Ministro
Relator.

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